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O PROCESSO DE TRABALHO DE TIPO “CANTEIRO” E SUA RACIONALIZAÇÃO

Observações sobre algumas tendências da pesquisa atual1

BENJAMIN CORIAT
Université Paris VII
Traduzido por Jorge Hajime Oseki revisado por João Sette Whitaker Ferreira

O momento atual da pesquisa

Comecemos pelo enunciado de um paradoxo. Que se formula de maneira simples quando se observa que, enquanto
ocupa uma proporção grande da população operária total, entre as mais elevadas de todos os setores de produção, e detém um
papel chave2 na acumulação do capital, o canteiro permanece uma das formas de produção menos conhecida e talvez a menos
compreendida.
Para este paradoxo, há explicações. Elas são de várias ordens.
A primeira, e sem dúvida a mais aparente, se deve à grande diversidade de formas de organização da produção que o
próprio vocábulo “canteiro” abrange, bem como à diversidade de tipos de fabricação que o canteiro tem por vocação produzir. Esta
dificuldade inicial desencorajou as pesquisas sobre a Construção Civil∗ e estas só se sentiram em terreno mais firme quando
recortaram seu objeto para fazê-lo coincidir com uma e apenas uma das formas de produção que estão contidas no setor.
Mas há, parece-me, uma razão ainda mais profunda para este atraso da pesquisa na área. Para resumí-la em poucas
palavras, isto se deve ao fato de que, em matéria de organização do trabalho e da produção, o próprio setor da Construção, assim
como a pesquisa que o tomou por objeto, foram ambas vítimas de um modelo de referência exterior a elas e que revelou
progressivamente não ser adequado. Este “modelo” exterior que serviu de referência implícita ou explícita é o taylorismo. Nascido e
desenvolvido na indústria automobilística, o sistema de Taylor em suas diferentes variantes foi em seguida aplicado a segmentos da
produção cada vez mais numerosos e diversificados, através dos diferentes ramos da economia social. Na realidade industrial como
na metodologia de pesquisa que pretendia representá-la, o modelo taylorista se tornou rapidamente uma chave de interpretação. E
a Construção não escapou a esta regra. Do lado das empresas, tentativas de se introduzir o taylorismo se deram de forma
sistemática e reiterada3. E talvez por isto as pesquisas, mesmo assinalando as especificidades próprias ao setor, procuraram
também, analisar as suas características a partir de instrumentos de análise e conceitos oriundos de trabalhos sobre o taylorismo
realizados, portanto, em outros campos, notadamente o da indústria automobilística.
Dito isto, o interesse atual pelas pesquisas sobre a Construção fica mais claro. Parece-nos, com efeito, e as numerosas
comunicações deste seminário o confirmam4, que estamos entrando talvez, em uma outra fase, na qual os materiais e os elementos
de análise disponíveis e próprios à realidade e à especificidade do setor começam a ser explicitados. Mais do que uma imagem de
um setor sempre insuficientemente taylorizado, se forma a imagem de um setor diferente cujas regras de evolução e instrumentos
de análise que lhe seriam mais adequados estão se constituindo.

1Atas de Colóquio, 16 -17 de novembro de 1983. “O Trabalho em Canteiros” Plano Construção e Habitat.
2 Precisamos de fato nos lembrar que no tipo de modelo de acumulação de capital centrado sobre a produção e o consumo de massa que tomou impulso depois da
Segunda Guerra mundial, a construção tem um papel chave. Sobre isto cf. notadamente Aglietta (1976), Coriat (1979-1982) e Boyer-Mistral (1983).

N.T. “BTP” em francês, isto é, “Bâtiment et Travaux Publics”, em português se traduziria literalmente por “Edificações e Obras Públicas” (EOP), que equivale ao que
entendemos por setor Construção Civil.
3 Aliás, este é um dos interesses maiores que a comunicação de G. Ribelli desperta quando relembra como logo de saída, a Construção Civil se esforçou em

participar dos encontros sobre o taylorismo. E não somente nos EUA, como se percebe em trabalhos de Gilbreth (um pioneiro do taylorismo cujos ensaios de
aplicação, em grande parte, visavam precisamente a sua aplicação na Construção), mas também através do episódio que Ribelli nos conta sobre os “aeroplanos
Voisins” <fábrica de aviões comerciais dos irmãos franceses Voisins, fundada em 1906, uma das primeiras do mundo. N.T.> ou ainda em pesquisas ou tentativas do
próprio Le Corbusier.
4 Trata-se de comunicações do Seminário de pesquisadores organizado pelo Plano Construção e Habitat acima citado.

1
Assim, além apenas do estudo sobre a Construção, é todo o conjunto das pesquisas relativas a análises dos processos
de trabalho e da produção que se enriquece, e se abre para instrumentos e conceitos novos. Talvez mesmo, e eu voltarei a este
ponto, estejamos passando de uma situação onde a Construção, até agora um setor “dominado” por um modelo de análise externo
e importado, se transforma, tornando-se um espaço de elaboração de novos pontos de vista, que permitem explicar os fatos de
maneira diferente e explorar dimensões até agora não apreendidas por outros setores da produção.
Neste artigo me proponho - baseando-me bastante nos estudos recentes sobre a Construção – a tentar contribuir
colocando em evidência as especificidades e as novidades que estimulam uma análise que se origina e progride a partir do
“canteiro”.
Após o enunciado das características mais marcantes do trabalho no canteiro, mas ainda formuladas de forma negativa,
em contraste com o modelo taylorizado, me esforçarei em remeter estas especificidades a um conjunto de determinações, desta
vez positivas, do processo de trabalho de tipo canteiro, considerado do ponto de vista do valor de uso e do trabalho concreto. Uma
terceira parte será dedicada ao tipo de economia de tempo que prevalece no setor e em uma quarta tratarei de certas vias setoriais
que seguem a racionalização do trabalho e da produção. Depois disso tentarei formular algumas conclusões.

O trabalho em canteiro:
algumas determinações negativas

Em uma primeira abordagem, pelo menos quatro séries de elementos devem ser destacadas, porque marcam a diferença
da organização do trabalho e da produção na Construção em relação a outros setores, para em seguida serem articulados de
maneira a caracterizar a “forma canteiro”.

Não repetitividade das tarefas de produção requeridas

Esta não repetitividade é induzida, sobretudo, pela extrema variabilidade dos tipos de obras que o canteiro executa. Da
reunião de elementos pré-fabricados para a construção de casas populares∗, à montagem de casas individuais, ou à construção de
uma usina nuclear, o canteiro lida com uma extrema variedade de objetos a serem produzidos e deve, em cada caso, ser pensado
e organizado de maneira diversa. O que se não proíbe, pelo menos torna altamente improvável o estabelecimento de séries
estáveis de postos de trabalho repetitivos, reutilizáveis posteriormente, em todas as situações impostas à fabricação.

Caráter parcial e na maioria dos casos quase marginal da padronização dos elementos utilizados no produto final

É lógico que a prática da padronização não está ausente no setor. Ensaios sistemáticos foram (e continuam a ser) feitos,
mas só se preocuparam com alguns elementos restritos ou com uma pequena parte da gama de produtos que o setor normalmente
fabrica. Para ser claro, esclareçamos que é, sobretudo, em contraste com setores profundamente taylorizados e onde se pratica o
fordismo, que estas especificidades do canteiro podem ser mais bem evidenciadas. Na indústria automobilística, por exemplo, uma
vez que o produto é projetado, cada peça é padronizada, como também todo o modo de se produzir em grande escala.
Padronização e repetitividade nos gestos são a regra. Ao contrário, é fácil compreender porque o canteiro não pode ser analisado
pelas categorias de repetitividade e padronização, mesmo quando para segmentos de produção e para operações particulares, o
trabalho repetitivo e a padronização tenham sido eventualmente introduzidos.


N.T. As “HLM” (“habitations à loyer modéré”) são conjuntos populares promovidos pelo Estado para aluguel subsidiado.

2
Irregularidade das tarefas no tempo

Esta irregularidade das tarefas no tempo não é exatamente específica do trabalho em canteiro. Nas indústrias seriadas
existem problemas de mesma natureza, o que vem sendo tratado por técnicas chamadas de equilibração dos postos de trabalho ao
longo das linhas de reunião e de montagem. A solução quase sempre insuficiente e freqüentemente improvisada destes problemas
está aliás na origem tanto das grandes “perdas” na eficácia do trabalho parcelado, como das fortes tensões relacionadas ao caráter
desigual das tarefas em postos que são, no entanto, submetidos à um mesmo ritmo5. A diferença está somente em que, no canteiro,
esta irregularidade das tarefas de trabalho compreende variações muito grandes. Em certos momentos e em certas fases, um
grande número de trabalhadores é necessário, e estes devem ainda operar muito rapidamente, enquanto que na fase
imediatamente posterior, esta obrigação de quantidade e de velocidade desaparece. O trabalho pode ser retomado com um ritmo
totalmente diverso e seguindo outro princípio de organização. Em conseqüência, há uma extrema dificuldade de programação do
trabalho, senão uma impossibilidade, ou, em todo caso, restrições (de natureza tanto espacial como temporal) a uma gestão original
e específica ao setor.

Papel central da terra

A quarta especificidade é a que se refere ao papel central que desempenha a terra - e as necessidades de valorização
que se vinculam à terra - no canteiro. Bernard Kündig pode dizer que, pelo fato de sermos obrigados a recorrer à terra como suporte
de valor de uso, é o próprio processo de trabalho, e em todo seu conjunto, que “circula” e deve cada vez se adaptar a um suporte
diferente, ao contrário das outras indústrias onde é o produto que circula entre os postos de um trabalho estável e previsto
anteriormente.
Estas quatro séries de características com as quais a pesquisa logo se confrontou explicam facilmente a dificuldade em se
analisar a realidade do setor nos termos e categorias do trabalho taylorizado. Assim, a princípio, foi desta maneira negativa, por
contraste com princípios que prevaleciam em processos de trabalho fortemente taylorizados e submetidos ao fordismo, que as
categorias de analise próprias ao canteiro foram sendo atualizadas e explicitadas.
Parece-nos, entretanto, possível começarmos a romper com este pensamento que é definido pela diferença e pela
negação. E se engajar, pelo contrário, em começar a definir, desta vez, as especificidades do trabalho em canteiro de uma forma
positiva.

A variabilidade: uma determinação positiva

Sob esta preocupação de uma definição positiva, uma mesma noção pode, a nosso ver, servir de guia para o enunciado
de um conjunto de especificidades próprias ao canteiro. Esta noção - como foi bem evidenciado por Myriam Campinos-Dubernet -
parece ser justamente a variabilidade. Variabilidade, primeiro e essencialmente do produto, ou se preferirmos dos valores de uso
para a produção dos quais o canteiro se organiza. A lista, como já ressaltamos, é longa: de pequenas reformas a grandes conjuntos
habitacionais, ou a canteiros de construção de obras públicas, o produto se apresenta fundamentalmente como não-homogêneo.
Se permanecermos no campo dos valores de uso, este caráter de variabilidade ou de não-homogeneidade do produto é ainda
reforçado pelo fato de que o produto “construção” apresenta a particularidade de requerer antecipadamente um suporte fundiário,
ele próprio altamente variável conforme sua localização – em zonas rurais, semi-urbanas ou nos centros das cidades, por exemplo
– conforme as características físicas dos terrenos e dos solos ou ainda as normas do código de obras e da legislação de
zoneamento que regulam a construção edificatória. Podemos então prosseguir e assinalar que esta dupla variabilidade inicial e

5 Para uma apresentação das restrições e contradições próprias às técnicas de equilibração, cf. nossa obra (1979-1982)

3
essencial (do produto e de seu suporte) se prolonga e se aprofunda necessariamente no que se refere à execução do trabalho
concreto. A não-repetitividade das tarefas (ou seu domínio restrito de praticabilidade) e a não padronização dos produtos levam
então a características já enunciadas de um trabalho em que a repetitividade dos gestos parcelares tem pouco espaço para
aplicação e a distribuição dos encargos de trabalho é desigual e varia frequentemente de maneira brusca. Concordando com
Myriam Campinos-Dubernet (1983), podemos dizer que, em resumo, se trata na verdade de uma dupla variabilidade: variabilidade
“externa” em primeiro lugar (ligada ao valor de uso e à não-homogeneidade dos produtos) e em seguida, variabilidade “interna”,
ligada às condições necessárias para a realização do trabalho concreto. De uma maneira geral e pensando primeiro e somente nas
condições de formação dos valores de uso, o canteiro pode ser caracterizado, portanto, como um processo de trabalho no qual o
duplo princípio das variabilidades externa e interna – que remetem por sua vez a determinações de caráter espacial e temporal –
tem um papel chave. Se o aspecto “espacial” destas determinações já foi bastante estudado 6 , a dimensão da variabilidade
“temporal” na organização interna do processo de trabalho deveria ser melhor explorada e explicitada. Conviria para fazê-lo,
aprofundar o estudo das obrigações de sucessividade e/ou simultaneidade7 nas diferentes séries de operações requeridas no ato
de construir. A própria natureza destas obrigações no canteiro é sem dúvida o que explica o caráter “individualizável” das tarefas de
produção e faz com que estas, em inúmeros casos, possam permanecer identificáveis no âmbito da divisão social do trabalho, na
estrutura das diferentes corporações ainda existentes e exercendo a profissão.
Se nos voltarmos para a questão da natureza do trabalho concreto requerido nestes processos variáveis, outras
características do processo de trabalho de tipo canteiro aparecem. Elas podem ser resumidas pelo fato de que - aqui como em
outros lugares - se as tarefas de produção puderam ser simplificadas e banalizadas 8 (e freqüentemente sob a mesma lógica
taylorista que domina a indústria) - estas permaneceram, relativamente, pouco numerosas. A racionalização propriamente taylorista
dos gestos e dos tempos, presente no canteiro, esbarrou em obstáculos insuperáveis que impediram a sua aplicação em grande
escala. Em contraponto a estes limites, o “trabalho qualificado”, mesmo sofrendo modificações substanciais, não pôde ser eliminado
e conservou um lugar freqüentemente central, ao menos no que se refere a certos conjuntos de tarefas. Assim, se o trabalho pôde
se submeter a processos de banalização, tais processos raramente puderam ser conduzidos a ponto do conjunto de gestos ou de
tarefas banalizados serem associados a tempos elementares rigorosos de operação. A lógica do conjunto do trabalho em canteiro,
as sucessividades, as simultaneidades, as interdependências, representam um obstáculo a uma normatização individual muito
rigorosa no sentido taylorista clássico, tal como estas normas foram aplicadas na indústria seriada. E se a preocupação de controle
de tempo está bem presente, este se faz aqui muito mais (voltaremos a isto) sobre as equipes de trabalho ou sobre parcelas do
processo de trabalho.
De uma maneira geral, coexistem então no canteiro e sob a direção de um conjunto de técnicos que continuam a
desempenhar um papel chave, a reunião de trabalhos banalizados freqüentemente não rigorosamente repetitivos, trabalhos
especializados e trabalhos qualificados, o que distingue claramente esta forma de organização de qualquer outra organização da
produção.
Definido como essencialmente e duplamente “variável”, composto por uma força de trabalho com características
particulares, onde a banalização supera a fragmentação (parcelamento), e onde subsiste um amplo campo para a atividade
qualificada, o “canteiro” começa a aparecer como uma forma própria e particular, distinta de outros tipos de processos de trabalho e
produção já analisados.
Entretanto, estas determinações do processo de trabalho pelo valor de uso e pelo trabalho concreto, se permitem um
primeiro esboço de precisões sobre a caracterização da forma “canteiro”, não esgotam seu conteúdo. Faltaria ainda, e este aspecto

6 Ver a este respeito, sobretudo, A. Lipietz (1982), este livro vale, além disso, como um exame crítico das principais contribuições sobre a matéria.
7 Levar em conta esta obrigatoriedade de simultaneidade e sucessividade constitui uma das dificuldades centrais das técnicas de equilibração às quais já nos
referimos (cf. nota 5)
8 E. Campagnac chama a atenção, a meu ver muito justa e oportunamente, para o fato de que embora existam processos de “simplificação”, nos quais o trabalho

concreto é apreendido, isto não significa que se chegue a um trabalho “simples”. É com esta mesma preocupação em não deixar implícito que o trabalho
“simplificado” é analisável como um trabalho “simples”, que eu emprego a expressão trabalho “banalizado”.

4
é essencial, tentar melhor delimitar o canteiro do ponto de vista de condições que lhe são próprias de formação de valores de troca
e de estabelecimento dos custos de produção.

Critério de economia de tempo

Seguindo Söhn-Rethel9 neste aspecto, é possível distinguir dois grandes tipos de processo de trabalho e produção:
_ aquele no qual pode ser estabelecida uma relação direta entre o ritmo de trabalho e a quantidade de produção obtida
por unidade de tempo. A cadência de trabalho é então uma variável chave para o estabelecimento dos custos de produção;
_ aquele no qual pelo contrário esta relação - ritmo de trabalho/quantidade de produtos - não pode ser estabelecida de
forma direta. Neste caso as variáveis chave para o estabelecimento dos custos de produção devem ser procuradas nas formas de
utilização do capital fixo, notadamente na taxa de utilização da capacidade instalada.
Em estudos anteriores e com base nestas categorias centrais, eu havia proposto distinguir indústrias de formas –
correspondendo ao primeiro tipo de processo de trabalho – das indústrias de propriedade correspondendo ao segundo tipo de
processo de trabalho.
A partir destas considerações e categorias o que podemos dizer sobre o “canteiro”? Duas observações, parece-me,
merecem ser feitas.
Claramente, é dentro da primeira série de processos de trabalho, aqueles nos quais o ritmo de trabalho constitui a variável
chave para o estabelecimento dos custos de produção, que o canteiro deve ser considerado. Isto, aliás, é também o que explica a
longa e difícil história da “taylorização” do setor. Os diferentes sistemas de análise de tempos e movimentos, advindos do taylorismo,
se constituem historicamente na forma mais desenvolvida de pesquisa de aumento de ritmos de trabalho, é quase obrigatório então
que nos esforcemos para “aplicá-los” ao canteiro.
Entretanto, se o canteiro pertenceria com toda a certeza à família das indústrias de formas - ao lado da indústria
automobilística, da confecção de roupas e da indústria de aparelhos domésticos, por exemplo – ele ocupa nesta categoria um lugar
muito particular. Porque, diferentemente das outras indústrias de formas, a Construção não é analisável como uma indústria
clássica de produção em série. É preciso neste aspecto sermos bem claros. Entenda-se bem: há certamente no setor cuja “forma
canteiro” é o suporte principal, a presença de elementos de produção em série, notadamente quando o canteiro é o lugar de
montagem de elementos pré-fabricados e estes foram anteriormente produzidos em série. Mas as diferenças com outros setores
canônicos da indústria seriada (pensemos na automobilística) são eminentes. Na grande seriação, o produto final sendo
padronizado, cada um dos milhares de componentes também o são, assim como os modos de reunião e montagem dos diferentes
componentes de subconjuntos particulares. No canteiro, enquanto que mesmo quando se trata – e notemos que nem sempre é o
caso - de reunião de componentes pré-fabricados, isto deve ser feito sob as múltiplas dimensões de necessidades de variabilidade
já enunciadas (variabilidade interna e externa ligadas aos produtos, aos suportes fundiários, à desigualdade das tarefas no tempo,
etc.).
Assim no seio mesmo das indústrias de formas, isto é das indústrias onde o ritmo de execução do trabalho permanece
uma variável chave para o estabelecimento dos custos de produção, as pesquisas e os estudos sobre a Construção conduzem a
distinguir entre:
_ as indústrias com processo de trabalho baseado na grande produção em série de produtos padronizados: a forma
fábrica regida por princípios dominantes rígidos tayloristas e fordistas de parcelamento e repetição do trabalho;
_ as indústrias com processo de trabalho baseados na reunião-montagem de componentes sob o regime da
variabilidade: a forma canteiro prevalece neste caso, os modos taylorianos de divisão do trabalho se revestem mais de um aspecto

9Sobre este ponto referimo-nos à obra mestra de Söhn-Rethel (1977) bem como a comentários sobre este texto de Kündig (1978). O conjunto de categorias
utilizadas anteriormente foi extraído de K. Marx, sobretudo de seus “Manuscritos de 1861-63”.

5
de banalização do que de parcelamento das tarefas e devem, neste caso, co-habitar com outros modos e técnicas de pesquisa em
economia de tempo ligados ao regime de variabilidade10.
Ressaltemos para concluir que estas proposições e o próprio princípio desta distinção só reforçam a relação necessária e
a unidade entre condições de formação dos valores de uso e de formação dos valores de troca. Assim a “variabilidade” essencial
referenciada e descrita em relação ao valor de uso se reencontra na análise das restrições em relação à economia de tempo,
próprias à formação dos valores de troca.
Para resumir e fixar o alcance destas proposições, diremos que a forma canteiro pode ser definida como: o tipo de
processo de trabalho que é pertinente às indústrias de formas, no qual as restrições que lhe são essenciais, de variabilidade,
ligadas ao valor de uso, delimitam e limitam o espaço de aplicação dos princípios tayloristas de parcelamento e repetitividade do
trabalho e em que prevalece ainda uma busca por uma maior rapidez na execução das tarefas.

O canteiro e sua racionalização

A especificidade do canteiro e do trabalho que é nele distribuído estando determinada, convém agora nos indagar de que
maneira a racionalização está evoluindo na área, levando-se em conta estas particularidades já enunciadas. Frente à extrema
diversidade de formas que a racionalização11 pode assumir neste caso, este parágrafo não poderia pretender de forma alguma,
qualquer generalidade ou exaustividade. Ao contrário, de forma deliberada, eu me atenho a distinguir dois traços característicos que,
ao mesmo tempo, parecem estar muito ligados às particularidades do setor e também permitem introduzir questões metodológicas
de alcance mais amplo, relativas ao próprio conceito de racionalização. O primeiro diz respeito a certas tendências que assume a
racionalização do trabalho propriamente dito em canteiro. Consiste no fato de que certas formas flexíveis de organização
(polivalência, equipes, grupos autônomos, etc.) têm um papel que merece atenção especial. O segundo concerne mais à evolução
do setor, não do “trabalho”, mas das formas produtivas mais complexas, notadamente quando são introduzidos suportes técnicos
novos. O exemplo extraído da pesquisa de Elisabeth Campagnac, e sobre a qual eu gostaria de propor algumas reflexões, trata da
passagem para a produção industrializada da confecção da carpintaria de telhados residenciais, inclusive com a utilização da
informática.
A partir desta dupla dimensão que o processo de racionalização vem assumindo – do trabalho e da produção – algumas
observações poderão então ser formuladas.

Um papel particular do trabalho em equipe

Além da busca - aqui, como em todo lugar - efetuada por pesquisas que procuram a simplificação, a banalização, ou o
estabelecimento de normas para gestos elementares, um traço característico da racionalização do trabalho em canteiros parece se
constituir no fato de que a prática da polivalência, do trabalho em equipe e até mesmo de “grupos autônomos” tem um papel mais
importante do que para outros setores12.
Na verdade se este lugar fosse ampliado, significaria que o papel destas fórmulas flexíveis de organização do trabalho já
não seria mais o mesmo. Enquanto que nas indústrias já racionalizadas há mais tempo, e que seguem métodos tayloristas,
somente se trata, com muito custo, e de maneira limitada, de recompor gestos que foram anteriormente fragmentados, no canteiro a
utilização de equipes mais ou menos polivalentes é parte integrante do processo de racionalização do trabalho, constitui-se em uma

10 Esta definição, nem é preciso dizer, só tem valor pedagógico. Ela pretende apenas fixar um quadro de referência que possibilitará, de maneira mais fácil, ser

corrigido posteriormente.
11 Por racionalização compreende-se contextualizar e descrever os processos que tratam de pesquisar a economia de tempo na produção. Isto se faz através de

suportes técnicos que se referem tanto à intensidade como à produtividade do trabalho.


12 Esta proposição vale mais pelo que, de forma bruta, ela aponta de diferente e de particular e deve ser atenuada tanto quando consideramos as várias seções

consideradas do processo de fabricação, como quando consideramos a natureza das reservas de emprego e do “estoque demográfico” próprio ao setor.

6
forma de introdução e aplicação. Depois do fracasso da fase taylorista clássica da industrialização de elementos em fábricas,
constituída por postos parcelados e banalizados, a volta da prática da “concretagem in loco” exigiu de novo: saber, flexibilidade e
variabilidade. A utilização de equipamentos sob a direção de operários qualificados tanto em técnica como no controle (mestres,
chefes de equipe ou de canteiro) surge como meio de assegurar esta “transferência” e a normatização do saber da fabricação que o
taylorismo à moda antiga havia conseguido em outras indústrias, por meio da análise de tempos e movimentos.

[Nisto consiste, a meu ver, todo o interesse da contribuição de M. L. Valladares Campos. Primeiro no plano metodológico:
a crítica que ela dirige a Braverman (1976) – observando que o trabalho altamente qualificado pode perfeitamente ser constitutivo
do processo de controle, ou inversamente, que o trabalho reputado como não qualificado pode, de mil maneiras, opor formas
eficazes de resistência à sua normatização (e, sobretudo, no canteiro) – esta dupla crítica à tese que “desqualificação significa
controle intensificado” é particularmente bem-vinda. Ela introduz a necessidade de uma procura por uma maior complexidade na
análise das formas de racionalização, lembrando que as técnicas de controle têm seu próprio espaço, complementar, mas
freqüentemente anterior àquele da intensificação do trabalho no sentido econômico do termo. No plano empírico a pesquisa
efetuada por ela em canteiros de construção em São Paulo (Brasil) vem embasar e alimentar sua tese. Myriam Campinos-Dubernet
defende, parece-nos, um ponto de vista próximo ao de Maria Lina Valladares Campos quando descreve o papel desempenhado por
técnicos qualificados no canteiro e sua relação com as equipes das fábricas. Enfim Patrícia Reks, em sua contribuição, esclarece
aspectos particulares do processo de racionalização do setor Construção.]

Assim, ainda que se expressando sob formas particulares, até e através de equipes polivalentes, é de fato um processo
de racionalização que busca estabelecer seu próprio caminho. É preciso ressaltar que na medida em que avançam a padronização
e a produção em série de componentes elementares, o que em praticamente todos os setores da produção seriada significa a
entrada correspondente de trabalho parcelado e repetitivo, no canteiro elas representam a aparição de um expediente freqüente, o
uso de equipes mais ou menos polivalentes de montagem e reunião de componentes elementares na construção de uma casa
unifamiliar, por exemplo13. Certamente neste caso o processo é altamente contraditório, na medida em que a produção repetitiva e
padronizada dos elementos significa que conjuntos de tarefas produtivas são eliminados do canteiro e absorvidos pela fábrica e que,
ao menos parcialmente, a racionalização avançaria aqui de maneira clássica. A fábrica e seu gesto parcelado se desenvolvem em
detrimento do canteiro. O limite, entretanto - além daquele limite absoluto constituído pela extrema dificuldade mil vezes retomada e
descrita da industrialização da construção -, se dá pelo próprio fato de que se trata de montar e reunir componentes elementares
sobre suportes fundiários variáveis, criando condições favoráveis para a formação de equipes “autônomas” ou pelo menos com
perfil de postos de trabalho polivalentes...
Resumindo e concluindo, se no canteiro, como, aliás, em outros lugares, a racionalização do trabalho - em termos de
economia de tempo - procura sem cessar, e consegue, progredir, as características próprias do valor de uso do produto fazem com
que esta racionalização para ser eficaz siga caminhos não clássicos14.

Informática e produção racionalizada:


um ponto de vista não tecnológico

13 Cf. sobre este aspecto as contribuições recentes de Quintrand (1983).


14 Esta é a razão, aliás, pela qual M. Campinos-Dubernet qualifica estas formas de “neo-taylorianas”. Expressão esta aceitável se estivermos atentos ao fato de que
o importante aqui é a qualificação de “neo” enquanto ela indique ser diferente de formas clássicas do taylorismo.

7
Indo muito além apenas do trabalho e dos modos de organizá-lo, o setor se modifica e se transforma por seções inteiras.
As mudanças provocadas pela entrada de elementos de carpintaria de coberturas industrializados, analisadas por Elisabeth
Campagnac, permitem de maneira exemplar, avançar na compreensão das especificidades e modalidades de racionalização do
trabalho no setor, mas também, como se verá, podem ir muito além disso. O interesse central ponto de vista que a pesquisa de
Elisabeth Campagnac enfoca é o fato de que ela põe claramente em evidência uma dupla mutação “inter-relacionada” de duas
séries conexas de questões específicas:
_ aquelas relativas ao confronto entre diferentes agentes envolvidos na profissão pelo domínio de uma técnica nova;
_ aquelas relativas às mutações na natureza do trabalho concreto requerido e mais ainda nas qualificações e nas
categorias de trabalhadores envolvidos.
O processo descrito e analisado por esta autora é aquele referente à introdução progressiva na profissão (tratavam-se de
casas individuais) na França de uma técnica de produção industrializada de telhados de madeira vinda dos Estados Unidos.
Essencialmente esta técnica consistia em se apoiar no cálculo e na informática para o estabelecimento da feitura e normas de corte
dos elementos do telhado, corte este que poderia em seguida ser feito de maneira automatizada ou não, mas, sempre a partir de
normas pré-estabelecidas (por cálculo) que se impunham como prescrições operatórias estritas.
Um primeiro e grande interesse do estudo é o de colocar em evidência que a maneira pela qual uma nova técnica se
insere e se desenvolve na profissão é sempre através de suportes sociais que são também agentes 15 e defendem posições
adquiridas e interesses constituídos na profissão. Resumindo, trata-se de fato de um confronto entre corporações de carpinteiros,
dispersos em empresas artesanais tradicionais que dispõem do monopólio do corte da madeira (da concepção à execução) e os
novos escritórios informatizados de concepção e aparelhamento de madeira. Estes últimos, como dispõem de ferramentas
informatizadas para o cálculo e o estabelecimento de normas de corte de madeira, estão em condições de impor, em seu próprio
interesse, uma nova divisão do trabalho criando uma cisão entre a atividade de concepção e edição de normas que permanecem
sob seu monopólio, e uma atividade de simples execução de trabalhos de corte que podem desde então ser confiados a
marceneiros e serradores industrializados.
Elisabeth Campagnac descreve precisamente a natureza e as modalidades deste confronto, e a via encontrada por certos
carpinteiros que se esforçaram (tentando utilizar uma informática caseira e descentralizada) em escapar da ditadura destes novos
chefes e fazedores de normas. A questão chave foi considerar o processo de difusão destas tecnologias novas como um processo
social, envolvendo agentes, posições e relações de força complexas cujo desenlace não pode ser previsto de antemão. A visão
tecnicista hoje bastante difundida a partir daí se desacredita, com este estudo, pois a técnica neste caso é recuperada em seu
verdadeiro modo de aparição, como forma que deve encontrar suportes institucionais para sua afirmação. Aqui, claramente, ao
redor da nova técnica, há questões levantadas tão ricas e complexas quanto aquelas referentes à evolução da divisão social do
trabalho na profissão. Além disso, são questões referentes ao modo de fracionamento do capital entre tipos de empresas, e
relações de força entre elas, que estão no centro das questões e que decidem tanto as modalidades como os ritmos de difusão da
difusão16.
A outra grande questão evidenciada por este estudo, mais interna às mutações, é a das qualificações requeridas por
ocasião da introdução de novas tecnologias baseadas na informática. Um ponto central, sob este ponto de vista, é aquele que se
refere ao conjunto de mutações provocadas pela passagem de técnicas de domínio do desenho, da geometria e do traço (dos
artesãos carpinteiros) para a régua de cálculo e técnicas de programação (requeridas pelas novas ferramentas informatizadas). Do

15 “Agentes” aqui no sentido de corporações de trabalhadores e tipos de empresas que constituem sua forma de existência social.
16 Gilbert Leconte mostra por sua vez, como a introdução de novas normas de economia de energia está na origem de um processo (neste sentido comparável ao
descrito por Elizabeth Compagnac) de reagrupamento de empresas e de novas linhas de divisão de trabalho na profissão. Ele insiste bastante no caráter instável e
freqüentemente efêmero destes reagrupamentos. De novo a questão dos suportes sociais e das formas sociais permitindo o desenvolvimento de novas tecnologias,
que aparece aqui como questão chave.

8
artesão geômetra dominando o conjunto do processo para o técnico em informática se apoderando das tarefas de concepção para
deixar as tarefas de execução a simples serradores industriais, a mutação foi muito ampla.
Estas duas séries de questões inter-relacionadas - a da divisão do trabalho entre tipos de empresas na profissão e entre
tipos de saberes requeridos para as categorias de trabalhadores envolvidos em cada uma delas - mostram a amplitude e
complexidade das modalidades que as formas de racionalização do setor assume, assim que estas são restituídas ao conjunto de
suas dimensões sociais reais.
De forma ainda mais geral, este exemplo mostra como a visão “tecnológica” de saída para a crise <na Construção, N.T.>
parece sumária e sem importância. Ele tem o mérito de introduzir a relevância da questão das formas sociais que favorecem ou
bloqueiam o desenvolvimento de novas tecnologias. E a diversidade das vias que podem ser então percorridas17.

Conclusões

No final deste estudo, os principais elementos propostos para a discussão podem ser brevemente resumidos. Vamos
agrupá-los sob três rubricas.

O processo de trabalho de tipo “canteiro”

Da mesma maneira que pôde ser definida uma forma taylorista, fordista ou de “processo contínuo” que o processo de
trabalho pode assumir, me parece ser possível caracterizar uma forma “canteiro” como forma específica18. Seu traço essencial
reside no fato que, ainda que pertença ao conjunto de processos de trabalho no qual o ritmo de trabalho permanece um parâmetro
chave para o estabelecimento dos custos de produção, a variabilidade é essencial. Esta variabilidade por sua vez, apresenta-se
tanto “externa”, ligada à natureza do produto e às restrições de ordem espacial, como “interna” ligada às restrições de
sucessividade e simultaneidade que resultarão em um desdobramento original das fases de produção.
Se fosse necessário precisar o interesse que esta formulação teria (em termos de uma “forma-tipo” de processo de
trabalho), bastaria lembrar que é só a partir daí que poderiam ser enunciadas as características da composição da força de trabalho
necessária ao setor - para além das modalidades de sua segmentação - e superar o caráter de um simples estudo de regularidades
descritivas para se pretender alcançar a um estatuto teórico19.

Sua racionalização

Com tal caracterização do processo de trabalho de tipo “canteiro”, é possível se interrogar de forma mais acurada sobre
as formas particulares que seguiu a racionalização do trabalho e da produção. Neste aspecto, o ponto importante é que - mesmo se
a racionalização tomou emprestadas vias classicamente tayloristas: parcelização das tarefas, “normatização” do trabalho
individual..., ou mesmo fordistas: produção industrializada de componentes com base em linhas semi-automatizadas constituídas
por postos de trabalho parcelares e repetitivos - a restrição da variabilidade exigiu que fossem também procuradas vias não
clássicas: a polivalência, o trabalho em equipe, a introdução de diversas técnicas ditas de “blocos de tempo”... sendo que estas
formas de busca por economias de controle e de tempo tiveram para o setor um papel importante na maioria dos casos.

17 É preciso insistir sobre o fato que a questão colocada é de âmbito geral. Entre os trabalhos recentes, macroeconomistas, notadamente R. Boyer (1983) e Boyer e
Mistral (1983), fazem da questão das formas sociais através das quais as novas tecnologias se desenvolvem o determinante central dos tipos de evolução possíveis
e que estão sempre de forma ampla abertas a vias diferentes. Eu mesmo em um trabalho recente (1983ª), que tratou da robótica, chamei a atenção sobre o fato de
que a “eficácia” dos robôs dependeria, antes de tudo, das relações sociais dentro das quais eles estariam inseridos.
18 Neste aspecto eu apenas retomo a caracterização proposta por M. Campinos-Dubernet (1983)
19 Em Coriat (1980) depois de apresentar uma breve crítica às teorias “americanas” sobre a segmentação, eu desenvolvi um ponto de vista segundo o qual para

fazê-las aceder a uma dimensão teórica seria necessário articular os instrumentos e as categorias essenciais à teoria do valor e da formação dos valores de troca. O
estabelecimento e a distinção de formas-tipo de processos de trabalho na interseção de categorias que se referem à economia do tempo e à formação de valores de
uso, me parece ser neste aspecto, ainda hoje, um momento obrigatório.

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Um exame mais detalhado destas formas e vias específicas percorridas faria progredir o conceito mesmo de
racionalização, conduzindo a conteúdos menos gerais e ambivalentes de uma noção ainda insuficientemente delimitada.

Variabilidade e flexibilidade: “a exemplaridade” das mutações praticadas na Construção

Por último, mas nunca um aspecto menor, o interesse que é despertado pelas pesquisas recentes sobre o setor,
reaparece quando passamos a uma dimensão explicitamente macroeconômica. Neste nível, podemos admitir que uma das
modificações essenciais que as empresas terão que enfrentar está no fato de que elas agora deverão se confrontar com uma
demanda cada vez mais aleatória: tanto em quantidade como em qualidade, os consumidores têm se deslocado muito rapidamente
de um produto (ou de uma variante particular de um produto) para outro na gama de produtos ofertados no mercado. A Construção
não escapa a esta regra. Em período recente e por ocasião da crise, a demanda se dirigiu para as reformas in loco e para as casas
unifamiliares..., ao mesmo tempo em que se assistia a um colapso nas encomendas, uma diminuição na construção de grandes
conjuntos, e a uma parada absoluta nos grandes canteiros de obras públicas. E foi a esta nova situação que as empresas tiveram
que se adaptar. Correndo o risco de exageros, eu diria que por causa mesmo da extrema variabilidade essencial que é parte
constituinte do processo de trabalho, sua base principal, o canteiro se constitui em um laboratório privilegiado de experimentação e
de estudo de possibilidades e limites de adaptação ao caráter aleatório que se tornou uma característica da demanda. Talvez mais
do que outros setores ele reúne condições internas favoráveis para a passagem a formas flexíveis de produção20 necessárias para
satisfazer à demanda quando esta assume formas variáveis e aleatórias. Esta proposição é bastante especulativa, mas ela deriva
de numerosos estudos de caso de empresas do setor. E mesmo que ela deva ser verificada em pesquisas posteriores, e
reformulada se necessário, me parece que a Construção não será mais analisada como um setor “atrasado”, “insuficientemente
taylorisado” para ser apreendida sob categorias novas, próprias e adequadas, e se abrir para uma pesquisa mais ampla, do estudo
das formas flexíveis de produção de espaços e de vias novas, suscitadas e requeridas pelas crises. É nesse sentido que as
mutações que aí surgiram podem ter um valor “exemplar”.
Talvez isto se constitua em uma maneira, e está é minha última palavra, de incitar os pesquisadores do setor a
prosseguirem e ampliarem seus escopos, mas também de convidar a todos aqueles que se preocupam com a análise de formas
novas de produção suscitadas pela crise - incluindo com destaque os macroeconomistas - a se apropriarem dos resultados das
pesquisas recentes sobre a Construção Civil.

20 Foi principalmente por ocasião das novas modalidades que assumiu a automação (no caso da robótica, em particular) que surgiu o tema da flexibilidade, e que se

começou a perceber o papel que esta poderia desempenhar na adaptação das formas produtivas às crises. (Cf. Pior-Sabel, 1981; Barisi e Dubois, 1982; B. Kündig,
1983 e Coriat 1983ª). O interesse nos estudos sobre a Construção é que eles criam vias de pesquisa sobre a flexibilidade baseadas não necessariamente no
emprego de tecnologias informatizadas, mas em princípios de organização do trabalho e de mobilização de saberes e qualificações coletivas.

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