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Em vez de culpar a desigualdade, pense em criar mais riqueza

Em 30 anos, o crescimento assombroso da China tirou nada menos do que 680


milhões de pessoas da miséria, dando-lhes renda e acessos a bens e serviços
nunca sonhados por uma população que passava fome nas plantações de
arroz. Só que, vejam só, a desigualdade chinesa também aumentou nesse
mesmo período.

Além dos miseráveis que subiram de vida, criou-se uma classe política e
empresarial de super-ricos que concentra cada vez mais riqueza. Praticamente
todo mundo está melhor, ainda que alguns poucos tenham ganhado mais do
que a maioria.

Essa é a cara do desenvolvimento capitalista (ainda que a China esteja longe


de ser um país liberal): todos ganham, mas nem todos ganham a mesma coisa.
E aí, o que é melhor para os chineses? Ter renda e consumo sabendo que a
elite de seu país é muito mais rica do que eles jamais serão, ou passar fome
com o consolo de que sua elite é formada de milionários e não bilionários?
Pobreza ou desigualdade?

Se o nosso objetivo é melhorar as condições de vida humana, dando uma vida


digna a todos, nossa preocupação é com a pobreza, e não com a
desigualdade.Pobreza diz respeito às condições absolutas em que alguém se
encontra. Tem comida? Acesso a água potável? Habitação? Trabalho? Seus
filhos podem frequentar uma escola ou se veem forçados a trabalhar? Os
critérios são muitos.

Já desigualdade é uma variável relativa, que nada diz sobre as condições


absolutas de vida. Para saber se um país é desigual, é preciso comparar seus
habitantes mais ricos e mais pobres e ver a distância entre eles. Um país que
tenha uma pequena parcela de milionários e o restante da população passe
fome é muito desigual. Já um onde todos passem fome é igualitário. A
condição objetiva dos pobres em ambos, contudo, é a mesma. Igualmente, se
os mais pobres viverem como milionários, e os mais ricos sejam uma pequena
parcela de trilionários, a desigualdade é grande.

As duas coisas, pobreza e desigualdade, se confundem facilmente, de modo


que muita gente que se preocupa espontaneamente com a pobreza (que se
preocupa, por exemplo, com quem não tem acesso a saneamento básico, ou a
educação) acaba falando de desigualdade: da diferença entre os mais ricos e
os mais pobres. E essa mistura muda nossa maneira de pensar: acabamos
pensando que pobreza e desigualdade são a mesma coisa e que, portanto, o
melhor remédio contra a pobreza é a redução da desigualdade, o que via de
regra significa tirar de quem tem mais e dar para quem tem menos.
Novamente, a China ou mesmo a história europeia nos últimos dois séculos
mostra que não precisa ser assim. A tendência mundial das últimas décadas
tem sido o aumento da desigualdade dentro de cada país. Mas se olharmos
para o mundo como um todo, comparando cidadãos de países pobres com os
de países ricos como se a Terra fosse uma grande nação, a desigualdade vem
caindo. A distância entre o cidadão médio de um país pobre para o de um país
rico diminuiu, ainda que, no mundo todo, a classe dos mais ricos venha
concentrando mais renda.

O principal índice para se medir a desigualdade econômica dentro dos países é


o índice de GINI. Em geral, maior riqueza está associada a maior igualdade; só
que há muitas e muitas exceções. Pelo índice de GINI, os EUA são mais
desiguais que o Senegal. O Afeganistão é das nações mais igualitárias do
mundo (o Canadá é mais desigual que o Afeganistão).

O Brasil, mesmo com sua altíssima carga tributária, segue sendo um dos
países mais desiguais do mundo (outra ilustração da ineficiência de nosso
estado em fazer aquilo a que ele se propõe), mas não é nem de longe o mais
pobre. O pobre brasileiro, por pior que seja sua condição de vida, está melhor
que o pobre indiano, apesar de viver numa nação muito mais desigual.

Pelo mesmo índice, o Canadá é mais desigual que Bangladesh, a Nova


Zelândia é mais desigual que o Timor Leste, a Austrália é mais desigual que o
Cazaquistão, o Japão é mais desigual que o Nepal e a Etiópia.

É um fato que a desigualdade desagrada a muitos. Ofende o senso moral de


muita gente pensar que uma pessoa tenha riqueza brutalmente maior do que
outra sem ter tido o mesmo esforço, ou o mesmo mérito, para consegui-la.
Herança talvez de uma ética do trabalho, que não consegue aceitar a riqueza
(ou o prazer de maneira geral) exceto como recompensa de privações, esforço,
sacrifício. Ou ainda da visão antiga de que é a riqueza dos ricos que causa a
pobreza dos pobres.

A transferência de renda, embora talvez útil para aliviar situações agudas de


pobreza, é um meio ineficiente para promover a geração sustentável de
riqueza. Relações ganha-ganha geram um ciclo virtuoso, aumentando a
riqueza total, que nos permite deixar para trás o eterno cabo de guerra por uma
riqueza estanque.

Imagine se a China tivesse parado nos anos 1970, brigando para repartir o
minúsculo bolo que era sua economia. Hoje o bolo cresceu, mas também os
super-ricos. Se conseguíssemos, pela primeira vez em muitos séculos, olhar
para fortunas imensas sem sentir indignação, o mundo talvez virasse um lugar
melhor.

Joel Pinheiro da Fonseca é mestre em filosofia.

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