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IGREJA BATISTA DO ITAIGARA

Escola Bíblica
Marcos 14.1-11
Tema geral da passagem: A beleza de uma vida devotada a Jesus
versus a aridez de uma religiosidade superficial: duas respostas
conflitantes ao Reino de Deus
• Informações introdutórias:
O evangelista Marcos descreve, de forma resumida, alguns aspectos mais
importantes da última semana de Jesus entre os seus discípulos.
Vimos anteriormente, que Marcos relata que, no domingo, a apoteose da entrada
triunfal (Marcos 11.1-11), no dia seguinte, na segunda, exerce sua autoridade de
Rei/Salvador ao purificar o templo da corrupção religiosa (Marcos 11.12-18), na terça,
será um dia tenso para Jesus, ele será fortemente questionado, tentado, provado por uma
série de perguntas, de vários grupos religiosos e políticos, mas, como Rei Salvador irá
impressionar os seus interlocutores e desbancar seus opositores com respostas,
altamente, sábias e desconcertantes (Marcos 11.27-12.40); ainda na terça-feira, depois
de passar o dia inteiro sendo testado e colocado à prova, Jesus elabora um dos sermões
mais enigmáticos dos Evangelhos: o sermão apocalíptico (Marcos 13.1-37), e para fechar
esse dia cheio, ainda na terça, Jesus será ungido na cidade de Betânia (Marcos 14.1-9).
Já na quarta, Judas Iscariotes, um dos seus discípulos, planeja a prisão de Jesus
com as autoridades religiosas (Marcos 14.10-11); no outro dia, na quinta, Jesus se reúne
com seus discípulos para a celebração do que veio a ser chamado de “a última ceia”
(Marcos 14.12-26). Então, na sexta, Jesus é preso, julgado, condenado, crucificado e
morto (Marcos 15.1-47). No sábado, o seu corpo repousa na sepultura e no domingo, bem
cedinho, acontece o milagre da ressurreição gloriosa de Jesus (Marcos 16.1-20)
Pois bem, o texto objeto da nossa reflexão, situa-se na terça-feira, no qual traz aspectos
de um dos sermões mais enigmáticos de Jesus: o sermão apocalíptico ou o sermão
escatológico.

• um cenário: a proximidade das festas da Páscoa e dos Pães sem


fermento (1-2)
i. A descrição bíblica das festas: antecedentes históricos

O texto de Marcos nos informa o contexto em que se dá os episódios do início do


capítulo 14: “Faltavam apenas dois para a Páscoa e para a festa dos pães sem
fermento...” (v. 1).
Essas duas festas foram instituídas no período histórico em que o povo de Israel
ainda residia no Egito. A primeira, a Páscoa, é descrita na seguinte passagem: “O Senhor
disse a Moisés e a Arão, no Egito: este deverá ser o primeiro mês do ano para vocês.
Digam a toda comunidade de Israel que no décimo dia deste mês todo homem deverá
separar um cordeiro ou um cabrito, para sua família, uma para cada casa... O animal
escolhido será macho de um ano, sem defeito, e pode ser cordeiro ou cabrito. Guardem-
no até o décimo quarto dia do mês, quando toda a comunidade de Israel irá sacrificá-lo,
ao pôr-do-sol. Passem um pouco de sangue nas laterais e nas vigas superiores das portas
das casas nas quais vocês comerão o animal... Naquela mesma noite passarei pelo Egito
e matarei todos os primogênitos, tanto dos homens como dos animais, e executarei juízo
sobre todos os deuses do Egito. Eu sou o Senhor! O sangue será um sinal para indicar
as casas em que vocês estiverem; quando eu vir o sangue, passarei adiante. A praga de
destruição não atingirá quando eu ferir o Egito.” (Êxodo 12.1-3,5-7,12-13)
A segunda, a festa dos pães sem fermento, é descrita assim: “Durante sete dias
comam pão sem fermento... Convoquem uma reunião santa no primeiro dia e outra no
sétimo... Celebrem a festa dos pães sem fermento, porque foi nesse mesmo dia que eu
tirei os exércitos de vocês do Egito. Celebrem esse dia como decreto perpétuo por todas
as suas gerações.” (Êxodo 12.15-17)
ii. A mensagem bíblica das festas: a intervenção graciosa de Deus

O cenário era dos preparativos de uma das festas mais importantes dos judeus,
uma festa que apontava algumas verdades teológicas:
Em primeiro lugar, apontava para o fato de que, a despeito da impotência do povo
de Israel, o Senhor decidiu intervir poderosamente para trazer libertação.
Essas duas festas deveriam servir de ensino para os judeus de que, por 430 anos
(Êxodo 12.40; Gênesis 15.13; Atos 7.6), ficaram no Egito, sob a condição de escravidão,
sendo sujeitos a “... a cruel escravidão. Tornaram-lhes a vida amarga, impondo-lhes a
árdua tarefa de preparar o barro e fazer tijolos, e executar todo tipo de trabalho
agrícola; em tudo os egípcios os sujeitavam a cruel escravidão.” (1.13-14), os quais era,
completamente, impotentes para promoverem suas próprias libertações.
Aquele cenário da celebração das festas da Páscoa e dos Pães sem fermento
deveria conscientizá-los de que fora a intervenção poderosa de Deus que os libertara
daquela vil condição, e não suas próprias forças.
Em primeiro lugar, apontava para o fato de que, apesar do demérito do povo de
Israel, o Senhor decidiu manifestar a sua graça libertadora.
Essas duas festas deveriam servir de ensino para os judeus de que, a intervenção
poderosa de Deus se deu, única e exclusivamente, pela graça, pelo amor e pela
misericórdia do Senhor.
Essa realidade fica evidente na seguinte passagem: “O Senhor não se afeiçoou a
vocês nem os escolheu por serem mais numerosos que os outros povos, pois vocês eram
o menor de todos os povos. Mas foi porque o Senhor os amou e por causa do juramento
que fez aos seus antepassados. Por isso ele os tirou com mão poderosa e os redimiu da
terra da escravidão, do poder do faraó, rei do Egito.” (Deuteronômio 7.7-8)
O cenário da celebração das festas deveria seria de lembrete à mente e ao coração
dos judeus de que, o único elemento que fundamentou a libertação daquele povo da
escravidão faraônica foi a graça escandalosa de Deus.
Em terceiro lugar, apontava para o fato de que, diante da intervenção graciosa
do Senhor, o povo de Israel devia responder em obediência e gratidão.
Essa terceira realidade é de suma importância para entendermos o grande
contraste que está acontecendo aqui Marcos 14, pois a introdução daquilo que
conhecemos como os “Dez mandamentos” fora introduzido com as seguintes palavras:
“E Deus falou todas estas palavras: Eu sou o Senhor, o teu Deus, que te tirou do Egito,
da terra da escravidão.” (Êxodo 20.1-2)
Em outras palavras, a obediência e o cumprimento aos Dez Mandamentos não
seria a causa da intervenção divina na vida dos israelitas, pelo contrário, como abordamos
acima, isso se deu pela graça do Senhor. Por essa razão que o texto começa descrevendo,
não aquilo que o povo fez para Deus, mas sim o que Deus fez pelo povo.
No entanto, a recepção da graça de Deus por parte dos israelitas deveria gerar uma
resposta de vida: a obediência aos Dez mandamentos.
Todavia, o cenário da chegada da celebração dessas duas grandes festas judaicas
que celebravam a graça de Deus é marcado pelas seguintes palavras: “Faltavam apenas
dois dias para a Páscoa para a festa dos pães sem fermento. Os chefes dos sacerdotes e
os mestres da lei estavam procurando um meio de flagrar Jesus em algum erro e matá-
lo.” (Marcos 14.1)
Que tremenda contradição!
• a conspiração dos religiosos: os bastidores do plano para matar o
Filho de Deus (1-2,10-11)

i. o ambiente do plano: o palácio do sumo sacerdote


O evangelista Marcos é um pouco vago quanto ao ambiente em que se deu a
orquestração do plano para tirar a vida de Jesus, não há indicação onde se deu tal reunião.
No entanto, Mateus traz a seguinte informação: “Naquela ocasião os chefes dos
sacerdotes e os líderes religiosos do povo se reuniram no palácio do sumo sacerdote,
cujo nome era Caifás, e juntos planejaram prender Jesus à traição e matá-lo.” (Mateus
26.3)
A figura que estava capitaneando a conspiração contra Jesus era um homem
chamado Caifás, ele exerceu o cargo de sumo sacerdote de 18 a 36dC; esse homem era
genro de um homem chamado Anás, o qual havia sido sumo sacerdote de 6 a 15dC.
Fora Caifás que havia dito: “Então um deles, chamado Caifás, que naquele ano
era o sumo sacerdote, tomou a palavra e disse: ‘Nada sabeis! Não percebeis que vos é
melhor que morra um homem pelo povo, e que não pereça toda a nação’.” (João 11.49-
50)
ii. os autores do plano: chefes dos sacerdotes e mestres da
lei
Marcos aponta quem foram os autores do plano para matarem Jesus: “... Os chefes
dos sacerdotes e os mestres da lei estavam procurando um meio de flagrar Jesus em
algum erro e matá-lo.” (14.1)
Esses dois grupos “chefes dos sacerdotes” e “mestres da lei” faziam parte do
sinédrio; o sinédrio era o Conselho dos principais líderes do povo judeu. Por exemplo, o
evangelista Mateus, narrando o mesmo episódio, escreve: “Naquela ocasião os chefes
dos sacerdotes e os líderes religiosos do povo se reuniram...” (Mateus 26.2). O apóstolo
João indica que essa reunião foi a reunião do sinédrio: “Então os chefes dos sacerdotes e
os fariseus convocaram uma reunião do Sinédrio...” (João 11.47)
O próprio Jesus Cristo, anteriormente, já havia preanunciado que esses grupos de
pessoas iriam se reunirem para o prenderem, condenarem e matarem. O primeiro alerta
tá registrado em Marcos 8.31: “Então ele começou a ensinar-lhes que era necessário que
o Filho do homem sofresse muitas coisas e fosse rejeitado pelos líderes religiosos, pelos
chefes dos sacerdotes e pelos mestres da lei, fosse morto e três dias depois ressuscitasse.”
(Marcos 8.31)
Logo a seguir, Jesus anuncia mais uma vez: “porque estava ensinando os seus
discípulos. E lhes dizia: "O Filho do homem está para ser entregue nas mãos dos homens.
Eles o matarão, e três dias depois ele ressuscitará".” (Marcos 9.31)
Mais adiante Marcos registra mais uma vez: “Estamos subindo para Jerusalém e
o Filho do homem será entregue aos chefes dos sacerdotes e aos mestres da lei. Eles o
condenarão à morte e o entregarão aos gentios, que zombarão dele, cuspirão nele, o
açoitarão e o matarão. Três dias depois ele ressuscitará.” (Marcos 10.33-34)
Já na segunda-feira, da última semana, Marcos registra: “Os chefes dos sacerdotes
e os mestres da lei ouviram essas palavras e começaram a procurar uma forma de matá-
lo, pois o temiam, visto que toda a multidão estava maravilhada com o seu ensino.”
(Marcos 11.18)
No outro dia, na terça-feira, um dos dias que Jesus será intensamente provado
pelos chefes dos sacerdotes, mestres da lei e líderes religiosos, o evangelista Marcos
registra: “Chegaram novamente a Jerusalém e, quando Jesus estava passando pelo
templo, aproximaram-se dele os chefes dos sacerdotes, os mestres da lei e os líderes
religiosos... Então começaram a procurar um meio de prendê-lo, pois perceberam que
era contra eles que ele havia contado aquela parábola. Mas tinham medo da multidão;
por isso o deixaram ir embora.” (Marcos 11.27, 12.12)
Parece irônico, mas o grupo de pessoas que mais conheciam as Escrituras, que
serviam constantemente no templo, que deveriam ser aquelas pessoas que primeiro
identificariam em Jesus o cumprimento das profecias messiânicas do Antigo Testamento
são aquelas que irão planejar a prisão, a condenação e a morte de Jesus.
O motivo? Pelas penas do apóstolo João ficamos sabendo: “Então os chefes dos
sacerdotes e os fariseus convocaram uma reunião do Sinédrio. "O que estamos fazendo?
", perguntaram eles. "Aí está esse homem realizando muitos sinais miraculosos. Se o
deixarmos, todos crerão nele, e então os romanos virão e tirarão tanto o nosso lugar
como a nossa nação".” (João 11.47-48)
iii. a essência no plano: incriminar e matar
O evangelista Marcos escreve que o plano era simples: incriminar e depois matar.
Os chefes dos sacerdotes e mestres da lei queriam dar um tom de legalidade ao ato mais
vil e ignóbil de toda a história. O texto é objetivo: “... estavam procurando um meio de
flagrar Jesus em algum erro e matá-lo.” (Marcos 14.1)

iv. a furtividade do plano: execução sigilosa e secreta


Marcos traz a informação de que como deveria ser a execução do plano para tirar
a vida de Jesus: “Mas diziam: Não durante a festa, para que não haja tumulto entre o
povo.” (Marcos 14.2)
A intenção dos chefes dos sacerdotes e mestres da lei era que a execução de Jesus
foi realizada após a festa da Páscoa e dos Pães sem fermento, pois inúmeras pessoas
estavam seguindo Jesus e entusiasmadas pelo fato d’Ele ser o Messias (Marcos 11.9-10).
Essa realidade já havia ficado evidente no relato do domingo, com a Entrada
Triunfal (Marcos 11.1-11), quando é dito: “Muitos estenderam seus mantos pelo
caminho, outros espalharam ramos que haviam cortado nos campos.” (v. 8)
O apóstolo João chega a escrever que os próprios líderes religiosos reconheceram
a popularidade de Jesus quando disseram: “E assim os fariseus disseram uns aos outros:
‘Não conseguimos nada. Olhem como o mundo todo vai atrás dele!” (João 12.19)
No entanto, mesmo o sinédrio tendo deliberado que a execução de Jesus não
deveria ser realizada durante a festa da Páscoa, o plano de Deus era que a morte do seu
Filho se realizasse durante essa festa, para indicar que, nas palavras do apóstolo Paulo,
“... Cristo, nosso cordeiro pascal...” (1 Coríntios 5.7)
A vontade divina prevalece sobre a vontade humana, pois um personagem entrará
em cena: Judas Iscariotes.
v. o cúmplice do plano: Judas Iscariotes
O autor informa que “Então Judas Iscariotes, um dos Doze, dirigiu-se aos chefes
dos sacerdotes a fim de lhes entregar Jesus.” (Marcos 14.10)
Marcos aponta que o elemento que faz com que os planos de Deus de que a morte
de Jesus aconteça durante a festa da Páscoa é a ação, inescrupulosa, de Judas.
O que podemos conhecer desse homem chamado Judas Iscariotes?
Em primeiro lugar, Judas era um dos apóstolos de Jesus. O próprio relato de
Marcos aqui aponta para isso: “Então Judas Iscariotes, um dos Doze...” (Marcos 14.10).
Marcos já havia apontando que Judas fora um dos escolhidos para fazer parte do grupo
seleto de apóstolos: “Escolheu doze, designando-os apóstolos... Estes são os doze que ele
escolheu... Judas Iscariotes, que o traiu.” (Marcos 3.14,16,19).
Em segundo lugar, Judas ouviu cada mensagem e ensinamento de Jesus. Marcos
aponta que Judas foi ouvinte de vários dos ensinamentos, pregações e parábolas de Jesus:
a Parábola do Semeador (Marcos 4.1-20), a Candeia (Marcos 4.21-25), a Parábola da
Semente (4.26-29), a Parábola do Grão de Mostarda (4.30-34), a confissão de Pedro
acerca de Jesus “Tu és o Cristo” (Marcos 8.29), os anúncios de Jesus do seu sofrimento,
morte e ressurreição (Marcos 8.31-38; 9.31-32; 10.32-34), o ensino sobre liderança e
exercício de poder (Marcos 9.33-37), o ensino sobre o perigo de causar escândalos
(Marcos 9.42-50), o ensino sobre o divórcio (Marcos 10.1-12), a lição do episódio do
jovem rico (Marcos 10.17-31), a Parábola dos Lavradores (Marcos 12.1-12).
Em terceiro lugar, Judas havia sido testemunha ocular de vários milagres de
Jesus. O evangelista relaciona alguns milagres realizados por Jesus, em que Judas estava
presente: Jesus acalma a tempestade (Marcos 4.35-41), a Cura de um Endemoninhado
(Marcos 5.1-20), a Cura da mulher do fluxo de sangue (Marcos 4.24-34), a Multiplicação
dos pães e peixes (Marcos 6.30-44; 8.1-10), Jesus andando sobre as águas (Marcos 6.45-
56), a cura da filha da mulher siro-fenícia (Marcos 7.24-30), a cura de um surdo e gago
(Marcos 7.31-37), a cura de um cego em Betsaida (8.22-26), a cura de um menino
endemoninhado (Marcos 9.14-32).
Em quarto lugar, Judas havia sido vocacionado para pregar o Evangelho, curar
enfermos e expulsar demônios. Marcos traz essa informação com as seguintes palavras:
“então Jesus passou a percorrer os povoados, ensinando. Chamando os Doze para junto
de si, enviou-os de dois em dois e deu-lhes autoridade sobre os espíritos imundos... Eles
saíram e pregaram ao povo que se arrependesse. Expulsavam muitos demônios e
ungiam muitos doentes com óleo, e os curavam.” (Marcos 6.6-7, 12-13).
Em quinto lugar, Judas, provavelmente, foi um dos que aclamaram Jesus como
Rei. Quando o evangelista traz o episódio da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, ele
apenas diz: “Muitos estenderam seus mantos pelo caminho, outros espalharam ramos
que haviam cortado nos campos. Os que iam adiante dele e os que o seguiam gritavam:
‘Hosana! Bendito é o que vem em nome do Senhor! Bendito é o Reino vindouro de nosso
pai Davi! Hosana nas alturas!” (Marcos 11.8-10).
Em sexto lugar, Judas havia participado da última ceia de Jesus. O autor sagrado
aponta essa verdade quando escreve: “Ao anoitecer, Jesus chegou com os Doze. Quando
estavam comendo, reclinados à mesa, Jesus disse: ‘Digo-lhes que certamente um de
vocês e trairá, alguém que está comendo comigo.’ Eles ficaram tristes e, um por um, lhe
disseram: ‘Com certeza não sou eu!’ Afirmou Jesus: ‘É um dos Doze, alguém que come
comigo do mesmo prato.” (Marcos 14.17-20)
No entanto, apesar de todos esses privilégios e manifestações da graça de Deus, o
texto sagrado diz que: “Então Judas Iscariotes, um dos Doze, dirigiu-se aos chefes dos
sacerdotes a fim de lhes entregar Jesus.” (Marcos 14.10)
O termo que o evangelista usa para “entregar” é παραδοῖ (paradoi) podendo
significar ainda: “passar para, dar”, e a forma como o verbo é utilizado aqui em Marcos
traz a ideia de que foi uma ação completa e decisiva.
vi. o preço do plano: trinta moedas de prata (11)
Por último vemos qual foi o valor da transação que envolveu a traição de Jesus:
“A proposta muito os alegrou, e lhe prometeram dinheiro. Assim, ele procurava uma
oportunidade para entregá-lo.” (Marcos 14.11)
O evangelista Mateus aponta o valor: “... e lhes perguntou: ‘O que me darão se
eu o entregar a vocês?’ E lhe fixaram o preço: trinta moedas de prata.” Com isso, estava
se cumprindo aquilo que o profeta Zacarias havia anunciado: “Eu lhes disse: Se acharem
melhor assim, paguem-me; se não, não me paguem. Então eles me pagaram trinta
moedas de prata.” (Zacarias 11.12)
• a devoção de uma mulher: a entrega em adoração ao Filho de Deus
(3-9)
No entanto, no meio de todo esse plano macabro de tirar a vida de Jesus, o
evangelista narra a história de uma mulher que se entrega em completa adoração ao Filho
de Deus.
Essa história, além da narrativa de Marcos, está registrada em Mateus 26.6.13 e
João 12.1-8.
Pela narrativa de João ficamos sabendo que essa história aconteceu no sábado e
não na terça, como aparentemente ficando subentendido pela narrativa de Marcos: “Seis
dias antes da Páscoa Jesus chegou a Betânia, onde vivia Lázaro, a quem ressuscitara
dos mortos.” (João 12.1)
Assim sendo, Marcos então, faz um uso de uma história que aconteceu no sábado,
antes da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, e a insere entre o episódio da conspiração
da morte de Jesus, que ocorreu na terça, claramente com um propósito: mostrar o grande
contraste que há entre a resposta dos religiosos e de Judas acerca da pessoa de Jesus de
um lado e a resposta de uma mulher acerca da pessoa de Jesus do outro. E assim, desafiar
seus leitores a se perguntarem de que lado, de fato, eles estão.
i. o ambiente: a casa de um ex leproso
O primeiro contraste que Marcos aponta é sobre o local em que se dá a cena: a
residência de um homem que havia sido curado da lepra.
Marcos narra: “Estando Jesus em Betânia, reclinado à mesa na casa de um
homem conhecido como Simão, o leproso...” (Marcos 14.3)
Enquanto a trama de conspiração dos religiosos se dá “... no palácio do sumo
sacerdote, cujo nome era Caifás...” (Mateus 26.3), a cena aqui agora se dá na casa de um
homem que havia sido alvo da graça e da misericórdia de Deus.
Onde naturalmente a graça e a presença de Deus deveriam estar presentes e o
nome do Senhor ser exaltado (palácio do Sumo Sacerdote), nada disso se encontra, pelo
contrário, o que se vê é conspiração e tramas, mas é na casa de um ex leproso que Jesus
está à mesa e é adorado.
ii. a autora: uma mulher sem nome
Outro contraste que Marcos tenta elaborar é entre os personagens que envolvem
as cenas. Esperava-se que o sumo sacerdote, os líderes religiosos e os mestres da Lei se
reunissem para prostrados, adorarem e se renderem ao senhorio de Jesus, mas, eles se
reúnem, mas não para prestar devoção a Jesus, pelo contrário, para tramarem, deliberada
e meticulosamente, a sua morte.
Mas, então Marcos introduz uma mulher, para fazer contraponto aos líderes
religiosos: “... aproximou-se dele certa mulher com um frasco de alabastro contendo
um perfume muito caro, feito de nardo puro. Ela quebrou o frasco e derramou o
perfume sobre a cabeça de Jesus.” (Marcos 14.3)
O apóstolo João vai dizer que essa mulher é Maria, irmã de Lázaro: “Ali
prepararam um jantar para Jesus. Marta servia, enquanto Lázaro estava à mesa com
ele. Então Maria pegou um frasco de nardo puro, que era um perfume caro, derramou-
o sobre os pés de Jesus e os enxugou com os seus cabelos. E a casa encheu-se com a
fragrância do perfume.” (João 12.2-3)
iii. o sacrifício: um perfume caríssimo
Agora o evangelista Marcos aponta que, em forma de devoção, gratidão e
adoração, Maria ter uma atitude que demonstra o custo e o sacrifício do seu ato de
devoção e adoração a Jesus: “... aproximou-se dele certa mulher com um frasco de
alabastro contendo um perfume muito caro, feito de nardo puro. Ela quebrou o frasco
e derramou o perfume sobre a cabeça de Jesus.” (Marcos 14.3)

O “frasco de alabastro” era um frasco lacrado com


gargalo longo, o qual era partido na hora de usar o
conteúdo1.

O comentarista William Hendriksen, comentando sobre o perfume derramado


sobre Jesus, afirma: “[O perfume havia sido extraído do puro nardo, isto é, das folhas
secas da raiz dessa planta natural do Himalaia.”2
Pelo relato de João fica evidente que a quantidade de perfume era grande
suficiente para “E a casa encheu-se com a fragrância do perfume.” (João 12.3)
Aquele perfume fora avaliado, pelos presentes, “Ele poderia ser vendido por
trezentos denários...” (Marcos 14.5). Se pensássemos que 1 denário era o valor da diária
de um trabalhador braçal, na época de Jesus, então, o valor avaliado daquele perfume
equivalia a quase um ano de trabalho, isso era muito dinheiro.
E o sacrificial daquela mulher ainda fica mais evidente, quando Jesus diz: “Ela
fez o que pôde...” (Marcos 14.8)
Uma das lições que Marcos busca ensinar é que a vida com Jesus é custosa e
demanda dos discípulos sacrifício, renúncia e abnegação.
iv. a oposição: inúmeras críticas ácidas
O evangelista continua seu registro e acrescenta ao fato de que, diante do ato
devocional e sacrificial de Maria, houve chuvas de críticas, e talvez o principal dos
críticos tenha sido: Judas Iscariotes.
Marcos escreve: “Alguns dos presentes começaram a dizer uns aos outros,
indignados: "Por que este desperdício de perfume? Ele poderia ser vendido por
trezentos denários, e o dinheiro dado aos pobres". E a repreendiam severamente.”
(Marcos 14.4-5). E Jesus ainda afirma que os críticos a estavam perturbando (Marcos
14.6)
O apóstolo João dá nome a um desses presentes que estavam “indignados” e a
“repreendiam severamente”: “Mas um dos seus discípulos, Judas Iscariotes, que mais
tarde iria traí-lo, fez uma objeção: "Por que este perfume não foi vendido, e o dinheiro
dado aos pobres? Seriam trezentos denários". Ele não falou isso por se interessar pelos
pobres, mas porque era ladrão; sendo responsável pela bolsa de dinheiro, costumava
tirar o que nela era colocado.” (João 12.4-6)
Quem é criticado está “fazendo uma boa ação” (Marcos 14.6), está demonstrando
devoção sacrificial e recebendo a aprovação de Jesus, e quem critica é aquele que irá
trai-lo (Marcos 14.10; João 12.4) e era ladrão (João 12.6).
v. a motivação: uma boa ação para Jesus
No entanto, a despeito das enxurradas de críticas e repreensões, o Senhor Jesus
afirma: “"Deixem-na em paz", disse Jesus. "Por que a estão perturbando? Ela praticou
uma boa ação para comigo. Pois os pobres vocês sempre terão consigo, e poderão
ajudá-los sempre que o desejarem. Mas a mim vocês nem sempre terão.” (Marcos 14.6-
7)
Aqui Jesus chancela o ato daquela mulher chamando de “boa ação” (v. 6), o termo
“boa” é tradução de καλός (kalos) que pode ainda significar, nesse contexto: “nobre,
digno de louvor, bom”. Já o termo “ação” é tradução de ἔργον (ergon) significa
literalmente “trabalho”.
Então, Jesus está afirmando que o ato devocional daquela mulher foi um trabalho,
uma ação que é digno de louvor e bom. Em outras palavras, aquela que está sendo
criticada, deve ser elogiada e aquele que está criticando, deve ser repreendido.
vi. o momento: um senso de oportunidade (7,8)
O Senhor Jesus mesmo aponta que a ação daquela mulher revelou uma
sensibilidade espiritual muito aguçada, quando ao momento em que Jesus está vivendo.
Marcos narra dizendo: “Pois os pobres vocês sempre terão consigo, e poderão
ajudá-los sempre que o desejarem. Mas a mim vocês nem sempre terão. Ela fez o que
pôde. Derramou o perfume em meu corpo antecipadamente, preparando-o para o
sepultamento.” (Marcos 14.7-8)
Essa “boa ação” (v. 6) de Maria não pode, naquela época, ser realizada por mais
ninguém. Pois como a condenação e a morte de Jesus foi muito rápida e súbita, e o outro
dia era o sábado, quando ninguém poderia executar nenhum trabalho, as mulheres
deixaram para preparar o sepultamento de Jesus no domingo, conforme o relato de
Marcos: “Quando terminou o sábado, Maria Madalena, Salomé e Maria, mãe de Tiago,
compraram especiarias aromáticas para ungir o corpo de Jesus. No primeiro dia da
semana, bem cedo, ao nascer do sol, elas se dirigiram ao sepulcro... Entrando no
sepulcro, viram um jovem vestido de roupas brancas assentado à direita, e ficaram
amedrontadas. "Não tenham medo", disse ele. "Vocês estão procurando Jesus, o
Nazareno, que foi crucificado. Ele ressuscitou! Não está aqui...” (Marcos 16.1-6)
Esse fato serve de lição de que o discípulo de Cristo precisa ter senso espiritual
de oportunidade, com intuito de aproveitá-la, pois, caso contrário, poderá ser tarde
demais.
vii. o legado: uma vida para glória de Deus (9)
Por último, Marcos encerra essa história com o seguinte verso: “Eu lhes asseguro
que onde quer que o evangelho for anunciado, em todo o mundo, também o que ela fez
será contado em sua memória".” (Marcos 14.9)
Esse verso é altamente contrastante, pois, enquanto Caifás, Anás, Judas, os líderes
religiosos, os mestres da lei se reúnem para urdir, tramar e conspirar contra Jesus, para
matá-lo, pensando eles que estão no controle dos fatos, das circunstâncias e da história,
com o intuito de preservar suas posições, nomes, glórias, riquezas (João 12.48). Por outro
lado, vemos uma mulher que se lança em adoração, rendição e devoção a Jesus, de forma
humilde e sacrificial, recebendo de Cristo a chancela de que, o que ela praticou fora uma
boa obra e que seu nome não será esquecido, mas por “... onde quer que o evangelho for
anunciado, em todo o mundo também o que ela fez será contado em sua memória” (v.
9), deixando o legado de uma vida vivida para a glória de Deus!

Referências bibliográficas:
1. Bíblia de Estudo NVI, p. 1.706
2. Comentário do Novo Testamento: Marcos. William Hendriksen, p. 704.

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