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RESUMO
Na Poética, Aristóteles vê a poesia, isto é, o mito, enquanto imitação da dor
mais radical, imitação do terrível, a saber, o pura e simplesmente inexorável
que se encontra na ambiência do que os gregos antigos entendiam por moira,
destino. O adequado uso do mito no espetáculo trágico é o que, segundo o
estagirita, conduz à catarse: purificação do terror e da piedade. O que
pretendemos é investigar a relação estreita entre o que, na Poética, é chamado
“purificação” e aquilo que aqui será explicitado como “dor radical” a qual
constitui fundamentalmente a vida de todo homem em todos os seus
momentos.
Palavras-chave: catarse; destino; culpa
ABSTRACT
In Poetics, Aristotle considers poetry, that is, the myth, as imitation of the
most radical pain, imitation of the terrible, namely, the absolutely inexorable
that is in the ambience of what the Ancient Greeks understood as moira,
destiny. The good use of the myth in the tragic spectacle, as the Stagirite
thought, leads to catharsis: purification of terror and mercy. What we intend
to investigate is the narrow relation between what is called, in Poetics,
“purification” and what we have here named “radical pain”, which
fundamentally constitutes each man’s life in all its moments.
Keywords: catharsis; destiny; guilt
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Doutora em Filosofia pela UFRJ. Professora da UERJ. E-mail: izabelabocayuva@gmail.com
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uma finalidade educadora sim, segundo Aristóteles, mas isso tem muito
mais a ver simplesmente com aprender a viver, “vivendo”. Não se
trata de aprender a não agir errado fazendo isto ou aquilo
especificamente, mas de aprender o que a cada vez significa agir e
isso de modo universal.
A forma dramática e não narrativa de realização do mito na
tragédia, além da necessária presença de verossimilhança,
proporcionam uma experiência de contemplação da vida ao mesmo
tempo que de atravessamento radical por causa da identificação
inevitável. Para que isso se dê o mito deve ser escolhido a dedo, o
herói deve ser trabalhado para ser alguém digno de apreço. Aquilo
que se passa ali adiante, no centro do teatro, poderia se passar com
qualquer um da platéia. Por outro lado, o distanciamento é evidente,
afinal a tragédia é uma imitação, de tal modo que ao final da
apresentação que levou cada espectador ao padecimento é possível a
sensação de alívio; daí o prazer da catarse. Assim, o que principalmente
está em jogo não é qualquer tipo de julgamento de valor sobre um
homem ou sobre essa ou aquela ação, nem mesmo sobre essa ou aquela
história. O que mais interessa é que naquele tempo de encenação, a
vida por inteiro, naquilo que ela tem de mais essencial, se manifeste
através da lapidação do mito.
Como Aristóteles mesmo diz:
A tragédia imita a lida com o viver, com o agir, lida essa que
necessariamente, sem qualquer garantia prévia, pode se desenrolar seja
1
Aristóteles. A Poética. Trad. e Comentário Eudoro de Sousa. Lisboa: Casa da Moeda,
1990. pág.
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Ibidem. pág.
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Cf. KIERKEGAARD, Sören. De la Tragédia. Trad. Julia López Zavalia. Buenos
Aires: Editorial Quadrata, 2005. pág. 40 ss
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RICOEUR, Paul. O Mal – um desafio à filosofia e à teologia. Trad. Maria da
Piedade Eça de Almeida. Campinas: Papirus, 1988.
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Não devemos esquecer que a vivência da situação inversa, passar da desdita para
uma situação favorável, também faz amadurecer. A presença do inexorável, bem
como da falta de garantias sobre o efeito das ações cometidas está também presente
nesse modo de acontecerem as coisas.
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E continua:
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Cf. Diálogo Fédon de Platão.
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Aristóteles. A Poética. Trad e comentário Eudoro de Sousa. pág. 101
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Cf. KIERKEGAARD, Sören. De la Tragédia. Trad. Julia López Zavalia. Buenos
Aires: Editorial Quadrata, 2005.
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