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Google Classroom sob a ótica de Simondon (2020) e suas repercussões em

práticas educacionais em tempos de pandemia - entre tecnofobia e tecnofilia.


Andrea da Silva Castagini Padilha

Não é incomum que ao utilizarmos muito uma tecnologia, um artefato tecnológico


ou um objeto técnico, este se incorpora à sua rotina de tal forma que se naturaliza, e não
pensamos sobre como ela é constituída, quais intenções ela oculta desde sua concepção
até a forma que está sendo utilizada. Simplesmente, a usamos para obtermos a ação que
dela esperamos. Gilbert Simondon (2020), convida a pensar os objetos técnicos em sua
concepção e modo de existência. Nesse texto, o objeto técnico analisado é o aplicativo
Google Classroom, da empresa Google, que em 2020 e 2021 foi globalmente utilizado
para mediar o ensino remoto, imposto pela pandemia COVID-19.
Segundo a empresa Google, “O Google Sala de aula é o seu lugar tudo-em-um
para ensino e aprendizagem. Nossa ferramenta segura e fácil de usar ajuda os
educadores a gerenciar, medir e enriquecer as experiências de aprendizagem. 1” Essa
ferramenta foi criada em 2014, pelo gerente de produtos educacionais do Google e ex-
professor de matemática Zach Yeskel, com a finalidade de ser um repositório que
ajudasse no gerenciamento de experiências de aprendizagem. Ele afirmou que em 2020 o
uso da ferramenta ultrapassou 150 milhões de usuários (como chamam as pessoas com
contas Google que utilizam esse recurso tecnológico) 2.
Para situar o modo de existência do objeto técnico Google Classroom vamos
descrevê-lo, e analisá-lo quanto sua concretude e abstração, se é um objeto aberto ou
fechado e dentro das informações disponíveis, como foi construído. Em 2014 o anúncio
do Google Classroom se deu como uma ferramenta que possibilitaria “mais ensino e
menos tecnologia”3. O Google justifica que com esta ferramenta o professor conseguirá
“passar mais tempo ensinando e menos tempo mexendo em papéis” 4. Isto porque a
proposta do Google Classroom é ser uma sala de aula virtual, na qual professor e alunos
poderão se relacionar com os conteúdos curriculares, na forma de lições, vídeos,
documentos, tarefas e avaliações. Há também espaço para envio de materiais de estudo,
das tarefas que os alunos fazem digitalmente e um mural para interação por texto.

1 em: https://edu.google.com/products/classroom/ Acesso 13 Ago. 2021.


2 em: https://www.abruc.org.br/atualidade/clipping/melhor-ensino-remoto-nao-e-tela-o-dia-todo-diz-
criador-do-google-classroom Acesso 13 Ago 2021.
3 em https://cloud.googleblog.com/2014/08/more-teaching-less-tech-ing-google.html Acesso 13 Ago
2021.
4 em https://cloud.googleblog.com/2014/08/more-teaching-less-tech-ing-google.html Acesso 13 Ago
2021.
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O recorte de análise da ferramenta dará ênfase no modo de existir do Google
Classroom sob o ponto de vista dos usuários (professores e alunos). Isto porque nos
interessa nesse momento, a filosofia da técnica e da tecnologia que possa entender o
objeto técnico Google Classroom e sua relação com os humanos, sua inconcretude e
consequências para o contexto educacional que estamos vivendo. Podemos então,
entendê-lo como um LMS (Learning Management System - Sistema de gerenciamento de
aprendizagem), que é um software criado para gerenciar e organizar materiais de
treinamento online. Entende-se por sistema um conjunto de coisas que trabalham juntas
como parte de um mecanismo ou rede. No ambiente digital, esse sistema é o conjunto de
linhas de programação que constituem o software. E com ele, é possível gerenciar todo
curso online, ou trilha de aprendizagem na internet.
Todo sistema de gestão de aprendizagem é constituído ao menos em duas partes:
interface do administrador e a interface do usuário. Por interface, entende-se a página
disponível para os usuários personalizarem (e não as linhas de programação que
resultam nessa página). No caso do Google Classroom, o administrador aqui é o
professor que pode criar e organizar todos os materiais que julgue necessário o aluno ter
acesso. Já a interface de usuário é como o Google Classroom se apresenta, com menos
possibilidades de ação na plataforma, para os alunos. Outros LMS como o Moodle
apresentam a possibilidade de personalizar interfaces para diferentes papéis
(coordenador, orientador de EaD, professor e alunos), configurando acessos e
permissões diferentes a cada um dos perfis determinados.
Ao criar uma turma no Google Classroom, o professor tem acesso a quatro abas:
Mural, Atividades, Pessoas e Notas. Para o aluno não aparece a aba Notas. O professor
pode criar postagens, atividades, perguntas, avaliações, envio de materiais em qualquer
formato digital, além de poder configurar a turma para recebimento de notificações por e-
mail das atividades enviadas pelos alunos. O papel do aluno é mais passivo, ele recebe
as notificações de atividades, e ao entrar na turma online, consome o material proposto
pelo professor e executa as tarefas propostas.
A ferramenta Google Classroom pode ser entendida como um objeto técnico
segundo Simondon (2020) porque não tem cidadania, no sentido de que pode ser
adaptada para quaisquer disciplinas curriculares, formação de professores ou de equipes,
ou apenas um repositório organizado de materiais e propostas de atividades online
disponíveis a um grupo com interesses comuns.
Além disso, Simondon (2020) afirma que um objeto técnico é algo que contém em
si sua evolução, exemplificando com o motor a gasolina. O Google Classroom, também

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tem essa característica, pois desde seu lançamento em 2014 passou por diversas
atualizações, e alterações, incorporando funcionalidades e melhorando algumas já
existentes, tendo como Simondon fala, uma continuidade de sua invenção até sua forma
atual. Pode-se dizer que essa ferramenta sai do abstrato para um nível mais concreto.
Segundo Cupani, Simondon (1989, in CUPANI, p.60, 2016) analisa a gênese e evolução
do objeto técnico, para evitar classificações.
Ainda, como apontado por Cupani ao se referir a Simondon (CUPANI, p.60, 2016),
de início o objeto técnico é um conjunto de partes externas umas a outras, cada uma
intervindo num determinado momento para produzir o funcionamento do conjunto. Para
ingressar em uma turma Google Classroom, é necessário ter um e-mail Gmail, que tem
sua funcionalidade clara, e lá dentro dependendo da intencionalidade pedagógica,
acessar outras ferramentas, como videoconferência via Google Meet, avaliações no
Google Formulário, ou outro recurso que o professor tenha programado. Além disso, o
Classroom também se liga à Agenda Google do professor e alunos, criando
automaticamente compromissos (de entrega de trabalhos ou avaliações) para ambos.
Assim, são partes ou recursos distintos que trabalham conjuntamente durante a utilização
dessa ferramenta, chegando a uma unidade (“sintética”).
Essas partes que convergem dentro da turma Google Classroom, pode ser
entendida também dentro dos três níveis de mundo propostos por Simondon (2020). O
primeiro, diz respeito ao elemento (SIMONDON, 2020), historicamente situado no século
18, e os objetos técnicos existem para melhorar constantemente a vida humana, sem
ameaçar hábitos tradicionais. Nesse nível, as tecnologias seriam acessórias, não
disputando espaço com o professor. A presença do Google Classroom no seu início se
assemelhava a um blog, um repositório onde o professor colocaria materiais selecionados
por ele para enriquecimento de conteúdos dos alunos.
O segundo nível, chamado do indivíduo por Simondon (2020) traz a visão das
máquinas como antagonistas do ser humano, numa visão que leva à tecnofobia. Há na
educação uma resistência dos professores quanto ao uso de tecnologias digitais, um
exemplo é o convênio firmado entre a SEED/PR e o Google que data de 2017, mas que
apenas por ocorrência da pandemia COVID-19, em 2020, a mantenedora e professores
passaram a usar e conhecer os recursos educacionais atrelados a tal convênio. Entender
essa possível visão tecnofóbica requer analisar diversos pontos. Desde a formação dos
professores para conhecer e utilizar tecnologias digitais, passando pela infraestrutura das
escolas, necessária para o pleno funcionamento desses recursos, como também do
próprio modo de existência desses objetos técnicos. Originariamente, as tecnologias

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como internet e redes sociais não foram pensadas para ambientes educacionais, mas
para o comércio.
No caso do Google Classroom, ele utilizou de partes existentes para ser pensado
dentro do ambiente virtual educacional. Os feedbacks e alterações que desde 2014 até o
presente momento, mostram a redução progressiva das funções de estruturas, definindo
o progresso técnico nas palavras de Simondon. Cupani (2016), destaca o trecho em que
“o objeto técnico existe, pois, como um tipo específico obtido ao
final de uma série convergente. Esta série vai do modo abstrato ao
modo concreto: ela tende para um estado que faria do ser técnico
um sistema completamente coerente consigo mesmo,
completamente unificado” (SIMONDON, 1989, p. 23, in CUPANI,
p.60, 2016).

Atualmente, vemos as partes que constituem o Google Classroom, mas ele


funciona como um só aplicativo. Sobre as causas econômicas e políticas que podem
afetar a evolução de um objeto técnico, Simondon entende que estas existem, mas o que
predomina na evolução seriam as causas técnicas. O Google oferece o Google
Classroom de forma gratuita (com menos recursos) e também em convênios pagos para
escolas e universidades (com algumas funcionalidades a mais). A forma que ele
desenvolve a evolução desse recurso é baseado nos comentários e solicitações dos
usuários (feedbacks). O que os usuários apontam que incomoda mais é colocado na
frente para o desenvolvimento técnico.
Simondon (in CUPANI, 2016) fala de uma “evolução técnica natural”, onde um
objeto técnico pode evoluir gerando uma família de outros objetos. Nos recursos
estudados há dentro do Google Classroom outros objetos técnicos, atrelados à sua
evolução, como o Google Meet (videoconferência) e Google Formulários.
Simondon (2020) afirma que um objeto técnico é abstrato, primitivo, ocupando um
lugar intermediário entre o objeto natural e a representação científica. Traduz-se essa
primitividade se suas partes e princípios científicos funcionam separadamente, vinculados
apenas pelas consequências convergentes de sua produção para o efeito buscado
(CUPANI, 2016). O objeto técnico move-se para a concretude, ou evolução, quando se
aproxima do modo de existência dos objetos naturais, isto é, tem coerência interna. Ao
evoluir, o objeto perde sua artificialidade, suas partes funcionam sem exigir interferências
externas. Simondon entende a artificialidade de um objeto como o fato do homem precisar
intervir para mantê-lo existindo, protegendo o objeto do mundo natural. No nosso objeto
técnico, é necessário a intervenção do homem para que o objeto Google Classroom seja
acessado e utilizado, pois sem a presença do professor ou mesmo da mantenedora, o

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recurso seria ignorado.
Há níveis de concretização técnica nativa no Google Classroom, por exemplo, o
professor pode programar a reutilização de atividades e materiais para determinado dia e
horário e a programação do Classroom atuará sem a necessidade da intervenção no dia e
hora programados. A existência do recurso dentro da conta Google também fica fora da
dependência de humanos, sendo tudo já programado, de forma estável, entretanto, como
Simondon (2020) aponta, “todo objeto técnico possui em alguma medida aspectos de
abstração residuais”.
O Google Classroom é um objeto técnico que remonta à comunicação digital, por
e-mail, ou aos primórdios da educação à distância via cartas enviadas pelo correio.
Entretanto, há nesse objeto o que Simondon chama de “hiperteleologia”, uma "sobre
adaptação funcional” ao tempo e espaço que vivemos agora. Não seria possível enviar via
carta um vídeo ou áudio, e com esse objeto técnico isso ocorre. Assim, este objeto
técnico existe em um meio técnico-geográfico (sendo que ele pode existir em qualquer
território porque também existe de forma virtual na Internet). A adaptação-concretização
que ele sofre gera um novo meio, chamado de meio associado. Assim, o Google
Classroom enquanto objeto técnico tem em si a condição de existência e do seu meio
misto, técnico e “geográfico” ao mesmo tempo. O meio ao qual ele está é o digital, online,
sendo utilizado de diversas formas, mas a técnica que o constitui se mantém (porém,
pode ser direcionada pelas mudanças no meio associado). É o que Simondon (2020)
apresenta como a naturalização do homem, que cria um meio técnico geográfico possível
pela inteligência humana, que auto condiciona o esquema de funcionamento do objeto
técnico às suas necessidades.
Essa evolução técnica que tratamos até aqui é possibilitada e explicada por
Simondon (2020) como “tecnicidade”. Esta nada mais é do que a qualidade do uso, aquilo
que nele se acrescenta a uma primeira determinação dada pela relação entre forma e
matéria. E que aumenta o grau de concretização do objeto. Almeja ultrapassar o mero uso
que ignora a essência do objeto técnico. Ao fazer isso, estes seriam percebidos e usados
como “portadores de informação sobre esquemas funcionais” [...] testemunhas da
maneira como o ser humano elaborou o modo de agir sobre o mundo (CUPANI, 2016).
A evolução passada de um ser técnico fica como algo essencial
desse ser sob a forma da tecnicidade. O ser técnico, portador da
tecnicidade [...] não pode ser objeto de um conhecimento adequado
a menos que este último capte nele o sentido temporal da sua
evolução: este conhecimento adequado é a cultura técnica, diferente
do saber técnico que se limita a captar na atualidade esquemas
isolados de funcionamento [...] (SIMONDON, 1989 in CUPANI, p.60,

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2020).

A tecnicidade presente no Google Classroom é gradual e contínua, uma vez que


suas características são alteradas conforme a necessidade explicitada pelos professores
e estudantes. Entretanto, a relação entre professores e este objeto técnico não superou a
visão utilitarista. Ainda pensando na essência e no uso, pode-se dizer que o Google
Classroom é uma ferramenta industrial, o que lhe dá um grau de concretude, termo de
Simondon (2020) a objetos técnicos que estão evolucionando, e seus sistemas funcionam
“organicamente”, mas por outro ainda tem traços de abstratividade, pois esta ferramenta
passa por atualizações que podem ser inclusive por pressões externas.
A artificialidade do Google Classroom é relativa, no olhar de Simondon (2020), pois
sem a ação do professor, a ferramenta, ainda que disponível, existe como uma casca
vazia. Depende da ação humana do professor, de acessar, inserir materiais, criar
atividades para que de fato exerça a função para a qual foi criado. Assim, pode-se dizer
que há artificialidade, pois precisa da ação humana para continuar existindo e protegendo
do mundo natural (que neste caso, poderíamos comparar com a sala de aula presencial
sem o uso de tecnologias digitais). Durante o ano de 2020, a SEED criou linhas de código
para acompanhar as milhares de turmas criadas no Google Classroom para a rede
estadual. Entre as funções dessas linhas, havia a possibilidade de replicar materiais
gravados e editados pela secretaria de educação, automaticamente em cada uma das
salas virtuais.
Quanto à relação entre homem e objeto técnico Simondon (2020) há duas
maneiras, chamadas por ele de estatuto de minoridade e estatuto de maioridade (social)
das técnicas. A minoridade relaciona o aprendiz que se torna artesão e o objeto técnico é
objeto de uso, e não exige reflexão. A maioridade é relacionada à vida adulta livre, na
qual o homem reflete sobre o objeto técnico e suas técnicas, aproximando-o da figura do
engenheiro. Simondon (2020) afirma que aprendiz e engenheiro são fatores humanos
pelos quais a técnica se incorpora à cultura. A técnica do engenheiro está ligada à cultura
enciclopédica e à dominação da natureza, enquanto a técnica artesanal parece se
integrar à Natureza. A parte da programação que existe no Google Classroom está ligada
à primeira técnica, enquanto o uso que professores podem fazer do recurso é mais
artesanal.
Assim, somando os pontos elencados anteriormente, entende-se a postura de
parte do professorado que não se sente confortável e vê as tecnologias como
adversárias, que podem atrapalhar sua ação pedagógica e a aprendizagem. Uma das

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possibilidades é a formação permanente que ultrapassa o simples uso reducionista do
objeto técnico por sua função, mas também o entendimento de quais as forças sociais,
econômicas e políticas que transitam no seu modo de existir.
O terceiro mundo ou nível apontado por Simondon (2020) refere-se aos conjuntos
técnicos, os quais reportam a era da informação. Os conjuntos são semelhantes às redes,
e nesse sentido é o que mais se aproxima do objeto técnico analisado neste texto. No
nível dos conjuntos o grupo em uma consciência da sua relação com o objeto técnico,
com juízos de valor diversificados, no caso estudado, parte do professorado pode ver o
Google Classroom como uma ferramenta que os auxilia em determinadas tarefas,
enquanto outros podem discordar, entendendo o objeto técnico como uma forma de
controle e poder sobre as ações dos professores. Simondon analisa esse terceiro nível,
correspondendo-o ao progresso otimista do século XVIII e a melhoria das tecnologias e
também ao progresso pessimista e dramático do século XIX, que via a substituição do
humano pelo indivíduo-máquina, por não enxergar a natureza do homem como portador
de ferramentas - e, portanto, concorrente da máquina -, mas inventor de objetos técnicos
capazes de resolver problemas de compatibilidade entre as máquinas num conjunto. O
tecnólogo que entende as máquinas e as cria ou regula, no nosso estudo não faz parte
dos usuários, sejam professores ou alunos. São os engenheiros do Google, inalcançáveis
pelos usuários comuns. O engenheiro coordena e organiza a relação mútua que as
máquinas mantêm, como Cupani (2016) exemplifica:
Mais do que governá-las, ele as compatibiliza, é agente e tradutor de
informações de máquina para máquina, intervindo na margem de
indeterminação contida no funcionamento da máquina aberta, capaz
de receber informações. O homem constrói a significação das trocas
de informações entre máquinas. (SIMONDON, p.41, 2020)”

Assim, os usuários do Google Classroom, tem uma determinação limitada no


funcionamento da máquina, pois no caso desta não permitir uma ação que eles
necessitem, não conseguem atuar sobre ela diretamente, devendo enviar sugestões à
empresa que, se for de seu interesse, poderá implementá-las na ferramenta, por
intermédio de seus engenheiros (tecnólogos).
Ainda sobre a tecnofobia em relação ao Google Classroom, é importante pontuar
que no ano de 2020, os professores tinham pouca ou nenhuma autoria nos materiais que
eram colocados em suas turmas. Nesse sentido, a automatização dessas salas virtuais
poderia diminuir os postos de trabalho de professores na rede estadual pública do
Paraná? O limite de uma turma virtual como essa é de até 1000 alunos e 20 professores.
Em outros contextos educacionais a situação é apontada por Carvalho (2020, p. 111, in

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MANCEBO, 2020) no qual o ensino remoto foi vantajoso para empresas educacionais,
pois reduziu o gasto de folha de pagamento, havendo um número menor de professores
para maior quantidade de estudantes, uma vez que o número de pessoas estudando pela
internet pode ser muito superior ao que comporta uma sala de aula.

Posicionamentos e caminhos possíveis

Nesse ensaio analisamos o Google Classroom, que pode ser entendido como um
LMS, enquanto um objeto técnico segundo Simondon (2020), e assim em que medida ele
é abstrato ou concreto, em quais mundos ou níveis pode ser classificado e de que
maneira a tecnicidade atua sobre ele enquanto ferramenta utilizada pela rede pública
estadual do Paraná. Ainda assim, não é possível desconsiderar as influências
corporativas, econômicas e políticas na opção de uma ferramenta como esta, a qual
pertence a uma grande corporação de tecnologia de informação - Alphabet/Google
(MANCEBO, 2020). Mancebo (2020) alerta que estas corporações têm objetivos
econômicos e políticos claros e que nem sempre coadunam com o que se almeja no
campo educacional. É importante ficar alerta para que a utilização da ferramenta seja uma
extensão positiva da ação docente e não a substituição do mesmo pela máquina, ou que
esta seja instrumento para precarizar as relações de trabalho no ambiente educacional.
Sendo o homem o depositário da tecnicidade e que quanto mais este atua sobre o
objeto técnico Google Classroom, mais traz concretude à ferramenta, tomamos aqui o
posicionamento de que este recurso pode ser um auxiliar na prática pedagógica dos
docentes da rede pública estadual do Paraná, desde que alguns pontos estejam
presentes nas escolas e na própria Secretaria de Educação.
O primeiro refere-se à formação permanente para desenvolver o conhecimento da
ferramenta, a nível de existência da tecnicidade na forma do instrumento, propiciando ao
homem, ser um portador da ferramenta, em uma espécie de simbiose instintiva com o
objeto técnico usado em determinado meio, segundo a intuição e o conhecimento
implícito, quase inato (SIMONDON, 1989 in CUPANI, p.40, 2016). Entende-se aprender
sobre a ferramenta como o modo de existência do objeto técnico, sua evolução, as forças
políticas e econômicas que regulam seu devir e, como o professor pode utilizar da
ferramenta para facilitar suas ações, consciente das forças econômicas e políticas que
também atuam sobre o objeto técnico.
O segundo ponto é determinar os limites de abstração e concretização da
ferramenta, dando ao professor possibilidades de autoria e domínio do objeto técnico

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Google Classroom, dentro das possibilidades impostas pela empresa que o desenvolve.
O quanto de autonomia a ferramenta possibilita ao professor e o quanto de tempo ela
pode poupar em tarefas burocráticas? Quanto a SEED estaria disposta a disponibilizar
(de formações e também de autonomia, versus a possibilidade que a ferramenta dá de
controle e auditoria das turmas no Estado inteiro?)
Ao entender o modo de existência do Google Classroom, é possível relacioná-lo
com outras opções disponíveis, e analisar quais atendem melhor os anseios educacionais
da rede estadual de ensino no Paraná. Isso seria o que Simondon chama de consciência
técnica, posicionando os professores entre os pólos de artesão e engenheiro, entre a
cultura enciclopédica e técnica, fomentando uma atitude adequada em relação ao mundo
técnico. Para Simondon (2020) a exterioridade das máquinas com relação ao ser humano
é uma alienação, isso porque a máquina não prolonga o esquema corporal, e que
precisamos de uma cultura tecnológica, só possível quando nos familiarizarmos com o
modo de existir e funcionar das máquinas. O primeiro passo é saber lidar bem com os
elementos técnicos da máquina (operar os comandos do Google Classroom) mas também
conhecer o funcionamento do conjunto técnico (quais as engrenagens que fazem os
engenheiros otimizar uma função no Google Classroom em detrimento de outras, para
assim evitar a alienação tanto do operário quanto do capitalista).
Por fim, é necessário desenvolver o que Simondon chama de cultura tecnológica
(SIMONDON, 2020), a qual necessita compreender as máquinas, no sentido de como são
constituídas suas partes e seus conjuntos técnicos. Entender os esquemas de
funcionamento e sua evolução são tão importantes quanto entender as formas que
momentaneamente tomam os elementos e indivíduos técnicos. Assim se desenvolvem os
tecnólogos, pessoas responsáveis para com o mundo técnico e que detém a sabedoria
técnica. Eles seriam os representantes dos setores técnicos perante os que elaboram a
cultura em sentido tradicional (escritores, artistas e contribuíram para a uma mediação
entre a técnica e o poder.
Na estrutura da educação pública estadual do Paraná, esses profissionais
poderiam ser professores que atuam nos núcleos regionais de educação, na função de
assessores pedagógicos das coordenações regionais de tecnologias educacionais
(CRTE), que antes de 2007 eram técnicos pedagógicos dos Núcleos de Tecnologia
Educacional (NTE) e tinham a função de assessorar os demais profissionais da educação
na utilização e pesquisa de tecnologias educacionais diversas. Defendo o posicionamento
de que esses profissionais são mais necessários do que já foram em algum ponto da
nossa história educacional.

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Referência Bibliográfica

CUPANI, Alberto. Filosofia da tecnologia: um convite / 3. ed. – Florianópolis :


Editora da UFSC, 2016.

GOOGLE. Mais ensino, menos tecnologia. O Google Sala de Aula é lançado hoje.
Disponível em: <https://cloud.googleblog.com/2014/08/more-teaching-less-tech-ing-
google.html> Acesso 13 Ago 2021.

MANCEBO, Deise. Trabalho remoto na Educação Superior brasileira: efeitos e


possibilidades no contexto da pandemia. Revista USP. São Paulo. n. 127. p. 105-116 •
outubro/novembro/dezembro 2020.

SIMONDON, Gilbert. Do modo de existência dos objetos técnicos. Trad. Vera


Ribeiro. 1ªed. Rio de Janeiro: Contraponto. 2020.

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