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1. Introdução
Ao contnhio dos irracionais, que vivem mergulhados nas trevas, sem horizontes
nem perspectivas de afirmação de nenhuma ordem, por mais profundas que sejam
as pesquisas científicas, é o homem que, pela sua privilegiada condição mental e
espiritual, dedica interesse não apenas às coisas materiais, mas também ao mundo
dos símbolos, sinais e valores.
Além disso, ele difere dos seres inferiores pela sua aptidão de apresentar argu-
mentos convincentes sobre o meio e o universo em que se insere: tem vida psi-
col6gica, e não se encontra, à maneira dos animais, num mundo que se realiza s6
através de funções orgânicas e fISiol6gicas. Ele tem também alguns desejos que
são, por assim dizer, infinitos, que nunca podem ser plenamente satisfeitos, e que
deverão mantê-Io irrequieto até mesmo no Paraíso.
É por esta razão que se procura alcançar uma perleita compreensão dos valores,
que são objeto de consideração da filosofia, da sociologia, do direito e, sobretudo,
da ética, da estética e da filosofia da religiãO como ramos f"Ilos6ficos. Até o século
XIX, a f"Ilosofia não empregava a expressão valor ccm o sentido em que é usado
atualmente, embora não se ignorasse a sua realidade e os seus desdobramentos.
Kant é considerado o precursor da f"Ilosofia dos valores, não causando admi-
ração, portanto, que tenha a axiologia nascido entre os alemães, notadamente entre
os f"Il6sofos neokantianos. O conceito de valor - assinala José Ferrater Mora - era
usado com freqüência no sentido moral. E isso sucede com Kant quando fala em
"Grundlegung zur Metaphysik der Sitter", de um valor moral, exatamente de um
valor autenticamente moral. 1
Do grupo neokantiano, Rudolf Lotze (1817-1881) foi quem mais se aprofundou
inicialmente no estudo dos valores, introduzindo na filOSOfIa alemã o conceito do
termo. O exame do valor sob o ângulo 16gico, isto é, sob a forma de juízos de va-
lor e juízos de fato foi tarefa de Albrecht Ritschl (1822-1889), adepto das idéias
teol6gicas da chamada Escola de Gottingen. Quem realmente cunhou e fez divul-
gar o termo "valor", introduzindo-o no vocabulário f"Ilos6fico foi Friedrich
Nietzsche (1844-1900). Ao término de suas investigações f"Ilos6ficas proclamou a
inversão de todos os valores. Em A~si" falava Zaratustra. declara que "é em tor-
no dos descobridores de valores novos que o mundo se move no seu giro eterno".
Na realidade, Nietzsche, embora tenha conferido dimensão f"Ilos6fica à palavra
"valor", usando-a na acepção que se conhece hoje, não acolhera a axiologia como
tema central de suas especulações, à maneira do que fizeram Lotze, Brentano,
Embora sejam de uso rotineiro nos dias de hoje expressões como valores m0-
rais, ou éticos, antigos valores, novos valores, valores políticos, literários, em edi-
toriais da imprensa e na pnSpria televisão - que dedica enoI'IIIC espaço ao desvalor, .
em novelas e em alguns programas de baixo nível -, em pronunciamentos de
políticos, reuniões sociais, mais por esnobismo, pouca gente se dá conta da exata
compreensão do sentido filosófico e real do termo, da sua importância e do seu
elevado alcance.
I Hcaea, JobaImeI. FiIo»jiD do6 wiImu. S. ed. Trad. e preffcio L. Cabral de Moncada. Coimbra, Ann&1io .
~,Ekü~,S~,1980.p.27-28. .
• Mora. J0a6 Ferrater. Diccionorio M FíIo.rojia,op. ciL p. 264.
4 Paup6rio, Arthur Machado./1IITOduç40 axioi~gica ao dirdto (Ap&Idic:e l introduçlo lciencia do dileito).
Rio de Janeiro, Foreuae, 1977. p. 17.
Motrizes axiológicas 39
Com a progressiva divulgação do vocábulo, há quem presuma que a filosofia
dos valores seja novidade da nossa época, e que fora ignorada certamente pelos
antigos, o que representa um grande equívoco. A teoria dos valores ou a filosofia
dos valores é, sim, termo de emprego recente, mas o assunto com que se relaciona
e o seu prcSprio conteddo foram objeto de consideração na antigüidade clássica.
Na história da disciplina, por exemplo, foi notável a contribuição dada por Só-
crates, sobretudo quando desenvolvera enonne esforço para compreender os valo-
res éticos em tomo dos quais se discutiam aspectos da conduta humana. "Al-
cebíades [a quem salvara a vida) - acentua Sócrates - se diz corajoso e se diz jus-
to, mas estas atitudes permanecem imperfeitas até que se conheça cabalmente em
que consiste uma e outra qualidade."
Com relação ao grande filósofo, Johannes Hessen ensina que todo o seu ingen-
te esforço intelectual pode resumir-se na seguinte fórmula: combate ao relativismo
e subjetivismo dos sofistas; luta pela objetividade e absolutidade dos valores éti-
cos. 5
Para Platão, que seguira caminhos diferentes de Sócrates, o ndcleo central das
suas preocupações era a teoria das idéias, que fora, na realidade, os alicerces do
que hoje chamamos de teoria dQS valores. O autor de A .. /eis foi inegavelmente o
artífice d8 filosofia dos valores. Ele deteve-se demorada e profundamente na idéia
do bem, que significava inquestionavelmente valor. Na sua opinião, o Bem era um
atributo das coisas, como que uma idéia subsistente no t6pos noet6s, vale dizer,
no mundo das idéias.
As matrizes do pensamento de Platão, de acordo com especialistas, foram es-
sencialmente relacionadas com os valores, sobretudo porque se guiava pela idéia
do bem, do valor ético e do valor estético em sua concepção mais profunda.
A postura de Aristóteles em face da teoria dos valores é diferente da que foi as-
sumida por Platão. Para o estagirita, o importante era integrar a realidade presente
das coisas com os objetivos a que se destinam. Enfatizava que os seres vivos·de-
monstram um comportamento valorativo, dando como exemplo o que acontece
com a planta: quando precisa prover a manutenção da espécie, cria grande· quanti-
. dade de senientes, e a espécie, que representa valor, para poder se preservar, tor-
na-se causa final ou teleológica, mediante o aparecimento de int1meras sementes
em um só fruto.
Com Aristóteles - ressalta Johannes Hessen - surge a nossos olhos, em vez de
um cosmos das idéias, um cosmos das formas. Com estas, as idéias, e, portanto, a
idéia de bem, passam a estar como que ancoradas nas coisas e na própria realidade
empírica. Despem-se da transcendência platônica e assumem uma imanência c6s-
mica. O valioso adquire assim um forte caráter cósmico. e
Na Idade Média, as discussões se tomaram acirradas em tomo do Bonum. isto
é, do bem, elaborando-se, ao final das divergências, a seguinte proposição: "om-
me ens est bonum", isto é, "todo o ser é bom", desde que participe de uma
existência. Esta condição vai conferir-lhe certamente um valor onto16gico (de
existência). É oportuno ressaltar que o valor, nas especulações da filosofia antiga
e clássica, estava intimamente inserido nas. coisas.
Em Santo Tomás de Aquino, ocorre a adaptação das idéias de Aristóteles aos
princípios cristãos da escolástica. Divergindo de todas as doutrinas que não se
harmonizavam com as diretrizes do aristotelismo, introduz na escolástica uma no- .
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va doutrina - o tomismo, que se distingue do aristotelismo, sendo duvidosa para
indmeros pensadores a expresslo ~tomista, largamente divulgada. Ar-
gumcnta-se, a propSsito, que o "doutor angélico" possuía uma genialidade filoscS-
fica extraordiIWia para atrelar-se ao aristotelismo. Embora inspirado em Arist6te-
les, criou a sua filosofia tomista, que 6 síntese original e expressa o coroamento da
esco~tica.
Com muita perspicácia, Machado Paupério, analisando o tomismo, acentua que,
nesta doutrina, os valOleS inoorporam-se ao real como a forma à matéria no arist0-
telismo. Como o bem reside no sei' em ato, não pode ser considerado como um pu-
ro ideaL Para Santo Tomás, o valor decolre da vontade esclarecida pela intelig&-
cia que se eleva para Deus e edifica seu pnSprio bem supremo para o qual tende. 7
De acordo com Ubiratan de Macedo, ToIMs de Aquino, 6 evidente, não desen-
volveu uma filosofia dos valores, mas há em suas obras alguns elementos para es-
boçar uma axiologia (Cf. Slfnm1Q theologica I, 5 e De veritos e o De Pulchro.
Quando surgiram as especulações sobre os valores - observa - a primeira reação
dos neotomistas foi de negar sua validade, atitude reforçada pela discutCyel 800-
seologia que fundamentava a nascente axiologia.·
Da Idade Média até Kant, as' preocupações com os valores ficaram indiretamen-
te por conta do naturalismo, doutrina filosófica que vê a natureza e os fenômenos
que apresenta como as dnicas realidades existentes.
Básica na doutrina kantista, segundo Miguel Reale, 6 a afirmação de que só c0-
nhecemos na medida de nossa capacidade apreensora, pois preexistem no espfrito
humano, de maneira geral, certas condições que provêm do "objeto", mas que se
impõem a algo, tornando-o "objeto". Kant chama de fenômeno aquilo que 6 obje-
to de experiência possível, ou seja, o que aparece e pode ser apreendido por"nossa
se~bilidade, cujas intuições o intelecto ordena segundo suas "categorias". No
idealismo kantiano, a "coisa em si" jamais 6 apreendida por nosso espírito.'
Kant foi indiscutivelmente quem dera maior contribuição, na filosofia moderna,
à filosofia dos valores. As suas preocupações são diametralmente opostas às de
Aristóteles: o valor, que tinha o cosmos como ndcleo central, desloca-se, em Kant,
para o comando pessoal da consciência. A consciência moral transforma-se em
ponto de apoio dos valores éticos. Esse argumento kantiano observa-se em trecho
da obra F"ráma:to da metaj(sica dos costumes, quando o solitmo de Kõnigs-
berg argumentava: "nada, em parte alguma do mundo ou fora dele, pode sem res-
trição ser julgado bom, exceto uma boa vontade". Esse sentimento pessoal pode
traduzir a vontade boa, a vontade em si mesma, segundo imagina Schopenhauer.
O que se depreende desse conceito 6 que O valor ético, na concepção de Kant,
não assume só aspecto subjetivo, ele tem plena convicção de sua importância me-
taffsica. A metatJsica moral do fil6s0fo de Kõnigsberg, de acordo com especialis-
tas, da forma em que se encontra fonnulada com relação aos uprinct'pios da razão
pdtica", traduz a segurança de que a realidade se move em tomo de valOleS da
nossa consciência moral, e que o ser, na sua íntima essência, e o bem, afinal, se
harmonizam, em todos os sentidos.
No conhecimento moral ou, para Kant, "razão prática" - ensina Oliveiros U-
trento - o homem encontra, como verdadeiros, princípios que orientam sua condu-
ta, resultando de sua não-aplicação a conduta moral. Sobre o homem e não sobre
MatriZes axiológicas 41
coisas versa a moralidade. Boa ou má, em rigor, somente se pode levar em conSi-
deração a conduta do homem. Se é um fato a existência da moralidade na vontade
h1lIIlaDa, o querer moral se apresenta sempre sob uma forma· sem condições, abso-
luta. E daí o formalismo e a autonomia da concepção kantiapa da ética, onde ·a
forma do querer, e não seu conteddo, constitui a moralidade nas ações humanas. to
Segundo Kant - assinala com muita propriedade Machado Paupério -, o ato
ético restringe-se a cumprir o dever tão somente porque se trata do dever, ou sim-
plesmente, por assim dispor a lei. Mas, em contraposição à ética formalista de
Kant, desenvolve-se o sistema ético material dos valores objetivos. Sabemos que o
apriorismo formal subjetivo da ética de Kant, é, entretanto, uma mera construção
mental, no dizer de Scheler, segundo o qual o objeto da ética não são os fatos
formais, mas sim os materiais, não as construções subjetivas, mas os valores obje-
tivos, estes objetos por sua vez de experiência, da chamada experiência fenome-
nol6gica. As idéias apriorCsticas, a rigor, não têm existência. Com isso concordam
os maiores mestres de todos os lugares e épocas.11
10 Litrento, Oliveiros. Cura0 de filosofia do direito. 2. ed. Rio de Janeiro, Forcose, 1984. p. 211.
11 Paupério, Arthur Machado. As constantes axioI6gicas do pensomenlO jurfdico brwileiro. CriIhio prioritiJ.
rio para a justiça e a segurança. Libertkuk, participoçlio, cotnII1IitJade. Anais do n ÇongteSlO Brasileiro de
Filosofia e Sociologia. Silo Paulo. 1986. p. 339.
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Depois da influência perturbadora de Kant, Husserl consegue redescobrir os
princípios básicos da teoria peripatético-escolástica do conhecimento. Nessa opor-
tunidade, se bem que de forma independente, Aleixus von Meinong (1853-1921)
propagava na Áustria teoria semelhante, denominada de "teoria do objeto". Para-
lelamente, mas com sensíveis diferenças, advogam os mesmos propósitos, dentre
outros, Juhannes Rehmke, Hans Driesch e Oswaldo Külpe.
O movimento fenomenológico é bas$ante complexo e variado, apresentando,
segundo especialistas, fases distintas:
a) A fase aIemli com a fenomenologia pura do próprio Husserl e sua evolução com
forte influência de Alexander Pf'ânder, Adolf Reinach, Moritz Geigeri Edith Stein,
Roman Ingarden e outros. A fenomenologia das essências de Max.Scheler. As ba-
ses fenomenológicas de Martin Heidegger e de Nicolai Hartmann.
Da Alemanha, o movimento chega à Espanha, sensibilizando o espúito lúcido
de Orte,ga y Gasset, que erigiu uma filosofia com bases perspectivistas, na ordem
.do pensamento de Leibniz. A propósito, Ortega defendeu um perspectivismo mais
amplo, isto é, não só no seu aspecto biológico ou psicobiológico, mas também em
seu sentido histórico.
b) A fase francesa, onde se manifestam "as relações" de Gabriel MareeI com o
"movimento fenomenológico" ou, quando menos, com os "temas fenomenológi-
cos". As bases fenomenológicas de· Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty,
Paul Ricoeur, René Le Senne, Louis Lavelle e' outros.
O estudo do tema, com mais profundidade, conduziria naturalmente à elabo-
ração de um trabalho à parte, independente, autônomo, desenvolvido em maior es-
paço, sob diferentes prismas. Em detido exame, portanto, da obra dos autores des-
sas várias correntes filosóficas, chegamos à conclusão de que todos procuravam
modificar é, em alguns casos, superar as premissas estabelecidas por Husserl, no
campo da fenomenologia.
Para Ferrater Mora, o movimento não pressupõe, pois, nada: nem o mundo na-
tural, nem o sentido comum, nem as proposições da ciência, nem as ex.periências
psíquicas. Coloca-se "antes" de toda a crença e de todo o juízo para explorar pura
e simplesmente o dado. As essências são transferidas à intuição fenomenológica,
que se converte deste modo numa apreensão de "unidades ideais significativas"-
de "sentidos" ou "objetos sentidos", de "universalidades". 12
Matrizes axiológicas 43
As duas grandes obras de Hartmann foram Os princfpios de uma metaffsica do
conhecimento (1921) e Ética (1926), sendo que, nesta, desenvolve as idéias de
Max Scheler e as suas, em particular, através de um rigoroso ontologismo axiol6-
gico. É notória a influência de Scheler em alguns importantes aspectos da sua éti-
ca; quanto à doutrina da liberdade, observa-se que Hartmann assume posição in-
teiramente oposta à de Scheler.
A filosofia de Hartmann, segundo estudiosos de sua obra, nos introduz nova-
mente num universo de investigações mais modestas e objetivas, que transcendem
o próprio eu e o homem, e buscam apreender o mundo do ser tal como ele se reve-
la à limitada faculdade humana do conhecimento.
Se .bem que Scheler e Hartmann considerassem a intuição como meio mais efi-
caz para se penetrar no mundo dos valores, havia entre eles algumas nuanças dife-
renciadoras quanto à forma de sua captação. Para Scheler, por exemplo, os valores
só poderiam ser apreendidos por contato direto do espírito, no seu aspecto emo-
cionaI. Segundo Hartmann, a captação dos valores poderia ocorrer tanto emoci~
naI como eideticamente; os valores, para ele, traduziam um mundo subsistente in-
corporado em si mesmo, formando o arcabouço de uma realidade ontológica. Har-
bnanD considerava também que as ordens humanas superiores constituem as or-
dens inferiores da personalidade, negando, assim, a personalidade de Deus por-
que, assumindo Este posição de supremacia numa ordem superior, só poderia re-
presentar o limite negativo da definição de personalidade, isto é, como ser impes-
soal em último grau. Além disso, achava que é o próprio homem que possui as
qualidades da divindade, só cabendo à ética atribuir-lhe o merecido staiu:s.
Também de acordo com Hartmann, os valores revelam um modo de ser que se re-
flete num dever ser ideal, apresentando-se imutáveis por si mesmos, mudando
apenas a consciência que se tem deles.
, S Stegmüllcr, Wolfgang. AfiIosofia co1/le11lpOrt1nea introdMç40 crfIica. Trad. Esrevlo Rezende de Martins.
São Paulo, Universidade de São Paulo, 1977. v. 1, p. 92.
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Vale resSaltar que Scheler foi UID filósofo DO sentido mais rigoroso do te11IlO,
devido principalmente à sua preocupação com os grandes problemas da existência
dos homens, para os quais freqüentemente apresentava soluções pessoais, objeti-
vas, satisfat6rias, para a maioria deles. .
Como revisor ou crftico da ética formalista de Kant, procura demonstrar que a
6tica material de valores é baseada em vaIores de conte4do preciso, mediante pr0-
cedimento intuitivo que capta os fatos antes de qualquer fixação lcSgica. Segundo
Max Scheler, todas as coisas que cercam o homem possuem um vaIor, isto é, são
objeto de uma "atraçio", positiva ou negativa, em relação a ele. Assim, o vaIor é
o conteddo instandneo de todo objeto. Quando se afirma que o homem está sem-
pie em busca de prazer, essa afirmação não conesponde à verdade, porque o ser
procura basicamente uma satisfação ou qualquer outro estado afetivo, isto é, tenta
elaborar, através do oomportamento, uma escala de valores. Por conseqüência,
quando o prazeI' se apresenta como uma das suas principais metas, o homem tenta
conquistá-lo, porque representa um vaIor.
Karol Wojtyla diz que o valor não é um atributo da coisa em sentido ffsico, não
é uma potência ou apresentação visível da coisa nem uma propriedade oculta
(que litos occulta). Tais ~rCsticas levariam à estrutura ffsica do objeto. É o
objeto dado como dé uma fonna nova. E desta fonna nova precisamente é como se
dá o objeto na pen:epçio afetiva emocionaI, isto é, no conhecimento intuitivo
cmocional. '4
Para Machado Paupério, todos os valores, quer os vividos como pnSprios indi-
.vidualmente, quer os recebidos das normas universais e das autoridades morais,
todos os valores éticos aio capitalizados, como se ~ dizer, na consciência. Do
conhc!cimento especulativo chegamos naturalmente ao conhecimento pdtico, à re-
gra de açIo. Enquanto a ciência chega à técnica, a filosofia chega à ética. 1 I
.É no fonnaJismo na Itica e a ltica moterú.Il dos valores que Scheler estabelece
os fundamentos da ética em uma axiologia material, com importantes argumentos
sobre psicologia, gnoseologia, pneumatologia e filosofia social. O momento em
que vivia estava impregnado de teses e idéias sobre a objetividade e "absoluteida-
de" dos valores e de princCpios éticos. Eram obras que de um modo geral davam
!nfase a uma filosofia inspirada numa concepçio cristã do mundo e da vida, em
oposiçio aos princípios escoMsticos e tomistas.
Segundc· Scheler, o valor não é uma propriedade COIJXH:8l ou. anCmica de um su-
jeito. Isto seria confundir o valor com o seu portador. Quem possui UID valor pode
adquiri-lo ou perdê-Io sem que este pen:a as suas caracterCsticas. A bondade, por
exemplo, existe independentemente do homem bom; ou, CCoffiO no caso da malda-
de, que é um desvalor, esta manifesta-se, de igual modo, em relação ao ser. Por
conseguinte - diz Garcia Morente - dos valores pode-se discutir, e se pode discu-
tir dos valores é porque na base da discussão está a convicção profunda de que
aio objetivos, de que estão aí e de que não são simplesmente o resíduo do agrado
ou desagrado, de ~ ou de dor, que fica na minha alma depois da contem-
, plaçlo do objeto.'·
Oe acordo com Scheler, os 'Valores são dados intuitivamente com independência
tanto com relação à pessoa quanto ao objeto. A classificaçio dos valores, tida co-
14 wojtyla, KaroL, Mca Scháer y la ltictJ crl8tIana. Madrid, Biblioteca de AutorCIII Cristiaoos, 1982. P. 12-3.
'I Paup6rio, Arthur Macbado. AI CtJrI8fQnU8 tDdoI6gica8 de pe1Uf1IM1fIOjII1"IdIco-l;IrruIIelro. op. cit. p. 340.
t. MonDID, Mmwel Gaáa. FlIIIIIome1atoIIiM JIMojia - /Iç6G P' . .,....."". 8. ed. Trad. e pr6logo Guilher-
mo de la Cruz Corooado. 810 Paulo, Mestre JoIi, 1980. p. 299.
MoIrius axioMgicas 45
mo a mais aceitável ainda é dele. e está inserida no seu livro O formalismo na ~ti
co e o ~o material dos valores (1916). Entre os valores. existe uma hierarquia.
que pode mudar no seu aspecto intersubjetivo. De aconIo com o pensamentp de
Scheler. ela deve obedecer à seguinte ordem: valores religiosos, valores éticos.
valores estéticos. valores"lógicos. valores vitais. valores 4teis. Quando Scheler c0-
loca os valores' religiosos acima de quaisquer outros. não importa que venha a ser
subvertido diante de alguém que seja indifenmte a esses valores. Ao considerar os
valores do divino e do sagrado como valores supremos, ele procura demonstrar
que estes s6 são valores absolutos enquanto se referem a Deus. A propósito. a
tendência do grande fenomenologista de enfatizar o amor ao próximo, estabele-
cendo um It1Odelo ético geral para a vida moiaI. visa sensibilizar os pensadores
cat6licos para a sua obra. Além disso, segundo Karol Wojtyla, há registro de ou-
tros aspectos particulares do seu pensamento que levam a uma comparaçio ime-
diata com a ética cristã, e mais especialmente com o conteddo ético do Evange-
lho. 17
Com base na hierarquia dos valores de Scheler, não há por que considerá-la de
todo inflexível, nos seus desdobramentos e no seu aspecto prático. Pode aconte-
cer. por exemplo. que alguém inverta a sua escala de valores. optandc por um me-
nos importante. isto é. entre sacrificar um valor 4ti1 e o vital, prefira-se o sacriff-
cio deste. Ou pode acontecer que um apreciador de artes plúticas prefira de fato
salvar uma vida humana, que é um dos valores morais supremos, a preservar uma
tela de um grande pintor. na iminência de ser destruída por um incêndio.
Scheler nio era inovador s6 em relação a Kant, que tinha também um pensa-
mento avançado para a época em que vivera, pois ele pnSprio comparava sua revo-
lução filosófica com a realizada por Copémico. no campo da astronomia. E 0"m6-
todo fenomenológico de Scheler, sem dttvida, polêmico e de grande impacto, pr0-
vocando discussões acirradas entre filósofos do prestígio de Hussed, seu mestre;
Nicolai Hartmann e muitos outros. Independentemente disso. a sua genialidade era
reconhecida por seus contemporâneos, como, por exemplo. Hil~, Rotha-
cher. Lutzeler. Kammitzer e Edith Stein.
Kant, em sua postura racionalista, considerava que a ética formal tem. o seu en-
raizamento em uma lei moral formal. sem conte4do material. O universo da mora-
lidade resultava principalmente dos dados interiores da consciência, sem nenhuma·
relação com o mundo dos objetos. O respeito pela lei ou a reverência pela lei, na
ética kantiana - ensina Jacques Maritain - tomou o lugar do amor de Deus acima
de tudo, na moral cristã tradicional. Assim como a bondade sem limites da boa
vontade, no íntimo do agente moral, substituiu a bondade infinita do fim 4ltimo
acima dele. Antes de saber o que devo fazer, eu sei. a razão me diz que eu devo.
Ela me submete à forma pura da obrigação moral e do mandamento condiciona-
do. u
A ética formal. o valor do ato. de acordo com Kant, iDdepende do que expressa
a bondade moral do seu objeto. O comportamento individual, neste caso, é sempre
ditado pela universalidade da norma formal. isto é, s6 devo fazer aquilo que a lei
permite; ou. ainda, um ato é moral quando está de acordo com a norma est8bcleci-
da.
46 R.C.P.1I90
A crftica de Scheler 1 ética formal de Kant é compreensível sob diversos ângu-
los. O fil6sofo de Kõoigsberg era racionalista, aceitava a capacidade de a razão
humana conhecer e estabe1ccer a veRlade. Scbeler, ao contrário, era adepto da
doutriDa cmocionaJista, que descobre no homem potencialidades em sua esfera
emocional do espírito. Neste sentido, há uma manifesta conduta de experiências
vividas, e estas possuem iniludivelmente seu PJ'ÓPriO conteWlo objetivo. Desta
forma, a matéria espec1Iica das experiências do espírito reside exatamente no va-
101', em todo o universo dos valores.
Com muita propriedade, Machado Paupério salienta que, em lugar, assim, da
ética kantiana, apriorística e formal, Scbeler edificou também uma ética apriorlsti-
ca, mas material. Enquanto o dever, a consciência de uma lei formal, antecede o
valOl' na filosofia de Kant, o valor precede ao dever, isto é, 1 lei na filosofia de
ScbeIer: o sentimento do valor não está na consciência de um dever formal mas no
ato psíquico de preferir um determinado conteddo. 11
Scbeler desenvolveu a sua doutrina com firmeza e independência, não formou
escola no sentido estrito do termo, nem deixou continuadores de sua obra, mesmo
coosidenmdo a grande repereussio das suas idéias na filosofia contemporAnea.
Mesmo assim, ex.en:eugrande influência em Paul Ludwig Landsberg, professor de
filosofia na Universidade de BOnn que, deixando a Alemanha, ingressara na Uni-
versidade de Bareelona, Espaõha, onde promovera vários seminários sobre Sebe-
ler e Nietzscbe. Adepto das idéias daquele, Landsberg desenvolveu alguns princí-
pios básicos do seu pensamento, dando ênfase especial 1 aplicação da sociologia
do saber ao estudo da Escola de Platão e 1 elaboração de uma antropologia fil0s6-
fica.
MtJIrizes IIXioMgicas 47
o ato, para Lavelle, é o princípio interior do próprio eu e do mundo e, por isso,
o ato não poderá ser nunca um objeto ou uma razão, ainda quando apareçam sem-
pre no interior do ato como algo criado por sua atividade incessante.
Com a participação de René Le Senne, Lavelle iniciou um movimento, na Edi-
tora Aubier, conhecido pelo nome de ''filosofia do espfrito", tido mais como uma
orientação geral do que como 6rgão com características de "escola fil0s6fica",
organizada no sentido verdadeiro do termo.
Ê de René Le Senne esse importante depoimento: "Lavelle exprimiu tão forte-
mente o sentimento da universalidade da Presença divina, que ele poderia ser con-
siderado seja como um espinosista, seja como um quietista. A primeira bip6tese é
excluída, porque ele concede a fonte em que podemos nos abeberar como um ser
eternamente mais livremente em ato, e porque ele põe o amor que 56 pode unir
pessoas, no centro da participação humana em Deus; a segunda, porque ele insiste
tão decididamente na pureza essencial a todas as experiências do ato de que p0-
demos participar, que isto o liberta de todas as falsificações em que pudéssemos
comprometê-Io".2t
De acordo com Lavelle, existe um Esp(rito, realidade soberana e principal, ain-
da que não seja visível, e de onde tudo provém e para onde tudo volta e tende a
voltar. Esse espírito é· dotado de valor infinito, e se apresenta como Wrlco valor, e
a nossa projeção na vida, as nossas realizações se expressam à proporção em que
penetramos na sua natureza e dela participamos. Ê no espfrito, portanto, que de-
vemos buscar as coisas e, principalmente, em n6s mesmos, e somente por ele e ne-
le que conseguimos entrar e reentrar na posse do venladeiro, do belo e do bem; na
felicidade da terra, se é que existe, e na beatitude final.
Na doutrina de Lavelle, há forte influência do cristianismo, do platonismo, em-
bora o platonismo não seja, na verdade, uma filosofia fora do nosso alcance, nem
exclusivamente conceitual. Segundo especialistas, as idéias de Platão eram vivas e
ativas, e o Espírito, na concepção de Lavelle, é dotado de igual dimensão e im-
portância.
Há quem considere o lavellismo não apenas uma doutrina de inspiração platô-
nica, mas acima de tudo neoplatônica, mesclada de forte influência de Plotino
(205-270), nascido em Uc6polis, Egito. E a filosOfia de Plotino - segundo Ferra-
ter Mora - não fica, contudo, esgotada com a referência de que seja apenas o fun-
dador do neoplatonismo, porque há nele uma síntese, uma renovação e uma reca-
pitulação da bist6ria inteira da filosofia grega. 22
Para Gonzague Truc, a filosofia original e nova de Lavelle - pois existe real-
mente algo de novo neste platonismo renovado - traz algum reconforto a uma
época tão fdnebre. Pusemo-la em confronto com a de Sartre num livrinho (De
Jean-Paul Sartre a Louis Lavel/e), e que nos permitimos remeter o leitor para um
. complemento de informação que não poderia ter lugar aqui e a idéia natural dessa
aproximação nos veio como um possível ensejo de apresentar o remédio ao lado
do t6xico. u
Lavelle adota uma f6nnula de grande alcance para captação do mundo dos va-
lores. Para ele, "o ato pelo qual o eu assume o seu ser pr6prio é que funda o valor
2t Le Senne, Ren6. 11IITtJduç40 d filosofia. Trad. Wilaon Chagas. Rio de Janeiro, Porto Alegre, SIo Paulo,
Globo,1965.p.157.
22 Mora, JoK Fcrrater. Diccionarlo defilosofia. op. ciL p. 2.601.
21 'Iruc, Gonzague. HI8t6ria da jIIoMJfia - o drama do peuame1IIO tUTa\IÚ do6 6kuIo8. Trad. Ruy Flores
Lopes e Leooel Va1Iandro, Porto Alegre, Globo, 1968. p. 289-90.
48 R.C.P.l/90
em si mesmo, e, ao mesmo tempo, de todos os objetos a que se aplica, de todos os
fins que se propõe atingir."
De acordo com o grande ftl6sofo, a autoconsciência fundante do valor não im-
plica seu isolamento, mas, ao contrário, exige a sua participação e inserção no to-
do, até ao ponto de poder dizer-se que é na relação do eu com o todo que se en-
contra a origem mesma do valor.
Com muita perspicácia, Lavelle observa ainda que o valor não pode proceder
senão de uma atividade que, fundando-se em si mesma, funda ao mesmo tempo o
seu próprio valor e o valor de todas as coisas; de uma atividade que se engendra a
si mesma e que, ao fazê-Io, engendra as suas pr6prias razões: ora, essa é precisa-
mente a def'mição do esp{ri.to.
Na linha do pensamento de Lavelle, a natureza é algo imutável, e que s6 o ho-
mem consegue transfonnar-se incessante e interiormente. Em conseqüência, essa
capacidade inovadora torna possível estabelecer novas formas de ser e de viver,
através do pr6prio esp{ri.to. 2 '
S6 o homem - acentua Miguel Reale - seguindo as pegadas do ftl6sofo cat6lico
- é um ser que inova, e é por isso que somente ele é capaz de valorar. No fundo,
chegaremos à conclusão de que o problema do valor reduz-se à pr6pria espiritua-
lidade humana. Há possibilidade de valores porque quem diz homem diz liberdade
espiritual, possibilidade de escolha constitutiva de bens, poder de síntese com li-
berdade e autoconsciência.
Para Rea1e, o homem, cujo ser é o seu dever ser, construiu o mundo da cultura
à sua imagem e semelhança, razão pela qual todo bem cultural s6 é enquanto deve
ser, e a uintencionalidade da autoconsciência" se projeta e se revela como inten-
cionalidade transcendental na hist6ria das civilizações. 2 •
Na ftlosofia de Lavelle, não existe a mais tênue alusão ao problema da liberda-
de e da transcendência, devido talvez ao seu posicionamento doutrinário, voltado
para dois temas importantes: o ato, "origem interior de mim mesmo e do mundo"
(De I "Acte, de 1937).
O ato apresenta-se, assim, como pressuposto básico da natureza subjetiva, co-
rno que parafraseando o "c6gito cartesiano" ou, ainda, os princípios da teoria de
Maine de Biram, que sustenta a existência de uma vida espiritual superior, que ab-
sorve as resistências físicas e corporais, diante da força do esp{ri.to tal como se
manifesta na experiência mística.
E o ato, na doutrina de Lavelle, apresenta-se como "um fato duplo", ou como
uma relação, pela qual meu ser particular insere-se no ser total, "meu pensamento
individual, num pensamento universal, meu querer finito, num desejo infinito".
Tarcísio Meirelles Padilha salienta, com muita propriedade, que o pensamento
de Lavelle resultou de um contato permanente com os problemas do homem ffiO-
demo, visando, invariavelmente, solucioná-los à luz do seu realismo espiritualista.
Particularmente, o existencialismo prendera a atenção do ftl6sofo, pois nenhum ou-
tro sistema traduz, de maneira tão expressiva, o estado de crise dos nossos dias. A
identidade do ser e do bem revela em sua simplicidade toda a riqueza do lavellis-
mo'"
2. Lavelle, Louis, Traité des vaJeurs. Paris, Presses Universitaires de France, 1951 p. 299-315. 2v.
25 Reale, Miguel. FiJosojÜl do direito. op. cito voI. I, p. 193.
21 Padilha, Tarcísio Meirelles. A ontologia axiológica de l.ouis l.avefle. Tese apresentada para provimento
de cátedra de História da Filosofia, Ciência e Letras da UFRJ. Rio de Janeiro, 1955 p. 10.
Matrizes axiológicas 49
LavelIe Dão ficou indiferente à classificação dos valores, feita por Rickert e
Scheler, perfilhando a mesma orientação, ao ponto de atribuir também aos valores
morais e espirituais importância transcendental, tendo-os como os mais profundos.
Na filosofia de LavelIe e de René Le Senne, verifica-se o primado do espúito
sobre a matéria, não tendo esta sentido nem realidade senão quando em dependên-
cia total daquele. "Quando eu afirmo que sou um espúito" - observa Le Senne-
"quero dizer que me distingo das coisas pela consciência que correIativamente te-
nho delas e de mim, que a multiplicidade das determinações e das qualidades, com
que eu encho o espaço e o tempo, s6 me são acessíveis em função de um envolvi-
mento de que sou o centro."27
Com base nesse raciocínio, os espúitos, e o nosso particularmente, estabelecem
relações, condicionamentos, agem sob pressão das dificuldades, dão realce a essa
ou àquela atitude, deÍmindo-se, em sua essência, por uma conduta desejável, ética
por excelência, que se expressa verdadeiramente em valor.
E o valor não depende da nossa vontade, resulta da contribuição que oferecer-
mos no sentido de alcançá-lo, da colaboração que dermos para a sua atualização
em nossa experiência, de maneira que se manifeste independentemente da ema-
nação do eu.
Na <lia1ética de LavelIe e Le Senne, o valor é produto natural da procura, de-
corre de ato que não sofra limitações da nossa ignorância nem da circunstância
que estamos vivendo, para que o ato, em si, nos proporcione a satisfação que es-
peramos dele. Em conseqüência, o valor não pode ser percebido aleatoriamente
pelo espúito, mas se manifesta em sintonia com os nossos anseios, e será assimi-
lado através dos propcSsitos que perseguimos, como que num convite a uma
imanência metafísica.
É preciso considerar que o valor tem de ser descoberto preliminarmente, e res-
ponder, desde logo, à nossa inspiração, de forma que se tome essencialmente uma
inspiração transcendente, pois ele não depende de n6s nem é fruto exclusivo de
nosso desejo, com já argumentamos anteriormente.
O valor emerge, assim, da consciência, que é o meio "intramental" entre n6s e
o Absoluto e, dessa associação do espírito finito (o Ser Humano) com o Espúito
Universal (Deus), ocorre a ~Wsição de uma nova virtude, da transformação de er-
ros em potência.
No seio da presença total - observa com muita propriedade Renê Le Senne -
como Louis Lavelle o mostrou magnificamente, que manifesta a imanência eterna
do Espúito enquanto um no coração dos espúitos, o valor é a presença eficaz, que
acrescenta a interioridade de um novo liame entre Ele e n6s. 2I
A luz da metafísica, os argumentos de LavelIe e René Le Senne têm procedên-
cia: a identificação do ser e do ato, com os espúitos mostrando-se diferenciados
na busca do Absoluto, que se expressa em valor. Acontece que as transformações
vividas pela sociedade têm sido de grande impacto nessas dltimas décadas, pois,
com a revolução tecno16gica, os vÔOs espaciais e as várias missões bem-sucedidas
do homem ao espaço sideral tem sido demonstrada a ação renovadora do homem
que, em alguns casos, se reflete nocivamente sobre os valores.
Além disso, a civilização atravessa um dos períodos mais críticos da sua hist6-
ria, pelo uso inadequado dos meios de comunicação de massa, que já mereceu, in-
clusive, uma "prece à televisão", em que se pede que "Deus ilumine os responsá-
Matrizes axioMgicas 51
7. Considerações Finais
52 R.C.P.1I90
to de uma "atração", positiva ou negativa, em relação a ele. Assim, o valor é o
conteódo instantâneo de todo objeto. Contudo, segundo Lavelle, o ser é o funda-
mento de todas as coisas, atribuindo-lhe preeminência incontestável. A sua metafí-
sica, fundamentalmente subjetiva, considera o ato como princípio interior do pro-
prio eu e do mundo. Para ele, existe um Espírito, realidade soberana e principal,
ainda que não seja vis.ível, e de onde tudo provém e para onde tudo volta e tende a
voltar.
A procura do Absoluto (Deus), que representa valor, pelos espíritos finitos (se-
res humanos), na doutrina de Lavelle tem sentido, é admirável, mas é prejudicada
pela influência nociva dos "cientificistas", dos evolucionistas materialistas, dos
positivistas, num mundo hoje dominado pela tecnologia que corta os laços que
uniam o homem à Divindade.
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