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Contato: revistaliteralivre@yahoo.com
Página do Facebook:
https://www.facebook.com/RevistaLiteraLivre
Autor Corporativo:
Ana Rosenrot – SNIIC: AG-67162
Caros(as) amigos(as), é com muita felicidade que trago para vocês a 37
edição da Revista LiteraLivre: a edição de 6º aniversário.
É incrivelmente gratificante poder contar com o apoio e a confiança de
autores(as), leitores(as) e artistas de todas as partes do mundo.
Nossa revista vem crescendo muito ao longo dos anos, tornando-se
referência no meio literário e parte da história de sucesso de dezenas de
autores(as). Isso nos deixa orgulhosos e motivados para continuar avançando.
Nesta edição, trazemos novamente uma reunião dos mais ecléticos
trabalhos literários e artísticos, agora com novo layout e um espaço especial
para artes não literárias.
Quero agradecer em nome de toda a equipe LiteraLivre, aos amigos(as)
que nos acompanham participando, lendo e divulgando a revista. Vocês são a
razão da nossa existência! Abraços poéticos!
Que 2023 seja um ano de muita paz, amor, inspiração e leituras!
Literatura com Liberdade!!!
Vamos mudar o mundo através das palavras!!
Neste Número:
Fantasia Visual.......................................3 Ivo Aparecido Franco.........................52
Roberto Schima............................................3 Jax.....................................................53
Adylsown Scritas....................................4 Jeane Tertuliano.................................57
Alberto Arecchi......................................6 Joaquim Bispo....................................58
Alexandre Saro.....................................10 Joaquim Cesário de Mello...................61
Amoacy Ferreira Lima Filho..................11 Joedyr Bellas......................................62
Andreia Luciana Knispel.......................12 José Manuel Neves.............................64
Annieli Valério Rufino...........................13 JulyanneKim.......................................65
Ariane de Medeiros Pereira...................14 Larissa Reggiani Galbardi...................66
Arlindo Kamimura................................15 Leandro Emanuel Pereira....................68
Augusta Maria Reiko.............................19 Li Poeta..............................................69
Benedita Azevedo.................................20 Luciane Aparecida Varela...................70
Carli R. Bortolanza................................21 Luís Amorim......................................71
Carlos Frederico Ferreira da Silva..........24 Maite Diniz Ardies..............................73
Carmem Aparecida Gomes...................25 Marcel Luiz........................................74
Chirles Oliveira.....................................26 Marcos Antonio Campos....................75
Cleidirene Rosa Machado......................27 Maria Carolina Fernandes Oliveira......76
Cleusa Piovesan....................................28 Maria Pia Monda................................77
Daniel Cardoso Alves............................29 Maria Vania Bandeira de Matos...........79
Daniela Genaro.....................................31 Martha Bastos Guedes........................80
Edna das D. de O. Coimbra...................32 Matheus Kennedy Henriques de Macêdo
Ella Ferreira..........................................33 ..........................................................81
Evy Cabral............................................34 Mirian Santos.....................................82
Fernando Manuel Bunga.......................35 Mônica Monnerat...............................83
Flavio Freitas........................................36 Nanna Fazzio.....................................84
Francisco Júnior....................................40 Nathalia Mageste...............................85
Gardel Dias da Assunção......................41 Nazareth Ferrari.................................89
Gedeane Costa.....................................42 Nercy Grabellos..................................90
Giselly Corrêa Barata............................43 Ornélia Goecking Otoni......................91
Gislene da Silva Oliveira........................44 Ovidiu-Marius Bocsa..........................92
Guilherme Hernandez Filho..................45 Paula Patrícia Góes Vieira...................94
Hélio Guedes........................................48 Paulo Cezar Tórtora...........................97
Hellen Bravo.........................................49 Paulo Luís Ferreira.............................98
Iracema de Alencar...............................51 Paulo Roberto de Oliveira Caruso.....100
Regiane Silva......................................101 Vera Raposo.....................................136
Ricardo Ryo Goto................................102 Vitor Sergio de Almeida...................137
Roberto Schima..................................105 Wagner Azevedo Pereira...................138
Rodrigo Domit....................................111 Willian Fontana................................139
Rommel Werneck................................112 Espaço das Artes..............................144
Roque Aloisio Weschenfelder..............113 Foto.................................................145
Rosangela Maluf.................................115 Francisco Júnior..................................145
Rosangela Mariano.............................118 Caricaturas......................................146
Roselena de Fátima Nunes Fagundes. .120 Jamison Paixão.....................................146
Fotos...............................................149
Ruan Vieira.........................................121
Jamison Paixão.....................................149
Sérgio Soares.....................................122
Melancolia ao entardecer(desenho). .151
Sigrid Borges......................................124
Maria Carolina Fernandes Oliveira
Suramy Guedes..................................125 ...................................................................151
Tauã Lima Verdan Rangel...................126 Fotos...............................................152
Tim Soares.........................................127 Roberto Schima...................................152
Vagner Santos Pereira.........................128 Revista Ikebana 3ª edição.................154
Valéria Barbosa..................................132 Concurso:“A vida e a obra de Clarice
Valter Bitencourt Júnior......................133 Lispector”.........................................155
Vanderlei Kroin..................................134 LiteraAmigos....................................156
Vânia Lúcia Malta Costa Catunda........135 Modelo de envio de textos para
publicação na revista.......................161
LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Fantasia Visual
Roberto Schima
Itanhaém/SP
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Adylsown Scritas
Recife/PE
— Para Piter! Não a mais nada a se fazer, você não ouviu o Dr? Ele já era, disse
Jorge.
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
— Não fala nada cara, respira fundo que vai ficar tudo bem.
— Se continuar dirigindo mal desse jeito, vão ter dois mortos aqui. Aí sua mulher
vai me ressuscitar só pra me matar de novo, riu Rico com uma voz meio
cansada.
Piter sentiu, e com lágrimas descendo pelo rosto falou:
— Cara, você não perde o humor nunca né?
— Nem morto, respondeu Rico.
Os dois gargalharam.
Agora num tom mais tenso, a voz mais fraca e trêmula Rico agradece ao amigo
por ter tentado salvar sua vida, e diz um até mais, deixando o amigo num mix de
tristeza e alegria.
Ao chegarem no hospital, a equipe médica constatou que, infelizmente o rapaz já
estava sem vida.
Piter nem se lembrava como e quanto tempo levou para que chegassem ao
hospital, estava incrédulo com tudo aquilo, e ali mesmo desabou, abraçado ao
corpo do amigo.
Dias depois, Jorge perguntou a Piter o porquê dele ter agido como um maluco,
sabendo que Rico já estava praticamente morto.
— Se eu tivesse ficado, com certeza, ele iria morrer. Porém se eu o levasse, como
fiz, ele poderia sobreviver. Decidi levá-lo pois assim teria ao menos a chance de
tentar. E essa foi a melhor oportunidade que já tive na vida.
As falsas expectativas de que não vai dar certo, muitas vezes nos levam a
decisões errôneas de desistir de tentar.
A possibilidade de não obtermos o resultado desejado, só nos mostram que
existem claras chances do contrário.
Se tratando disso, as estatísticas implantadas em você, podem ser falhas.
Não importa se tem 99 ou 1% de chance de dar certo, o que aponta as
probabilidades reais é a fé que você deposita nelas.
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Alberto Arecchi
Pavía, Itália
Grifo
A feira de Santo Antônio, em meados mais do Grifo, com sua barba preta e
do mês de junho, tinha lugar no meu cavalo preto encaracolado como breu,
bairro, na rua de Santa Cecília. Na muito mais do que dessa gordinha da
altura, eu tinha pouco mais de cinco Mata, com pele desbotada e
anos. Ainda me lembro da rua invadida insignificante, embora a prática a
por bancos e fogões dos vendedores de mostrasse como uma rainha
“cália e simenza” (grão de bico e vitoriosa.
semente de abóbora), em lugares No palco, erguido em frente do
normalmente ocupados por carros e Memorial da Grande Guerra, tinha
cavalos para o transporte de lugar um festival de cantos e danças
mercadorias por via ferroviária. Ainda populares. Eu queria ser um desses
sinto o aroma do grão de bico torrado, dançarinos. Lembrei-me ao longo dos
memória da infância. No céu, levantava- anos dessa música e dessas danças,
se o plumeiro de fumaça do vulcão Etna. sonhei muitas vezes da minha vida as
O calor do mês de agosto chegou. O lembranças de minha infância feliz.
ar do mar lambia a pele. Na praça, em No dia seguinte, toda a cidade verteu
frente à Câmara Municipal, havia duas em ruas e praças, para a feira da
estátuas de papelão, enormes, Assunção e a procissão da Vara. A
represnetando um casal de gigantes, grande maquinaria de madeira,
Mata e Grifo, ela com pele branca e o ar arrastada por centenas de fiéis
pomposo, uma coroa com torres na descalços, vestidos de branco, mexeu
cabeça, montando em um cavalo para percorrer a cidade. Coros de
branco, e ele moro, ouriço, barbudo, anjos subindo para o céu, com a
com uma couraça de prata, em um forma de um cone de gelado de
cavalo preto. Estátuas com oito metros cabeça para baixo. No topo, à altura
de altura, elevando-se sobre a minha de um prédio de cinco andares, uma
estatura de criança e destacando-se estátua do Redentor parecia levantar
contra o céu azul. Eu estava admirado à a Virgem por um pé, em uma pose de
vista daquelas estátuas colossais, que a balé clássico, enquanto na verdade
gente dizia representar os míticos queria empurrá-la ainda mais alto,
fundadores da minha cidade. Mas para o céu. Se bem me lembro,
também o Grifo estava parecido com um então, na parte inferior, bem como
ciclope, um dos gigantes fabulosos que estátuas e decorações esculpidas,
moravam nos antros do vulcão, havia rodas de crianças verdadeiras,
trabalhando como fabros com as chamas com vestidos brancos e coroas de
eternas da lava. Eu era uma criança flores no cabelo. A multidão se
doce, mas mesmo assim me gostava aglomerava ao redor, com grande
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
horizonte, mas na altura, com toda a pistas passam através deles como
fumaça das indústrias que contaminava rotas e há portos, onde quem volta
a atmosfera, eu não me lembro que já será reconhecido pelas suas
se viam. Foi uma aclimatação, sem memórias. Quando voltei, percebi que
dúvida, difícil, com os companheiros na a minha sociedade moderna, grande,
escola que falaram de maneira diferente aberta, internacionalista, aberta ao
e eram desdenhosos para com a criança mundo de solidariedade, era na
vindo do Sul. verdade como uma aldeia pequena,
Após a formatura, passei muitos anos onde todas as esfumaduras da
na África, em várias partes, envolvido linguagem ou do sorriso ficavam
em projetos de cooperação reconhecidas. Agora a minha maneira
internacional, de ambos os lados do de me expressar era
grande deserto, em terras que secavam, irreversivelmente diferente, meu
com pessoas sedentas, que viviam no sorriso era diferente: eu observava as
limite da resistência humana. Ai eu era pessoas nos olhos e não as avaliava
quem “vinha do Norte”, pela indústria, pelo esplendor da ponta de seus
por uma realidade cada vez mais alheia sapatos.
aos valores profundos do povo. Eu sabia fazer muitas coisas, sabia
As memórias de infância mantiveram- desembaraçar em circunstâncias
se em um canto da memória profunda, difíceis e conversar em três línguas
reemergindo só inconscientemente, nos diferentes, com homens do povo e
sonhos da noite. A verdade é que em ministros. Inexplicavelmente, no
nenhum outro lugar eu nunca me senti entanto, era como se eu não tivesse
verdadeiramente “na minha casa”. Caso existido, até mesmo para os velhos
contrário, talvez, a minha longa viagem amigos, ou se tivesse estado ausente
teria parado em qualquer um dos durante séculos da cidade onde
lugares em que eu vivi: na Somália, em cresci: como um Ulisses moderno.
Moçambique, na Argélia, no Mali ou no Os meus amigos estavam dispersos
Senegal. Eu estava na minha casa todos, cada um incorporado em seu
quando eu voltava para a África, cada mundo cotidiano. Quem sabe onde
vez que descia do avião na noite quente, eles estão, agora...
com grandes ventiladores que giravam, Muito tempo se passou desde os
controle de passaporte e, embora, para passeios de bicicleta até Ganzirri, já
uma casa à beira-mar, no deserto, na passaram sessenta anos. A esperança
margem de um rio habitado por secreta me diz que ali, sobre o
hipopótamos ou no pátio de uma casa equador, alguém ainda fica à espera
mourisca, num oásis de flor de laranja nas sombras, atrás da grade de uma
perfumado, inundada pelo chamado do janela, no cheiro intenso de fumo de
muezim. incenso e flores de jasmim. Vou ser
Morar na África foi como ser uma saudado com um simples aceno e um
daquelas ondas que chegam às margens gesto afetuoso da mão, como se eu
dos oceanos: entre muitas outras, um fosse embora meia hora mais cedo
dia ou outro, nos encontramos para ir buscar o pão, ou as frutas no
novamente alguma já conhecida. Assim mercado. Como alguém da família, de
foi com os meus amigos. O mato, a quem você conhece a marcha, o
savana, o deserto, são como mares, as cheiro, a forma dos ombros quando
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ele vai e o som dos passos, quando ele Quantas vezes sonhei, nas noites
retorna. profundas, por toda a minha vida, as
Na cidade sobre o Estreito, onde danças em traje tradicional, o som de
nasci, não deixei amigos, não deixei tamborins, o gigante Grifo feito de
lembranças de amor apaixonado, nem papel machê com sua barba preta
colegas... Apesar disso, fiquei encaracolada, a estrada que corria ao
impressionado com as visões das longo da faixa de areia entre as duas
primeiras memórias da infância, os lagoas costeiras e o azul profundo do
aromas de rosa e jasmim na casa onde grande vórtice… A atração da
eu nasci, o ar da casa, que nunca deixa chamada das sereias…
você, mesmo no outro lado do mundo.
https://www.liutprand.it
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Alexandre Saro
Jundiaí/SP
Bruxas soltas
https://www.instagram.com/alexandresaro/
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Mal do século
https://medium.com/@amoa07
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Glacial
Manhã fria de outono. Enquanto o café na xícara esfria, pela janela estava ela a
observar. Ressurge em seu peito a esperança, trazendo consigo a lembrança dos bons
tempos de outrora.
https://www.instagram.com/andreiaknispel/
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O Pacto
Minha avó certa vez me disse que conhecera dois irmãos chamados Mário e
Germano, ambos conhecedores das artes satânicas, segundo ela eles haviam
feito um pacto para se tornarem hábeis caçadores, tanto desejaram que
conseguiram. Não existia na região Amazônica quem melhor caçasse do que eles
dois.
Os irmãos traziam consigo uma trajetória sinistra de relatos macabros que por
inúmeras vezes apresentavam-se para amedrontar o imaginário caboclo dos
poucos moradores habitavam a pequena comunidade rural onde moravam.
Certa noite Mário foi caçar, enquanto Germano o esperava na canoa. Confiantes
mediante o pacto que haviam feito ele entrou mata adentro a procura de sua
presa. Chegando ao local avistou uma paca enorme.
Animado com o que vira municiou a espingarda e fez o primeiro disparo, mas a
paca continuava comendo no mesmo local, alvejou o segundo disparo, o terceiro
e o quarto, porém, quanto mais ele atirava mais o animal o levava para dentro da
mata.
Quando se deu por conta já havia percorrido grande extensão e estava distante
da canoa, ao retornar percebeu que o animal que seguira era uma visão noturna,
não era desse mundo.
Mário ficou tão assombrado que ficou meses sem sair de casa e sem caçar
novamente e todos puderam confirmar que é preciso ter muito cuidado com o
que se deseja e principalmente para quem recorre para conseguir.
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As desventuras do ser
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Arlindo Kamimura
São Paulo/SP
O anti-Castelo
A imagem que ele via refletida no com a mão direita. Sua estupefação
espelho quando se levantou de manhã, aumentou quando viu a água sendo
disparou um alarme avisando-lhe de que escoada pelo ralo da pia em perfeito
algo profundamente bizarro estava em redemoinho, mas girando no sentido
curso. A pequena pinta marrom sobre o anti-horário, como aconteceria se
olho esquerdo, velha companheira de estivesse no hemisfério norte. Isto
todas as horas e anos de sua vida porque havia feito, simultaneamente,
estava do lado errado! Piscou várias o curso de psicologia com um curso
vezes para quebrar um possível encanto de mecânica racional e sabia que
ou alucinação e a pinta teimava em corpos em movimento em sistemas
continuar estacionada sobre o olho não inerciais, como é o caso do
direito. Um lampejo de raciocínio lógico planeta Terra, estão sujeitos à força
sobre a propriedade anti simétricas, ou de Coriolis, deslocando sua trajetória
simetria quiral, como os físicos gostam perpendicularmente à direita no
de chamar, da imagens dos espelhos hemisfério sul e à esquerda no
atravessou rapidamente o cérebro, hemisfério norte, diferenciando,
sugerindo-lhe de maneira incômoda de assim, o sentido de rotação dos
que a realidade tal qual estava redemoinhos e furacões. Na noite
habituado a reconhecer e manusear anterior havia exagerado um pouco
estava na verdade com aquele indivíduo no vinho e à parte o fato de ter visto
do outro lado da superfície espelhada. estampado na lua o logotipo da rede
Apanhou a escova de dentes com a mão Globo, absolutamente nenhum outro
esquerda, apesar de ser destro, apenas acontecimento anormal lhe havia
para não aumentar o seu desconforto de chamado a atenção.
ver sua imagem escovando os dentes
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FIM
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Parou um instante
Admirada com o banquete!
Cada linha e cada vírgula,
Surpresas e mistérios
Guardadinhos à sua espera.
https://www.instagram.com/GUTA.POEMAS/
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Benedita Azevedo
Praia do Anil, Magé/RJ
Nossa Dança
Em sôfregos suspiros...
Coração batucando,
Pouco a pouco se acalmando.
As pernas se equilibram
e param de tremer.
A emoção que nos invadiu
fez a ternura nascer.
Benedita_azevedo@yahoo.com.br
www.beneditaazevedo.com
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Carli R. Bortolanza
O tombo
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cada metro mais perto do chão nossos Como não tenho medidas certas para
corpos exerceriam uma velocidade calcular o tempo que aqui estou, e
maior, mas não é o caso aqui! Aqui a nem como anotar algo, percebo
velocidade é constante, arriscaria a dizer apenas o desgaste mental e físico que
que em torno de uns 50 quilômetros por o tempo é generoso. O próprio falo
hora, relativamente pouco se pensar que que numa época era inofensivo,
estamos em queda livre. Claro que os posteriormente rígido e “cuspento” e
fluidos caem bem mais lentamente, que já a muito está apagado e
talvez a 10 quilômetros por hora, mas flácido. Um peso morto que a única
há de lembrar que eles caindo a 10 e eu vantagem é ter massa e ajudar a cair
a 50, o impacto deles no meu corpo é de mais rapidamente do que as coisas
uns 40. Isso tudo se é que meu com as quais me alimento.
aprendizado de física esteja correto, Embora ainda com uma boa massa
afinal tudo que sei aprendi aqui, caindo corpórea, percebo que cada vez mais
nesse poço interminável (por enquanto estou perdendo peso, como se
não cheguei ao fundo do poço). estivesse primeiramente secando, e a
Às vezes chego a pensar que estou sensação é que vou secar
numa dessas cápsulas de testes de completamente como a um naco de
gravidade, simuladores de gravidade carne pendurado sob o fogão a lenha
zero? E que largam farelos de sólidos e que salgado fica a defumar e depois
gotículas de líquidos para me alimentar, serei esfarelado como a um pão seco
como uma cobaia de laboratório esmagado a tratar os ratos.
científico, tão necessário torturar para a Faz sentido essa sensação, pois assim
busca do conhecimento como passar como meus dejetos são ejetados e
veneno na comida para preparar o caem numa velocidade menor que a
jantar. minha, a sua composição se
Não se questione como sei tantas fragmenta em partículas com o
coisas. Isso nem eu sei! Só sei que o passar dos metros, alimentando os
que sei aprendi com a queda. Pelo que por ventura venham a cair ou já
menos uma coisa boa né! Cair e tenham caído aqui. (uma visão me
aprender com o tombo. retrocedeu como se eu atirasse a
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
merda para fora do poço, mas só o que Pergunto-me como último suspiro, se
acontece é que eu deixo-a para trás e os fragmentos de carne seca e suor
que a velocidade de quem aqui cair será que me alimentei durante toda a
maior do que a merda abandonada). minha vida; se valeu a pena; mesmo
Secarei com o vento da queda e antes sem conhecer o chão firme do fundo,
que eu chegue ao fim do poço serei mas que um dia eu soube, enquanto
ralado pelo mesmo vento, como queijo agarrado aos meus pais, que o chão
duro no risoto. Que servirá de alimento firme nos dá sustentação e equilíbrio
para as próximas gerações que aqui e a falta dele nos deixa à deriva, tão
poderão adentrar. quão meu tombo, nada me pode
Minha lucidez questiona o que há no proteger nem eu mesmo, diante do
fundo, se é que exista um fundo, o mundo incerto que tanto me queima
universo está em expansão, será que cai as tripas e abafa o coração.
um buraco de minhoca rumo à massa Embora com o tempo conseguisse me
negra do cosmos. Do pó ao pó, mas mexer, me virar, literalmente, mas
cada vez mais longe do criador, o big sempre busquei não dar as costas ao
bang. futuro, ao chão. Nada palpável. Como
O tombo não me causou ferimentos na se, andando na contramão, só pra
carne, só na alma que me transmitiu encontrar você de frente. Sem medo
conhecimento, do que me alimentar, do ou receio. O destino o tombo traçou,
que sobreviver e assim tenho só me resta cair e no tombo e com
sobrevivido, secando, decompondo gota ele sobreviver, assim como muitos o
a gota para depois, pó ao pó. fazem em solo firme e arenoso nos
Na física nada se cria tudo se transforma desertos dos corações partidos da
e para a vida seguir sendo vívida, alguns sociedade falida.
precisam morrer, para alimentar os que
virão.
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Escrita
@carlosfredericoescritor
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Cativeiro
Admito! Eu sou criminosa.
Sou culpada!
Eu o faço sequestrado e de meu coração eu faço o seu cativeiro.
Eu criei e recriei esse cenário, o quarto a luz de vela, roupas e calçados no assoalho espalhados, a
garrafa de vinho deitada com a sua transparência vazia por evidência.
Aguente firme!
Quieto e obediente dentro do meu cativeiro.
Se lhe serve de consolo eu o amo demais e não posso permitir que o seu amor ande solto por aí.
Eu sou gulosa e ambiciosa.
Eu quero o seu amor todo só para mim.
Não olhe para o fogo da vela enquanto o vento peralta entrou pela a janela e quase o apagou, só
para ficarmos nus no escuro distraídos com os tilintares de nossas taças com desenhos de
aquarelas.
Os raios espiões da lua nos observam pela a vidraça da janela, são apenas curiosos, segredos eles
não revelam.
Aprecio essa doce tortura enquanto escorrego a minha língua em sua nuca ouço os seus
sussurros pedindo que eu o liberte de meu coração. Só posso lhe informar o quanto eu te amo e
te quero. E desse cativeiro você jamais irá escapar.
...Peço-lhe desculpas...
Se dentro de meu quarto eu te faço de meu refém e de meu coração será eternamente cativo de
meu amor. Para sempre!
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Chirles Oliveira
Vitória da Conquista/BA
Prisão
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Cleusa Piovesan
Capanema/PR
As quatro paredes que se convertem minha casa, a que chamo de “lar”, não
são meu universo, porque invado todo dia a vida de outras pessoas. Sugo-lhes as
energias vitais por meio das informações que elas me oferecem, gratuitamente.
Posso sair pela porta, mas essa porta mágica de que disponho parece
perigosa. Serei julgado, sairei do anonimato, estarei exposto. Habito o mundo
virtual; esse porão escuro e fétido que me aprisiona, mas é o lar dos meus
amores impossíveis, da vida que imaginei e nunca vivi. Essa tela brilhante, às
vezes, ofusca minha mente, mas me hipnotiza!
Há uma fresta que me alucina em minhas noites de insônia. Capturo imagens
de corpos perfeitos, de corpos nus, de corpos suados. E suo, num gozo
cibernético interminável. Mulher alguma me proporcionou tanto prazer.
Ah, tela mágica! Minha gaiola de ouro! Sou pássaro sem asas fora dela.
Deixem-me em paz, com minha liberdade!
https://bit.ly/3dNQTwf
https://www.facebook.com/cleusa.piovesan.7
@cleusa.piovesan
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Fim de ano
É natal
Lá vou eu pra Bahia
Quero ver mainha
Minha doce rainha
Imerso em nostalgia
Apronto minha mala
Dou adeus à tristeza
Visto-me de alegria
Vou ver mainha!
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
@danielcalves_
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Daniela Genaro
São Paulo/SP
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Estrangeiro!
Ame a Pátria onde você nasceu
que te cuidou
te alimentou
te acolheu.
Nossa Terra é produtiva
tudo que se planta aqui se dá
mas quem nunca arregaçou as mangas
não pode fazer a semente brotar.
Tem gente que reclama de tudo
porém na mesa nunca faltou o pão
porque o trigo que ela come
foi plantado por outras mãos.
Reclama do Governo
e das ações que ele faz
entretanto não muda nada
e só sabe criticar.
Não sente mais orgulho da sua Pátria
do seu Hino
da sua Bandeira
pois eu sinto muito lhe dizer
você está agindo como estrangeiro!
https://www.facebook.com/edna.coimbra.921
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Ella Ferreira
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Evy Cabral
Cabo Verde
Mãe
Alma singela que pelo destino foi traída,
que posso eu dar-te?
Quisera eu outrora aliviar a tua lida,
Infelizmente, nisso, não tive tanta sorte,
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Kianda
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Flavio Freitas
Rio de Janeiro/RJ
A Norma Culta
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Wilsinho sente na própria carne ter – Esse poder-se-ia dizer que era
chegado ao paraíso. E em companhia de e não era.
alguém que não conspurcava o Wilsinho se encantou. Quanta
vernáculo. Que, como ele, acreditava na graça e destreza ao esgrimir com a
eternidade das palavras cultas. injustiçada mesóclise!
– Existiu tal biltre? Norma se dá conta do seu
– Desses para quem assediar uma objetivo no local e o pranto volta,
inconsolável sofredora num campo santo entrecortado por soluços.
se convertia em leviana banalidade. – Ah, ele... Ele era sobejamente
– Sujeito repugnante! bom de cama.
Wilsinho passa à performance. Sobe O choro acentua-se. Wilsinho
na campa e despeja: sente a oportunidade de iniciar a
– Pelintra, pulha, infame, velhaco! conquista.
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Facebook.com.Flavio Freitas
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Francisco Júnior
Patu/RN
Doce Amor
Méleo amor
Doce como
vermelhas
nuvens
Num pôr do sol de
outono
Deito-me em ti,
em sua pele
parda
Em seus olhos-universo...
@francisjunior21fj
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Um Horizonte Vertical
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Gedeane Costa
Recife/PE
aprendi de tudo
na vida
arrependi, expressei...
vergonha
atrevida.
aprendi
de tudo na vida
colhe o melhor
de pão em pão
de suor em suor.
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@gisellyjornalista
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“É... na vida a gente tem que entender...”. De encontro aos versos do nosso querido Tim Maia,
hoje mais do que nunca percebo que na vida a gente não tem que entender, antes é preciso sentir,
experimentar, viver.
Aprendi com você que os sonhos não precisam ser sempre azuis da cor do mar, mas podem ser
coloridos e podemos pintá-los com as cores dos amores vividos, das vitórias conquistadas, das
amizades verdadeiras, dos sentimentos incompreendidos, das dores silenciadas, das paixões
arrebatadoras, do terno sentimento de tranquilidade e paz. E está tudo bem! Cada cor traz um tom,
uma graça, um efeito, todas têm um lugar certo, sua hora, sua combinação.
Assim é a vida com uma imperfeita combinação perfeita. Ser um doce, mesmo cansado ir lá e
bater a foto do que a sua garota quer ver, rsrsrs. Ser um ogro sem assunto, sem papo, de cara feia e
algumas palavras: “Que passou?”.
T-u-d-o bem! Vai ficar tudo bem. E se não ficar... eu ficarei assim mesmo. Não precisa ser azul da
cor do mar sempre, só precisa ser e ser você. Só você. Você que me faz bruxa, deusa, artista, melhor
ainda me faz ser eu mesma. Mesmo que me corte as pernas, os braços, fure a cabeça. Aff... até sinto
as alfinetadas nos meus vuduzinhos, que esculpes com tanto carinho.
Pensando bem, é possível que esculpir seja uma metáfora desse relacionamento, você diz que
não sabe para onde vai, que “jodeu”, que deveria ter feito de outro jeito. Bem igualzinho como faz
com a gente, até as espetadas... rsrsrs. Mas no final, fica bem. O resultado é bom... você junta as
partes cortadas, passa o prime, faz o molde, lixa, pinta tira as imperfeições e, caramba, tem uma nova
arte nas mãos.
Que sorte a nossa! Termos dois mundos! Poder estar aí e aqui ao mesmo tempo (no teu e no
meu tempo) e ao mesmo tempo saber que o azul do mar que nos separa é tão bonito quanto o azul
do céu que nos une. Fica bem. Fica no teu tempo. Meu coração não tem relógio. Ele pulsa por você há
muitas vidas.
https://www.facebook.com/gislene.oliveira.56/
https://intagran.com/@portuguescomgis.
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As letras e a gastronomia
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Aspic de Gaspacho.
Ingredientes:
2 xícaras de chá de tomate sem semente picado bem miúdo
½ xícara de chá de pimentão verde picado bem miúdo
½ xícara de chá de cenoura ralada em ralo grosso
½ xícara de chá de cebola bem picadinha
100 g de cogumelo em conserva cortado em fatias finas
½ xícara de chá de pepino picado miúdo
1 colher de sopa de salsa picadinha
1 colher de chá de cebolinha verde bem cortada
1 colher de chá de alho em sal
1½ colher de chá de sal
1 de colher de chá rasa de molho de pimenta
¼ de colher de chá de molho inglês
2 caixas de gelatina de limão
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Modo de fazer:
Misture todos os vegetais e condimentos. Reserve.
Dissolva a gelatina na água fervente, e acrescente a água fria.
Deixe amornar e misture os vegetais reservados.
Leve à geladeira em uma tigela grande até que se firme.
Guarneça com tomates em rodelas e fatias de pepino.
Servir com folhas de alface.
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Hélio Guedes
Petrópolis/RJ
O Menino e o Bicho
https://www.facebook.com/helio.oliveira.771282
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Hellen Bravo
Botucatu/SP
Suco de Ameixa
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passo e vira outra esquina. Chega à padaria compra pão, leite, frios, sonho e...
Não tem suco de ameixa!
Volta contrariado para casa pelo caminho que faz regularmente e nunca lhe
trouxera problemas. Ao longo do dia não se exalta com notícias no jornal, pois
não passou na banca como todos os dias e ao cair da noite ele dorme.
No dia seguinte Asdrubal acorda às dez horas... Maldito suco de ameixa!
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Iracema de Alencar
Jacarepaguá/RJ
Folha Mitológica
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Quando à tona vier meu corpo podre O que é triste no final das contas
Fedendo à solidão velório e enxofre É teu olho bom que não enxerga
Levarás um pano a teu nariz
Criatura infeliz Não devia ser de inúteis carniças
A exumação a ocorrer nesse momento
Não é nada a podridão de um corpo Dever-se-iam exumar ideias mortas
A triste deterioração de um morto Soterradas em teu pobre pensamento
No fim das contas por que ficar triste
Por alguém que de fato nem existe¿ Jamais terá percepção
Que o frigorífico da alma
Chorume, terra, escuridão minhocas É o ensino, a luz, a reflexão
Tudo que resta são ideias mortas
No fim das contas esse breu profundo Decomposta é a tua alma
São apenas invisíveis portas Minha exumação é só um equívoco
Pois podres são teus sentimentos
Não será triste meu olho saltado Putrefato é teu espírito
Ou a ossada fria de minhas pernas
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Jax
Um Furo na Parede
(versão desperta)
Tarde marota de domingo, nada pra fazer, nem chuva, nem sol, tempo
fresco, sofá confortável, televisão desligada (o que aumenta o conforto), celular
no fundo do bolso de alguma calça, mulher e filhos no shopping, quietude
absoluta, aquela imensa parede branca diante de si.
E o furo no meio da parede.
No meio, não exatamente. A bem da verdade, na parte superior da parede,
um pouco mais à direita do que à esquerda. Está no meio, isso sim, do olhar.
Desse olhar preguiçoso, pretensamente meditativo, desejoso às vezes de ver
mais do que pode ou do que seria natural.
Se uma das pretensões básicas do ser humano consiste em saber a origem
de tudo na vida, o tipo esforça-se para lembrar como aquele furo foi parar ali.
Para evitar dúvidas, reivindica seus direitos autorais de imediato. Furo
aparentemente tão perfeito só pode ter sido sua obra. A família acabara de
mudar-se para o apartamento. Ainda havia caixas de mudança a desfazer,
quadros a pendurar nas paredes. Certamente, dias atrás, registrara-se consenso
familiar na colocação de mais um desses quadros. Como consequência, ele
produzira o orifício necessário, que ali permaneceu incompleto, sem gancho nem
o penduricalho. E a bucha?
De onde estava, não conseguia distinguir se havia ou não bucha dentro do
tal furo na parede. Questão de somenos importância, de resto. Refutou a ideia de
erguer-se de sua comodidade para tirar tão comezinha dúvida.
O ponto relevante da história é que o furo estava feito, perfeito e acabado.
Primor! Faltava falar como obra clássica da Antiguidade. Só que naquele
ambiente nada havia de antigo. Apartamento recém-construído, cheirando a
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tinta, enquanto o novo proprietário andava ainda na casa dos seus quarenta
anos, com muito chão (e parede) pela frente. O furo não falou, portanto. Em vez
disso, verteu água, límpida e clara, feito ribeirão. Sem que se entendesse como
tanto líquido poderia fluir por orifício tão pequeno e formar linda cascata, que
inundou a sala e refrescou ainda mais a tarde dominical. No sofá, o quarentinha
sentia o prazer dos pés na água refrescante e tentava identificar as espécies de
peixe que desciam pela cachoeira e nadavam graciosamente entre as pernas dos
móveis. Pena que a mulher e os filhos estivessem perdendo semelhante
espetáculo. Quem mandou ir a shopping? A Natureza supera qualquer comércio.
Se, por um furo pode sair tanto, outro tanto pode entrar, no entanto. Eis
que, despregando-se momentaneamente do aprazível sofá, o meditabundo ser
envereda por aquele canal, parede adentro, num misto de curiosidade e de
aflição ante o desconhecido.
Que diferente perspectiva! Das águas transparentes alimentadas pela
pujante cascata passar ao deserto arenoso por detrás da parede. Mesmo se o
tempo permanece fresco, sem alterar-se o clima da tarde de domingo, o viajante
sente a garganta seca e sua interiormente sem saber se poderá matar a sede.
Caravanas passam ao longe, mas ele não se sente seguro para aproximar-se. As
pessoas não falam a mesma língua num só lugar, que dirá em ambientes que
variam da água para a areia.
Melhor regressar ao conforto da sala e do sofá. Mal se reinstala e percebe
algo diferente. Onde foi parar o furo? Abandonou seu posto na parede e iniciou
trajetória descendente, decadente, até o rés-do-chão. Não satisfeito, alargou-se
por si só, virou cratera. Já em dúvida se seria a mesma obra de sua suposta
autoria, o homem recolheu as pernas para cima do sofá e olhava o enorme
buraco como se estivera a mirar a boca do precipício.
Tentava compreender os dramas e comédias que ali pareciam desenrolar-
se. São muitas, porém, as situações que escapam à percepção humana. Ora o
caso da menina pobre e faminta ficava obscurecido por nuvens que surgiam da
cratera, ora a alegre armação de um grupo de amigos iluminava-se a ponto de
impedir que se visse o desfecho da trama.
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Jeane Tertuliano
Campo Alegre/AL
Yo soy una
Yo soy una
Desafetos
Não afetam
O meu clímax.
Yo soy una,
Mas sou inteira
Tal como a lua cheia.
Minhas fases
Me fazem
Autêntica.
Peculiar é a ferramenta
Que me desmonta
E remonta, ferrenha.
Eu não me caibo
Enquanto não acabo
Com a fome
Que me alimenta.
https://instagram.com/jeanetertuliano/
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Joaquim Bispo
Odivelas, Portugal
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— Dá-me essa alfarroba, Ali Agat! É do meu pai; essa e muitas outras
alfarrobas de ouro que deixou à minha guarda, quando teve de fugir para
Granada.
Perante a atitude surpreendida dele, a cabra explicou-se:
— Eu sou uma princesa moura, filha do emir de Al-Ulya. Como teve de fugir
à pressa, quando o rei cristão entrou na nossa cidade, lançou-me um encanto,
para eu ficar sempre de guarda aos seus tesouros.
— Como sei que não me estás a mentir? — respondeu Ali Agat, desconfiado.
— Vem comigo e verás! — disse a cabra, tomando uma vereda estreita.
Ali Agat seguiu a cabra por muito tempo. Depois de serpentearem pela
vereda da serra, chegaram, à noitinha, à entrada de uma gruta, meio escondida
por baixo de um grande arbusto.
— Baixa a cabeça e entra! — comandou ela, mas Ali Agat não queria entrar
na gruta da cabra, sem saber o que viria depois. — Lá dentro vais conhecer
tesouros como nunca imaginaste — insistiu ela.
Ainda desconfiado, o algarvio acabou por entrar. A gruta era espaçosa e
profunda e o chão estava ladrilhado de alfarrobas de ouro.
— Uma por cada súbdito do meu pai — esclareceu a cabra —, mas ele fugiu
há tanto tempo que já não deve vir buscar-me, nem livrar-me deste encanto. Só
tu podes salvar-me. Basta dares-me um beijo. Quando mo deres, quebra-se o
encanto e eu volto a ser a jovem princesa que era. Para isso, estou disposta a
dar-te todo este ouro. Mas, com uma condição: tens de retirá-lo da gruta antes
do nascer da lua.
Ali Agat, muito relutante, mas pensando como ficaria imensamente rico só
por beijar uma cabra, acabou por aceitar. Apenas lhe deu um beijo na boca, ela
transformou-se numa linda jovem, de belos cabelos negros e vestida com uma
longa e leve jelaba verde-água. Ali Agat ficou encantado com a beleza da
princesa, mas precisava apressar-se a recolher o ouro. Boa parte da noite entrou
e saiu da gruta, carregando pesadas alfarrobas de ouro. Finalmente, quando, já
cansado, arrastava a última alfarroba para fora da gruta e rejubilava com o
sucesso, aconteceu o que temia: o grande halo prateado da lua já se erguia
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http://vislumbresdamusa.blogspot.pt/
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Dias Velhos
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Joedyr Bellas
São Gonçalo/RJ
Chapéu de Feltro
Eu o conheci lá pelos idos dos anos 1970. Esguio e ereto. Um mulato elegante no
terno de linho branco. Por ora, não me lembro se havia um lenço arrumado com
a ponta de fora no bolso superior do terno ou se havia um cravo na lapela. Não
me recordo. A memória vai turva, cheia de enganos, falsas verdades e mentiras
de eu jurar de pé junto a sua ocorrência com data, detalhes, cores e cheiro.
Mas quero voltar ao seu Juvenal. Eu dizia que não me lembrava do lenço exposto
no bolso superior do paletó ou do cravo na lapela. Realmente, não me lembro,
mas do chapéu de feltro na cabeça dele era de lei. Um cachimbo no canto da
boca. O fumo a aromatizar todo o ambiente. O andar gingado e lá vinha seu
Juvenal descendo ou subindo a ladeira. Não importava o rumo. Era o seu Juvenal.
Diziam coisas dele. Das malandragens, das mulheres, da capoeira, dos trancos e
barrancos, da cachaça, do bilhar, das apostas no cavalo ou no carteado, da
navalha sempre posta na palma da mão, quando necessidade havia da navalha
na mão.
Pé de valsa.
Dona Eponina, eu gostava de conversar com ela na varanda da casa dela. Ela
contava coisas, sabia histórias e ia falando do seu Juvenal, meu Juvenal. Das
carícias, das safadezas ditas no canto dos ouvidos. Eu sorvia em pequenos goles
o café preto oferecido por dona Eponina, querendo que não terminassem as
coisas narradas por ela. Sabe menino. Eu não sabia ou fingia que não sabia,
porque muito das histórias eram repetições, mas inédita no ineditismo das
saborosas aventuras, contadas às avessas, contadas de frente pra trás, contadas,
às vezes, com as vírgulas trocadas de posição, os pontos embaralhados e as
pausas ofegantes, ela interrompia a narração para uma mordida no bolo de milho
ou para enxugar uma lágrima intrometida no canto do olho. Tudo mentira,
menino. Os fuxicos sobre meu moço, tudo mentira. Carinhoso. Buquê de rosas na
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mão e olhar somente para os meus olhos. Homem de casa, de não sair aos
pinotes ou na ponta dos pés para não interromper meu sono. Mentira. Era uma
casa alegre, de crianças correndo pelos cômodos, de frutas no quintal, de cão
farejando comida, de juras de amor, não o amor eterno pois da eternidade
sabíamos o quanto ela é frágil. Então íamos vivendo cada dia, cada momento,
cada segundo, cada chamego, cada discussão sem fundo ou fundamento, íamos
vivendo. Era o nosso lema. A vida. As alianças de ouro no dedo e um canto do
sofá para a gente descansar da lida, falar das coisas, dividir as novidades ou os
casos velhos, com pinta de novidade, era assim menino.
Acho que era.
Havia cadeiras na calçada, moleques correndo pra lá e pra cá, uma cadeira de
balanço na varanda onde dona Eponina esparramava seu corpo cansado, as
pernas um pouco inchadas, e o amor por seu Juvenal intacto, podiam falar o que
quisessem falar, mordam a língua, podiam derramar o veneno que quisessem
derramar, podiam se esgueirar por entre os galhos da macieira ou se esconder
por trás de palavras as quais não faziam ninho. Dona Eponina, o que eu me
lembro dela era de um coque no alto da cabeça, de uma roupinha colorida toda
passadinha e cheirosa. As vaidades de dona Eponina.
E lá vinha seu Juvenal, descendo e subindo a ladeira. Não me lembro do lenço no
bolso do paletó nem do cravo na lapela, mas daquele chapéu de feltro no alto da
cabeça dele, ah, desse chapéu não tem como eu me esquecer.
Era com esse chapéu que seu Juvenal reverenciava as donzelas e era esse
chapéu que dona Eponina conservava no cabideiro em um canto da sala.
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https://joseneves.tambemescrevo.com/
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JulyanneKim
Taboão da Serra/SP
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Era uma vez uma mulher qualquer, Era uma vez uma mulher
comum, nada tinha ela de singular, qualquer, com uma carreira
nenhuma peculiaridade estranha. apropriada, um marido comum e
Educada com primor razoável e filhos bonitos, uma mulher sem nada
propriedade, cresceu para escolher uma de singular ou de excentricidades,
carreira apropriada que não a que apoiou seu marido, criou seus
atrapalhou na sua missão. Missão que filhos, não deixou que seu trabalho
não escolheu e não questionou, afinal tirasse o foco de sua família, uma
era o esperado. mulher qualquer que aceitou sua
Era o esperado e foi aceito, embora missão, sem nem mesmo notar que
ela não soubesse por que, nenhuma de era a missão de ser coadjuvante.
suas amigas sabia também, mas tremia Era uma vez uma mulher
só de pensar em perguntar, os seus pais qualquer, estranha, cheia de
já haviam ficado perturbados por muito singularidades, um tanto excêntrica,
menos, refreou então, a tímida não se sabe se é possível dizer que
curiosidade que lhe afligia, enterrou foi educada com propriedade, sua
esses pensamentos antes que se educação foi feita em caleidoscópio,
tornassem sôfregos. cresceu para querer, desejar...
Uma mulher qualquer que se casou Escolheu uma carreira na qual pôde
com um homem qualquer, logo após se refletir suas peculiaridades.
formar. Ele também era comum, sem Questionou os pais; avós e
nada de singular a não ser sua ambição, professores, dividiu o conhecimento
que coube a ela apoiar, o que fez com as amigas e amigos: podia sim
admiravelmente, era o esperado. escolher sua missão, o que ela fez,
Tiveram dois filhos comuns, muito resoluta, arrastando colegas junto...
bonitos segundo os amigos, mas sem Não foi a primeira vez que arrastou
nada de singular, nenhuma alguém parra si mesma, para sua
peculiaridade. Os parentes diziam que órbita de astro peculiar.
tiveram sorte, um menino robusto para Uma mulher qualquer que chegou
seguir os passos do pai e uma menina a ficar noiva, mas desistiu do
adorável que aprenderia com a mãe a casamento quando o noivo exigiu
propriedade da missão. que, para apoiar os sonhos dele, se
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Odisseia Biológica
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Li Poeta
Cariacica/ES
@liecifranborgesmartins
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Renasci!
https://www.instagram.com/lucianeaparecidavarela
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Luís Amorim
Oeiras, Portugal
Tempo a passar
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fazê-la gastar mais energias como se ele afinal, estivesse atrás dela e fosse
preciso correr um círculo gigantesco para voltar a estar bem posicionada com a
luminosidade mais propícia ao desempenho que antes não tivera. Talvez ela já
não tenha agora o suficiente para chegar ao destino idealizado no passado
longínquo e opção melhor seja mesmo o circular inconsequente mediante a
enfrentada meteorologia, sabendo como muito bem lhe aconchegará o ego, ouvir
a chuva lá fora, se esta assim disposta estiver para a confortar. Mas o enfrentado
tempo é de belo primaveril calor, a convidar para sair e ouvir a música que aves
trazem de paragens outras, tal como os sinos que os campos parecem tocar,
fazendo igreja distante surgir mesmo ali, no anúncio com devida antecedência ao
sermão que irá ser proferido, certamente em honra de pecadores alguns, os
quais já deverão estar a caminho, na certeza de que seguindo a luz solar com
vigor como sucede no seu improvisado esforço de passadas ofegantes, todos
chegarão no tempo da certa hora.
facebook.com/luisamorimeditions
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Mulheres
Emaranhado de estereótipos
@maiteardies @toquenatoca
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Marcel Luiz
Contagem/MG
Tarde de sertão
a várzea estendida ao sol
chamava Diadorim
para um trote a dois
numa valsa de vento de rio
ingazeiros e umbuzeiros
aguardando a passarada
num festejo de dia de santo
no arraial de troncos e folhas
noite ao longe
fotogramas de Siron
- natureza viva
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Anjos Tortos
@marcosantoniocampos89
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Minha Mãe
Azul, vermelho, amarelo. O azul que aconchega o beijo do furioso enlace das
cores quentes, em verdade, tenta esconder a tristeza que carregam os céus do
fim do dia. Minha mãe diria que é pintura e dedicaria segundos genuínos para
apreciar essa ginga da natureza. Depois, voltaria para a cozinha para tirar o café
do coador, e o céu se tornaria memória inebriada pelo cheiro marrom dos grãos
moídos. Algum aroma me acalenta mais? Sinto-me nos braços dela, da senhora
minha mãe. Doce. Fátima e doçura poderiam ser sinônimos no dicionário e não
haveria qualquer polêmica. Mas o piscar dos olhos muitas vezes nos trai, e da
açucarada lembrança voltei a ver, na janela embaçada do ônibus, uma tarde
colorida e triste. Meu problema não é, afinal, com as cores em si, mas com a
máscara. Todos os entardeceres são melancólicos, ponto. Conjugam em si o que
já foi e o que está por vir e, no fim das contas, nostalgia e expectativa se esvaem
e o presente escorre pelos dedos. Contudo, diferente das cinzas, as tardes
coloridas tentam mascarar a efemeridade do tempo, um bailado hipnotizante que
vai do roxo ao verde e do verde ao rosa, e então já é tudo tão anil que não mais
se sabe por quanto tempo o presente foi ignorado, e os inconclusivos minutos
que se foram na embriaguez do espetáculo estarão perdidos para sempre. Fecho
meus olhos e tento resistir à aquarela hipnótica. O balanço do ônibus
sorrateiramente me embala, minhas narinas são tomadas pelo cheiro distante do
café e dos consequentes pães quentinhos sobre a mesa, contornados pela família
reunida e pelos abraços grátis e infinitos. Aromas e sotaques com o gosto
maternal do bolinho de frigideira e do virado de banana beliscam as papilas
gustativas. Não visualizo um lugar, mas o aconchego de uma cozinha que poderia
estar em qualquer uma de nossas andanças pelas terras mineiras. Minha terra. A
lembrança me envolve em uma experiência sensorial e, na longínqua tentativa de
fugir do alienante espetáculo do entardecer, os olhos ainda cerrados, meus
pensamentos se aninham no colo daquela que sempre me faz esquecer o quanto
viver é fugaz. O tempo presente se esvai. E não doeu nada.
Lavras, 13/12/17
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Instinto de proteção
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Gioventù
Numa casa pequenina, numa floresta esquecida de um reino distante mora uma
velha. Enrugada e rabugenta como quase toda velha. Com ela, um gato,
companheiro de horas de nada fazer, a não ser imaginar outro reino distante
onde venha a ser uma bela donzela, de cabelo sedoso, alongado ao vento. Em
lugar da floresta onde pia a coruja, a planície suave que margeia o rio de águas
cantantes. Lá repousa a donzela a sonhar com o amado que face não tem, mas é
belo e ágil. E se chama Rolando. E é nobre de alma.
Histórias sempre tem a velha a contar, mas nem sempre tem quem a possa
escutar. Ao gato não interessa. A quem pode interessar? Então ela conta para
outra velhinha que vive sozinha. Que repete o gesto, exprime desgosto, sorri
com amargura e some na moldura quando a narradora se vai. O gato boceja e o
dia termina como todo dia.
Até chegar esbelto cavaleiro, de lança e escudo e espesso toucado que o rosto
não mostra. Que pede água, pão e descanso. Será Rolando? _ pergunta-se a
hospedeira. Bem pode ser _ palpita-lhe o coração. Tão pálido e belo, tão negro
cabelo, finos os dedos, longas as mãos. Sem dúvida, é ele! Contempla a si
mesma, agora sem rugas, sem olhos caídos. Macia a pele, ligeiro o andar.
O hóspede a observa. Em que está a pensar? Então se levanta e a toma pela
mão. Dourado é o halo que envolve a alma. E nele se esvai a imagem sonhada.
O dia amanhece como todo dia. Ao gato não responde, não pragueja a dona, que
imóvel está. Assim há de ficar. Até que me ocorra contar outra história que a faça
acordar.
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Eu Era Negro
@matheus.kennedy.1420
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Mirian Santos
Gravataí/RS
Ser Amigo
https://www.instagram.com/vegmirian/
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Mônica Monnerat
Santos/SP
Nas férias de menina, na pequena Porto Belo, era vizinha de alemães, daqueles
de cabelos loiros, quase brancos. Ficava da janela da cozinha observando as
crianças da casa ao lado, umas seis, mais ou menos, conversando entre si em
uma língua que não entendia. Achava lindas as faces rosadas, os olhos azuis
brilhantes e os cabelos lisos e claros.
Um dia, não me lembro bem como, fizemos amizade. Na semana seguinte, uma
delas me disse que iria fazer aniversário e que iria me convidar. Fiquei muito
feliz. A mãe dela falou para minha avó que gostaria que eu fosse tomar café com
a Claudia.
Confesso que não entendi direito. Tomar café? Mas eu era criança, não tomava
café e também não gostava de café com leite. Mesmo assim, minha avó comprou
um presente, eu pus um vestido mais arrumadinho e toquei na casa vizinha.
Fui muito bem recebida pela família que me chamou para o tal café. Era uma
mesa cheia de bolos, tortas daquelas cheias de cremes que eu adorava e uns
doces diferentes. O café era o que menos importava, mas tomei com gosto pois
veio acompanhado de pãezinhos maravilhosos! Desse dia em diante passei a
adorar tomar café!
Festa de aniversário –
Nada tão encantador
quanto café com bolo
https://www.facebook.com/monica.monnerat.18/
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Nanna Fazzio
Assis/SP
As pedras
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Nathalia Mageste
Mogi das Cruzes/SP
6 anos
Layla Bennett passou anos na tentativa de engravidar. Na primavera de 64,
deixou o assunto de lado, e foi passar as férias em um resort com John Bennett,
seu marido. O lugar era paradisíaco, mas para diversificar o passeio, o casal
caminhou até uma praia próxima.
Enquanto conversavam, uma cigana se aproximou perguntando se poderia
ler a mão de Layla. A cigana insistiu, dizendo ter uma mensagem importante e
que precisava transmiti-la. John se opôs, mas a esposa acabou cedendo à
curiosidade.
Em sua leitura, a cigana informou que o sol brilharia na vida da consulente
por exatos 6 anos. Logo, uma tempestade chegaria para devastar tudo, mas ela
deveria aguardar para ver o brilho do arco-íris.
John puxou imediatamente a esposa afirmando que aquilo não passava de
uma crendice. Ele pagou a leitura com algumas moedas e, mesmo sem aparentar
ter dado importância, ficou intrigado com aquelas palavras.
Ao se distanciarem da vidente, Layla se aproximou do mar. Antes de
mergulhar, sentiu um forte enjoo, que a fez retornar para areia. Sua palidez
preocupou o marido, que logo pediu um táxi com destino ao hospital mais
próximo.
O atendimento foi rápido, e ainda que estivesse abatida, Layla precisou fazer
alguns exames. John esperava na recepção quando o médico apareceu com a
notícia de que eles seriam pais. A Alegria contagiou o ambiente e o dia do casal.
O feto se desenvolvia de forma saudável, e em uma linda noite de Natal,
Layla deu à luz a uma menina, cujo nome seria Claire. A casa ficou mais alegre
com a presença daquele ser tão esperado. Claire sempre foi uma criança doce,
que se contentava com um simples abraço. Não exigia nada, apenas a atenção e
o companheirismo de seus pais e amigos.
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Nazareth Ferrari
Taubaté/SP
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Nercy Grabellos
Rio de Janeiro/RJ
Voar
Gostaria de ter asas, decolar, voar, plainar, deslumbrar, sonhar, apreciar, salvar,
agregar, cogitar, extasiar, amar, encantar, respirar, ganhar, acariciar;
Nos céus, olhar, pensar, desestressar, decifrar, vivenciar, fascinar, gostar, esgotar,
esgotar, chegar, flutuar, deleitar, aterrizar, escapar, acalmar, palpitar, vislumbrar;
No voo, sentir, ouvir, intuir, redimir, agir, conseguir, abstrair, pressentir, deduzir, vir,
concluir, exprimir, contribuir, extrair, induzir, construir;
As asas, usar, mostrar, baixar, descansar, acalentar, pulsar, conscientizar, encontrar,
causar, enveredar, cuidar, lembrar;
Sem medo, conhecer, viver, aprender, reconhecer, ser, correr, estender, escolher,
agradecer, perceber, entrever, entender;
No espaço, êxtase, felicidade, encantamento, conhecimento.
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Funeral
Acordou cedo.
Chovia.
Pôs o casaco carmim.
Ligou a vitrola, perturbando os vizinhos.
Fez panqueca, sorria feito moleca, enquanto ele zombava de mim.
O sorriso ora belo, sincero, agora era dolente, teimoso, insistente, e queimava as
maçãs do rosto.
Dera-se tanto, e recebera tão pouco!
Estava se acostumando com o coração parco, opaco, oco, tristeza farta em dias
tão loucos
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Ovidiu-Marius Bocsa
Romênia
Tentativa
Eu semei grãos da cor dos bloqueios do meu amigo,
Na esperança de ter muitos amigos;
Mas muitos foram salpicados por corvos, corvos
Ou por Woody, o pica-pau;
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Eu semei um haiquei
longe do mundo louco
a câmara secreta
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O Casarão
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Ao chegar despertei a minha irmã mais abri a boca para dizer nada
mais velha e contei o que tinha sobre isso.
acontecido, ela sonolenta, pediu para De dia era uma maravilha viver
que eu voltasse a dormir, que talvez o ali, andávamos de bicicleta no pátio,
que tinha visto fosse fruto da minha brincávamos de queimada, de rouba
imaginação, sabe como é criança, nova bandeira, fazíamos piqueniques aos
casa, sinônimo de nervosismo, finais de semana no jardim, minha
insegurança, uma porta aberta para mãe separou um quarto para
imaginação, não consegui dormir, passei brincadeiras, explorávamos toda a
a noite em claro. No dia seguinte, casa brincando de pique-esconde,
passado o terror da primeira noite no mas pela noite ela se transformava
casarão, em pleno café da manhã, pedi em um lugar sombrio e assustador,
aos meus pais que nos mudássemos pelo menos para mim.
dali, eles simplesmente me ignoraram. Certa vez, ao cair da noite, minha
Durante três meses, passei as mãe recebeu a visita de uma amiga,
noites escutando barulhos com se educadamente nós retiramos da sala
alguém ou alguma coisa estivesse de estar e como de costume, minha
caminhando e arranhando as paredes, irmã maior foi preparar o jantar
outras vesses sendo arrastada do solo enquanto eu brincava com nossos
até o teto, as vesses era como se irmãos menores na sala de janta. A
estivesse procurando algo e outras era comida ficou pronta, minha irmã
como se alguém estivesse sendo pediu minha ajuda para colocar a
torturado. Ouvia choro de mulher e mesa e de um outro irmão, para ir
crianças, quando não, gritos, que chamar a mamãe e a amiga para
somente sessavam às 04: 00 horas da jantarmos, num instante meu irmão
manhã, a partir daí era eu conseguia retornou dizendo que a mamãe iria
dormir. Com o tempo fui me demorar mais um pouco e que
acostumando, afinal era somente eu que podíamos ir nos adiantando, minha
escutava e via coisas, cheguei a contar irmã nos serviu e quando estávamos
para meus irmãos, e eles contaram para preparados para comer, aconteceu
o papai e eu levei uma surra, e nunca algo assombroso e atemorizante.
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Uma espécie de nuvem negra foi o que nos salvou, não sei dizer o
entrava pela janela, ao vê-la que poderia ter acontecido se elas
paralisamos por segundos, que mais não tivessem aparecido. Foi quando
pareciam horas, nossos corpos meus pais e meus irmão passaram a
começaram a gelar, uma sensação de acreditar em mim. Não ficamos mais
horror tomou conta de nós, não nem um segundo ali.
conseguíamos falar, foi uma paralisia Depois que nos mudamos,
completa, à medida que se aproximava, ficamos sabendo que ali vivia uma
nosso corpo ficava ainda mais rígido, família com uma boa condição
como mármore, duro e frio. Ela pairava financeira, alcançada através de
sobre nossas cabeças, não pactos com forças malignas. Por fim a
conseguíamos reagir, era como se família a beira do precipício
estivesse sugando nossas forças. financeiro, sem prestígio e sem
Foi então que escutamos de longe dinheiro, a solução que encontraram
alguns sussurros... Era voz da mamãe e foi um suicídio coletivo com um sumo
da amiga vindo em direção a cozinha, da mandioca, somente um se salvou,
percebemos que a nuvem se afastava de era a mesma “encarregada” de alugar
nós em direção a janela até sumir, a casa. E como ela sobreviveu?
minha mãe apareceu na porta da Sinceramente, a verdade é que eu
cozinha com sua amiga, elas não não quis saber, lembrar daquele lugar
chegaram a ver, mas perceberam que me dá calafrios.
algo estava estranho, a chegada delas
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Ao Acaso
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tirar uma lasquinha do atum e palmito do cuscuz, já posto na mesa, mas tia
Carminha ameaçou com o rolo de macarrão, fazendo-o passar
atabalhoadamente, com um sorrisinho de galhofa, pela porta de vai-e-vem.
“O Eduardo sempre reclamou da comida americana, imaginem, só comendo
enlatados!”
Tia Berenice, num muxoxo de desagrado, demonstrou seu inconformismo
com esse modo de vida. As crianças corriam em grande algazarra, vindos do
quintal para a cozinha, e daí pelo corredor para a sala.
“Estas crianças... Bem que o Roberto podia tê-las levado para o aeroporto!”
Dona Helena, desaprovando o comentário:
“Aonde ele iria enfiar essas crianças, Berê? E a bagagem do Eduardo?”
Na sala, a televisão, sem telespectador, dava notícia para as paredes:
“Acidente aéreo há pouco. Avião choca-se com cabeceira da pista e
explode!...”
Juninho, que passava em mais uma de suas correrias parou um instante
diante o monitor para ver a fumaça que ainda saia dos destroços. A Belinha,
também na correria, adentra a sala, vermelha como um pimentão, puxando o
Juninho. E eles saíram correndo em direção a cozinha gritando:
“Vó, a televisão disse que o avião caiu e pegou fogo!”.
https://www.facebook.com/pauloluis.ferreira.10
paulolaspalmas@yahoo.com.br
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
A lágrima do palhaço
A lágrima do palhaço
tatuada nas bochechas
na realidade vos digo
tem nascente na alma
Escorre pelos olhos
fugidia, arisca
Uma lesma escorregadia
que desliza sobre a pele
numa fuga de si mesma
até ser absorvida
pela brisa do acaso
para longe do palco
para longe dos olhares
para longe dos holofotes
E, apesar disso,
há quem ria
na arquibancada
do circo montado
no meio do nada
num terreno baldio
ou num estacionamento
onde estacionam
almas ávidas
por sorrir,
por gargalhar
sem sequer imaginar
que por baixo do palhaço
há um ser humano...
www.reinodosconcursos.com.br
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Regiane Silva
Belford Roxo/RJ
Souvo
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Cavalo de Batalha
Para Tchekov
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Chegando, foi logo tomar um copo d’água que o álcool havia sequestrado
do organismo em seu metabolismo. Estava calmo, não havia motivo para brigar.
Na aposta do bicho havia um número de telefone. Ligou para o tomador de
apostas e escutou ansiosamente os algarismos. Pediu para que repetisse,
enquanto anotava-o no verso do papel.
Sentou na cadeira para conferir os demais papéis. Passava os olhos de um
para outro, duas, três, quatro vezes. Exultante de alegria.
Sim, havia ganho a guerra. Derrotara Tróia ?
Lembrou-se de chamar a esposa.
Quando estabeleceu contato, teve de ouvi-la primeiro, descontrolada,
amargurada, quase revoltada, contar-lhe que o filho doente não voltaria mais do
hospital. Ela, apenas para apanhar suas coisas. Laconicamente.
A mente, cada vez mais lúcida, resolveu não lhe comunicar nada.
Desnecessário. Tudo bem, disse, afinal.
Desligou o fone, pôs-se a embaralhar as imaginadas coisas, como foram e
como poderiam ter sido.
A pequena fortuna poderia remediar os problemas de saúde do filho, das
finanças mal-administradas da casa, mas não cicatrizariam as feridas do
casamento nem o alforriariam das algemas do vício.
Lembrou-se então do sonho em que Jasão montava Pégaso para ir ao
encontro do Velocino de ouro.
Seus olhos petrificados ante a visão do sangue a escorrer dos braços,
lacerados em cortes longitudinais, como os cabelos vivos da Medusa, fitavam,
longinquamente, através dos papéis espalhados sobre a mesa, as teses que seu
homônimo pregou à porta da igreja, defendendo seus pontos de vista contra os
dogmas domésticos estabelecidos até então.
Mas os gregos escondidos no bilhete premiado, saíram aos milhares, junto
com o fluido vital que ainda o animava.
Acharam seu ponto fraco, seu calcanhar vulnerável, e dentro em breve,
estaria perdido.
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Roberto Schima
Itanhaém/SP
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
http://www.revistaconexaoliteratura.com.br/search?q=roberto+schima
https://clubedeautores.com.br/books/search?where=books&what=roberto+schima
https://www.wattpad.com/user/RobertoSchima
rschima@bol.com.br
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Rodrigo Domit
Jaraguá do Sul/SC
Quimeras
De tempos em tempos
encontro-me diante
quimeras íntimas
Metade desconhecidas
A outra
amores antigos
http://linktr.ee/rodrigodomit
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Rommel Werneck
Santo André/SP
www.rommelwerneck.com
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Eu Já Sabia
Nestes tempos em que o “salva-se quem puder” parece tomar conta, é tão
prosaico dizer “eu já sabia”.
O dinheiro viaja em mala que é de ninguém e não se sabe de onde ele vem
nem para onde ele vai. A grana virtual chega a paraísos fiscais, oriunda de
estranhos esquemas corruptos.
O vento sopra diferente. De repente, quem se sentia seguro, sabe que
poderá ver o sol nascer quadrado em idade já nem tão nova porque há uma
lavagem de sujeiras incrustadas por anos na pele de quem usa o que o cidadão
paga para ser de todos e cobrir as necessidades mais prementes da coletividade.
Já a prosa é mais de delação, é mais reservada entre antigos parceiros. Já
parece que um mais um ainda resulta em dois e já não se garante o privilégio do
foro.
De uma hora para a outra, a verdade parece ser mais necessária do que o
subterfúgio, e antigos protetores chegam a se tornarem acusadores, talvez para
salvar um restante de reputação.
Na prosaica leitura dos dias, há um quê de sentido: o verbo se faz verdade,
mesmo sem a materialidade do que pode ser evitado. Se alguém pensa se
utilizar de algo ilícito, jamais colocará em seu nome, nunca confessará o óbvio,
muito menos fará cara de safado, sempre um inocente em tudo, acusado
injustamente.
Andando na contramão dos fatos estão todos aqueles que poderiam ser o
exemplo, mas preferem não sê-lo. Na roda do tempo, giram raios que ficam
invisíveis na velocidade, porém se individualizam no momento parado. A
luminosidade matutina chega, muitas vezes, colorida e, colorida, ela se despede
no fim do dia. Durante a jornada, todavia, tudo é normal.
Nenhum temporal dura sempre, e o tempo bom tem seus dias contados
também. Assim que a plebe perceber que a elite se digladia, ela toma o partido
de um ou de outro; até ódio contra o irmão é capaz de gerar para defender seu
lado assumido. Pobre plebe sem prosa convincente!
Na elítica turba, sopram ares quentes, gelados por defensores do público,
aqueles ainda não pervertidos... A sensação é de esperança para a plebe, porém
muita paciência se faz necessária por causa da burocracia legal, quase letal.
Está na hora de a prosa mudar. Pagar imposto é fácil e rápido, demorado é
ver algum trocado voltar como investimento. Uma guia, até online pode quitar o
débito do contribuinte, em segundos. Para investir precisa haver projetos
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
www.facebook.com./roquealoisio.weschenfelder
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Rosangela Maluf
Belo Horizonte/MG
Durante muitos anos em minha vida, quadrados de terra boa pedindo pra
correndo feito uma louca, pra lá e pra cá ser cultivada, descobri essa paixão
- trabalhando em horário integral, escondida. Foi então que me
lecionando à noite para a Graduação, e dediquei, de todo coração, a plantar
ocupada com os cursos de Pós, nos meus próprios vasos. Organizar os
finais de semana - pouco tempo me jardins, colher as flores, regar, cuidar,
sobrava para o que quer que fosse. limpar, sempre com uma alegria
Havia uma pessoa especial que me imensa dentro de mim. Alguns anos
ajudava em tudo: com a organização da depois, morando novamente em um
casa, da cozinha, com as crianças, as pequeno apartamento, passei a
compras, tudo. Nas manhãs de sexta redescobrir e resignificar o bem que
feira íamos as duas, Dalvinha e eu, as plantas faziam por mim e o meu
comprar flores na feirinha do Colégio amor desmedido por elas.
Arnaldo. Organizar os vasos na janela para
Eram vários quarteirões ocupados pelas que peguem o sol da manhã.
barraquinhas e a feira se espalhava Algumas plantas precisam dos raios
também pela Bernardo Monteiro. Uma solares, outras gostam apenas da
maravilha para a visão e o olfato. Nunca claridade e ainda como as violetas,
demorávamos mais que uma hora, pois preferem as sombras. A gaveta do
nós duas tínhamos sempre, muito o que armário especialmente reservada
fazer. Voltávamos pra casa com os para os alicates, tesourinha,
braços cheios de cores. Ela escolhia os espátulas, barbante, pinças, adubos
vasos mais coloridos e eu, sempre os em pó e líquido, luvas de borracha e
meus verdinhos preferidos: avencas, tudo mais para o cuidado rigoroso
renda portuguesa, dólar, jiboia, coração com os vasos que agora eu voltava a
magoado, lírio do vale, entre outros. ter. Na parte de cima do armário
A verdade é que, enquanto corria pra ficavam as pedrinhas brancas, as
sobreviver, fui adiando pedras médias e as maiores para dar
inconscientemente a paixão pelas um charme aos vasos mais estreitos
plantas, pelas flores. Muitos anos e compridos onde coloco as
depois, vivendo na zona rural, isolada de suculentas. E ainda os sacos de areia,
toda e qualquer civilização, sem sacos de adubo só esperando a hora
vizinhos, sem ruídos, muitos metros certa pra serem colocados.
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Rosangela Mariano
São Leopoldo/RS
Evolução
no século da dor.
Múltiplos "améns"
se fazem ecoar
em recifes desertos
de sonhos e amparo...
no calendário...
relembrar, saudar
e nunca esquecer
que existiu e
existe Jesus...
esfacelou-se a hegemonia
até então!
espiritual...
ignorância idólatra!
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
imensurável...
No imorredouro tempo,
- Nasceu Jesus!
http://lunaraescritora.blogspot.com
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Na religião da Umbanda,
é a Iansã, nossa deusa,
é a grande guerreira,
tão valente e poderosa!
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Ruan Vieira
Aracaju/SE
Obra de arte
Tuas sobrancelhas,
O teu pescoço,
https://instagram.com/libertospelapoesia?utm_medium=copy_link
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Sérgio Soares
Simão Pereira/MG
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
https://articulancia.blog/
https://sergiosoares517.wixsite.com/sergiosoares
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Sigrid Borges
São Paulo/SP
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Suramy Guedes
A escolha de Maria
Maria estava em pé na cozinha. Olhava para a velha cômoda com seus
puxadores em metal, corroídos pelos anos de uso. Parecia com a da sua mãe.
Mordia os lábios. Passou a mão livre pela testa úmida. Respirou fundo. Fechou os
olhos e franziu o cenho. Pôs o copo com um resto de água sobre a pia e
caminhou sobre a ardósia até a porta e a abriu. “Oi Dona Laura!”, Maria
cumprimentou a mulher que acabara de chegar. “Bom dia, Maria! Tudo pronto?
Vamos? Tem que chegar com antecedência. Está marcada para as nove e já são
sete da manhã”.
“Você pega a bolsa? Está ali”, pediu Maria apontando para a poltrona.
“Claro”, respondeu-lhe a outra. “Tá começando a doer muito. Não vejo a hora de
me livrar disso”, afirmou a jovem. “Calma! É assim mesmo. Tudo isso vai passar
e você nem vai se lembrar. Apenas pense que está realizando o sonho de uma
família e que assim que tiver condições terá a sua também. Você só tem 18 anos
e a vida toda pela frente. O dinheiro vai te ajudar muito”, argumentou a mulher.
Maria encostou-se na porta do banheiro. Seu peito subia e descia muito
rápido. Olhou para a sua barriga, enquanto suas mãos a acariciavam.
“Vamos logo ou esse bebê nascerá aqui mesmo. Não pode dar nada errado,
ordenou a mulher de meia idade. “Eu só quero o melhor para ele. Só o melhor”,
disse a moça. “Eu sei, meu bem. Agora vamos, anda!.” Laura segurou uma de
suas mãos e a puxou.
Estavam por sair porta afora, quando Maria parou: “Esqueci de pegar a
minha identidade. Preciso levar, né?”. Laura a olhou com ar severo e disse: “com
certeza. Onde está?”, perguntou. “Ali, numa daquelas gavetas menores da
cômoda. Vê se você acha pra mim, por favor!”, pediu Maria.
Laura virou-se de costas para ela e dirigiu-se em direção ao móvel. Abriu
uma das gavetas e começou a remexê-la sem cuidado. Enquanto o fazia, acusava
a menina de estar atrasando a partida e de colocar tudo em risco. Continuou a
procurar o documento e não percebeu quando Maria saiu do quarto. Só se deu
conta quando ouviu a chave girando na fechadura pelo lado de fora. Imóvel, com
os olhos esbugalhados, ficou a olhar para a porta fechada, enquanto ouvia os
passos apressados que avançavam pelo corredor.
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Decanato De Fé 1
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Tim Soares
R.I.P. Robot
Meu hardware obsoleto já não serve mais para esse mundo imediatista
Todos os meus bit’s, byte’s e tera’s de lembranças estão na nuvem da melancolia
Nem todos os dados processados de pseudo redes sociais e sites de pornografia
Podem garantir o meu hype por mais alguns dias
Sou incompatível com os softwares do momento, quem diria?
E nem todos os vírus dos quais me recuperei, garantem a minha estadia
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Valéria Barbosa
Rio de Janeiro/RJ
Faço samba
Eu canto samba
no romper da madrugada,
com sinfonia afinada
com os pios do viver.
É samba firme
que sacode sentimentos.
Samba de fé é livramento
que aquece o viver.
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Frase
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Vanderlei Kroin
Mallet/PR
Perfume
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Cigarra
Dias de calor é um deleite ,para a cigarra
Nas árvores das praças ,sua presença é notada .
Faz um festival junto das demais.
Solta a voz corajosamente .Canta estridamente!
Timidez não é com ela não !
Radiante da vida, não respeita os barulhos urbanos.
É Indiferente as sirenes , ao movimento dos carros.
Ao conversar da população ,aos gritos dos vendedores.
Nada faz intimidar seu lindo ribombar
Uma manifestação de felicidade ,estampada publicamente .
E que atrai a cada um que passa .
Cigarra, cigarra, seu cantar é um dom !
Canta,canta com o bater de suas asas !
Seu canto detém uma certa magia no ar.
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Vera Raposo
Teresópolis/RJ
As Mulheres e as Flores
Perfumadas, inebriam o ar
São as maravilhas da vida
Mulheres e Flores para o amor cultivar
Desde as rosas até as singelas margaridas
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
@vitor_sergio_ (Instragram)
http://lattes.cnpq.br/2112854611217382 (Lattes)
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Elegância
Que o amor invadisse bem sua alma
e lhe deixasse sem saber o que fazer
com a delícia, carinho que acalma
disputando com o tempo pra vencer.
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
Willian Fontana
Rio de Janeiro/RJ
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
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Espaço das Artes
Foto
Francisco Júnior
Patu/RN
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Caricaturas
Jamison Paixão
Las Palmas de Gran Canária/ Espanha
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LiteraLivre Vl. 7 - nº 37 – Jan./Fev. de 2023
https://www.facebook.com/paixaodeoliveira
https://www.facebook.com/jpartes.desenho.3
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Fotos
Jamison Paixão
Las Palmas de Gran Canária/Espanha
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https://www.facebook.com/paixaodeoliveira
https://www.facebook.com/jpartes.desenho.3
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Melancolia ao entardecer(desenho)
Maria Carolina Fernandes Oliveira
Pouso Alegre/MG
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Fotos
Roberto Schima
Itanhaém/SP
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Contato: revistaikebana@gmail.com
Ikebana nº3
Volume 1
https://drive.google.com/file/d/1QdiqCsgcArkE-IdPtpx5xC5ZhOtLYOFM/view
Volume2:
https://drive.google.com/file/d/1ZQDZcLjYoD3jdyLi-5k-w3OUq0z_gfnL/view
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https://revistaseresta.blogspot.com/p/edital-de-concurso.html
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LiteraAmigos
Espaço dedicado a todas as entidades e projetos amigos que de alguma forma
nos ajudam ou possuem proposta de trabalho semelhante a nossa:
Corvo Literário
https://corvoliterario.com/
https://corvoliterario.com/contact/
Facebook: https://www.facebook.com/concursosliterarios/
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https://alanrubens.wordpress.com/
http://mulheresaudiovisual.com.br/
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https://open.spotify.com/show/7iQe21M7qH75CcERx5Qsf8
Site oficial:
www.maldohorror.com.br
Página do facebook:
https://www.facebook.com/maldohorror/
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Tenha acesso gratuito e legalizado à milhares de textos, sons, vídeos e imagens do Brasil
e do mundo em domínio público.
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp
Sci-fi Tropical
Semanalmente, o site Sci-fi Tropical traz um exclusivo, o leitor terá uma experiência
artigo, resenha de livro ou análise sobre o imersiva nas histórias. Rubens Angelo,
cenário do fantástico nacional, permitindo criador do site Sci-fi Tropical, é formado
que os fãs do gênero, tão acostumados a ler em design, mestrando em mídias
obras estrangeiras, conheçam também criativas e, principalmente, fã
autores nacionais que ajudaram a consolidar incondicional da ficção científica.
a ficção-científica por aqui. O site traz ainda
Venha conferir:
O PROJETO MINIBOOKS FANTÁSTICOS, com
obras de autores de FC em língua
portuguesa para download. Com um design
https://scifitropical.wordpress.com/
Canal “Conto um Conto” - Canal do Youtube criado pelo locutor Marcelo Fávaro, onde
podemos “ouvir” clássicos da literatura mundial. O canal proporciona entretenimento
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inclusivo e de qualidade para todos os amantes da boa literatura; tem Guimarães Rosa,
Monteiro Lobato, Stephen King, Edgar Allan Poe, Machado de Assis e muito mais.
Conheçam, se inscrevam e aproveitem.
Ouvir histórias é relaxante e instrutivo!!
https://www.youtube.com/channel/UCsqheVzvPGoI6S3pP3MBlhg
https://selecoesliterarias.com.br/
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Modelo de envio de textos para publicação na revista
https://www.pensador.com/melhores_poemas_de_carlos_drummond_de_andrade/