Você está na página 1de 12

Introdução

O estudo do circuito magnético é uma das etapas mais importantes na conceção de um


equipamento elétrico. Em conjunto com circuitos elétricos, forma uma ferramenta poderosa de
modelagem. É através desse estudo que, por exemplo, é possível fazer um telefone com um peso
reduzido ou instalar motores elétricos em espaços exíguos, como no caso de submarinos. É por
esse tópico, portanto, que iniciaremos nosso curso.
Em princípio, todos os equipamentos eletromagnéticos devem ser projetados e analisados pela
aplicação das leis do eletromagnetismo.
Todavia, duas dificuldades surgem de imediato:
1. Por utilizarem grandezas vetoriais, as equações de Maxwell devem ser resolvidas em
cada ponto do domínio em estudo;
2. A resolução analítica de equações integrais ou diferenciais não é fácil na maioria dos
casos, face à complexidade das geometrias dos dispositivos sob estudo.
Uma estratégia para contornar essas dificuldades é a utilização de grandezas escalares e da
simplificação criteriosa da geometria de forma a obter uma solução aproximada. É importante
esclarecer que, embora aproximada, essa solução pode se adequar bem aos fins desejados. É essa
estratégia que será empregada a seguir.
Linhas de Campo e Linhas de Fluxo
Ao longo do texto, onde os exemplos adotados são bidimensionais, ou seja, as grandezas B estão
no plano do papel, utilizaremos o termo “linhas de campo” ou “linhas de fluxo”, dependendo do
contexto. Acreditamos que, neste início de curso, é preferível um entendimento do fenômeno ao
invés de nos lançarmos em manipulações matemáticas. Desta forma, “linhas de campo” serão
entendidas como a direção que o campo magnético H e a indução magnética B assumem num
determinado espaço. É o equivalente à conformação das limalhas de ferro quando expostas a um
campo magnético de um ímã, conforme mostrado na fig. 1.
Linhas de campo

Fig. 1: Limalhas de ferro em presença de campo magnético.

Muito embora o fluxo magnético Φ seja uma grandeza escalar, assumiremos como “linhas de
fluxo” a mesma direção da indução magnética B, uma vez que elas estão relacionadas pela
expressão:
r
Φ  Bds

Uma analogia apropriada é o uso que fazemos de “setas” quando queremos representar a corrente
elétrica I num circuito elétrico. Nesse caso, também temos uma grandeza escalar I que segue o
caminho de numa grandeza vetorial, a densidade de corrente J. Lembrando que:

s
rr
I  JdS

Numa definição mais rigorosa para exemplos bidimensionais, “linhas de campo” e “linhas de
fluxo” recebem o nome de linhas equipotenciais, as quais se referem ao potencial vetor
magnético A, que é definido por:
r r
BA

O Material Ferromagnético
Para entendermos o comportamento magnético de um material ferromagnético, vamos iniciar
com o que ocorre a nível atômico. Para tanto, vamos utilizar o modelo de Bohr para um átomo
simples composto do núcleo e de um elétron, conforme mostrado na fig. 2.

Fig.2: Modelo de Bohr.


Por esse modelo, o átomo produz um campo magnético gerado pela órbita do elétron em torno
do núcleo e pelo spin do elétron, de forma que, pela ação destes dois fenômenos, o átomo possui
um momento magnético, ou seja, ele é um dipolo magnético ou um minúsculo ímã.
Nos materiais ferromagnéticos, por conta de uma interação quântica, esses dipolos se agrupam e
formam domínios e cada domínio possui um único momento magnético. A figura 3, feita por
microscópio eletrônico numa amostra de chapa de Fe, mostra claramente as divisões entre os
domínios. As setas indicam os momentos magnéticos dos domínios.

Fig. 3: Domínios magnéticos numa chapa de Fe.

Sem nenhuma excitação externa, os momentos magnéticos dos domínios estão orientados
aleatoriamente, o que faz com que, em termo macroscópico, uma chapa de Fe, por exemplo, não
tenha um momento preferencial, uma vez que os momentos dos domínios se cancelam entre si.
Todavia, na presença de um campo magnético externo, os momentos magnéticos dos domínios
de um material ferromagnético tendem a se alinhar com esse campo e quanto maior o campo,
maior o número de domínios com os momentos alinhados. A figura 4 apresenta,
esquematicamente, essa dinâmica de alinhamento dos momentos magnéticos num material
ferromagnético.

a. Sem campo externo b. Com campo externo.


Figura 4: Influência do campo externo nos momentos magnéticos

Essa característica de alinhamento dos momentos magnéticos na presença de um campo externo


faz com que as linhas de campo passem preferencialmente pelo material ferromagnético,
aumentando o valor do fluxo Φ e da indução B no seu interior.

Para ilustrar essa propriedade, a figura 5a mostra uma distribuição das linhas de campo de B no
ar (por exemplo, podemos imaginar que se trata do magnetismo da Terra). A presença de um
material ferromagnético altera essa distribuição, fazendo com que as linhas de campo passem
preferencialmente pelo material ferromagnético, o que é ilustrado na fig.5.b.

a. No ar. b. Na presença de material ferromagnético.

Figura 2: Linhas de campo de B.


Os materiais ferromagnéticos mais conhecidos são o Fe e suas ligas, como o FeSi, FeNi etc.
Esses materiais são muito utilizados em dispositivos eletromecânicos (máquinas elétricas,
atuadores, transformadores, etc.) com o intuito de “canalizar” e aumentar o valor da indução B e
do fluxo
Magnético Φ .
Essa propriedade de facilitar a passagem das linhas de campo é quantificada pela grandeza
conhecida como permeabilidade magnética a qual é representada pela letra grega μ. Para se ter
7
uma idéia, a permeabilidade magnética do ar, conhecida
0 por 0 , vale   4.10 [H / m] ,
enquanto que as dos materiais ferromagnéticos são alguns milhares de vezes superior.
Normalmente, a permeabilidade de um material é representada por seu valor relativo em relação
material
a  , ou seja,  

Para este início de curso, os materiais ferromagnéticos serão supostos lineares, isso significa que
a permeabilidade magnética μ será considerada constante, de forma que a relação
constitutiva B = µH seja linear. Na prática, essa relação é não-linear devido a duas
características dos materiais
Ferromagnéticos conhecidos por saturação magnética e histerese. Mas a não linearidade não será
tratada neste início de curso.

O Circuito Magnético – Equação Básica


Para entendermos o desenvolvimento matemático, vamos admitir um indutor composto de um
núcleo ferromagnético e uma bobina de N espiras, conforme mostrado na fig. 3.
1

Fig.3: Indutor

1 - Núcleo Ferromagnético
2 - Bobina N espiras
3 - Seção Transversal
A fig.4.a, mostra a representação bidimensional desse indutor. Fazendo uma corrente I circular
pela bobina, no sentido indicado na fig.4.a, sabemos, pela “regra da mão direita”, que surge um
campo magnético H no interior do núcleo ferromagnético no sentido horário.
Vamos adotar um caminho médio ℓm, conforme indicado na figura 4b, e aplicar a equação de
Maxwell que rege essa situação, qual seja, ∫H.dℓ=NI . Considerando um campo magnético médio
Hm sobre o caminho ℓm, a integral toma a forma:
Hm. ℓm=NI
Sabemos, da relação constitutiva, que B = µH, assim:
Bℓ/µ = H
Multiplicando e dividindo o termo à esquerda pela seção transversal S do núcleo, temos
ℓBS/ µS=NI

O Circuito Magnético – Analogia com o Circuito Elétrico

Observando a equação mm   é imediata a sua associação com a Lei de Ohm. De fato, se
fizermos uma analogia entre ambas, podemos construir a Tabela I apresentada a seguir:

Circuito Magnético Circuito Elétrico


mm   em  RI
mm  NI : Força magnetomotriz [A esp] em : Força eletromotriz [V]
 : Relutância magnética [Aesp/Wb] ou [H-1] R: Resistência elétrica [Ω]
 : Fluxo magnético [Wb] I: Corrente [A]
μ: Permeabilidade magnética [H/m] σ: Condutividade elétrica [S/m]
1 1
  : Relutividade magnética [H-1m]   : Resistividade elétrica [Ωm]
 

Circuitos Magnéticos Lineares


Consideremos o dispositivo da figura abaixo, onde o núcleo é formado por um material de
permeabilidade magnética µ.
Fig.4. Um circuito magnético simples.
Pela aplicação da lei de Ampére a este circuito teremos:

L H  dL NI

Considerando que H possui módulo constante ao longo do caminho médio L percorrido pelo
fluxo magnético Φ, mostrado na figura teremos:

N IH L
¿
H∝
l

O produto N I é o responsável pela condução do fluxo no circuito magnético, desempenhando o


papel de uma fonte. Daí ele ser conhecido por força magneto motriz (Fmm).

Circuito Magnético Circuito Elétrico


Fmm = N.I Fem = V
Fluxo Magnético = m Corrente elétrica = I
Relutância =  Resistência Elétrica = R
Permeabilidade =  Condutividade = 
Permeância = 1  Condutância = G1 R

Circuitos Magnéticos Não Lineares


São considerados não lineares todos os circuitos magnéticos que utilizem materiais
ferromagnéticos, dotados de permeabilidade magnética alta, tais como o ferro fundido, o aço
silício, o aço fundido, a ferrite etc. A maioria dos circuitos magnéticos de aplicação prática são
não lineares e a permeabilidade dos materiais ferromagnéticos torna-se variável em função da
indução ou densidade de fluxo magnético B no núcleo.
Exemplo:
As dimensões da estrutura magnética na fig. 14.5 estão indicadas na tabela em seguida. O
enrolamento de excitação possui 100 espiras. Determine a corrente neste enrolamento para
estabelecer um fluxo de 1.5x10-4 (Wb). Despreze a dispersão do fluxo magnético, considerando-
o todo confinado ao núcleo. Utilize as curvas de magnetização mostradas no final deste capítulo.
2 1 H2l2

H1l1
NI

Fig.5. Estrutura ferromagnética Fig.6. Circuito elétrico análogo

Mat. 1 - Ferro Fundido Mat. 2 - Aço-Silício


lm 0.2 m 0.4 m
S 15x10-4 m2 15x10-4 m2

Fator De Empacotamento (ou fator de laminação)


Quando um material ferromagnético é colocado na presença de um campo magnético variável no
tempo, correntes parasitas (ou correntes de Foucault) serão induzidas em seu interior,
provocando perdas de energia com o aquecimento do material. A redução deste fenômeno é
obtida com o núcleo de dispositivos eletromagnéticos construído com chapas ou lâminas de
material ferromagnético, isoladas entre si (por exemplo, com verniz), conforme pode ser
ilustrado na fig.7.
Assim, devido ao processo de empilhamento das chapas para montagem do núcleo, a área efetiva
do material ferromagnético, Smag atravessada pelo fluxo torna-se menor que a área geométrica,
Sgeom ocupada pelo núcleo. Pode-se então definir um fator de empacotamento ke como sendo a
relação:
s ( mag )
K∝
s ( geom )

Fig.7. Núcleo Laminado


Outra razão de natureza prática para a laminação do circuito magnético é a de facilitar a
colocação das bobinas no dispositivo visando à construção e a manutenção.

Circuitos Magnéticos Com Entreferros


Alguns dispositivos eletromagnéticos, tais como instrumentos de medidas, motores, relés etc, por
serem constituídos de uma parte fixa e outra móvel, possuem um espaço de ar lg na sua estrutura
magnética. Este espaçamento ou interstício promove o acoplamento entre as partes sob o ponto
de vista magnético para que o fluxo se estabeleça por um caminho fechado. A este espaço é dado
o nome de “entreferro" (ou "air gap" em inglês).

Fig.8. Estrutura magnética com entreferro.


Ao cruzar o entreferro, o fluxo magnético sofre um fenômeno chamado de espraiamento
(frangeamento, espalhamento, efeito de bordas), conforme pode ser visto da fig.9. Isto faz com
que a área efetiva por onde passa o fluxo se torne maior que a área S geométrica do entreferro.

Fig.9. Campo magnético em um entreferro.


Seja uma área de secção reta S = a x b retangular e o entreferro de comprimento lg. Então, de
uma forma prática, podemos calcular a área aparente ou efetiva do entreferro Sg através da
relação:
Sg (a lg ).(blg ) (m2 )

Indutância própria

Para o indutor da figura 3, com uma bobina de N espiras, podemos determinar a sua indutância
própria a partir da definição de indutância própria, qual seja:
2
NΦ ¿
L∝
I
obtemos que: Φ∝ R que resulta: L∝ N
R
Portanto, da expressão observamos que a indutância própria do indutor:
é diretamente proporcional ao quadrado do número de espiras N;
é inversamente proporcional à relutância, ou seja, quanto maior a permeabilidade magnética
do núcleo, menor será a relutância e maior será a indutância própria. Portanto, indutores com
núcleo ferromagnético têm indutâncias próprias bem superiores àqueles com núcleo de ar.

Indutância mutua
A colocação de mais uma bobina nos núcleos imois a necessidade de definirmos o fluxo mutuo
entre as bobinas. Por consequência, podemos também definir uma indutância mutua associada a
esse fluxo, que e expressa por:

M = N I1

Note que a indutância mútua M foi definida alimentando-se primeira bobina e deixando a
segunda bobina em aberto (I2=0). Podemos, entretanto, também definir uma indutância mutua
(M21) alimentando-se a segunda bobina e eixando a primeira bobina em aberto.
No exemplo em questão, devido a simetria e a regularidade do caminho magnético para o fluxo
mutuo entre as bobonas 1 e 2, podemos assumir que M12=M21=M.
Conclusão
Circuitos magnéticos são empregados com o intuito de concentrar o efeito magnético em uma
dada região do espaço. Em outras palavras, este circuito direciona o fluxo magnético para onde
for desejado, sendo dotado de materiais com certas propriedades magnéticas e dimensões, a
partir de uma variedade de seções e diferentes comprimentos. Cumpre salientar aqui que as
características magnetizantes dos materiais são de natureza não linear, o que deve ser levado em
conta nos projetos de dispositivos eletromagnéticos. A título de exemplos poderíamos citar a
determinação da corrente elétrica requerida em um enrolamento para produzir uma dada
densidade de fluxo no entreferro de um pequeno atuador, de um relé ou de um eletromagnete.
Referências bibliográficas

Você também pode gostar