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Curso de Psicologia
Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2010
Bárbara Nascimento Ayrosa
Curso de Psicologia
Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
São Paulo
2010
Dedicatória
Dedico este trabalho a meus pais, primeiramente por eles
serem as pessoas mais importantes da minha vida e agradeço a
eles por terem desempenhado muito bem a função materna e
paterna que possibilitou que eu me constituísse como sujeito.
Outro motivo que eu dedico esse trabalho a eles é por eles
sempre terem me apoiado a estudar psicologia.
RESUMO
I. Introdução..................................................................................................01
II. Método......................................................................................................07
III. Capítulo 1: Descrição do Caso Joey.......................................................10
IV. Capítulo 2: Autismo Infantil ....................................................................22
- Histórico do Autismo...................................................................26
V. Capítulo 3: Constituição do Sujeito..........................................................33
- Olhar materno ............................................................................34
- Mapeamento Corporal ...............................................................36
- Manhês ......................................................................................37
VI. Capítulo 4: Constituição autística............................................................40
- Ausência do olhar materno ........................................................42
- Ausência da imagem corporal ...................................................44
- Ausência do Manhês .................................................................45
- A questão da linguagem ............................................................46
- Estereotipias...............................................................................52
VII. Capítulo 5: Análise do Caso...................................................................53
VIII. Conclusão.............................................................................................66
IX. Referências Bibliográficas.......................................................................70
INTRODUÇÃO
1
presente pesquisa considera apenas a primeira hipótese etiológica, ou seja, a
teoria afetiva. Mesmo dentro desta categoria de hipótese etiológica há
discordância entre os profissionais que estudam o assunto, inclusive entre
psicanalistas.
2
Jerusalinsky, apud Kupfer (2000), compreende que no autismo a falha é
da função materna, enquanto que na psicose a falha ocorre na função paterna.
Segundo Calligaris (1989), o autismo não se inclui na problemática psicótica,
mas sim remete a uma mais precoce problemática de defesa. Tanto a psicose
quanto a neurose, para o autor, procuram responder a demanda do outro,
“sustentando o sujeito na sua referência a um saber que o defenda,
constituindo-o como distinto do objeto” (p.67), ao passo que o autismo lhe
parece ser uma tentativa de apagar a demanda do outro, se anulando.
Tendo em vista que o bebê humano depende de outro ser humano para
sobreviver, pode-se já perceber que a mãe/cuidador desse bebê tem grandes
responsabilidades. É a mãe que, ao cuidar desse bebê, vai demonstrar seu
amor pelo filho, quem vai supor que naquele pequeno corpo do bebê há um
sujeito. E a partir daí, se estabelece a relação mãe-bebê, o que é de essencial
importância para a constituição do bebê como sujeito. É nessa relação que a
mãe se torna figura essencial para o bebê, é ela quem o investe libidinalmente
a partir de seu olhar, da sua voz e de seu toque; é ela quem vai introduzir a
linguagem a esse bebê, vai dar banho e embalá-lo de modo a fazer com que
aquela massa corporal do bebê vá se tornando um corpo erógeno e parte de
um sujeito.
3
Segundo Jardim (2000), “É a partir da função materna que se arma um
sujeito no bebê. (...) À função materna cabe, primordialmente, transmitir um
desejo de existência, de pertença a uma história, transmitir ao bebê um desejo
que não seja anônimo.” (p. 57). A função materna tem essencial importância no
processo de constituição do sujeito. Se houver falha no desenvolvimento dessa
função materna, ou seja, se a mãe ou o cuidador, por qualquer que seja o
motivo, não conseguir supor um sujeito em seu bebê e não o investir
libidinalmente, sérias conseqüências podem ocorrer na constituição psíquica
dessa criança.
4
de crimes contra esses bebês, pela própria mãe, é legalmente considerado
como aspecto atenuante de sua responsabilidade penal.
Caso Joey
Neste trabalho irá se analisar a história de vida do garoto Joey, relatada
em A Fortaleza Vazia pelo autor Bruno Bettelheim - seguidor da psicanálise de
linha inglesa - com o objetivo de analisar a falha da função materna nos
primeiros meses de vida do garoto, bem como quais foram suas
conseqüências, para que ele se constituísse de maneira autista.
Joey foi um garoto que não se sentia um ser humano, mas sim um
dispositivo mecânico, uma vez que desde sua chegada ao mundo, não teve
uma recepção acolhedora por seus pais. Segundo descrição de Bettelheim, a
mãe do garoto não deu grande importância à maternidade, e após o
nascimento, considerava seu filho mais como uma coisa do que como um
bebê. Relatou ter se sentido apavorada com a nova responsabilidade que a
aguardava, e dizia não querer cuidar dele. Em seu aniversário de um ano,
ganhou de presente de seus pais um ventilador, o que passou desde então
despertar intenso interesse pelo garoto. Foi a partir de objetos com movimentos
giratórios que Joey passou a criar um vínculo, já que por pessoas isso não era
possível, ou melhor, gerava sofrimento a ele.
Portanto, tendo em vista que houve por algum motivo uma falha na
função materna no caso de Joey, o presente trabalho tem como objetivo
analisar a importância que a função materna tem no processo de constituição
do bebê, para se compreender em quais aspectos houve ruptura da relação
mãe-bebê na história de vida de Joey, e analisar a constituição autística do
menino.
5
medicina, ao passo que, para a psicanálise lacaniana, pode-se ter uma
explicação para a questão.
6
MÉTODO
7
do ser humano (Violante, 2000). Esse ponto da pesquisa psicanalítica é
importante ressaltar uma vez que o trabalho em questão estuda, sob o olhar da
psicanálise, a constituição do sujeito, ou seja, não o desenvolvimento do bebê.
E a constituição do sujeito se dá a partir da compreensão da sexualidade
entendida no âmbito da psicanálise, em que a mãe tem seu bebê como objeto
de desejo, e assim o investe libidinalmente.
8
Segundo Nasio (2001) o caso Joey é considerado como um dos mais
célebres casos de psicose da história da Psicanálise, pois este trabalho de
Bettelheim contribuiu para “elaborar uma representação do autismo a partir de
uma perspectiva terapêutica e institucional” (Nasio, 2001 p.129).
9
CAPÍTULO 1 - DESCRIÇÃO DO CASO
10
Levou-se em consideração também a grande relevância deste caso
para a literatura psicanalítica, uma vez que com esse caso, Bettelheim
contribuiu bastante para os estudos de psicose na psicanálise. J.-D. Nasio
(2001) considera este caso de psicose1 como um dos mais célebres da história
da psicanálise, pois nele estudou-se “o menino autista cuja cura
impressionante reforçou a convicção de Bettelheim em seu projeto de tratar o
autismo no meio institucional (a Escola Ortogência)” (p.7).
Joey
Segundo Bettelheim, Joey não se sentia uma pessoa, mas sim um
dispositivo mecânico, uma vez que encontrou um mundo em que o calor
humano o levava a sofrer, um mundo sem carinho materno e que não lhe
ofereceu nenhuma parcela de autonomia. Joey então criou seu próprio e único
mundo, onde não havia sentimentos, mas sim um mundo de máquinas.
1
Para o autor, autismo se trata de uma estrutura psicótica, porém no atual estudo será explicado na página
21 a diferença entre psicose e autismo sob o ponto de vista da teoria lacaniana.
11
Antes de casar-se, a mãe de Joey amou um homem que faleceu em um
combate aéreo (na 2ª Guerra Mundial), e teve uma adolescência difícil em que
não tinha amigos e vivia atormentada por freqüentes desmaios. O pai de Joey
era militar, também marcado por uma história de amor infeliz, teve dificuldades
na escola, mas uma vez fora de casa, morando em um internato, houve
melhoras e o mesmo se repetiu na Universidade, no Exército e na vida
profissional.
12
ambivalência, mas ele foi simplesmente ignorado, tudo isso devido a uma
ansiedade absoluta.
O pai foi transferido para outra unidade em seu trabalho e a mãe mudou-
se com a esposa de outro militar. Então, as ansiedades aumentaram e as
tensões também, tanto por causa da relação dos pais de Joey um com o outro,
a qual o autor descreve como um casamento considerado apenas uma
tentativa de resolução de problemas, quanto pela guerra. A mãe passou a
sentir-se fisicamente exausta, se preocupando apenas com si própria, deixando
freqüentemente o garoto sozinho no berço, ou mesmo no parque. Após alguns
meses a mãe juntou-se ao marido novamente, o que não aliviou as tensões
internas e nem as incertezas da guerra, já que os pais referem-se a esse
período como o mais difícil para eles. O pai freqüentemente descarregava sua
irritabilidade sobre o bebê, o qual teve para seu choro noturno, um acolhimento
negativo.
Ao seu um ano e meio, sua mãe e ele foram morar na casa de seus
avós maternos, os quais logo notaram uma mudança evidente e estranha em
seu comportamento, que contrastava desfavoravelmente com sua anterior
receptividade para com eles. Notaram também seu envolvimento com
máquinas, principalmente um ventilador que havia ganhado de seus pais,
quando do aniversário de um ano. Joey, com muita habilidade, desmontava e
remontava repetida e incansavelmente o ventilador.
13
Bettelheim entende que o interesse do garoto por esse ventilador e seus
movimentos giratórios é justificado pelo fato de que, desde muito cedo, antes
mesmo dos dezoito meses de idade, Joey era levado ao aeroporto quando seu
pai embarcava ou desembarcava de suas viagens a trabalho. O autor entende
que essas viagens tiveram grande significado para Joey. Assim, o garoto
conviveu com barulhos ensurdecedores do motor do avião e trepidações de
decolagens e aterrissagens, enquanto sua mãe sentia uma mistura de angústia
e alívio naquela barulheira.
14
realização intelectual. Longe de não saber como utilizar
corretamente a linguagem, significa uma decisão espontânea de
criar uma linguagem que se coadune com a forma como ela
experimenta as coisas - e apenas as coisas, não as pessoas”.
(Bettelheim, 1987, p.262).
Aos quatro anos de idade, Joey foi encaminhado a uma escola maternal
para crianças perturbadas, dirigida por uma clínica universitária de orientação
infantil e por uma orientadora infantil, a qual reconheceu que o garoto
necessitava de tratamento psiquiátrico devido a seu isolamento e interesse
somente por atividades de movimentos giratórios. Na clínica, Joey foi
diagnosticado como autista e foi proposto tratamento psicoterápico individual,
tanto para a criança quanto para seus pais, o que ocorreu.
Parecia ser impossível estabelecer contato com Joey, uma vez que ele
se mostrava indiferente a tudo. Entretanto, com a terapia ao longo de anos, na
escola maternal para crianças perturbadas, ele passou a perceber a existência
15
de sua terapeuta, chegando até a interagir um pouco com ela. Posteriormente,
passou a utilizar pronomes pessoais ao contrário, ou seja, mencionava “tu” ao
referir-se a si próprio, e “eu” ao adulto ao qual se dirigia. Depois de um ano,
passou a chamar a terapeuta pelo nome, apesar de ainda não utilizar o
pronome “tu” a ela, dizendo, por exemplo, “Quero que Miss M. balance você”.
Por volta dos seis anos, além de Joey ter ganhado uma irmãzinha, ele
atingiu a idade limite permitida para a escola maternal da clínica. Então passou
seus dois anos seguintes num internato religioso severo, onde seu progresso
antes conquistado muito se perdeu, voltando-se ele a um mundo
despersonalizado e passando a se dirigir apenas à mãe, manifestando-se
apenas por murmúrios. O garoto não era mais capaz de utilizar pronomes
pessoais e nem de chamar as pessoas pelo nome.
16
Mais uma vez, ele “aprendeu que sentir é ser destruído; que só completamente
insensível é que podia sobreviver” (Bettelheim p.266).
Aos nove anos e meio, quando Joey conseguiu ser atendido pela Escola
Ortogênica, ele apresentava estatura menor do que o esperado.
17
Segundo descrição de Bettelheim, Joey era uma criança carente.
Notava-se que, subjacente a tudo que fazia, havia tensão, objetivo e uma
complexidade que ultrapassava sua compreensão. “Só que estas não
chegavam até nós como tensões e complexidades humanas. Assemelhavam-
se mais à tensão que sentimos num fio de alta tensão ou num cabo de aço
esticado até o ponto de ruptura” (p.254).
18
correndo desenfreadamente e gritando, “Bum! Bum!” ou “Explosão!” enquanto
atirava ao ar uma lâmpada ou um motor. Logo que o objeto arremessado se
quebrava e que o estrépito acabava, Joey como que morria com ele. Sem
qualquer transição, retornava à sua aparente não-existência. Explodida a
máquina, não restava movimento, vida, absolutamente nada.
19
“completou sua educação numa escola técnica, utilizando melhor seu
perseverante interesse, agora mais normal, por questões técnicas” (Bettelheim,
p.356).
20
21
CAPÍTULO 2 - AUTISMO INFANTIL
22
fusionada ao self; essa segunda categoria aproxima-a da psicose
infantil clássica. Após 1951, essa nitidez desaparece, já que, para
Mahler, podemos encontrar um largo espectro de traços autísticos
e simbióticos no interior da síndrome psicótica infantil.” (p.2).
Laznik Penot (1997) faz parte dos psicanalistas que acreditam que “as
falhas de estrutura que apresenta o autismo não são necessariamente as da
psicose” (p.57). Assim como Jerusalinsky, o qual, segundo Kupfer (2000),
“marca radicalmente a diferença, e propõe que se entenda o autismo como
uma quarta estrutura clínica, ao lado das três outras -psicose, neurose e
perversão -, proposta por Lacan.” (p.3).
2
Entende-se que a função paterna também é de grande importância para a constituição psíquica do bebê,
porém o atual estudo tem como foco principal o autismo, portanto será abordada apenas a função
materna.
23
as identidades de estrutura não são as mesmas, na primeira se tratando de um
caso de exclusão e na segunda, de foraclusão. O autor diz assim ser seu ponto
de vista, mesmo sabendo que apesar de que para Lacan não há unanimidade
neste aspecto, uma vez que há quem entenda “a exclusão como um caso
particular da foraclusão” (Kupfer, 2000, p.3).
3
É importante que fique claro o uso que Lacan faz de sua terminologia especifica do
Outro/outro. Segundo Rudinesco (1998), Lacan criou tal terminologia para diferenciar o que é
da ordem do terceiro, ou seja, da determinação do inconsciente freudiano (Outro), do que é da
alçada da pura dualidade (outro), no sentido da psicologia. O termo Outro (escrito com letra
maiúscula) para indicar “um lugar simbólico - o significante, a lei, a linguagem, o inconsciente,
ou, ainda, Deus - que determina o sujeito, ora de maneira externa a ele, ora de maneira intra-
subjetiva em sua relação com o desejo.“ (Roudinesco, 1998, p.558). O termo outro - escrito
com letra minúscula - designa o semelhante, o parceiro imaginário, fonte das identificações
imaginárias. (Kupfer, 2000).
24
houvesse criatura, não haveria falha na perfeição do criador e por
conseqüência o criador não queria nada” (p.67).
25
a 5 vezes superior do que para o sexo feminino, observando-se, portanto, uma
muito maior incidência no sexo masculino4.
- HISTÓRICO DO AUTISMO
4
Entendemos que é um ponto interessante sobre o tema, mas que não será discutido no presente trabalho.
26
autismo, cunhado por Bleuler em 1911 para mencionar um dos sintomas da
esquizofrenia, ele nomeou tal síndrome de Autismo Infantil Precoce (Kupfer,
2000).
5
Vale ressaltar ao leitor que nem todos os itens citados acima serão explorados no presente
trabalho. Serão explorados apenas os que foram considerados de maior importância e de mais
fácil acesso dentro da literatura do autismo.
27
9- Atitudes monotonamente repetitivas e necessidade de manter as coisas
sempre iguais;
10- Boa relação com objetos que lhe interessam, podendo jogar com eles
durante horas;
11- Todos (os 11 do grupo inicial) tinham boas potencialidades cognitivas e
fisionomias inteligentes;
12- Fisicamente eram essencialmente normais;
13- Infantis; de famílias bastante inteligentes.
28
Segundo observação feita por Kupfer (2000), devido às manifestações
das mães, Kanner teve que ceder, escrevendo em 1946, Em defesa das mães
(1946/1974) e, segundo a autora, ele pareceu confuso com o que fazer com
sua observação a respeito das mães.
29
“Assim como a puberdade, a gravidez é um passo
biologicamente motivado na maturação de um indivíduo. Esse
passo requer ajustes psicológicos e adaptações psicossociais
para conduzir a um novo nível de integração e que normalmente
representa desenvolvimento. Um período rico em transformações
que denominamos como um período de crise.” (p.253).
30
culturalmente. Assim, a visão de que a maternidade é natural entra em choque
com a maternidade que foi criada culturalmente, o que, segundo Azevedo e
Arrais (2006), leva à impressão da existência de uma “mãe desnaturada”.
31
avançaremos para explicar, então, todo o processo de constituição do sujeito,
ressaltando a importância da função materna, dada sua relevância na
compreensão do autismo.
32
CAPÍTULO 3 - CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO
Sabemos que o bebê humano não sobrevive sem outro ser humano, ou
seja, é extremamente dependente do outro. Portanto, esse outro deve garantir
a sobrevivência do bebê. Sobrevivência, tanto física quanto de seu psiquismo,
no sentido de possibilitar ao bebê seu desenvolvimento rumo à constituição de
um sujeito, uma vez que sabemos que o psiquismo passa por uma construção,
uma produção. Ele não nasce pronto. E nessa produção, a psicanálise leva em
consideração o orgânico, embora mais ainda a relação com o outro.
33
As primeiras relações mãe-bebê são de essencial importância, uma vez
que é a partir dos cuidados e das ações desejantes depositadas ao filho, que
possibilitam ao bebê desenvolver-se e vir a constituir-se ou não como sujeito.
É a partir dessa relação que vai se estabelecendo com o Outro primordial
(posição que uma mãe sustenta para seu bebê), que “a mãe vai imprimindo em
seu bebê sua história fantasmática e também a do seu parceiro, bem como a
dos seus respectivos núcleos geracionais.” (Silva, 1997, p.31).
Segundo Kupfer (2000), a mãe estará incitada pelo desejo e por conta
disso precipitará uma existência subjetiva em seu bebê, subjetividade esta que
ainda não há, embora virá a se instalar, pois foi suposta. Rabello e Franco
(2005) afirma que o que possibilita o bebê tornar-se sujeito é a função materna,
ao passo que faz parte dessa função dar significações para as produções do
bebê. “Desejando o desejo do bebê, esta mãe, através das trocas afetivas,
passa a fornecer ao bebê a possibilidade de intermediar-se ativa e
significativamente com o mundo.” (p.4).
- OLHAR MATERNO
Falaremos agora da importância que o olhar materno tem para a
constituição do sujeito, pois não se trata de um simples olhar, mas sim um
olhar desejante, como será explicado abaixo.
A mãe supõe nesse bebê como um ser subjetivo, uma vez que ele já
recebe um nome e muitas significações, mesmo que ele ainda não tenha um
saber. Desde seu nascimento, ele de certa forma já está inserido na sociedade,
já existe uma rede de comunicação, por mais que a dele ainda não esteja
estruturada. A partir desse desejo da mãe pelo seu bebê, ela demonstrará
34
diversos atos de carinho por ele: “Desenhará com seu olhar, seu gesto, com as
palavras, o mapa libidinal que recobrirá o corpo do bebê, cuja carne sumirá
para sempre sob a rede que ela lhe tecer.” (Kupfer, 2000, p. 4).
O bebê, segundo Laznik Penot (1997), tem que tomar um lugar ideal aos
olhos dessa mãe. A partir do que Kupfer (2000) nos diz, a tarefa da mãe não
depende de nenhum ato determinado de vontade, mas acontece como um
hábito estabelecido por sutis e imperceptíveis reconhecimentos recíprocos. Um
exemplo disso é o fato da mãe escutar o choro de seu bebê, enquanto ninguém
mais o escuta. Esse processo de reconhecimento e idealização está descrito
por Lacan através da metáfora do espelho6, que para ele é o primeiro momento
da constituição de um sujeito, e se inicia com a construção da imagem
corporal, através do desejo ou do olhar materno, o qual o possibilitará em uma
totalidade e maturação. (Kupfer, 2000).
6
Estádio do espelho é “(...) um momento psíquico e ontológico da evolução humana, situado
entre os primeiros seis e dezoito meses de vida, durante o qual a criança antecipa o domínio
sobre sua unidade corporal através de uma identificação com a imagem do semelhante e da
percepção de sua própria imagem num espelho.” (Roudinesco, 1998, p.194).
35
não, como a autora mesmo diz, um ser puro dejeto. Mas, para que o bebê
possa ser esse objeto de desejo, é preciso que antes ele esteja constituído no
genitor. Portanto, é apenas no olhar de amor do Outro primordial que o bebê
tornará objeto de desejo.
- MAPEAMENTO CORPORAL
Agora explicaremos a relevância do trabalho de mapeamento corporal
que as mães devem fazer em seus bebês . Segundo M. Silva (1997), falar do
corpo do bebê não é falar de um corpo só matéria, mas sim da matéria e do
sentido. É um corpo que se encontra numa dimensão própria, a dimensão
humana.
36
sorriso, pelo olhar e pela fala da mãe” (M. Silva, 1997, p.74). Está em jogo a
capacidade da mãe de mediar e transformar a excitação do bebê suportável a
ele e ajudá-lo a construir um contorno para seu corpo e posteriormente um ego:
- MANHÊS
Nesta parte do trabalho explicaremos o modo específico que é esperado
que uma mãe tenha ao se dirigir verbalmente ao seu bebê, o que se entende
por manhês. Segundo Laznik Penot (1991), a questão do investimento libidinal
do olhar da mãe para seu filho, se trata “do olhar no sentido da presença; o
olho sendo o signo de um investimento libidinal, muito mais que o órgão
suporte da vista. Mas esta experiência da presença pode também se
37
manifestar por um barulho, uma voz” (p.32). Além do olhar desejante, que a
mãe investe libidinalmente no bebê e da forma que o toca - gerando sensações
físicas sensuais - e demonstra seus afetos por ele, é importante também o
modo pelo qual a mãe se dirigirá também verbalmente ao bebê, ou seja, sua
fala, a qual psicanalistas nomeiam manhês, ou em inglês, motherese. A
propósito, Laznik Penot (1997) afirma:
38
"O modo em que um bebê é tomado no circuito do desejo
e demanda dos pais é decisivo para sua constituição como sujeito
e para seu acesso a diferentes realizações instrumentais. A
presença de uma patologia pode vir a obstacularizar tal circuito,
causando secundariamente danos que não estão impostos pela
patologia em si, mas pela representação simbólica e pelos efeitos
imaginários que ela engendra" (p.5).
39
CAPÍTULO 4 - CONSTITUIÇÃO AUTÍSTICA
40
Jardim (2000) compreende que “na metáfora do espelho, o Outro
primordial está colocado como um espelho para o bebê, para o qual reenvia a
imagem de um corpo, um nome e um desejo.” (p.57). Stefan (1991) afirma que
autores lacanianos compreendem o autismo como uma anterioridade à
dialética do estádio do espelho, uma vez que o autista não constituiu imagem
narcísica de si. Para os autistas não existem Outro e nem outro semelhante.
Para Laznik Penot, a clínica do autismo relaciona-se com os primeiros
fracassos do aparelho psíquico, o que se trata de um tempo inicial não muito
abordado na psicanálise.
41
Laznik Penot, em seu livro Rumo à palavra:Três crianças autistas em
psicanálise, expressa considerar importante a clínica do autismo, pois esta a
ensinou muito, não somente quanto “as primeiras relações do sujeito com a
linguagem, mas também sobre as condições de instauração da imagem
especular e da imagem do corpo, sobre a constituição do circuito pulsional e
sobre o funcionamento das representações inconscientes” (p.12).
Segundo Laznik Penot (1991), a falta do olhar entre a mãe e seu bebê e
a não percepção disso por parte da mãe, estabelecem um dos mais
importantes signos que permitem conferir, durante os primeiros meses de vida
do bebê, a hipótese de um autismo. Se esse não olhar não levar a uma
síndrome autística, de qualquer modo suscitará uma acentuada dificuldade da
“relação especular com o Outro” (p.31). Se não houver intervenção, o estádio
do espelho não se constituirá favoravelmente nessas crianças.
42
A criança só pode reencontrar seu próprio valor de objeto causa do
desejo no olhar de amor do Outro real, mas antes disso é necessário que ele já
esteja constituído na mãe. O olhar da mãe para seu filho tem que tomar uma
posição especial, ideal aos olhos dessa mãe, o que tornaria possível que ela o
reinvestisse libidinalmente, de modo a tornar inútil o fechamento autístico de
seu filho. (Laznik Penot, 1997).
Então, Lima (2001) esclarece que a criança não é vista pelo desejo do
Outro materno. Essa posição impossibilita a criança ver traçada como perfil sua
imagem no olhar do Outro, o que torna inviável a passagem pelo estádio do
espelho, assim chamado por Lacan, o tempo em que se constitui o eu e todo o
campo imaginário e simbólico indispensável ao advento da subjetivação.
43
-AUSÊNCIA DA IMAGEM CORPORAL
Na constituição da imagem corporal do bebê, como já foi dito no capítulo
anterior, a demonstração do investimento libidinal da mãe em seu bebê é de
enorme importância nos primeiros meses de vida do bebê. “A imagem
especular, nos diz Piera Aulagnier, só tomará a dimensão que permite a
estruturação do corpo imaginário quando for procedida pelo olhar dos pais,
pela capacidade deles de constituí-lo imaginariamente para si” (M. Silva, 1997,
p.75). Se isso não ocorrer, no caso do autismo, este corpo nunca terá sua
autonomia desejante reconhecida, assim será sempre como uma ”massa
muscular” (M. Silva, 1997, p.75). Assim, ao contrário de um corpo que se
transformou em sexualizado, ele não será condução de suas dores, alegrias e
afetos; esse corpo não responderá a uma ordem de sentido e nem será
expressão de sua subjetividade. Kupfer (2000) compreende que a partir da
falha da função materna,
Pelo fato de seu frágil corpo não ter sido investido libidinalmente por
seus pais, e ter ficado exposto apenas aos estímulos do meio ambiente, o
corpo do autista não se torna significado e também não se unifica. “Como uma
chaga viva, esse corpo exprime com crueza, o emaranhado e a fragilidade do
psiquismo dos pais que marcam a relação deles com o filho” (M. Silva,1997,
p.76).
Na clínica do autismo, segundo Cavalcanti (1997)
44
exercícios da função significante da mãe e da função paterna.”
(p.79).
- AUSÊNCIA DO MANHÊS
Segundo Laznik Penot (1997), a falta desse estilo manhês de fala de
uma mãe como conseqüência deixa o bebê ficar fora de qualquer discurso.
Desta forma:
45
como o sabemos, é uma surdez específica à voz humana, já que
reagem ao ruído de máquinas e de diversos equipamentos”
(Laznik Penot, 1997, p.36).
-A QUESTÃO DA LINGUAGEM
Kanner, já em 1943, em seu texto princeps no qual estabeleceu o
autismo como entidade nosográfica, entendia que o uso da linguagem no
autista não era para se comunicar:
46
Segundo Laznik Penot (1997), tais observações feitas por Kanner são
“perfeitamente pertinentes do ponto de vista descritivo. No entanto, se era um
clínico muito sensível, Kanner não era psicanalista” (p.107). A autora ressalta
que nos anos 40 ainda nenhum psicanalista havia se arriscado a dizer que a
linguagem não tinha o objetivo de comunicar. Posteriormente foram feitas, por
Roman Jackobson, observações de bebês em um berçário, o que apontou a
possibilidade da linguagem daqueles bebês serem somente um puro
monólogo. Então,
Segundo Kanner,
47
(p.134). Para ocorrer fechamento de uma significação, o discurso deve ser
dirigido a um Outro que entenda que o discurso se trata de uma mensagem
dirigida a ele.
7
“Termo extraído por Sigmund Freud do vocabulário militar para designar uma mobilização da energia
pulsional que tem por conseqüência ligar esta última a uma representação, a um grupo de representações ,
a um objeto ou partes do corpo. No Brasil também se usa “catexia” (Roudinesco, 1998, p.398).
48
Ainda segundo Laznik Penot, muitas crianças autistas falam de si
mesmas na segunda pessoa (fenômeno não próprio nem do autismo nem da
psicose), ou seja, retomam um enunciado tal qual lhe é dirigido. “Poderíamos
dizer que seu discurso não lhe vem do Outro sob sua forma invertida, mas
diretamente. Se invertesse os pronomes, poderíamos ter a ilusão de que é ele,
enquanto sujeito, quem fala, ao passo que, desta maneira, sua alienação no
discurso do Outro fica patente” (1997, p.26).
Quanto à fala de uma criança, ela afirma que se trata de algo que ainda
não tem como objetivo a comunicação, é na verdade, ainda, um mero efeito de
uma descarga motora. Ela é enunciada sem direção, ou seja, não é dirigida a
ninguém, é uma massa sonora. Porém, esses sons se tornam mensagem para
quem a recebe, no caso um terceiro, assim gerando efeitos posteriores sobre
aquela criança, efeitos estes como ela própria se reconhecer como agente
daquela mensagem. Também em um bebê normal, é importante que um Outro
- a mãe, por exemplo - acredite que há mensagem no som produzido por seu
filho. E que essa mensagem seja dirigida a alguém, a ela, principalmente. A
mãe passa a fazer certos cortes desses enunciados do bebê, e passa a dar
significado a eles, assim o devolvendo ao seu filho. Quanto a esse aspecto, a
autora se pergunta:
49
“aquela que, normalmente, ocupa o lugar de Outro tem, também,
de sustentar uma posição dupla, dilacerante e contraditória: ser a
mãe que, graças a uma tradução permanente dos gritos e sons
proferidos, permitirá à criança fazer passar sua demanda pelo
desfiladeiro do significante que ao mesmo tempo o alienará e ser,
por outro lado, aquela que, apesar de saber antes que a criança
saiba, deixa-se ultrapassar por ela.” (Laznik Penot, 1997, p.142)
50
representações, que as articulam por deslocamento e condensação” (1997,
p.58). O aparelho psíquico de autistas bem pequenos funciona “aquém do
recalcamento originário, portanto, aquém do registro da segunda inscrição,
denominada por Freud inconsciente” (1997, p.59).
51
- ESTEREOTIPIAS
Condutas estereotipadas, segundo Laznik Penot (1997), podem ser
entendidas como comportamentos que, “apesar de serem reiterados até o
esgotamento, não são da ordem da compulsão à repetição (...)” (p.70). Já que
são:
52
CAPÍTULO 5 – ANÁLISE DO CASO
53
pais. Porém, parece que isso não correu no caso de Joey. Para Freud (1914), o
filho é a prolongação do narcisismo parental, ou seja, os pais conduzem aos
seus filhos diversos desejos e demandas que se relacionam com a história dos
desejos edipianos parentais. O que parece ter de algum modo falhado nos pais
de Joey.
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relata que Joey chorava muito, sofria de cólicas e sua mãe seguia um rígido
horário para alimentá-lo e o trocava apenas quando necessário, ou seja, pode-
se perceber que a mãe do garoto, nesses momentos de choro e desprazer do
bebê, não tinha a preocupação em apaziguar o desprazer de seu filho, em dar
uma resposta que o remetesse rapidamente em estado de equilíbrio. Isso deixa
claro que ela não se preocupava em interpretar seus ruídos e gritos como algo
dirigido a ela e que nem supunha que naquele corpinho de bebê haveria um
sujeito. O que teve como conseqüência que, de fato, não houvesse um sujeito
em Joey, apenas traços, que não compunham uma unidade do ponto de vista
psíquico.
55
mãe e o bebê, ocorria uma irritabilidade e uma descarga de energia negativa
sobre o bebê, fazendo com que provavelmente Joey fosse, aos poucos,
associando que se relacionar com os outros fosse algo sofrido.
56
mãe, mas também seu carinho depositado no filho, seu olhar e seu toque
especial, sua maneira carinhosa de se comunicar tanto pela fala quanto pelos
gestos com ele, ou seja, a suposição de haver um sujeito naquele bebê, tudo
isso é de essencial importância para que o mesmo se constitua, de fato, como
sujeito. Ocorrendo falha nesta multiplicidade de investimentos libidinais, o bebê
se vê impossibilitado de construir uma estruturação narcísica primária. Isso
seria o apoio para se estabelecer relações com o mundo, mas devido aos
entraves das relações primárias, essa estruturação não pode ocorrer.
Como não havia olhar materno desejante, Joey nunca tomou a posição
ideal aos olhos de sua mãe, ou seja, a mesma não investiu libidinalmente em
seu bebê como um bebê perfeito, nem sequer como um bebê. Por conta disso,
Joey não foi visto pelo desejo do Outro. Assim, pensando na questão do
estádio do espelho, o tempo em que se deveria constituir o eu e todo o campo
imaginário e simbólico, indispensável ao advento da subjetivação, fica claro
que, na primeira infância do garoto, este estádio não ocorreu. Como
conseqüência disso, Joey também não encontrou seu valor de objeto causa de
desejo em sua mãe, o que antes era preciso estar estabelecido no olhar dela e
não estava. Isso foi um dos motivos para que Joey se fechasse autisticamente.
O pai de Joey era militar e durante seus primeiros meses de vida, por
um período ele foi transferido a trabalho, portanto Joey e sua mãe moraram
57
sozinhos por certo tempo. Durante esse período, a mãe do garoto passou a
sentir-se exausta fisicamente, preocupando-se apenas com si própria e,
segundo o autor, passando a deixar freqüentemente o garoto sozinho no berço
ou no parque, o que comprova que Joey foi de certa forma ignorado.
Após alguns meses o pai voltou a morar junto com a mãe, mas a partir
de Bettelheim, nem as tensões internas e nem as incertezas frente à guerra
aliviaram, uma vez que para o casal esse período foi o mais difícil. Segundo
Rocha (1997), na clínica com crianças autistas tem-se observado que os pais
sempre relatam algum acontecimento marcante para a família durante os
primeiros meses de vida do bebê. E geralmente não percebem quais as
conseqüências de tal acontecimento, e tampouco o relacionam com o bebê.
Levando isso em consideração, pode-se notar que no caso de Joey, este
período vivido como o mais difícil para os pais de Joey pode ter sido uma das
causas para, tanto a mãe quanto o pai, terem se afastado de Joey, ou seja, não
o ver como objeto de desejo. Outro fato importante que não deve ser ignorado,
é que, segundo autor, tanto a mãe quanto o pai do garoto viram o casamento
entre eles como um reparo de relacionamentos mal sucedidos anteriormente.
58
uma forte ligação do garoto com o ventilador. E pode-se analisar, também, que
é a partir desse presente que Joey passa a demonstrar seu interesse por
máquinas e movimentos giratórios, o que viria a se perpetuar durante os anos
de sua vida.
59
uma mensagem, mensagem esta dirigida a alguém. Portanto, ela falhou na
função materna de dar significado à massa sonora emitida pelo garoto, fazendo
com que assim ela se mantivesse. Laznik Penot afirma que para a maioria dos
pais de crianças autistas, tal questão é aspecto de grande dificuldade.
60
segunda pessoa, esse é um fenômeno não próprio do autismo. Isso pode ser
entendido no sentido de que Joey retomava um enunciado tal qual lhe era
dirigido, ou seja, sua fala não lhe vinha do Outro sob sua forma invertida, mas
sim diretamente. Assim, sua alienação no discurso do Outro fica evidente, ao
passo que se re-invertessem os pronomes, pareceria então que Joey seria o
sujeito de sua fala.
61
ele alimentava-se apenas de substâncias físicas e não de emoções. Assim,
privava a comida do sabor e do cheiro e substituía essas qualidades por
características táteis” (p.261). Concordo com a análise do autor, e compreendo
que a abstração não se sustentava, o que se sustentava era apenas a
realidade concreta:
62
então Joey se apegou excessivamente ao ventilador, foi com esse objeto, uma
máquina de movimento giratório, que Joey criou seu vínculo. E quando esse
vínculo se rompia o garoto se desorientava, pois de certa forma, era com ele
que tinha que haver relação com a realidade - a realidade das pessoas e não a
das máquinas. Porém, essa realidade trazia-lhe desconforto.
63
Aos seis anos, por atingir a idade limite permitida pela escola maternal,
ele foi transferido para um rígido internato religioso, e segundo descrição de
Bettelheim, Joey perdeu muito do que havia evoluído, pois voltou a um mundo
despersonalizado, ou seja, a um mundo em que ele percebia não haver mais
investimento sobre ele, em que provavelmente ele mais uma vez foi
abandonado, ao passo que, naquele momento de seu desenvolvimento, Joey
precisava de alguém que acreditasse que nele havia um sujeito a advir. O autor
descreve que o garoto, nessa época, se dirigia somente à mãe, e aos
sussurros. E não era mais capaz de usar pronomes pessoais e nem de chamar
as pessoas pelo nome. Regrediu consideravelmente, portanto.
Depois Joey teve que voltar a morar em casa com seus pais, mas nessa
mesma época, Joey ganhou uma irmãzinha, a qual foi vista como objeto de
desejo de seus pais, e veio a se constituir como sujeito. Então Joey presenciou
sua irmã recebendo todo o carinho e atenção de sua mãe, o que ele sempre
desejou ter e nunca teve, e em contrapartida sua mãe novamente o ignorava.
Levando-o a comprovação, mais uma vez, de que o mundo externo trazia a ele
sofrimento. Segundo Bettelheim, mais uma vez ele “aprendeu que sentir é ser
destruído; que só completamente insensível é que podia sobreviver”
(Bettelheim, 1967, p.266). Joey então, por não suportar tal sofrimento, veio a
cometer uma grave tentativa de suicídio.
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que rapidamente tornava-se impessoal, desligada e desinteressada, a ponto de
não conseguir falar sobre Joey, até que mudasse de assunto, falando de outras
pessoas ou de si própria. Bettelheim entendeu que era como se Joey nunca
tivesse feito parte de sua mãe. Pode-se analisar que para a mãe de Joey, essa
era uma questão difícil. Ao que parece, essa mãe se culpava pelo autismo de
seu filho, uma vez que, segundo Laznik Penot (1997), em geral o autismo
realmente é vivido pelas mães como um fracasso de sua parte. Porém, mães
de autistas não devem ser culpadas pelo autismo de seus filhos, mas sim
responsabilizadas pelo futuro subjetivo deles. A mãe de Joey falhou em exercer
sua função materna, porém isso ocorreu de maneira inconsciente, não
intencional por parte da mãe do garoto, mesmo porque foram momentos
difíceis - já discutidos acima – os que ela estava vivendo durante os primeiros
meses de vida de Joey.
65
puberdade. Portanto, Calligaris ajuda a pensar o cuidado que devemos ter para
diagnosticar uma criança e não acabar prendendo-a neste diagnóstico. Não
sabemos que efeito o diagnóstico de Joey teve sobre os pais, portanto não
temos como afirmar que o diagnóstico interferiu no desenvolvimento do garoto.
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CONCLUSÃO
Os objetivos propostos foram alcançados uma vez que foi afirmado pela
literatura que, além da função materna ter essencial importância para a
constituição do sujeito, a falha dessa função, que ocorre de modo inconsciente
por parte das mães, pode levar a uma constituição autística, tendo sido isso o
que ocorreu no caso de Joey. O garoto, durante seus primeiros meses de vida,
foi ignorado pelos pais, sua mãe principalmente, assim não foi objeto de desejo
de seus pais e nem estimulado a se constituir psiquicamente como sujeito.
Porém, após alguns anos de sua vida, ao iniciar tratamento terapêutico, em
que havia pessoas acreditando que nele havia um sujeito a advir; e se
colocando no lugar de Outro primordial, Joey apresentou muitas significativas
evoluções.
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abordar as falhas da função materna na primeira infância do garoto, ele
mostrou as conseqüências que isso pôde trazer na constituição psíquica de
Joey. A análise do caso se deu através da psicanálise de linha francesa, para
que se pudesse fazer uma análise diferente da já feita. Portanto, quanto a
metodologia e o caso escolhido, podemos dizer que mostraram-se eficazes
para o estudo.
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Retomando a justificativa, é importante estudar o autismo, pois apesar
de sempre existir, sua discussão é muito recente. E além de ser um assunto de
muitas controvérsias, principalmente quanto a sua etiologia, a Psicanálise tem
um olhar importante para o assunto. Ela tem justificativas fundamentadas que
podem ajudar no estudo sobre o autismo. Uma delas é a de que a função
materna desempenhada, não necessariamente pela mãe, tem fundamental
importância na constituição psíquica do bebê, havendo falhas nessa função a
constituição psíquica do bebê pode se dar de maneira autística.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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