Você está na página 1de 2

A construção da tragédia

- Toda a poesia é, para Aristóteles, imitativa. Diferentes espécies de poesia imitam por
meios diferentes, objetos diferentes e de maneiras diferentes.
No que diz respeito ao meio da imitação, a tragédia utiliza a fala, o canto e o
espetáculo. Quanto ao objeto representado, a tragédia é uma imitação de ações
efetuadas por homens socialmente e moralmente superiores a nós. Quanto à maneira de
representar, a tragédia é uma imitação feita por atores agindo e não pela narração.
A própria palavra “drama” que aparece na denominação “gênero dramático” tem como
significado etimológico “agir”.
- “Portanto, assim como nas outras espécies de representação, a imitação única decorre
da unidade do objeto, é preciso que a fábula, visto ser imitação duma ação, o seja duma
única e inteira, e que suas partes estejam arranjadas de tal modo que, deslocando-se ou
suprimindo-se alguma, a unidade seja aluída e transformada; com efeito, aquilo cuja
presença ou ausência não traz alteração sensível não faz parte nenhuma do todo
(ARISTÓTELES, 2002, p. 28).
- Ao insistir no caráter uno, acabado e completo da ação da tragédia, Aristóteles limita seu
tempo à duração de uma revolução do Sol. Graças à densidade da ação, a composição
da tragédia é para ele superior à da epopeia. O limite temporal imposto à tragédia será
depois conhecido como a unidade do tempo no teatro clássico moderno e receberá um
tratamento ainda mais rigoroso, restringindo o tempo da ação a doze horas.
- O lugar central na estrutura das ações da tragédia é ocupado por ações que
remetem à dinâmica da transformação do destino do herói: a peripécia e o
reconhecimento:
- A Peripécia é uma viravolta das ações em sentido contrário, como ficou dito; e isso,
repetimos, - segundo a verossimilhança ou necessidade; como, no Édipo, quem veio com
o propósito de dar alegria a Édipo e libertá-lo do temor com relação à mãe, ao revelar
quem ele era, fez o contrário; (...)
- O reconhecimento, como a palavra mesma indica, é a mudança do desconhecimento
ao conhecimento, ou à amizade, ou ao ódio, das pessoas marcadas para a ventura ou
desdita. O mais belo reconhecimento é o que se dá ao mesmo tempo que uma peripécia,
como aconteceu no Édipo (ARISTÓTELES, 2002, p. 30).

- A catarse
Além de descrever a natureza imitativa da tragédia e todos os elementos de sua
composição, Aristóteles comenta também seu efeito, pensando na recepção da
representação pelo público:
É a tragédia a representação duma ação grave, de alguma extensão e
completa, em linguagem exornada, cada parte com seu atavio adequado, com
atores agindo, não narrando, a qual, inspirando pena e temor, opera a catarse
própria dessas emoções (ARISTÓTELES, 2002, p. 24).
O efeito provocado pela tragédia é chamado por Aristóteles de catarse. Essa palavra
(katharsis) em grego remete à ideia de purgação
É um dos conceitos mais discutidos em Poética, pois não se sabe exatamente que tipo de
purgação Aristóteles tinha em mente: a emocional, a moral ou a intelectual. A palavra
remete à ideia do alívio, provavelmente também relacionado ao prazer intelectual.
- A mudança radical que reverte a felicidade do protagonista em infelicidade e destruição
está relacionada à ação provocada pela hybris e pela hamartia.

- Hybris remete em grego à ideia de excesso ou de exagero e, na tragédia, é o nome


dado à desmedida que provoca uma falha e leva à destruição do herói trágico. Trata-se de
uma falta de medida, que pode tomar a forma de uma autoconfiança exagerada, do
orgulho, e que está em desacordo com a natureza limitada do ser humano.
A hybris presente no mito de Édipo, por exemplo, consiste na reiterada e obstinada
crença humana na possibilidade de evitar o destino anunciado pelo oráculo.

- Hamartia remete à falha trágica, ou seja, à ação da qual decorre na estrutura da


tragédia a peripécia. Precisamos ressaltar que a hamartia era para os gregos uma falha
sem culpa, um caso de cegueira que acometia um homem bom, levando-o a uma ação
que causava seu infortúnio e sua destruição. Com isso, a hamartia não é um defeito moral
do herói, mas uma falha que lhe impede distinguir entre uma ação correta e uma ação
incorreta. A hamartia, chamada às vezes de “erro sem culpa” cometido por um homem
bom, é mais um erro intelectual do que um defeito moral. A hamartia de Édipo, por
exemplo, consiste em matar o pai e em esposar a mãe desconhecendo a identidade de
ambos.

- O trágico relaciona-se ao lugar do ser humano no mundo. De fato, na literatura


moderna, a noção do trágico conserva-se, mas ultrapassa o sentido que o limitava às
tragédias e adquire o sentido filosófico de uma visão trágica do mundo.

- Quais são as características do trágico, termo que diz respeito não mais apenas a
um gênero literário, mas à experiência humana?
Albin Lesky resume as características do trágico em quatro elementos essenciais: a
dignidade da queda, a considerável altura da queda, a necessidade de a situação trágica
alcançar a consciência do ser humano e a contradição inconciliável.
- dignidade da queda é uma componente cujas fontes diretas encontram-se em Poética,
segundo a qual a tragédia é representação de uma ação grave. Aristóteles insistiu
também na diferença entre os objetos representados pela tragédia e pela comédia: ao
contrário da comédia, que representa seres tais como nós mesmos ou inferiores, a
tragédia representa seres superiores, tanto do ponto de vista social quanto moral.
- a considerável altura da queda. Trata-se de uma mudança de grande amplitude que
transforma, irreversível e radicalmente a grande felicidade em infelicidade e destruição.
Aristóteles insistiu na importância do arranjo das ações na construção da tragédia, na qual
é, de fato, um acontecimento decisivo e cuidadosamente preparado que produz uma
mudança radical da situação.
- a presença da autocompreensão por parte do personagem, envolvido em um destino
trágico. Um herói trágico sofre de uma maneira consciente. Ele não é atingido pelo
destino e destruído sem sabê-lo
- natureza do conflito trágico. Este conflito é sempre inconciliável, pois surge de uma
situação na qual se manifestam valores contraditórios e, no entanto, irrefutáveis. Trata-se,
de fato, de uma situação sem solução e que, no entanto, impele uma escolha: esta
escolha significa sempre a rejeição de um dos valores e leva à catástrofe.

Você também pode gostar