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TEORIA GERAL DA

ADMINISTRAÇÃO II

Lucas Casagrande
Terceirização
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Identificar como se deu o processo histórico de terceirização e ho-


rizontalização de empresas, que, anteriormente, tendiam a ser mais
verticalizadas.
„„ Descrever o que é terceirização e como ela se dá.
„„ Analisar criticamente os processos de terceirização e perceber os
impactos sociais e organizacionais deles.

Introdução
Neste capítulo, abordaremos como se deu o surgimento da terceirização
nas organizações modernas. Para isso, resgataremos um pouco de história
e teoria para, a partir disso, discutirmos o que é terceirização e quais são
as suas características. A partir disso, refletiremos um pouco sobre como
esse processo, que é de franca discussão no atual cenário político brasileiro,
impacta as organizações e a sociedade. Ao final, apresentaremos algumas
críticas e consequências da terceirização.

O surgimento da terceirização nas


organizações modernas
Terceirização, costumeiramente, é definida como “[...] a transferência da
produção de bens ou serviços que eram feitos internamente para uma parte
externa” (ELLRAM; BILLINGTON, 2001). Essa transferência é mais comum
em áreas em que há um conhecimento muito específico que não é típico da
organização contratante. Por exemplo, é comum que as organizações tercei-
rizem seus sistemas de informática, contratando uma empresa especializada
no ramo. Nesse caso, há uma terceirização de atividade-meio, ou seja, se
terceiriza para uma empresa externa uma atividade que, embora necessária
para a contratante, não é o seu ramo de negócio.
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Muito embora a terceirização seja um fenômeno difundido nas últimas


décadas, ela sempre existiu. Em 1776, Adam Smith argumentava que a ri-
queza das nações derivava, de fato, da separação e da especialização do
trabalho. Mas tal especialização não ocorria só dentro das organizações, mas
também em toda a sociedade. Por isso, notou, a Europa teve uma vantagem
competitiva que lhe deu vantagens econômicas: o Mar Mediterrâneo. Sendo
esse mar de mais fácil navegação do que os oceanos, as nações poderiam
trocar mercadorias de forma facilitada. A troca de mercadorias, por sua vez,
possibilita cada vez mais a especialização do trabalho, uma vez que cada
nação poderia se especializar naquilo que melhor fazia. Assim, argumentava
Smith, a riqueza europeia nascia de uma cadeia de produção extremamente
complexa e sofisticada, que, por vezes, passava por diversos países antes de
chegar ao seu consumidor final (SMITH, 2016).
Mas Smith não estava advogando em prol da terceirização. Tal defesa só
veio em 1937, quando Robert Coase notou que havia uma inter-relação entre
as regras usuais de oferta e demanda do mercado e a gerência administrativa.
Havia uma lacuna, dizia ele, entre a teoria econômica e a teoria administra-
tiva. De um lado, os economistas criavam um modelo da realidade na qual
os preços eram inversamente proporcionais à demanda. Dito de outro modo,
quando os preços subiam, a demanda descia – e quando os preços caiam, se
compraria mais. Seguindo uma lógica de economia neoclássica, o mercado
seria uma entidade que seguiria leis naturais que lhe são próprias, adaptando
a realidade econômica de forma automatizada.
Para Coase (1937), esse era o ref lexo de uma mudança que estava
ocorrendo na realidade norte-americana. A pulverização de empresas em
toda a Europa a qual Adam Smith se referia não foi replicada nos EUA, de
forma com que grandes empresas dominaram os negócios no Novo Mundo.
Por exemplo, as pequenas e médias fábricas têxteis e, mais tarde, as meta-
lúrgicas da Inglaterra não se replicaram, em sua estrutura organizacional,
nos EUA, de forma com que os ícones empresariais norte-americanos se
tornaram as suas duas maiores empresas do setor automotivo: a General
Motors e a Ford. Ou seja, as revoluções industriais britânica e americana
se deram de formas distintas: a primeira de forma pulverizada por meio
de pequenas empresas, enquanto a segunda se deu de forma concentrada
por meio de grandes empresas.
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O setor automotivo norte-americano se tornou a base do pensamento ad-


ministrativo moderno. Muito daquilo que se entende como a administração
da produção moderna retoma concepções da Ford do começo do século XX.
Porém, essa empresa fordista era alheia à terceirização e centralizava tudo
quanto possível de sua produção. Tal centralização incluía braços para além
dos EUA, chegando até mesmo ao Brasil em 1927, quando a Ford iniciou a
construção de uma cidade, a Fordlândia, no meio da selva amazônica, para
extrair o látex necessário para a produção de pneus. Note que a mesma ope-
ração, hoje em dia, é sequenciada em uma complexa cadeia produtiva que
passa por diversas empresas, do extrator de matéria-prima até a montadora
de automóveis.
A empresa monolítica fordista cada vez mais dava espaço a um emaranhado
de empresas, uma complexa rede. De fato, a simbólica fábrica de River Rouge
produzia os automóveis realizando todas as atividades integrantes do processo
produtivo, as executando em toda a sua extensão, do início ao fim (Figura 1).
De um lado, entravam matérias-primas, por meio de uma ferrovia, de um
porto lacustre e de um porto seco, como minério de ferro e látex; de outro
lado, saíam automóveis completamente montados.

A fábrica da Ford de River Rouge se tornou o símbolo da verticalização plena (concen-


trando a produção de todos os insumos para confecção dos veículos). A transformação
completa entre minério de ferro e carros se dava em 28 horas. Tudo quanto possível
era fabricado em seu complexo.
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Figura 1. Fábrica Ford River Rouge em expansão, em 1927. Note que o com-
plexo, ainda em construção, envolvia ferrovias, hidrovias e rodovias. Toda
construção do automóvel se dava nesta planta, de forma que ela exemplifica
o momento histórico que pode ser compreendido como prévio ao processo
de terceirização do trabalho no mundo ocidental.
Fonte: Detroit Publishing Co. ([1927?]).

A verticalização praticamente plena do trabalho, ou seja, a ausência de


terceirização ou da compra de produtos prontos de fornecedores, possibilitou
a Henry Ford políticas salariais que alteraram o aspecto econômico ameri-
cano. O aumento de salário a patamares muito mais altos do que o mercado
praticava naquele momento tornou-se um marco na história. Mas Ford não o
fez por um ato de bondade ou, como ele próprio relata entusiasmadamente em
um discurso, para que todos tivessem acesso a ter seu próprio Ford modelo
T. Esse aumento foi necessário para diminuir os altos índices de rotatividade
da época, quando a classe trabalhadora ainda não estava tão acostumada com
longas horas de trabalho de um trabalho altamente especializado e rotinizado.
Porém, dada a enorme quantidade de empregados que tinha, aos poucos (e
concomitante com outros aspectos como intervenção estatal, aquecimento da
economia americana em razão do enriquecimento da economia no pós-guerra,
dentre outros), tal aumento salarial criou um aumento de consumo no mercado
interno norte-americano, impulsionando a indústria e beneficiando sua própria
empresa de forma indireta. O exemplo de Henry Ford demonstrou que as
práticas administrativas podem, por vezes, se sobrepujar às leis do mercado.
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De fato, as leis do mercado não explicam plenamente a realidade ad-


ministrativa. Além disso, dado que empresas têm uma estrutura legal que
rege suas atividades, cristalizando a organização, como seria possível que a
entidade abstrata chamada mercado pudesse, automaticamente, atuar sobre
as organizações e sua administração? Se os preços do mercado despencam,
como haveria de a administração industrial se manter competitiva? Tal questão
acabou se popularizando por Coase como o dilema “comprar ou fazer”, que se
resume da seguinte forma: quando uma empresa deve comprar algo e quando
deve produzir ela mesma (COASE, 1937).
A questão, certamente, não admite respostas simples e até hoje provoca
debates. A questão central é o que Williamson chamou, em 1975, de custo
transacional. Afinal, comprar tende a ser mais barato do que produzir, uma
vez que a competição do mercado tende a achatar os salários e tornar mais
barato do que empregar pessoas de forma direta. No entanto, a procura pelos
melhores preços, bem como as questões contratuais e overhead, geram custos
extras. Note que o overhead, que podemos compreender como tudo aquilo
que é custo, mas não é gasto no trabalho propriamente dito (despesas admi-
nistrativas, lucro, etc.), pode, por vezes, superar o custo da própria produção.
Assim, poderíamos imaginar o seguinte: embora seja mais barato empregarmos
uma série de funcionários para produzir alfinetes (como no exemplo de Adam
Smith cita em sua obra) ou carros (como na Ford), eventualmente o mercado
reduziria os preços dos ditos alfinetes ou peças de carros a um preço tão
baixo que, mesmo uma produção eficiente, não poderia competir. Embora
o mercado oferte isso de forma barata, procurar, transportar e lidar com as
questões contratuais de compras geram custos que, acrescidos ao preço do
alfinete ou do carro, podem tornar a compra (terceirização) mais onerosa que
a produção própria (WILLIAMSON, 1983).
A partir da década de 1950, a terceirização se tornou um fenômeno comum
e crescente nos mercados ocidentais. A partir da década de 1980, a prática
se difundiu se tornando amplamente utilizada nas empresas (HÄTÖNEN;
ERIKSSON, 2009). Já na década de 1990, a terceirização se tornou uma febre,
tornando-se célebre a ideia de que as empresas deveriam focar no seu core
business, ou seja, naquilo que efetivamente sabem fazer, deixando de lado
tudo que é acessório ou meio para terceiros (PRAHALAD; HAMEL, 1999).
Embora raramente a terceirização gere qualidade por si só (na verdade o
oposto é mais comum), ela pode ser um produto da busca pela qualidade. Afinal,
se a empresa se focar naquilo que deve fazer com qualidade, a tendência é
que poderá ter maior eficiência, controle e qualidade sobre seu core business.
Assim, se terceiriza tudo o que não é central, tudo o que é acessório, e se foca
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naquilo que é central ao seu negócio. O resultado disso é que as atividades


acessórias tendem a ter menor controle e até, eventualmente, menor qualidade,
mas se pode melhorar o que é central à empresa.
Certamente, fatores como as crises cada vez mais frequentes, a competi-
tividade crescente e a importação de técnicas como as de qualidade total e o
modelo japonês tornaram a terceirização uma resposta a um mundo cada vez
mais incerto. Junto com a facilidade de contratar e trocar o fornecimento, há,
também, um componente de precarização do trabalho, de forma a diminuir o
poder de barganha da mão de obra.
Um exemplo claro de terceirização, tanto no panorama mundial quanto
no brasileiro, é de que as antigas fabricantes de automóveis se tornaram mon-
tadoras, terceirizando a fabricação das peças e se focando tão somente na
montagem e na comercialização (AMATO NETO, 1995).
Assim, o século XXI inicia tendo a terceirização como uma prática comum
de mercado. A indústria verticalizada, tal como a Ford do início do século
passado, dá espaço a indústrias espraiadas em diversos locais e organizações,
pulverizando a produção em uma grande rede de produção de produtos e
serviços.

Falamos de dois autores, e suas teorias, que nos auxiliam a compreender melhor a
terceirização: Coase e Williamson.
Ambos são considerados relevantes na abordagem econômica das organizações.
Esta busca trabalhar a intersecção entre as teorias dominantes na área administrativa
e na área econômica. Tal intersecção se constitui em um objeto que é comum às
duas disciplinas: a governança da produção. Ou seja, busca-se entender como é
organizada a produção de produtos e serviços. Para isso, trabalha no contraste de
dois mecanismos de governança. Tais mecanismos são precisamente os objetos de
estudo do predominante das ciências administrativas e das ciências econômicas: a
empresa como objeto de análise e o mercado.
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O que é a terceirização?
Em primeiro lugar, é importante frisar que terceirização, embora seja um
conceito amplo, exclui algumas atividades. Tomemos por exemplo um con-
domínio residencial. Digamos que essa organização queira pintar seu átrio.
Nesse caso, a contratação de um pintor ou de uma empresa especializada em
pintura não constitui em terceirização. Trata-se de uma contratação de serviço
por empreitada, tendo por característica o fato de ser ocasional, não sendo,
assim, uma terceirização de atividade da organização.
A terceirização pode também ser caracterizada como a contratação de
serviços de um intermediário mediante contrato. Ou seja, a relação de trabalho
é mediada pela empresa contratada, e não diretamente entre trabalhador e
contratante, cujo objetivo principal era transferir as atividades-meio a terceiros,
permitindo que o contratante se concentre nas atividades centrais.
Utilizando o mesmo exemplo, digamos que o condomínio hipotético resolva
repassar as atividades de administração para uma empresa especializada no
assunto, retirando, assim, tais atividades do rol de responsabilidades do síndico.
Nesse caso, dado que é uma atividade rotineira e um trabalho necessário ao
condomínio, podemos dizer que há a criação de um processo de terceirização.
A terceirização é costumeiramente citada como uma das formas de hori-
zontalizar uma empresa. Ou seja, é uma forma de delegar funções da organi-
zação a outras organizações. A horizontalização do processo produtivo pode
incluir outras formas de descentralização, como a mera compra do produto
finalizado de um produtor especializado. Conforme vimos na seção anterior,
a horizontalização moderna se contrapõe à verticalização fordista, em que
toda produção se dava na organização formal primária.
Por outro lado, a terceirização é atrelada a um processo de flexibilidade
e de precarização. É costumeiro utilizar ambas as palavras para designar a
mesma coisa, mas sob pontos de vista distintos. O que é flexibilização do
trabalho para donos, executivos e gestores de empresas pode ser precarização
para o funcionário. Dessa forma, é usual que precarização e flexibilização do
trabalho se refiram à mesma coisa, mas uma de um ponto de vista de direitos
trabalhistas e outra do ponto de vista gerencial. O processo de precarização
se dá normalmente com a diminuição de salários, a flexibilização de horários
e até mesmo a retirada de direitos.
De forma geral, a terceirização ocorre quando a empresa primária con-
trata uma empresa terceira para efetuar parte de suas atividades rotineiras.
Essa empresa terceira, por sua vez, contrata funcionários para executar tais
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atividades. No entanto, é importante frisar: a terceirização por vezes é uma


forma velada de burlar a legislação trabalhista. A isso, costumeiramente,
se deu o nome de pejotização: trata-se da prática de contratar uma empresa
externa, que é, por sua vez, o próprio trabalhador. Para isso, o funcionário
tem de abrir sua própria empresa e, portanto, tornar-se uma pessoa jurídica
(daí a denominação pejotização, dado que o contrato não é feito com seu CPF,
mas, sim, com um CNPJ), estabelecendo uma relação contratual entre duas
empresas – e não entre empregado e empregador (PATI, 2017).
Dessa forma, embora a pejotização seja uma prática ilegal, fruto de uma
tentativa de burlar os encargos da legislação trabalhista, ela é, ainda assim,
uma forma de terceirização em sentido estrito. Dito de outra forma, podemos
afirmar que a pejotização é uma prática de terceirização ilegal no Brasil,
embora muito difundida.
Por um lado, a terceirização pode significar a precarização do trabalho e
até mesmo a diminuição da qualidade do trabalho em atividades secundárias
da organização, por outro lado, ela é apontada por autores como uma possi-
bilidade de melhoria da qualidade ao possibilitar que a organização se foque
no seu core business.
Como já discutimos, terceirizar significa transferir para um ente externo
as atividades de uma organização. Mas se passarmos absolutamente todas
as atividades de uma empresa para uma outra empresa, a primeira perde o
sentido de sua existência. Assim, o propósito da terceirização “[...] constitui
a passagem de atividades e funções específicas a terceiros especializados”
(ROMANOSCHI, 1994, p. 191).
De forma geral, o processo de terceirização visa a buscar um conhecimento
que não se tem dentro da organização. No entanto, é importante frisar que
uma organização deve ter conhecimento para operar sua atividade-fim, caso
contrário, tende a sucumbir à concorrência. Por isso, com frequência, se atribui
a ideia de que a terceirização é de uma atividade-meio. Como falamos ante-
riormente, um exemplo comum nas organizações é de empresas de tecnologia
da informação. Uma loja, por exemplo, não necessita entender de sistemas
de informação para fazer um bom trabalho, mas certamente é necessário que
um sistema de controle de estoque e vendas exista e que se tenha um suporte
especializado caso este venha a não funcionar corretamente. Outra atividade a
qual é comum a terceirização é a contabilidade – especialmente em empresas
de pequeno porte. Afinal, é possível que uma empresa não tenha demanda para
empregar um contador em tempo integral, de forma que ter um funcionário com
essa atribuição específica pode ser um exagero, gerando custos demasiados.
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Dessa forma, Romanoschi (1994) delineia algumas questões centrais para


a tomada de decisão relativas à necessidade de terceirizar atividade(s) ou não,
dentre elas:

a)  O que pretendemos terceirizar?


b)  Por que terceirizar?
c)  Como terceirizar?
d)  Com quem terceirizar?
e)  Quanto custa terceirizar?
f)  Quais são os sistemas contratuais?
g)  Como delegar?

No primeiro item, só se deve elencar aquilo que não é central à organiza-


ção, tais como assessoria de imprensa, publicidade, administração tributária,
assistências médica, ortodôntica e farmacêutica, assistência técnica, auditoria,
creche, refeitório, etc. Já a segunda questão é necessária para garantir que o
porquê da terceirização não seja um mero ensejo passageiro. De forma geral,
a segunda questão só admite fundamentações calcadas em especialização,
produtividade ou segurança da atividade (ROMANOSCHI, 1994).
A terceira questão deve ser respondida se abstendo de ilegalidades (como
a pejotização) e se atentando à distinção entre contratação por empreitada
(como o caso do pintor) e terceirização. Esta só pode ocorrer em uma situação
contratual de perenidade, ou seja, quando há uma previsão mais ou menos
estável de trabalho ao contratado. Já na quarta questão, devemos só buscar
a terceirização com empresas que tenham alguma vantagem competitiva no
objeto de contratação, ou seja, consigam fazer de forma mais eficiente o trabalho
do que a empresa primária. Nesse sentido, deve-se atentar à especialização da
empresa sob pena de aumentar custos ou de diminuir a qualidade.
O custo da terceirização não deve ser medido só em termos do que estipula
o contrato com a empresa terceira. É comum que empresas subestimem os
custos da terceirização, não computando os valores decorrentes da adminis-
tração dos contratos, como os custos envolvidos com o pessoal necessário ao
processo de delegação e controle das terceirizadas. Já em termos de sistemas
contratuais, é necessário prever como o contrato se comportará em curto,
médio e longo prazo. Assim, demandas não necessárias no momento devem
ser analisadas. Por exemplo, é necessário prever como se dará a correção
inflacionária do contrato, bem como eventuais custos extras não caracteri-
zados como necessários no momento da contratação. Ademais, o contrato
deve estabelecer de forma clara o que é atribuição do contratante e o que é
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atribuição do contratado, bem como se dará o pagamento, o controle ou a


medição e quais são as condições de entrega do serviço ou produto. Além
dessas questões mais tangíveis, deve se estabelecer quais são as informações
que serão trocadas para o melhor desempenho das funções (bem como quais
informações não serão disponibilizadas por questões de segredo industrial
ou outro motivo) (ROMANOSCHI, 1994).

Legalmente, no Brasil, só é permitida a terceirização de atividades-meio, não sendo


permitido a terceirização de atividades-fim (exceto as temporárias nos termos da Lei
nº 13.429/2017). No entanto, está em discussão pelo Senado Federal a PLC nº 30/2015,
derivada da PL nº 4.330 da Câmara Federal. Nesse projeto, as atividades consideradas fim
também passam a poder ser terceirizadas pelas empresas, não havendo mais distinção
entre atividades-meio e atividades-fim. Até então, não havia na legislação trabalhista
brasileira regulamentação para a terceirização, apenas uma súmula do Tribunal Superior
do Trabalho que impedia a terceirização das atividades-fim. Essa alteração, sob o olhar
de seus defensores, busca regularizar uma atividade que até então era considerada
ilegal (a terceirização de atividade-fim) com a finalidade de supostamente reduzir
custos e então aumentar a competitividade entre empresas. Sob um olhar crítico,
essa alteração beneficia principalmente as organizações contratantes, precarizando
direitos individuais e coletivos que são conquistas relativamente recentes na história
do Brasil. Sob este olhar, a falta de isonomia de salários e direitos entre contratados
diretos e terceirizados possibilita uma precarização, como a inadimplência de rescisões
e recolhimento de FGTS e INSS, dentre outros.

Críticas à terceirização
O emprego terceirizado é, via de regra, mais precário que o não terceirizado.
Além de o salário ser normalmente menor e de os contratos serem mais curtos
e voláteis, a chance de um funcionário terceirizado se envolver em acidentes é
muito maior. Isso ocorre, predominantemente, porque o terceirizado tem maior
rotatividade e, portanto, tende a receber um treinamento menos intensivo. Ade-
mais, tendo em vista que as empresas terceirizadas tendem a ter uma estrutura
física mais precária, a segurança acaba sendo comprometida. Na verdade, a
chance de um funcionário terceirizado se envolver em um acidente é quase o
dobro de um não terceirizado. Essa chance sobe mais ainda em casos em que
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a terceirização é de curto prazo, já que nestas é comum que se economize em


treinamento de pessoal e segurança (PASTORE, 2006).
A terceirização, com frequência, também inclui a desnacionalização do tra-
balho. Nos EUA, muitas empresas empregam indianos em seu país natal como
atendentes de telefone e e-mail e telemarketing. Mais recentemente, até mesmo
os empregos mais qualificados, como os de engenharia, os administrativos e
os de computação, começaram a migrar para a Índia. Em alguns casos, mesmo
cargos de alta remuneração, como os da área médica, são terceirizados para
empresas além-mar, como é o caso de radiologistas que interpretam exames
médicos. Nesse sentido, se beneficiam os países que têm educação com alta
qualidade e baixos custos (PASTORE, 2006).
Mesmo nos setores em que a terceirização se dá há mais tempo e de maneira
mais bem-sucedida (ou legitimada), a terceirização pode gerar problemas. No
setor automotivo, aponta Amato Neto (1995), casos frequentes de irregularidade
nos prazos de entrega e altos índices de peças defeituosas podem ser atrelados
a casos de subcontratação e terceirização. Tais problemas se tornaram desafios
da indústria, necessitando de relações mais estreitas entre empresa principal
e terceira com vistas a reduzir problemas e aumentar qualidade. No entanto,
é necessário frisar que essa relação mais próxima gera custos de treinamento
e controle, de forma que benefícios financeiros da terceirização se perdem.
Socialmente, inúmeros autores têm demonstrado que a fragilização de
laços de trabalho, tais como os ocasionados por terceirização, horizontalidade
produtiva e subcontratação, geram consequências nefastas aos laços sociais.
Bauman (2017) demonstra que na medida em que as relações de trabalho
se tornam frágeis, as relações sociais (inclusive as amorosas) se tornam tem-
porárias também. Sennett (2017) aponta que a temporariedade das relações
sociais é causada pela flexibilização das relações de trabalho (tais como a
terceirização), que, por sua vez, tornam a vida mais frágil e passível de ser
comercializada. O caráter pessoal dos indivíduos, para o autor, só pode ocorrer
na medida em que há relações sociais baseadas em confiança e lealdade (que
são valores intrínsecos, e não relações comerciais). Na medida em que as
relações se tornam frágeis e que a interação humana deixa de ser social e se
torna comercial, perdemos tais valores e os substituímos por um pensamento
utilitário – o que o autor delineia como a corrosão do caráter humano.
Para Guy Standing (2016), a precarização do trabalho (fenômeno o qual a
terceirização é uma forma possível) criou uma nova classe social: o precariado.
O precariado não se reconhece como proletariado, pois não é uma classe tra-
balhadora ligada a uma empresa específica. Embora tanto o precariado quanto
o proletariado sejam trabalhadores, o primeiro está em uma constante relação
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de ansiedade e incerteza. De forma geral, o precariado é um trabalhador que,


por vezes, se assume como empreendedor, por vezes como trabalhador, por
vezes como desempregado. O que lhe é comum é que não tem uma perspectiva
de emprego de longo prazo, tendo de estar sempre a procura do próximo de
forma insegura – o que lhe gera ansiedade e outros distúrbios. Em última
análise, argumenta Standing (2016), o precariado sequer tem uma identidade
social, já que está à deriva no mundo do trabalho.
A terceirização contribui para a emergência dessa classe social, uma vez
que o trabalhador da empresa terceira costuma não gozar dos mesmos direitos
conquistados por acordos coletivos que o trabalhador da empresa principal.
Por esse mesmo motivo, a existência dessa nova classe faz com que as disputas
sindicais e trabalhistas se fragmentem, diminuindo o poder de barganha do
trabalhador terceirizado e, também, do não terceirizado. Dessa forma, os
trabalhadores são divididos em duas classes: os trabalhadores clássicos (pro-
letariados) e os trabalhadores precarizados (precariado). Com suas relações
de trabalho distintas, a solidariedade entre as duas classes diminui, chegando
ao ponto de, eventualmente, competirem.
Nesse sentido, o setor público brasileiro tem experienciado contradições
frequentes, exemplificando claramente a distinção entre proletários e preca-
riados. De um lado, temos um funcionalismo público com direitos estatutários
geralmente resguardados; de outro lado, temos terceirizados em posições
extremamente vulneráveis. Uma vez que as empresas terceirizadas costumam
ter pouco capital de giro extra, sempre que há atraso no pagamento do setor
público para com tais empresas, o salário de seus funcionários atrasa.
Dados do DIEESE (DEPARTAMENTO INTERSINDICAL..., 2017)
demonstram que no setor privado a rotatividade de pessoal em trabalhos
terceirizados é o dobro dos não terceirizados, enquanto o salário é cerca de
25% inferior. Ademais, os terceirizados tendem a ter uma jornada de traba-
lho mais longa, apesar da menor remuneração. A nota técnica conclui que a
regulamentação irrestrita da terceirização no Brasil pode diminuir ainda mais
os salários, aprofundando a precarização do trabalho.
Finalmente, a terceirização pode ser uma atividade dispendiosa para a
empresa contratante. Além de todos os custos transacionais, a terceirização
impõe um overhead significante. Trata-se do custo do intermediário, ou seja,
de toda a estrutura administrativa da empresa contratada, bem como o lucro
dela. Por isso, aponta Vieira (2015), muitas empresas tendem a verticalizar
sua produção após se aventurarem por processos produtivos terceirizados.
Reverter a terceirização, mesmo pagando maiores salários, tende a gerar um
aumento da produtividade – e o custo final tende a ser inferior.
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AMATO NETO, J. Reestruturação industrial, terceirização e redes de subcontratação.


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