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Metamorfoses (1990)

Eugénio de Andrade é o pseudónimo de José Fontinhas. Nasceu no dia 12 de


Janeiro de 1923 no Fundão. Foi poeta, escritor, tradutor, galardoado com vários prémios.
Faleceu no dia 13 de junho de 2005, no Porto.

Apesar do seu enorme prestígio nacional e internacional, Eugénio de Andrade


sempre viveu fora da vida social, literária ou mundana. O poema “As Palavras”, é um dos
mais carismáticos deste autor, o sujeito poético propõe, a partir de um jogo metafórico, uma
reflexão sobre o valor polissêmico das palavras.

O tema do poema enquadra-se na criação poética despertada pelo quotidiano do


sujeito poético que, neste caso, são as tarefas domésticas.

A poeta escolhe o nome Metamorfoses, já que esta se encontra num estado de


mudanças constantes, como se estivesse a passar por processos de metamorfose.

No poema, estão representados dois espaços, um exterior (“uma despensa”) e


outro interior (o “sótão mental”).

A obra coloca-nos face à imagem de uma mulher atual, dita moderna, que, envolta
nas tarefas domésticas, se ocupa também da criação artística, o que faz com que ela acabe
por atribuir sentido metafórico aos aspetos desse quotidiano doméstico.

O sujeito poético abre o poema com um pedido: “Faça-se luz / neste mundo
profano”. Essa vontade constitui, no fundo, um apelo à criatividade. Esta ideia é continuada
na terceira estrofe: “Que a luz penetre / no meu sótão / mental”.

O seu gabinete de trabalho é uma despensa, qualificado como "mundo profano".


Este conjunto metafórico está diretamente relacionado com a ideia de uma mulher urbana
que vive dividida entre a obrigação de se dedicar às tarefas domésticas e a sua escrita. Por
outro lado, poder-se-á considerar que o quotidiano doméstico funciona como uma fonte de
inspiração para a poesia desta mulher.

Assim sendo, não pode haver qualquer estranheza no facto de o campo lexical
predominante do poema ser algo invulgar na poesia: "presunto", "detergentes", "arroz",
"despensa". Tal pode sugerir que o quotidiano não é propriamente a fonte de inspiração
"perfeita", no entanto, é possível, através da imaginação, transformar esses produtos em
poesia. Assim se compreende que, no final do poema, se transforme o presunto numa
carruagem encantada, características dos contos tradicionais.
O sujeito poético organiza a despensa, enquanto o momento de escrever poesia não
chega, daí que, nesse período de tempo, tenha de aguardar que se faça luz, isto é, que a
inspiração apareça.

A segunda estrofe assenta na oposição entre “As outras” e o “eu”. “As outras” estão
circunscritas a “sótãos”, espaços físicos superiores, marcados pelo exercício da escrita,
enquanto que o sujeito poético está confinado a uma simples despensa, forçado a cumprir
as tarefas domésticas.

Assim, o sujeito apela à inspiração, que “a luz penetre / no meu sótão / mental”, de
modo que o seu desejo de abandonar a despensa e as suas tarefas e atingir o sótão se
concretize e desta forma se opere a transição do espaço exterior para o interior
(“transformem o presunto / em carruagem!”).

De facto, o sujeito poético, dividido entre duas representações distintas, vive


constantemente entre o exterior e o interior; entre o quotidiano, feito de elementos concretos
e objetivos e o mundo do sonho, da imaginação e da criação poética. Ao contrário do que
se poderia talvez esperar, estes dois mundos não se opõem, antes se completam e
coexistem.

Em suma, o sujeito poético apela à inspiração, pedindo que se faça luz, para que o
seu desejo de escrever se vá materializando.

Para terminar, o poema tem 18 versos, divididos em quatro estrofes, duas quintilhas
e duas quadras. Quanto à rima, o poema é composto por versos brancos e a métrica é
irregular.

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