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TÂNIA MARLENE FURTADO MOREIRA

2º Ciclo em Estudos Literários, Culturais e Interartes

O SUBLIME em AMOR DE PERDIÇÃO

de CAMILO CASTELO BRANCO


2013

Orientador: Prof. Doutor Luís Adriano Carlos

Faculdade de Letras da Universidade do Porto


AGRADECIMENTOS

Ao Sr. Prof. Doutor Luís Adriano Carlos, pelo exemplo intelectual, tão inspirador
quanto insuperável, deixo eternamente impressa a minha mais profunda gratidão.

À Sr.ª Prof.ª Doutora Joana Matos Frias, agradeço o modo profícuo e estimulante com
que conduziu os seminários de Teoria Estética e de Estética Comparada.

Ao Centro de Estudos Camilianos, manifesto o meu reconhecimento pela solicitude


com que sempre fui recebida.
ÍNDICE

NOTA PRELIMINAR 5
INTRODUÇÃO 6

Primeira Parte
TRÂNSITO DO SUBLIME

I. 1. Origem e evolução do sublime:


de Pseudo-Longino a Edmund Burke 11

I. 2. A emancipação do sublime e o Romantismo 32

I. 3. O sublime e a teoria do génio 43

Segunda Parte
O SUBLIME EM AMOR DE PERDIÇÃO
DE CAMILO CASTELO BRANCO

II. 1. O pacto autobiográfico como pacto estético 54

II. 2. Espaço e tempo do sublime 63

II. 3. O obscuro 75

II. 4. Simão e o sublime criminal 90

II. 5. O prazer negativo 103

CONCLUSÃO 111

BIBLIOGRAFIA 113
«[...] Without a strong impression nothing can be sublime»

Edmund Burke, A Philosophical Enquiry


NOTA PRELIMINAR

Para a realização deste estudo, usou-se como referência a edição crítica e


genética de Amor de Perdição elaborada por Ivo Castro1. Por razões
metodológicas, cita-se sempre a versão crítica, impressa nas páginas ímpares
do volume. Essas citações não excluíram a consulta da recente edição crítica
publicada pelo mesmo editor, que veio corrigir um conjunto mínimo de gralhas
de pouca monta cometidas, por lapso, naquela edição2. Além destas, a edição
executada sob direção de Maximiano de Carvalho e Silva também foi de
consulta indispensável3.
Excecionalmente, Amor de Perdição surge sempre referenciado, em nota de
rodapé, com a sigla AP e respetiva indicação de página.
Por motivos de coerência linguística e fluidez de leitura, os excertos
transcritos a partir de originais em língua estrangeira foram traduzidos sob a
minha responsabilidade. Mantiveram-se, no entanto, no original os textos
literários ou outros que, por motivo especial, o tenha justificado.
O texto da dissertação, bem como as traduções de originais em língua
estrangeira, segue o Acordo Ortográfico de 1990, conforme a legislação em
vigor, mas conservou-se as variantes ortográficas das transcrições de originais
em língua portuguesa.
A Bibliografia Ativa de Camilo Castelo Branco, apresentada no final,
compõe-se das obras do autor que, por razões de diversa índole, estabeleceram
uma relação com o assunto tratado nesta dissertação.

1
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, ed. genética e crítica por Ivo Castro, Lisboa,
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2007.
2
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, ed. crítica por Ivo Castro, Lisboa, Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, 2012.
3
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição: Memorias duma Familia, reprodução
fac-similada do manuscrito, em confronto com a edição crítica, segundo plano organizado e
executado sob a direção de Maximiano de Carvalho e Silva, estudo prévio histórico-literário de
Aníbal Pinto de Castro, Rio de Janeiro / Porto, Real Gabinete Português de Leitura / Lello &
Irmão, 1983.
INTRODUÇÃO

Volvidos 150 anos sobre a sua publicação, Amor de Perdição alcançou,


definitiva e incontestavelmente, um lugar consagrado na história da literatura
portuguesa. O tempo encarregou-se de confirmar a suspeita do seu autor,
quando, num lance visionário, projetou o sucesso do seu romance para o então
futuríssimo século XXI4. A posteridade encarregar-se-á também de a
confirmar.
Ler Amor de Perdição pode ser entendido como um exercício de violência
na medida em que o leitor é atingido pela força orgânica do verbo que perturba
a alma até à camada mais superficial da derme. Romance poderoso, arrasta o
leitor5 para um modo sensível a que só a literatura de génio sabe transportar,
esse sensível que é «a marca por excelência da condição humana»6. A
intemporalidade deste texto manifesta-se radicalmente na profícua
produtividade interpretativa que Longino reportava à obra sublime, num ensaio
certamente conhecido por Camilo, embora através das lentes normativistas dos
seus intérpretes neoclássicos7. Parece, pois, não ter sido em Peri Hupsous que
Camilo bebeu para se tornar o avatar português do génio romântico.

4
«Se, por virtude da metempsicose, eu reaparecer na sociedade do século XXI, talvez me
regozije de ver outra vez as lágrimas em moda nos braços da retórica, e esta 5.ª edição do Amor
de perdição quasi esgotada» (Camilo Castelo Branco, «Prefácio da Quinta Edição», pref. a
Amor de Perdição, ed. genética e crítica por Ivo Castro, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da
Moeda, 2007, p. 133).
5
Como bem notou Jacinto do Prado Coelho, o leitor de Camilo é convidado «não a
contemplar mas a deixar-se arrastar pelo turbilhão dos sucessos e emoções» (Introdução ao
Estudo da Novela Camiliana, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2001, p. 393).
6
Luc Ferry, Homo Aestheticus: A Invenção do Gosto na Era Democrática, Coimbra,
Almedina, 2003, p. 48.
7
Parecem suficientes as seguintes provas colhidas para confirmar o conhecimento direto da
obra Peri Hupsous por parte de Camilo: o verbete «Longino» no Dicionário Universal de
Educação e Ensino traduzido para português pelo escritor, o qual foi por este ampliado «nos
artigos deficientes em assumptos relativos a Portugal» (Porto / Braga, Livraria Internacional de
Ernesto Chardron e Eugenio Chardron, 1873, Vol. I, s/n); nessa mesma entrada, o enfático
elogio tecido à tradução do ensaio levada a cabo por Filinto Elísio: «São [sic] juizo, estylo
energico, eloquencia competente, são predicados que realçam n’esse livrinho brilhantemente
traduzido por Francisco Manoel do Nascimento» (idem, Vol. II, p. 93; itálico meu); a
existência das Obras de Filinto Elísio, em 22 tomos, na biblioteca pessoal de Camilo,
elencadas com o número 686 no Catalogo da Preciosa Livraria do Eminente Escriptor
7

O termo «sublime», nominalizado ou adjetivado, surge frequentemente nas


bibliografias ativa e passiva de Camilo, mas amiúde como termo não-marcado,
esvaziado de toda a densidade concetual que carrega. Não obstante, o escritor
mostra discernir essa carga semântica e usa, por vezes, o termo em sentido
específico, apelando a um conhecimento e a uma experiência emanados da sua
arte verbal. Quanto à vertiginosa torrente de estudos camilianistas, verifica-se a
recorrência desse termo, porém frequentemente sem uma fundamentação
rigorosa, numa aplicação simplista entre o superlativo do belo e o estilo
empolado. Exemplo paradigmático encontra-se logo na primeira obra escrita
sobre Camilo, a biografia que o seu amigo Vieira de Castro compôs quando o
romancista se encontrava preso na Cadeia da Relação do Porto. Certo é
também que a emergência do sublime na estética camiliana não depende da
presença ou ausência do termo que o identifica e não é raro encontrarmos
sublimidade em passagens em que o campo lexical não tem lugar, enquanto,
noutras passagens, se identifica o lexema onde nenhum sublime ocorre. A
verdade é que esta categoria estético-ética transita pela obra de Camilo numa
série quase insondável de metástases, chegando mesmo a aparecer, por meio de
uma cínica ironia, na definição do seu inverso, o baixo8.
Mas se é certo que a capital importância desta categoria para a fortuna
literária de Camilo subjaz em grande medida ao caudal interpretativo da sua
obra, não se realizou, até ao presente, nenhum estudo sistemático sobre este
imperativo analítico, se excluirmos pontuais apontamentos respigados

Camillo Castello Branco... incluído no volume Camillo Homenageado: O Escriptor da Graça


e da Belleza, Famalicão, Tipografia Minerva, 1920 (cf. p. 306); e referências dispersas pela sua
variada obra, que atestam a receção precetista que Camilo fez do teórico antigo, como se
verifica nesta passagem: «Ia nestes efeitos, desconhecidos nos códigos de Longino e
Quintiliano, o segredo da arte de vestir bem» (A Infanta Capelista, Lisboa, Labirinto, 1984, p.
82; itálico meu). Note-se, a propósito, que o opúsculo de Longino foi traduzido para português
por três vultos da nossa literatura neoclássica: Custódio José de Oliveira, Filinto Elísio e Elpino
Duriense.
8
Veja-se como exemplo o seguinte comentário do narrador num romance camiliano de tipo
burlesco como é Aventuras de Basílio Fernandes Enxertado: «Há desgraças tamanhas, que
chegam a ser sublimes! É pena que tais desgraças andem por sujeitos como Basílio! Deviam
ser exclusivo de homens não vulgares. / Seriam dez horas, quando Enxertado sentiu debilidade,
que ele, em sua consciência, chamava fome. Vejam o que é o estômago! Que desprendimento
das outras vísceras mais nobres! Que miserável saco de baixezas e imundícies!» (Porto, Lello
& Irmão, 1987, p. 64).
8

avulsamente na crítica camilianista9. Contudo, sem aplicarem o termo, é ao


sublime que os estudiosos reportam o valor iniludível de Amor de Perdição.
Miguel de Unamuno, num passo sumamente conhecido, classifica-o como «a
novela de paixão amorosa mais intensa e mais profunda alguma vez escrita na
Península»10. José Régio, num notável ensaio acerca do romance camiliano,
questiona-se: «A superioridade do Amor de Perdição não lhe virá, além de
outras razões, de em grande parte se manter a obra nesta suprema, e calma,
tensão? nesta depuração a que só os mestres chegam — nas suas
obras-primas?»11. E João Bigotte Chorão distingue a linguagem do romance
como sendo de uma «nudez essencial»12, que faz de Amor de Perdição um
poema13, quando já Jorge de Sena encontrara motivo para atribuir ao seu génio
criador o título de poeta14.
Urgia, portanto, a realização de um estudo que investigasse a
operacionalidade do sublime enquanto categoria central da estética camiliana.
Foi o que se propôs fazer neste trabalho, tendo como corpus essencial Amor de
Perdição, romance paradigmático do subgénero passional, de que Camilo foi
assíduo e exímio artífice.

9
Entre os estudos sistemáticos mais próximos desta intenção, contar-se-ão, de António do
Prado Coelho, Espiritualidade e Arte de Camilo (Porto, Livraria Simões Lopes, 1950), e de
Maria de Lourdes A., «Camilo e o Romantismo: A Retórica do Sentimento» (in AA. VV.,
Camilo: Leituras Críticas, Porto, Caixotim, 2003).
10
Por Tierras de Portugal y de España, Renacimiento, Madrid, s/d, p. 20; itálico meu.
11
«Camilo, Romancista Português», in Ensaios de Interpretação Crítica: Camões, Camilo,
Florbela, Sá-Carneiro, Lisboa, Portugália, 1964, p. 133; itálicos meus.
12
«Camilo e a Tradição Narrativa Camiliana», Tellus, 13, Vila Real, Julho de 1985, p. 38.
13
Cf. João Bigotte Chorão, «Apontamentos e Desapontamentos Camilianos», Tellus, 19,
Vila Real, Julho de 1990, p. 15: «A novela faz-se então poema, e aí está o modelo insuperável
do Amor de Perdição — uma tragédia em prosa, como o Frei Luís de Sousa».
14
Cf. «Em Louvor de Camilo», in Estudos de Literatura Portuguesa — I, Lisboa, Edições
70, 1982, p. 119: «Se fosse uso da terminologia crítica em Portugal chamar a todos os criadores
literários, quando pelo vigor da expressão são mais do que literatos, ‘poetas’, estariam
resolvidos os problemas que é costume levantar em torno do prestígio e do génio de Camilo,
porque foi ele, e é, um dos grandes poetas da língua portuguesa. […] A pura beleza trágica de
Amor de Perdição, a lancinante melancolia de Romance de um homem rico, a áspera narrativa
de O esqueleto, a subtil complexidade de Onde está a felicidade, a profusão teatral de
Brasileira de Prazins — para que citar mais, se fica sempre algo por citar? — revelam grande
poesia, daquela grande poesia que pode ser ou não ser apenas lirismo, em que pese àqueles
para os quais a poesia é um dejecto lírico em verso (ou prosa que ‘até’ pareça verso…), não
excedendo a meia dúzia de páginas. Trágico, épico, lírico, satírico — tudo isso foi Camilo. De
tudo isso, e de um mágico poder encantatório, se compõe o seu pessoalíssimo estilo».
9

A produção de um trabalho de natureza dissertativa exige um esforço de


elevação a que todo o conhecimento, enquanto processo de transmutação
qualitativa, conduz. Poder-se-á, nesse sentido, afirmar que realizar uma tese
sobre um romance como Amor de Perdição, de um autor cuja envergadura se
situa ao nível de emblema ficcional do Romantismo português15, se afigura um
desafio para gigantes. Difícil não sucumbir ao sublime dinâmico que autor e
obra formam. O choque e o bloqueio associado são, por vezes, a resposta mais
imediata. Aliado a isso, o que já não é pouco, soma-se o sublime matemático
das intermináveis listas de bibliografia ativa e passiva, que impõem um espírito
de seleção implacável16. Não ceder à petrificação diante desse monumental
edifício exigiu uma constante prova de resistência. No entanto, acima disso,
imperou a adição camiliana17, analgésico da angústia, quantas vezes num ápice
transformada em entusiasmo transbordante. Escrever acerca de Amor de
Perdição de Camilo Castelo Branco, ser seu intérprete, foi, por isso, a origem
de um intenso gozo, misto de prazer e dor, um vibrante fascínio18.

15
Como escreve José-Augusto França: «Ele será o romancista no quadro do romantismo
português» («Camilo ou a Opção da Desventura», in O Romantismo em Portugal: Estudo de
Factos Socioculturais, Lisboa, Livros Horizonte, 1999, p. 281).
16
Neil Hertz, num artigo intitulado «The Notion of Blockage in the Literature of the
Sublime», disserta sobre a proliferação assustadora das bibliografias vertiginosamente
abundantes (in The End of the Line: Essays on Psychoanalysis and the Sublime, Nova Iorque,
Columbia University Press, 1985).
17
Foi Eugénio Lisboa quem, no âmbito de um colóquio de camilianistas, explorou o
fenómeno de adição provocado pela leitura das obras de Camilo, considerando-se ele próprio
um bom exemplo de viciado ou drogado em Camilo (cf. «(Con)viver com Camilo», in João
Camilo dos Santos (ed.), Proceedings of the Camilo Castelo Branco International Colloquium,
Santa Barbara, University of California — Center for Portuguese Studies, 1995).
18
Escreve Abel Barros Baptista: «O leitor de Camilo passa por uma experiência de leitura
invulgarmente espessa e turbulenta, e também não se escreve sobre Camilo ao abrigo daquela
tranquilidade seráfica com que alguns tocam órgão na missa das onze. Eu diria que todo o
leitor de Camilo vive, nessa experiência de leitura, um drama específico, desde logo
engendrado pela sua própria resistência, mas sobretudo pelo texto que se lhe apresenta sem
provas e defesas, frágil e vulnerável, isto é, um texto que ele, leitor, não tem qualquer
necessidade de ler (Camilo e a Revolução Camiliana, Lisboa, Quetzal, 1988, pp. 21-22).
Primeira Parte

TRÂNSITO DO SUBLIME
ORIGEM E EVOLUÇÃO DO SUBLIME:
DE PSEUDO-LONGINO A EDMUND BURKE

Faltava ainda um ser mais sublime que estes, mais capaz de


conter uma alta inteligência, que pudesse reger os outros.
Nasceu então o homem. Este, ou o fez de semente divina
aquele artífice do universo, a origem do mundo melhor;
ou então a terra recente, separada há pouco do alto éter,
talvez ainda contivesse sementes do céu, seu parente, terra
que o filho de Jápeto, misturando com água da chuva,
moldou à imagem dos deuses que governam tudo.
E se os outros animais, dobrados para baixo, olham o chão,
conferiu ao homem uma cara virada para cima, e instruiu-o
a olhar para o céu e a erguer o rosto erecto para os astros.
Deste modo, o que há pouco era terra em bruto e sem forma
transformou-se e assumiu formas de homens jamais vistas.

Ovídio, Metamorfoses

O homo erectus terá sido o primeiro hominídio a manipular o fogo,


elemento que representa a capacidade criadora do homem assemelhada ao
enigma do poder sobrenatural. A própria imperfectibilidade da espécie humana
propulsionou a sua evolução e elevação, através das forças mediadoras da
vontade e do entendimento, num ser constituído pela tridimensionalidade do
logos, do pathos e do ethos, em cuja interseção reside a sua ascendência sobre
o mundo. O sentido de elevação e de superioridade do homem relativamente às
outras espécies foi atestado desde sempre pelas mitologias ocidentais da
cosmogénese, nomeadamente através da verticalidade física característica do
ser racional, como mostra Ovídio, nas Metamorfoses19. Segundo Hesíodo, na
versão mais antiga que serviu de fonte a Ovídio, tudo terá começado no dia em
que os deuses se separaram dos homens. Prometeu, o filho do titã Jápeto,

19
Observe-se a similitude do intertexto bíblico relativamente à espacialização ontológica do
homem face aos outros seres e à sua aparência divina: «Deus, a seguir, disse: ‘Façamos o
homem à Nossa imagem, à Nossa semelhança, para que domine sobre os peixes do mar, sobre
as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra.
Deus criou o homem à Sua Imagem, criou-o à imagem de Deus’» (Bíblia Sagrada, Lisboa,
Difusora Bíblica, 1992, p. 18; itálicos meus).
12

desafia a inteligência do pai dos deuses, que o castiga desapossando os homens


de um bem essencial, o fogo. O consequente castigo de Zeus incita a insolência
do herói, que comete segundo crime, roubando o fogo do mundo divino para o
restituir ao mundo humano. Essa ousadia resulta muito cara aos homens, que
são amaldiçoados com a presença eterna do «belo mal»20.
O fogo, «hieróglifo de coisa humana»21, representa portanto a origem dos
males provocados pela sede de superação. Elemento destruidor, torna-se o
símbolo da criação humana. Heraclito via nele o princípio fundador da vida e
por inerência o elemento da transmutação da matéria22. O fogo é, afinal, a
«substancialização do Logos»23, cuja luz do entendimento consagra a elevação
do homem pela razão que constitui a dignidade humana, tema coroado pelos
pensadores da modernidade renascentista. Assim, o sublime institui-se como
uma categoria da experiência humana onde confluem as mais variadas
disciplinas que concernem ao estudo do homem, da antropologia à política, da
ética à estética. Nele operam dois princípios interativos, o conhecimento e a
metamorfose, em que o ser humano é ao mesmo tempo objeto e sujeito de uma
transformação simultaneamente agónica e triunfante. Entre a contemplação e a
criação, a experiência humana realiza-se numa dialética da passividade e da
atividade que determina o destino do homem.
No pensamento grego antigo, de Homero a Platão, o preceito da excelência
— a aretê (ἀρετή) — fundava-se num conceito que aglutinava o belo (καλός) e
o bom (αγαθός) — a kalokagathia (καλοκαγαθία), o belo-bom —, síntese na
qual o princípio estético refletia o princípio ético-moral. Segundo o discípulo
de Sócrates, a beleza sensível é apenas o primeiro grau de um caminho
ascendente para a contemplação das Ideias. Em detrimento da efemeridade da
beleza física, Platão visa a eternidade imutável das Formas. Com efeito, apesar
de um encómio aparente aos corpos belos, o par Diotima-Sócrates, porta-vozes

20
Hesíodo, «Teogonia», in Teogonia / Trabalhos e Dias, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa
da Moeda, 2005, p. 60. Eis a origem do mito de Pandora, a primeira mulher. Aos encantos
femininos os antigos associaram um perigo terrível na medida em que implica um mal oculto
(cf. idem, pp. 60-61). Sobre o mito de Prometeu, cf. Hesíodo, «Teogonia», in op. cit., pp.
58-61; e «Trabalhos e Dias», in op. cit., pp. 93-95.
21
Giambattista Vico, Ciência Nova, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, p. 13.
22
Cf. Heraclito, Fragmentos Contextualizados, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
2005, pp. 69, 89, 97 e 109.
23
Jean Brun, Os Pré-Socráticos, Lisboa, Edições 70, 2002, p. 53.
13

do pensamento platónico, acaba por esvaziar esse valor iniciático do belo


material24. À atração contingente dos objetos, Platão prefere a impassibilidade
do «oceano sem fim do Belo»25, esse mundo suprassensível onde pairam num
estatismo extático as Formas ideais. A atualização fenoménica do belo não
interessa pois ao Académico, que encontra a perfeição petrificada nas Ideias
contempladas pela via anamnésica. Todo o discurso platónico é assim pautado,
no domínio estritamente noético, pela metáfora do espírito elevado que
marcará todo o pensamento ocidental26. A elevação platónica ergue-se em
direção ao Belo, que é afinal um conceito metafísico — ontológico e ao mesmo
tempo moral — esteticamente formulado. Considerado por Pseudo-Longino
um escritor sublime, um génio da linguagem, Platão vive obcecado pelo
inteligível, a «razão formosa»27, como lhe chama numa expressão cujo epíteto
se revela sobremaneira esclarecedor. O filósofo apresenta, portanto, uma
conceção sublime do Belo. Ao rejeitar a validade de um conhecimento
sensível, a metafísica platónica inibe a constituição de uma reflexão estética de
raiz filosófica — não havendo contudo autor que nela tenha sido mais influente
do que Platão —, reflexão essa que se vai encontrar no seu mais fecundo
discípulo28.

24
Cf. Platão, O Banquete, Lisboa, Edições 70, 1991, pp. 81-82; e A República, Lisboa,
Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, pp. 436-437.
25
Platão, O Banquete, op. cit., p. 82.
26
No trabalho de reconstituição etimológica levado a cabo no Crátilo, Sócrates refere: «a
visão do mundo superior recebe adequadamente este nome, ‘urânia’, porque olha para cima;
[...] é daí que provém a pureza do espírito, e é por isso que é correcto o nome atribuído a
Úrano» (Platão, Crátilo, Lisboa, Instituto Piaget, 2001, p. 61).
27
Platão, A República, op. cit., p. 132.
28
«A teoria platónica das Ideias, na sua conceção e fundação originais, não concede
nenhum lugar a uma estética autónoma, a uma ciência da arte. Porque a arte está presa à
aparição sensível das coisas da qual é impossível obter um saber rigoroso, mas sempre uma
opinião ou imaginação. [...] nenhuma outra teoria filosófica foi o ponto de partida de efeitos
estéticos mais duradouros e enraizados como este sistema que recusa à estética uma existência
própria e independente, portadora dos mesmos direitos. Não exageramos se afirmarmos que no
fundo toda a estética sistemática surgida até ao presente na história da filosofia foi e continuou
a ser platonismo» (Ernst Cassirer, «Eidos et Eidolon: Le Problème du Beau et de l’Art dans les
Dialogues de Platon», in Écrits sur l’Art, Paris, Les Éditions du Cerf, 1995, p. 29). Discípulo
de Cassirer, Erwin Panofsky mostrou a pregnância platónica na reflexão sobre o fenómeno
artístico, desde Cícero ao Neoclassicismo, na sua obra Idea: Ein Beitrag zur Begriffsgeschichte
der alteren Kunsttheorie (cf. Idea: A Evolução do Conceito de Belo, São Paulo, Martins
Fontes, 2000).
14

Contrariamente ao seu mestre, Aristóteles reconhece o estatuto cognitivo


das paixões, nomeadamente das que são suscitadas pelas artes, em geral, e pela
literatura, em particular. O pensamento estético aristotélico baseia-se
fundamentalmente no conceito de mimesis, o princípio da imitação subjacente
a toda a forma de arte e a partir do qual o sujeito estético sente prazer e efetua
aprendizagens. O prazer estético, em Aristóteles, pode assim ser descrito como
«objetivista e cognitivista, na medida em que ele procura explicar a experiência
estética em termos das características dos objetos estéticos (obras miméticas ou
de representação) e dos processos de reconhecimento e compreensão que esses
mesmos objetos requerem»29. A autenticidade da arte poética é agora
fundamentada pelo reconhecimento gnosiológico da dimensão sensível. Além
disso, a conceção aristotélica dos géneros épico e trágico, na Poética,
alicerça-se numa reflexão sobre o sublime — pese embora o termo não seja
contemplado pelo filósofo — enquanto categoria ético-estética. Note-se desde
já, a propósito, que, ao longo da sua história, este conceito mediará sempre, no
seu cerne, as dimensões estética e ética, não sendo possível refletir
convenientemente sobre o sublime sem ter em vista essa dialética intrínseca,
cuja origem remonta ao primeiro estudo sistemático conhecido sobre o assunto,
o ensaio Περὶ Ὕφους de Pseudo-Longino.
Mediante a genealogia poética traçada pelo Estagirita, a epopeia e a tragédia
teriam derivado de uma raiz comum: a imitação de ações virtuosas por seres
elevados. Aristóteles defendia assim um princípio ético na origem dos géneros
poéticos: «A poesia dividiu-se de acordo com o carácter de cada um: os mais
nobres imitaram acções belas e acções de homens bons e os autores mais
vulgares imitaram acções de homens vis, compondo primeiramente sátiras,
enquanto os outros compunham hinos e encómios»30. Por seu turno, o género

29
Stephen Halliwell, «Pleasure, Understanding, and Emotion in Aristotle’s Poetics», in
Amélie Oksenberg Rorty (ed.), Essays on Aristotle’s Poetics, Princeton, Princeton University
Press, 1992, p. 246.
30
Aristóteles, Poética, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2008, p. 43. Deste modo,
Aristóteles explica a bifurcação dos géneros: «Quando a tragédia e a comédia apareceram, dos
que se dedicavam a cada uma destas espécies de poesia, de acordo com a sua propensão
natural, uns tornaram-se poetas cómicos em vez de autores de iambos, e outros poetas trágicos,
em vez de autores épicos, pois que estas formas eram melhores e de maior mérito do que as
anteriores» (idem, p. 44).
15

trágico ter-se-ia desenvolvido a partir da poesia épica, e a Homero caberia a


paternidade da comédia e da tragédia31.
Num primeiro momento da Poética, a epopeia parece ganhar primazia sobre
a tragédia, pelo facto de conseguir gerar a ilusão da simultaneidade de ações e
desse modo resultar mais mimética e com maior poder de elevação. O efeito
estético de «grandiosidade» (megaloprepeia32) depende, por sua vez, dessa
energia conferida pela transição dos planos de ação. A aparente primazia do
género épico parece então justificada: o irracional (alogon) é a «principal fonte
de maravilhoso (thaumaston)», que «dá prazer», o que prova a natureza
propícia da epopeia para afetar o espetador. A singularidade da epopeia
impõe-se, além disso, no ethos do recetor: «se a forma menos vulgar é a
melhor, e essa é sempre a que se dirige aos melhores espectadores, é por
demais evidente que a que imita todas as coisas é extremamente vulgar» e por
isso «dizem que a epopeia é para espectadores distintos, que dispensam
completamente os gestos, e a tragédia para espectadores vulgares. Portanto, se
é vulgar, é evidente que será inferior»33. Desfazendo, porém, o equívoco entre
um texto trágico de má qualidade e uma representação dramática de
semelhante índole, Aristóteles valoriza a dimensão visível da tragédia enquanto
texto apenas lido e distingue a música (melopoiia) e a encenação (opsis) que
compõem todo o espetáculo dramático quando o texto é representado. Afinal, a
tragédia exibe «vivacidade tanto na leitura como nas representações»34. Por
outro lado, além de imitar numa extensão menor do que a epopeia, o género
trágico apresenta uma maior concentração da ação, o que viabiliza um efeito
estético mais lancinante quando comparado com a epopeia. A tragédia é então
consagrada pelo Estagirita como a mais superior das formas poéticas, definida
do seguinte modo:

31
Aristóteles define assim a semelhança entre os géneros trágico e épico: «A epopeia segue
de perto a tragédia por ser também imitação, com palavras e ajuda de metro, de caracteres
virtuosos» (idem, pp. 46-47; itálico meu).
32
Trata-se do grande em sentido figurado (cf. Roselyne Dupont-Roc e Jean Lallot, Notas a
Aristóteles, La Poétique, Paris, Seuil, 1980, p. 379, nota 7).
33
Aristóteles, Poética, op. cit., pp. 104-105.
34
Idem, pp. 105-106.
16

A tragédia é a imitação de uma acção elevada e completa, dotada de extensão, numa


linguagem embelezada por formas diferentes em cada uma das suas partes, que se
serve da acção e não da narração e que, por meio da compaixão e do temor, provoca
a purificação de tais paixões35.

A definição do género trágico integra assim, num mesmo eixo, o ethos, o logos
e o pathos: a ação elevada (praxis spoudaias) é imitada através de uma
linguagem temperada (logos hedysmenos) propendendo ao acometimento de
paixões (pathe) cuja purificação (catharsis) surte efeitos sobre o espetador. Se,
no entendimento do filósofo, a ação ou estruturação dos acontecimentos
(mythos) é «como que a alma da tragédia»36, são os caracteres (ethe) que
relevam das ações, não o inverso, uma vez que «não haveria tragédia sem
acção, mas poderia haver sem caracteres»37. Na medida em que a tragédia é
uma imitação de ações elevadas, o perfil do herói trágico — expressão
consagrada, no Renascimento, pelos comentadores italianos da Poética —
rege-se necessariamente pelo caráter elevado. Este modelo de pensamento
ostenta um significativo avanço relativamente ao de Platão, já que Aristóteles
está consciente de que a superioridade constitui uma categoria ética
intersubjetiva. E esta perceção repercute-se na imperfectibilidade intrínseca aos
caracteres superiores:

Uma vez que a tragédia é a imitação de homens melhores do que nós, deve
seguir-se o exemplo dos bons pintores de retratos: estes, fazendo os homens iguais a
nós e respeitando a sua forma própria, pintam-nos mais belos. Assim o poeta,
quando imita homens irascíveis, negligentes ou com outros defeitos deste género no
seu carácter, deve representá-los como são e, ao mesmo tempo, como homens
admiráveis, da mesma forma que Homero representou Aquiles nobre, mas modelo
de inflexibilidade38.

Ora, este critério torna-se fulcral para suscitar a simpatia do espetador ou leitor
— e consequentemente o seu temor e a sua piedade —, sem a qual não se
verifica a purificação destas emoções. Com efeito, a queda do herói trágico
deve decorrer, não de uma perversidade, mas de um erro (hamartia). Ora,

35
Idem, p. 48.
36
Idem, p. 50.
37
Idem, p. 49.
38
Idem, p. 69.
17

como mostra Nancy Sherman, a hamartia está associada ao caráter na medida


em que depende de um erro de cálculo mais ou menos evitável. Na verdade, o
herói que comete hamartia é sem dúvida alguém de caráter digno, que ao errar
não mostra senão a falibilidade inerente à própria natureza humana. Mas os
erros dos protagonistas trágicos distinguem-se pelos graus diferentes de
evitabilidade e, por conseguinte, pelos graus variáveis de comiseração que
provocam no espetador: Medeia, por exemplo, é neste caso mais condenável do
que Édipo39. Assim se compreende a identificação estabelecida com o herói
trágico: ao reconhecê-lo digno e ao mesmo tempo defetível, o espetador ou
leitor adere com compaixão à desgraça que o arrebata. Trata-se, afinal, de um
efeito mimético em que o recetor estabelece uma analogia — ele podia ser eu
— e a partir da qual aprende uma lição através de uma experiência diferida.
Quando Aristóteles define o modelo do herói trágico pensa portanto num
homem médio, nem divino, nem desprezível, com qualidades e defeitos, mas
inquestionavelmente nobre e distinto. É neste tipo que os aristocratas e os
cultos se reveem, e são estes supostamente os cidadãos passíveis de uma maior
elevação, porquanto a catarse aristotélica prevê uma progressão humana que
implica uma tomada de consciência através da capacidade de distanciação e de
alteridade conferida pelo processo de identificação40.
A catarse é, por sua vez, um dos conceitos aristotélicos mais problemáticos
e um dos que mais divergências críticas fomentou. Já Platão, na senda dos
pitagóricos, considerava, na República, a dimensão ética da música: além de
mostrar plena consciência do seu valor estésico, reconhecia a sua eficácia
educativa enquanto força irracional. Por sua vez, na Política, Aristóteles
corrobora a influência psicológica que cada um dos modos melódicos exerce
sobre o ânimo do ouvinte, o que faz da música a melhor de todas as artes. Na
verdade, Aristóteles sabe que a música escraviza o ouvinte, para usar a

39
Cf. Nancy Sherman, «Hamartia and Virtue», in Amélie Oksenberg Rorty (ed.), Essays
on Aristotle’s Poetics, op. cit., esp. pp. 184-188 e 189-192.
40
A este propósito, Baldine Saint Girons comenta: «Se o prazer trágico é
fundamentalmente educador em Aristóteles é porque o trágico se oferece à contemplação e
permite, graças à distância em que nos situa relativamente ao objeto, a sua meditação
prolongada. A purificação é produzida pela representação (dia mimeseôs), isto é, pela narrativa
trágica. [...] a catharsis dá a ver o trágico na medida em que o coloca fora do contexto
ordinário da vida e em que confere ao poema um estatuto autónomo» (Le Sublime: De
l'Antiquité à nos Jours, Paris, Desjonquères, 2005, p. 41). Cf. Giovanni Lombardo, A Estética
da Antiguidade Clássica, Lisboa, Estampa, 2003, pp. 94-95.
18

analogia de Pseudo-Longino41. Ao descrever o papel da flauta para a educação


do cidadão, o discípulo de Platão considera que não se trata de «um
instrumento moral mas sobretudo orgiástico, pelo que deve ser usada nas
ocasiões em que o espectáculo faculta uma purificação mais do que uma
aprendizagem»42. A potencialidade educativa da música extravasa, pois, o
sentido ético, combinando um poder moralizante racional com uma força
catártica irracional. Convém, por conseguinte, entender a catarse como um
mecanismo complexo e dinâmico, um concentrado de experiência emotiva e de
experiência racional, que, em Aristóteles, não podem ser concebidas
separadamente43.
Segundo o autor da Poética, a tragédia «deve imitar factos que causem
temor e compaixão (porquanto essa é a característica desta espécie de
imitações)»44. O temor (φóβoς) e a piedade (ελεος) são então as paixões
distintivas do trágico45. A piedade «consiste numa certa pena causada pela
aparição de um mal destruidor e aflitivo, afectando quem não merece ser
afectado, podendo também fazer-nos sofrer a nós próprios, ou a algum dos
nossos, principalmente quando esse mal nos ameaça de perto», enquanto «o
medo consiste numa situação aflitiva ou numa perturbação causada pela
representação de um mal iminente, ruinoso ou penoso»46. Emoções correlatas,
o temor e a piedade divergem no enfoque dado pelo sujeito estético perante o
agente afetado por um mal: no temor, predomina o sentimento de si, na
piedade, o sentimento do outro47. A compaixão implica uma certa forma de
ignorância, pois o destino é temível na medida em que é obscuro e gera um
41
Sobre o poder do discurso sublime, Pseudo-Longino escreve: «[...] a aparição não apenas
convence o ouvinte, faz dele também escravo» (Du Sublime, Paris, Payot & Rivages, 2008, p.
82; itálico meu). É esta a edição do tratado que se toma como referência daqui em diante.
42
Aristóteles, Política, Lisboa, Vega, 1998, p. 585; itálicos meus.
43
A este respeito, cf. a perspetiva de Andrew Ford, no artigo «Catharsis: The Power of
Music in Aristotle's Politics», in Penelope Murray e Peter Wilson (ed.), usic an t e uses
e ulture o ’ ousi ’ in t e lassical At enian ity, Oxford / New York, Oxford
University Press, 2004, pp. 309-336.
44
Aristóteles, Poética, op. cit., p. 61.
45
Para um entendimento da complexidade do conceito aristotélico pathos, cf. Stephen
eighton, «Aristotle and the Emotions», in Amélie senberg ort (ed.), Essays on
Aristotle’s Rhetoric, Berkeley, University of California Press, 1996.
46
Aristóteles, Retórica, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2006, pp. 184 e 174.
47
Cf. Nancy Sherman, art. cit., p. 182.
19

efeito de surpresa. Por outro lado, só há medo num estado de intermitência,


visto que a permanência de uma emoção resulta na sua natural extinção. Mas
Aristóteles nunca desprende a qualidade ética da qualidade estésica: a piedade
é gerada quando um mal recai sobre um caráter honrado, «uma vez que o
sofrimento é imerecido e surge diante dos nossos olhos»48. A evidência gerada
por essa dor proporciona a ideia de um mal impendente, o que fomenta o temor
do espetador e por inerência a sua integral simpatia. Enquanto a distância
anestesia, a proximidade excessiva petrifica. É pois necessário que o espetador
se situe numa posição de recuo suficiente para evitar o bloqueio da ação. De
outra forma, o agente definharia perante a inexorabilidade do mal, uma vez que
«Para que sintamos receio é preciso que haja alguma esperança de salvação
pela qual valha a pena lutar»49.
Não obstante a finalidade cénica do género trágico, Aristóteles, ao
evidenciar o papel do mythos, coloca a tónica no texto, desvalorizando os
elementos da música (melopoiia) e da encenação (opsis), isto num contexto
cultural em que a leitura privada de obras literárias se torna uma realidade.
Segundo o poeticista, é à techne poietike que se deve reportar a criação das
paixões da piedade e do temor:

O temor e a compaixão podem, realmente, ser despertados pelo espectáculo e


também pela própria estruturação dos acontecimentos, o que é preferível e próprio
de um poeta superior. É necessário que o enredo seja estruturado de tal maneira que
quem ouvir a sequência dos acontecimentos, mesmo sem os ver, se arrepie de terror
e sinta compaixão pelo que aconteceu; isto precisamente sentirá quem ouvir o
enredo do Édipo. Mas produzir este efeito através do espectáculo revela menos arte
e está dependente da encenação50.

No que diz respeito à elocução, Aristóteles aconselha, como em tudo, a justa


medida. Este princípio parece visar sobretudo a discrição da artificialidade
inerente à linguagem literária, princípio que será também defendido por

48
Aristóteles, Retórica, op. cit., p. 186.
49
Idem, p. 176.
50
Aristóteles, Poética, op. cit., p. 63. Neste sentido, Aristóteles observa: «Das restantes
partes constituintes da tragédia, a música é o maior dos embelezamentos, e o espéctaculo, se é
certo que atrai o espírito, é contudo o mais desprovido de arte e o mais alheio à poética. É que
o efeito da tragédia subsiste mesmo sem os concursos e os actores. E, para a montagem dos
espectáculos, vale mais a arte de quem executa os acessórios do que a dos poetas» (idem, pp.
50-51).
20

Pseudo-Longino no seu tratado. Aristóteles preconiza a clareza (sapheneia) que


viabiliza a evidência (enargeia) e, consequentemente, a simpatia do espetador.
No discurso elevado, a clareza deve associar-se ao estranhamento, pelo qual a
linguagem do quotidiano se distingue da linguagem literária, no sentido em que
a literatura apresenta um maior grau de suspensão contemplativa ou
arrebatamento, «pois as pessoas admiram o que é afastado, e aquilo que
provoca admiração é coisa agradável»51. A Aristóteles importa também a
adequação do discurso ao assunto, tendo em vista a verosimilhança, sem a qual
a mimesis não se efetiva. E é nesse mesmo intuito que o poeta deve exibir
naturalidade, na medida em que torna a adesão do espetador mais eficaz por
meio da evidência. Esta capacidade visual das palavras é preponderante na
poética aristotélica porque desse movimento suscitado por meio da linguagem
verbal resulta a supremacia do mythos sobre os demais elementos poéticos52. Já
em Pseudo-Longino, contudo, a enargeia assume diferentes contornos, ela é o
resultado de uma série de imagens que inebria o próprio leitor.
Composto provavelmente no século I d. C., Περὶ Ὕφους — Da Elevação —
foi, durante muito tempo, atribuído a Longino53. Influenciado pela tradição
platónica, mas também por Aristóteles e pelos Estóicos, Pseudo-Longino funde
poética, estética e retórica numa dialética cujo desígnio compreende o
exercício da força verbal sobre o leitor. Eis a natureza agónica de Peri
Hupsous, em que o sujeito, sem «a possibilidade de uma resistência»54,
sucumbe à dimensão esmagadora do verbo.
Se compararmos Peri Hupsous com a Epistola ad Pisones de Horácio,
verificamos que vários tópicos longinianos integram uma vasta tradição. Como

51
Aristóteles, Retórica, op. cit., p. 245. Por discurso elevado entenda-se aqui o conceito
aristotélico ogkos (ὄγκος).
52
Cf. idem, esp. p. 269 e ss..
53
Para o esclarecimento dos problemas filológicos e biográficos levantados pela obra
anónima, cf. Henri Lebègue, Introdução a Longino, Du Sublime, Paris, Les Belles Lettres,
1965. Embora seja mais rigoroso designar o seu autor de Pseudo-Longino, a verdade é que, por
tradição, os críticos assumem naturalmente o nome vulgar. Quanto ao título, Michel Deguy
adverte para o facto de Do Sublime ser uma tradução errónea do título Peri Hupsous, propondo
a sua substituição por uma expressão mais literal e rigorosa: Da Elevação (cf. Michel Deguy,
«Le Grand-Dire: Pour Contribuer à Une Relecture du Pseudo-Longin», in AA. VV., Du
Sublime, Paris, Belin, 2009, pp. 9-10).
54
Baldine Saint Girons, Fiat Lux: Une Philosophie du Sublime, Paris, Quai Voltaire, 1993,
p. 233.
21

Pseudo-Longino, o poeta latino valoriza a simplicidade (simplex), a discrição


(decorum) e a sobriedade (moderatio). Não obstante, a sublimidade em
Horácio, Demétrio, Dionísio de Halicarnasso ou Quintiliano distingue-se num
aspeto essencial relativamente ao sublime longiniano: enquanto nos primeiros
se trata do estilo sublime, circunscrito à retórica, em Peri Hupsous, o sublime
aparece como categoria fundamentalmente estética. Embora fruto do seu
tempo, o tratado assume-se literalmente como uma obra moderna no sentido
em que foi a modernidade que o descobriu e repercutiu de forma ampla, ainda
que nem sempre de modo consciente. Além do enfoque estético e imaginativo,
a originalidade de Pseudo-Longino parece residir em dois aspetos
fundamentais: a valorização do espírito crítico, por um lado, e a intuição da
diferença constitutiva do belo e do sublime interna ao objeto estético, por
outro. É certo que também Horácio se mostrava insatisfeito com a beleza
poética, ao reclamar que «Não basta que os poemas sejam belos: força é que
sejam emocionantes e que transportem, para onde quiserem, o espírito do
ouvinte»55. Mas Pseudo-Longino irá mais longe, ao edificar uma estética, não a
partir do belo, mas do efeito sublime.
Instaurado por Pseudo-Longino como conceito estético, o sublime consiste
numa galvanização do sujeito através da linguagem. O autor de Peri Hupsous
submete a sua seleção de textos a um exercício crítico que distingue dois
princípios de gosto fundamentais: a universalidade e a subjetividade,
apontadores determinantes na crítica do gosto moderna. Ao estabelecer os
parâmetros de teor retrospetivo e prospetivo, Pseudo-Longino determina os
critérios da universalidade e da intemporalidade da grande obra de arte
literária: «Em suma, eis a regra: é seguramente e verdadeiramente sublime
aquilo que agrada sempre e a todos»56. Além disso, o autor do Peri Hupsous
antevê um sensus communis, conceito que será fundamentado mais tarde, no
século da estética, primeiro por Lord Shaftesbury e depois por Immanuel Kant.
Com efeito, Pseudo-Longino ressalva: «Sem dúvida que nenhum homem no
seu bom juízo iria preferir a uma única peça, Édipo, toda a obra reunida de
Íon», da mesma forma que «é loucura duvidar de coisas reconhecidas por
55
Horácio, Arte Poética, Mem Martins, Inquérito, 2001, p. 65.
56
Op. cit., p. 62. Jackie Pigeaud avança com a convicção de que, neste aspeto, o teórico
grego é verdadeiramente inovador: «em meu entender, é a primeira vez que a universalidade é
reivindicada como critério estético» (Introdução a Longino, op. cit., p. 15).
22

todos, pois a experiência acarreta uma fiabilidade suficiente»57. Na verdade, a


maturidade crítica ocupa um lugar essencial na teorização longiniana enquanto
parâmetro para a identificação do sublime, o que explica a ascendência dos
grandes autores do passado que resistiram à passagem do tempo: «procuramos
um conhecimento e um julgamento puros acerca do que é, em verdade, o
sublime. Certamente que é algo difícil de apreender; pois o juízo sobre os
discursos é o derradeiro fruto de uma longa experiência»58. Este comentário
indica-nos além do mais a atenção que Pseudo-Longino concede, por um lado,
à falibilidade do juízo crítico e, por outro, à inerência subjetiva deste. No
capítulo XXXIII, Pseudo-Longino exibe o seu esforço na tentativa de
empreender uma definição do sublime e admite oferecer um juízo parcial do
problema59. Além disso, ao comparar opiniões, o autor de Peri Hupsous não
elide a variabilidade do gosto entre os críticos60. Com efeito, apresentada a sua
teorização, Pseudo-Longino revela uma certa flexibilidade
crítico-argumentativa, quando conclui: «mas que cada um pense aquilo que lhe
agrada pensar»61. Com a universalidade do gosto salvaguardada pelo espírito
sensível dos mais experientes, não estamos, afinal, muito longe de David
Hume, quando no artigo Of the Standard of Taste (1757) afirma: «Os
princípios gerais do gosto são uniformes na natureza humana»62, facto que
mais uma vez testemunha a modernidade do tratado longiniano.
No último capítulo do ensaio, a poética do sublime volve-se em política do
sublime63. O grande poeta encarna o ideal do homem eticamente elevado, cuja
conduta se rege pela liberdade. Semelhante aos deuses (isotheoi), o autor

57
Longino, op. cit., pp. 108 e 116.
58
Idem, p. 60.
59
Cf. idem, p. 107: «[...] trata-se de objetos de reflexão próprios à questão do sublime, e
que exigem de qualquer modo uma decisão. Quanto a mim [...]».
60
Cf. idem, pp. 102 e 104.
61
Idem, p. 114.
62
David Hume, «Do Padrão do Gosto», in Ensaios Morais, Políticos e Literários, Lisboa,
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2002, p. 222. Lembre-se que David Hume distingue cinco
aferidores do gosto: a delicadeza ou qualidade do discernimento; a prática, isto é, a
experiência ou especialização; o poder de comparação; a ausência de preconceito; e o bom
senso.
63
Cf. Pierre Hartmann, Du Sublime: De Boileau à Schiller, Estrasburgo, Presses
Universitaires de Strasbourg, 1998, p. 224.
23

sublime não será nunca um escravo, porquanto é voluntariamente que se


oferece à escravidão do sublime. Para poder assumir uma escolha, o espírito
crítico deve portanto fazer prova da sua imparcialidade: só assim se revela
imune à corrupção dos valores éticos, mas também dos elementos
poético-estéticos que compõem a obra literária, porque o poeta superior detém
o domínio da prestidigitação que da luz das figuras faz sombras64.
Poética da energia, Peri Hupsous edifica uma estética essencialmente
fundada sobre o sublime, do qual o belo participa apenas como elemento
cooperante. Embora ainda esteja distante uma cabal descrição das categorias
estéticas, como a que encontraremos em Joseph Addison, ou até mesmo uma
verdadeira oposição, como aquela que será reconhecida por Edmund Burke e
posteriormente reiterada por Kant, é verdadeiramente perturbador avaliar a
inovação da estética de Pseudo-Longino se notarmos que o autor intui a
oposição essencial entre as duas categorias do belo e do sublime: este imprime
tensão, enquanto o primeiro induz distensão. Eis o alcance do ensaísta que
surpreende a natureza inerte do belo65. Se o belo participa do sublime, é este
último que constitui a categoria estética arquetípica da obra de arte genial, pois
até o cómico pode ser elevado66.
A modernidade da obra Peri Hupsous foi legitimada, como se referiu, por
meio da sua reabilitação na Idade Moderna. Circulava, no Renascimento, uma
tradução latina inédita, de autor desconhecido, intitulada Dionysii Longini de
Altitudine et Granditate Orationis, no momento em que o humanista Francesco
Robortello deu a lume, em 1554, na cidade de Basileia, a edição princeps da
obra, desta vez denominada Dionysi Longini Rhetoris Praestantissimi Liber de
Grandi sive Sublimi Orationis Genere. A partir daí, as versões
multiplicaram-se, porém com parcos reflexos. Foi apenas cerca de um século
após a edição de Robortello, quando o retórico francês Nicolas
Boileau-Despréaux decidiu pôr mãos à tradução iniciada pelo seu irmão
entretanto falecido, que a obra anónima se impôs com repercussões
fundamentais para a história literária e estética.

64
Pseudo-Longino itera a ideia de que «uma figura é melhor quando o facto de ser figura
permanece oculto» (op. cit., p. 87). Cf. Neil Hertz, «A Reading of Longinus», in op. cit., pp.
35-40.
65
Cf. Longino, op. cit., p. 110.
66
Cf. idem, esp. p. 116.
24

Em 1674, Boileau publicou duas obras reunidas num único volume: o


tratado precetista Art Poétique e a tradução livre Traité du Sublime ou du
Merveilleux dans le Discours. A questão do sublime veio perturbar de alguma
forma a visão rígida da literatura que a poética clássica, baseada no método
dedutivo-racionalista, sustentava. No cerne da Querela dos Antigos e
Modernos, em que Boileau esteve envolvido, assistiu-se a uma reflexão sobre o
sublime que seria determinante para a fortuna e enraizamento desta categoria
no pensamento estético subsequente. Boileau defendia os Antigos numa visão
progressista da literatura: Homero não era um grande autor pelo facto de ser
antigo, mas justamente por causa da intemporalidade da sua obra, critério que
já estava presente no tratado longiniano. Por seu turno, Daniel Huet, de espírito
ortodoxo, entendia que o sublime de facto não podia ser confundido com o
sublime do logos, pois sublime não era o texto da criação, mas o próprio ato
criador de Deus em si. Foi neste contexto que Boileau sentiu a necessidade de
fazer a distinção entre sublime e estilo sublime:

É preciso ter em conta que por Sublime, Longino não entende o que os Oradores
designam por estilo sublime: mas aquele extraordinário e aquele maravilhoso que
arrebata no discurso, e que faz com que uma obra eleve, extasie, transporte. O estilo
sublime requer sempre grandes palavras, enquanto o Sublime pode encontrar-se
num único pensamento, numa única figura, numa única volta de palavras. Uma
coisa pode encontrar-se no estilo sublime e não ser no entanto Sublime, isto é, não
ter nada de extraordinário, nem de surpreendente67.

Assim, prosseguindo um percurso que vinha sendo desenvolvido em França,


nomeadamente a partir do je ne sais quoi tal como fora concebido por Père
Bouhours, Boileau desempenhou um papel determinante no desenvolvimento
da dimensão estética do conceito ao consagrar o substantivo adjetival «o
sublime»68.

67
Nicolas Boileau-Despréaux, Prefácio a «Traité du Sublime ou du Merveilleux dans le
Discours», in Oeuvres Complètes, Paris, Gallimard, 1966, p. 338. Nas suas meditações sobre o
sublime, alimentadas pela contenda com Daniel Huet, Boileau anota: «[…] o Senhor Clérigo,
na sua longa verborreia, [...] tudo o que avança deriva somente de um equívoco sobre a palavra
Sublime, que ele confunde com o estilo sublime, e que ele crê inteiramente oposto ao estilo
simples» («Réflexions Critiques sur quelques Passages du Rheteur Longin où, par Occasion,
On Répond à Quelques Objections de Monsieur P*** contre Homère et contre Pindare», in
idem, p. 545).
68
Cf. Théodore A. Litman, «Boileau: La Présentation du Sublime», in Le Sublime en
France (1660-1714), Paris, A. G. Nizet, 1971.
25

Ao implicar de forma radical o sujeito na experiência sensível, o sublime foi


preponderante no desenvolvimento do pensamento estético na passagem de
Seiscentos para Setecentos, que culminou na constituição da Estética enquanto
disciplina filosófica, assinada pelo punho do filósofo leibniziano Baumgarten,
em 175069. A legitimação da aesthesis enquanto origem de conhecimento,
mesmo que o seu fundador racionalista ainda o considerasse de um tipo
inferior, veio validar o estatuto do sujeito estético, o que cauciona a perspetiva
de Luc Ferry ao encontrar no homo aestheticus um sintoma manifesto da
modernidade70.
A par de autores franceses, como Jean-Baptiste Dubos (Réflexions Critiques
sur la Poésie et sur la Peinture, 1719) e De Condillac (Essai sur l’Origine es
Connaissances Humaines, 1746; e Traité des Sensations, 1754), o contributo
da corrente filosófica do sensualismo britânico foi decisivo para a formação do
pensamento estético emergente. John Locke, com An Essay Concerning
Human Understanding, de 1690, e, mais tarde, David Hume, com A Treatise of
Human Nature, de 1740, prepararam o terreno que seria explorado por
pensadores interessados, por um lado, nas questões do gosto e da sensibilidade,

69
Convém notar que a Estética, enquanto disciplina filosófica, nasceu sob a égide do Belo:
«A finalidade da estética é a perfeição do conhecimento sensível como tal, isto é, a beleza»
(Alexander Gottlieb Baumgarten, Esthétique, Paris, ’Herne, 1988, p. 127).
70
Cf. idem, p. 121; e Luc Ferry, op. cit., passim. Já Ernst Cassirer havia notado a influência
do sublime, e da questão colateral do génio, na constituição da estética enquanto disciplina
eminentemente subjetiva: «A ‘subjetividade’, no âmbito da estética, recebe assim igualmente
um novo sentido e liga-se a novos fins. A importância da doutrina do sublime para a história
das ideias é aqui, do ponto de vista da arte, o de sublinhar os limites do eudonismo e de escapar
à sua estreiteza. O resultado pelo qual toda a ética do século XVIII se esforçou em vão cai aqui
como um fruto maduro por meio da estética. [...] O problema do génio e o do sublime agem
aqui na mesma direção: eles vão tornar-se nos temas intelectuais do desenvolvimento e da
elaboração progressiva de uma conceção nova e mais profunda da individualidade» (Ernst
Cassirer, La Philosophie des Lumières, Paris, Fayard, 2008, pp. 320-321). Por seu turno,
Jean-François Lyotard declara que «Foi nesta palavra [o sublime] que se decidiu e perdeu a
sorte da poética clássica, foi com este nome que a estética fez valer os seus direitos críticos
sobre a arte, e que o romantismo, ou seja, o modernismo, triunfou» (O Inumano:
Considerações sobre o Tempo, Lisboa, Estampa, 1990, p. 98). Théodore Litman mostra, por
sua vez, o papel capital do sublime nas metamorfoses internas ao classicismo, mal
compreendido na sua redução à filosofia dedutivista cartesiana e à normatividade (cf. op. cit.,
passim). Na verdade, o Classicismo viveu dentro de si próprio o conflito entre racionalismo e
sensibilidade (ou delicadeza), e o próprio Boileau é um testemunho disso. Demasiado afeito à
sua Art Poétique, continuou a ver negligenciada a sua tradução do Traité du Sublime, bem
como as subsequentes Réflexions Critiques, que o tornaram numa peça-chave na evolução da
estética da delicadeza seiscentista para a estética do sentimento setecentista (cf. Luc Ferry, op.
cit., pp. 53-68).
26

e, por outro lado, na determinação do papel do sujeito estético na experiência


sensível. Um desses pensadores foi Joseph Addison, fundador do The
Spectator, periódico influente na difusão das ideias filosóficas, culturais e
literárias da época à escala europeia. Foi, aliás, numa viagem realizada pelo
continente que Joseph Addison conheceu pessoalmente o então famoso retórico
francês Nicolas Boileau-Despréaux. Com efeito, seria através da sua tradução,
não obstante a existência de uma versão inglesa anterior, realizada em 1652 por
John Hall, que a tradição longiniana viria dominar as reflexões sobre o sublime
ao longo do século XVIII britânico71.
Ao publicar o conjunto de ensaios intitulado The Pleasures of Imagination,
entre 21 de Junho e 3 de Julho de 1712, em doze números do The Spectator,
Joseph Addison relança a problemática estética. Ao longo desta coletânea de
ensaios está bem patente a hesitação da poética addisoniana em dar a primazia
à natureza ou à imaginação, hesitação afinal sintomática da metamorfose do
pensamento estético que esta obra assinala num quadro epistemológico ainda
classicista72. Além disso, na sua conceção triádica das categorias estéticas — o
belo (beautiful), o fora de comum (new) e o grande (great) —, o autor oscila
entre o peso conferido à beleza, que coroa as duas primeiras categorias, e o
protagonismo atribuído à união das três, afinal conciliáveis. A cada uma das
categorias, Addison faz corresponder um autor e uma obra eleitos no seio da
literatura clássica: o grande é representado, por Homero, na Ilíada; o belo, por
Vergílio, na Eneida; e o fora de comum, por Ovídio, nas Metamorfoses. Mas a
síntese de todas estas qualidades é afinal moderna. John Milton, na sua
obra-prima Paradise Lost, supera os anteriores, ao operar a síntese das
categorias, síntese que, desde Pseudo-Longino, é a marca do génio por
excelência. Já não estamos, portanto, no reino absolutista do belo, uma vez que
uma obra é tanto mais perfeita, ou estésica, quanto maior variedade de efeitos

71
Marjorie Hope Nicolson faz, porém, questão de ressalvar que «O Sublime chegou à
Inglaterra muito antes das teorias retóricas de Longino terem começado a suscitar o interesse
dos ingleses» (Marjorie Hope Nicolson, Mountain Gloom and Mountain Glory: The
Development of the Aesthetics of the Infinite, Nova Iorque, The Norton Library, 1963, p. 143).
72
Esta hesitação repercute-se nomeadamente numa distinção, implícita no ensaio, entre
sublime natural e sublime artístico, em que o segundo parece prevalecer sobre o primeiro (cf. o
ensaio n.º 414 in Joseph Addison e Sir Richard Steele, The Spectator, Vol. III, Londres,
Ever man’s ibrar , 1979, pp. 284-287).
27

estéticos oferecer73. A inovação de Addison versa precisamente sobre este


aspeto: embora ainda acredite que o belo seja a categoria mais importante, o
teórico está consciente de que o belo isolado já não satisfaz o gosto
contemporâneo. A beleza deixa então de se constituir como o parâmetro
totalizante que vinha protagonizando a esfera estética desde Platão.
Ao contrário de Longino, Addison transfere a grandeza de espírito do
criador para o recetor: «tudo o que é majestoso imprime um temor e reverência
na mente do observador e se conjuga com a grandeza natural da alma»74. O
legado aristotélico é bem visível no seu ensaio, sobretudo no que concerne à
teoria da imitação e à seleção das emoções do terror e da piedade: a
«comparação secreta que estabelecemos entre nós mesmos e a pessoa que
sofre»75 conduz-nos ao ensaio de um perigo, que dá prazer porque movido à
distância. Addison concebe-a como a experiência do «monstro morto»76, cuja
ambiguidade excita e tranquiliza simultaneamente, assunto que será retomado
como objeto de estudo por Edmund Burke. Tal como este, e seguindo
Pseudo-Longino no que diz respeito à enargeia e à energeia verbais, Addison
elege a literatura, entre todas as artes, como a principal fonte de estesia.
Servindo-se da comum metáfora da pintura, o ensaísta inglês valoriza a
capacidade que a palavra tem de suscitar ideias complexas, confirmando assim
a sua eficácia em dar a ver sem o recurso ao sentido da visão77. Além disso, o
crítico associa o sentimento do grande à fé dirigida a Deus, compreendido na
sua dimensão infinita e incognoscível, questão que deve ser vista à luz de uma
época em que a retração paulatina do divino se replica num sublime natural78.

73
Neste sentido, Joseph Addison sustenta: «Mas se há algo de belo ou fora do comum a par
desta grandiosidade, como um oceano enfurecido, um céu adornado com estrelas e meteoros,
ou um terreno amplo recortado de rios, bosques, rochedos e prados, o prazer torna-se ainda
mais intenso, na medida em que brota de mais de um princípio único» (idem, pp. 279-280).
74
Idem, p. 288.
75
Idem, p. 298.
76
Idem.
77
Cf. idem, esp. pp. 290-293.
78
Cf. Thomas Weiskel, The Romantic Sublime: Studies in the Structure and Psychology of
Transcendence, Baltimore / Londres, The Johns Hopkins University Press, 1976, p. 14: «Deus
tinha de ser salvo, mesmo que o preço a pagar fosse o seu consórcio com o mundo das
aparências. E assim aconteceu, no sublime natural. O primeiro momento, no século XVII, foi a
identificação dos atributos tradicionais da Divindade — infinitude, imensidão, omnipresença
— com a vastidão do espaço recém-descoberto por uma astronomia emergente. As emoções
28

John Baillie, no seu An Essay on the Sublime, publicado em 1747, encetará


também uma problematização acerca da espacialidade no sublime. A vastidão
dos objetos é comunicada ao sujeito que experimenta o sublime através de uma
espécie de fusão ontológica: «A alma naturalmente supõe-se a si própria
presente nos objetos que ela perceciona, e tem menores ou maiores conceções
da sua própria excelência conforme a extensão do seu ser é mais ou menos
limitada»79. O sublime artístico é, neste encalço, um reflexo da experiência do
sublime natural, em que os sentidos da visão e da audição detêm a
exclusividade. Além de grandes, os objetos são percecionados como sublimes
na medida em que apresentam duas qualidades: a uniformidade e a não
familiaridade ou estranhamento. Nesta conceção, o sublime não se opõe
claramente à beleza; ao invés, esta é uma das suas várias formas. Afinal, Baillie
distingue determinantemente o sublime do patético e define o primeiro como
um sentimento majestático pautado pela elegância e pela ausência de
perturbação: «O sublime, quando é simples e puro, sem nenhuma mistura, ao
preencher a mente com uma ideia vasta e uniforme, afeta-a com uma solene
sedação [...] enquanto a verdadeira essência do patético consiste na agitação
das paixões»80.
Se o ensaio de John Baillie apresentava uma «conceção demasiado apolínea
do sublime»81, A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the
Sublime and Beautiful, publicado dez anos depois, oferece a visão dionisíaca
do sublime burkeano. Usando um método experimental que associa a estética à
psicologia, Edmund Burke constrói uma teoria psicofisiológica em torno de

tradicionalmente religiosas foram deslocadas da Divindade e associaram-se, em primeiro lugar,


à imensidão do espaço e, em segundo lugar, aos fenómenos naturais (oceanos, montanhas) que
pareciam aproximar-se daquela imensidão. Imediatamente, um sentido do numinoso
estendia-se a todos os grandiosos aspetos da natureza. O resultado mental foi o de promover
em grande escala o prestígio da imaginação sensível como faculdade que mediava a presença
divina sentida de forma imanente na natureza, ou pelo menos passível de ser evocada pelo
aspeto grandioso da natureza. De facto, a imaginação tornava-se o mais seguro guia e recurso
para o sentido moral». Sobre a conceção religiosa do sublime na sua relação com a natureza,
ver Marjorie Hope Nicolson, op. cit., passim.
79
John Baillie, «An Essay on the Sublime», in Andrew Ashfield e Peter de Bolla (ed.), The
Sublime: A Reader in Eighteenth-Century Aesthetic Theory, Cambridge / Nova Iorque,
Cambridge University Press, 1996, p. 89.
80
Idem, p. 97.
81
Baldine Saint Girons, Fiat Lux: Une Philosophie du Sublime, op. cit., p. 74.
29

duas categorias estéticas fundamentais — o sublime e o belo — que se


apresentam agora como inteiramente independentes82. Segundo o autor, a
experiência estésica compreende duas sensações positivas — a dor e o prazer
— cujo correlato negativo é, em ambos os casos, a indiferença83. As paixões da
dor, inerentes ao sublime, são originariamente fruto da autopreservação,
enquanto as paixões do prazer, associadas ao belo, dizem respeito à
convivência em sociedade. O gozo (delight), e não o prazer (pleasure), é «a
sensação que acompanha o desaparecimento da dor ou do perigo»84, que se
encontra na base da experiência do sublime, pois «O que quer que seja passível
de excitar ideias de dor, e perigo, isto é, o que de alguma forma for terrível, ou
estiver relacionado com objetos terríveis, ou opere de forma análoga ao terror,
é uma fonte de sublime», sendo que as paixões da dor produzem efeitos muito
mais perturbadores do que as paixões do prazer85. Capaz de conciliar extremos,
o sublime «abomina a mediocridade entre todas as coisas»86. O estado
petrificante, o estupor (astonishment) que imobiliza o sujeito, implica as
emoções do medo e do terror ou dos seus derivados, como o temor, a
reverência ou a admiração. O terror produz uma tensão incomum e certas
emoções violentas nos músculos, que consistem num exercício de proteção do
organismo ameaçado. Nestes casos, a dor e o terror não são nocivos; pelo
contrário, estas emoções regularizam o sistema orgânico, dando origem a um
certo gozo, na medida em que a ideia de dor ou a ideia de perigo estão latentes
sem contudo corresponderem a ameaças reais, pensamento que demonstra a
pregnância do legado aristotélico na teoria burkeana.

82
É certo que, antes de Edmund Burke, foi John Dennis quem levou a cabo «a primeira
distinção importante na crítica literária inglesa entre o Sublime e o Belo», como notou Marjorie
Hope Nicolson (op. cit., p. 279).
83
O que contraria a ideia de John Locke, segundo a qual a dor e o prazer são sensações
contrárias que interagem numa razão de proporcionalidade (cf. John Locke, Ensaio sobre o
Entendimento Humano, op. cit., Livro II, p. 304).
84
Edmund Burke, A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and
Beautiful, Oxford, Oxford University Press, 2008, p. 34.
85
Edmund Burke defende que «a ideia de dor, no seu grau mais elevado, é muito mais forte
do que o grau mais elevado do prazer» (idem, p. 59), o que está de acordo com o que John
Locke já havia notado: «o prazer não actua sobre nós com o mesmo vigor que a dor» (op. cit.,
Livro I, p. 303).
86
Edmund Burke, op. cit., p. 74.
30

Edmund Burke refere, à semelhança de Baillie, a importância da vastidão


(vasteness), embora equacionada já não numa orientação física, mas
psicológica, uma vez que o infinito artificial é construído na mente a partir das
características aparentes do objeto. Assim, a infinitude (infinitude) funciona
como uma ocultação da matéria, e tudo o que se esconde constitui uma ameaça.
A suspeita do imprevisível, mesmo em objetos considerados agradáveis, induz
no indivíduo uma angústia gerada pela expectativa. São, portanto, várias as
formas de obscuridade que desencadeiam o sublime. A distância que gera
temor é uma delas, meio fundamental de que se servem o sublime político e o
sublime religioso87. Por sua vez, a ausência de luz espoleta a expectativa de um
perigo ou a iminência de uma dificuldade e é usada metaforicamente na
representação verbal do sublime. A linguagem constitui-se enquanto abstração
totalizante deste confronto perante o irrepresentável, como o próprio gramático
antigo Demétrio havia considerado, ao afirmar que «tudo o que se insinua é
mais temível, pois um empregará uma coisa e outro outra para interpretá-lo,
enquanto ao que é claro e evidente é natural que não se preste atenção»88. Do
mesmo modo, Edmund Burke compreende que uma ideia clara afeta menos a
imaginação do que uma ideia obscura, pelo que, entre o esboço de um palácio e
a sua descrição, prefere a segunda, uma vez que «a poesia, com toda a sua
obscuridade, tem um domínio mais geral e mais poderoso sobre as paixões do
que qualquer outra arte», porquanto é «a nossa ignorância das coisas que
provoca a nossa admiração e imperiosamente excita as nossas paixões»89. A
imperfeição e a rudeza são igualmente fontes de sublime na medida em que
assinalam uma força de trabalho intensa, cuja dificuldade estimula o desejo de

87
David Hume, no seu Treatise of the Human Nature, já havia considerado a distância
como fonte de admiração pelo objeto (cf. Tratado da Natureza Humana, Lisboa, Fundação
Calouste Gulbenkian, 2001, pp. 501-507).
88
Demétrio, «Sobre el Estilo», in Demétrio / Longino, Sobre el Estilo / Sobre lo Sublime,
Madrid, Gredos, 1979, p. 61. Foi Baldine Saint Girons quem fez notar a aproximação do
sublime bur eano ao δεινός (deinos) demetriano (cf. Fiat Lux: Une Philosophie du Sublime,
op. cit., p. 23).
89
Edmund Burke, op. cit., p. 57.
31

superação no homem, a vontade de ir mais além em direção ao divino, vontade


de que o megalítico Stonehenge representa a mais insigne memória90.
Se, em Longino, tínhamos uma poética da energia, em Burke, presenciamos
uma teoria da inibição, em que o corpo, qual esfíncter, agita o estado da mente
por meio de uma tensão física. Afinal, Burke prepara o conceito de prazer
negativo que será teorizado por Immanuel Kant três décadas mais tarde. O
sublime atingirá nessa altura a sua plena maturidade na medida em que,
totalmente separado do belo, é capaz de o destronar como categoria arquetípica
da experiência estética. Concebido como valor estético particular, o sublime
ostenta características específicas que o distinguem das demais categorias
estéticas; enquanto valor estético universal, o sublime apresenta-se como uma
categoria de síntese, que representa a sensibilidade estética na sua glória à luz
do novo movimento artístico que emerge91.

90
O núcleo empirista da época foi unânime em considerar a dor como catalisador central da
capacidade de autossuperação da espécie humana (cf. John Locke, op. cit., pp. 301-302; e
David Hume, Tratado da Natureza Humana, op. cit., p. 502).
91
Para uma distinção entre o valor estético particular e o valor estético universal do
sublime, cf. Étienne Souriau, «Le Sublime», in Les Catégories Esthétiques, Paris, Centre de
Documentation Universitaire, 1956, pp. 98-107. Cf. Mikel Dufrenne, Phénoménologie de
l’Expérience Est étique — I L’Objet Est étique, Paris, Presses Universitaires de France, 1992,
p. 127: «O objeto estético é portanto o sensível que aparece na sua glória»; e Baldine Saint
Girons, «Fiat Lux et la Gloire du Sensible», in Fiat Lux: Une Philosophie du Sublime, op. cit..
A EMANCIPAÇÃO DO SUBLIME E O ROMANTISMO

Le sublime est en bas.

Victor Hugo, Les Contemplations

[…] Sublime de l’enfer.

Barbe d’Aurevill , Les Diaboliques

Síntese culminante do pensamento estético desenvolvido ao longo do século


XVIII, a Kritik der Urteilskraft de Immanuel Kant, publicada em 1790,
exercerá uma influência determinante no período romântico. As ideias estéticas
sobre o sublime que os autores setecentistas haviam preconizado veem-se
agora sistematizadas numa arquitetura filosófica alicerçada em três vetores
fundamentais: o enfoque no sujeito enquanto operador da experiência estética
do sublime; a centralidade do sublime natural, quer na sua dimensão de
grandeza, quer na sua dimensão energética ou dinâmica; e, sobretudo, a
assistência do princípio da dor ao prazer sublime, aspeto visceral na estética
romântica emergente92. Em Beobachtungen über das Gefühl des Schönen und
Erhabenen (1764), obra de juventude com ascendência claramente burkeana,
Kant dissertava já sobre as qualidades que distinguiam o binómio belo /
sublime. Nesse ensaio, o filósofo distinguia três categorias de sublime,
tripartição que não se replicaria na sua ulterior magnum opus estética, a saber:
o sublime-terrível, sentimento estético na sua matiz disfórica; o sublime-nobre,
um tipo de admiração pacífica; e o sublime-magnífico, superlativo do belo
elevado. A perceção de que existem diversos tipos de sublime evoluiria, no
sistema estético kantiano, ao longo de mais de uma década, culminando numa
estética transcendental do sublime93.

92
Cf. Samuel H. Monk, The Sublime: A Study of Critical Theories in XVIII-Century
England, s/l, The University of Michigan Press, 1960, p. 9 e passim.
93
Importa lembrar que, no último quartel do século XVIII, a metafísica é submetida a um
julgamento sem precedentes. Considerando-a maltratada pelo idealismo dogmático que lhe
33

As categorias do belo e do sublime derivam, segundo Kant, de um


comprazimento associado à faculdade de apresentação ou imaginação que
concorda com os conceitos da razão sem contudo os determinar94. O
comprazimento no belo reflete-se a partir de uma forma, isto é, de um objeto
delimitado, enquanto o sublime irrompe a partir da ilimitação do objeto
compreendida como totalidade. Se o belo consiste na «apresentação de um
conceito indeterminado do entendimento», o sublime é percecionado como
«apresentação de um conceito semelhante da razão»95. A cegueira inerente ao
sublime não é, pois, apenas física ou sensorial, no sentido burkeano, mas
igualmente intelectual, na medida em que a razão vibra num esforço de
compreender o incompreensível. Esse objeto que escapa à apreensão do
entendimento é o móbil que lança o sujeito num jogo sério de medição de
forças — a sensibilidade e a razão —, o qual implica um esforço que é
assumido pelo experiente como prazer96. É este prazer negativo, resgatado do

imputa leis infundadas, Kant conduz a metafísica a um justo tribunal que assumirá a
constituição fidedigna do ramo mais importante da filosofia, cuja consistência fraquejava
embora, quando cotejada com a ciência. Este tribunal dá-se pelo nome de crítica e o processo
deste julgamento será desenvolvido ao longo da trilogia do filósofo de Königsberg: a Crítica
da Razão Pura (1781), a Crítica da Razão Prática (1788) e, finalmente, a Crítica da
Faculdade do Juízo (1790). Na primeira destas suas obras, dividida em «Estética
Transcendental» e «Lógica Transcendental», Kant refuta o projeto de constituição de uma
ciência estética tentada pelo filósofo leibniziano Baumgarten, que entendia um fundamento
gnosiológico (ainda que inferior) na experiência sensível, fundamento esse que Kant mostra ser
inválido. Com efeito, na medida em que está confinada à intuição empírica ou sensível, a
estética transcendental orienta-se no mundo dos fenómenos, assistidos contudo por dois
princípios apriorísticos do conhecimento — o tempo e o espaço —, sem os quais o sujeito nada
pode conhecer ou apreender. Aisthesis e noesis não devem ser confundidas: cada uma ocupa
um distinto domínio, pelo que é um equívoco o intento de submeter a sensibilidade aos
critérios da racionalidade. Kant rejeita pois a designação de estética enquanto ciência do
sensível, adotando uma expressão substituta, mais frequentemente utilizada fora do âmbito
germânico, a crítica do gosto. Todavia, a recusa de uma ciência do sensível (paradoxal, na
perspetiva filosófica kantiana) não constitui um óbice ao desenvolvimento da reflexão estética.
Pelo contrário, é justamente em Kant que encontraremos uma transformação que desencadeará
a fortuna de que a estética goza até à época hodierna. A culminante síntese realizada na Crítica
da Faculdade do Juízo constituiu mesmo uma «revolução do gosto», para usar a expressão de
Luc Ferry, na qual o sublime desempenhou um papel determinante.
94
Cf. Immanuel Kant, Crítica da Faculdade do Juízo, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da
Moeda, 1998, p. 137.
95
Idem, p. 138.
96
«Na representação do sublime na natureza o ânimo sente-se movido, já que no seu juízo
estético sobre o belo ele está em tranquila contemplação. Este movimento pode ser comparado
(principalmente no seu início) a um abalo, isto é a um repelir rapidamente variável e a um
atrair do mesmo objecto. O excessivo para a faculdade da imaginação (ao qual ela é impelida
34

delight burkeano, que encarnará o âmago da experiência sublime concebida


pelos românticos.
Leitor atento de Kant, Friedrich Schiller desenvolverá o pensamento do
filósofo de Königsberg, designadamente em Vom Erhabenen: Zur weitern
Ausführung einiger Kantischen Ideen, de 1793, e em Über das Erhabene, de
1801. No primeiro ensaio, de inspiração assumidamente kantiana, Schiller
pretende recuperar e ampliar a extensão dos conceitos kantianos sublime
matemático e sublime dinâmico, substituindo-os pelos conceitos sublime
teórico e sublime prático, ainda que, na verdade, não faça mais do que
repercutir a reflexão kantiana na definição dos termos: «Um objecto é
teoricamente sublime na medida em que contém em si a representação da
infinitude, de cuja apresentação a faculdade de imaginação não se sente à
altura», enquanto «Um objecto é praticamente sublime na medida em que
contém em si a representação de um perigo que a nossa força física não se
sente capaz de vencer»97. Se já Kant considerava a cultura como requisito para
o reconhecimento da experiência sublime, a novidade introduzida por Schiller
parece residir na importância dada à implicação da educação estética na
formação política e, portanto, ética do homem98. Essa novidade, encontramo-la
no seu segundo ensaio sobre o sublime, apoiado nas reflexões entretanto
levadas a cabo em duas obras fundamentais: Über die Aesthetische Erziehung

na apreensão da intuição) é por assim dizer um abismo, no qual ela própria teme perder-se;
contudo para a ideia da razão do supra-sensível não é igualmente excessivo, mas conforme às
leis produzir um tal esforço da faculdade da imaginação: por conseguinte é por sua vez atraente
precisamente na medida em que era repulsivo para a simples sensibilidade» (Crítica da
Faculdade do Juízo, op. cit., p. 154). Sobre esse diferendo entre razão e sensibilidade, veja-se a
clarividente lição que é apresentada por Lyotard em Leçons sur l’Analytique du Sublime, s/l,
Galilée, 1991, esp. pp. 158-162.
97
Friedrich Schiller, «Do Sublime (Para um Desenvolvimento de Algumas Ideias
Kantianas)», in Textos sobre o Belo, o Sublime e o Trágico, Lisboa, Imprensa Nacional-Casa
da Moeda, 1997, p. 145.
98
Cf. Immanuel Kant, Crítica da Faculdade do Juízo, op. cit., pp. 162-164. Schiller
acredita que «A cultura deve libertar o ser humano e ajudá-lo a consumar todo o seu conceito.
Ela deve portanto torná-lo capaz de impor a sua vontade, pois o ser humano é o ente que quer»
(«Sobre o Sublime», in Textos sobre o Belo, o Sublime e o Trágico, op. cit., p. 219). Nesse
intuito, Schiller apresenta o seu projeto de uma moral fundada numa estética: «Constitui
portanto uma das mais importantes tarefas da cultura submeter o ser humano à forma já durante
a sua mera vida física, tornando-o estético até onde possa chegar o reino da beleza, uma vez
que só a partir do estético, não do físico, se pode desenvolver o estado moral» (Sobre a
Educação Estética do Ser Humano numa Série de Cartas e outros Textos, Lisboa, Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, 1994, p. 83).
35

des Menschen em einer Reihe von Briefen e Über Naive und Sentimentalische
Dichtung, ambas de 1795. A dignidade do homem, reconhecida pelo
humanismo renascentista de Pico della Mirandola, depende, segundo Schiller,
do exercício pleno da liberdade humana, inerente à sua superioridade moral, a
qual se vê aperfeiçoada pela sensibilidade. Partilhando do idealismo de Fichte,
Schiller acreditava que cada homem transportava individualmente a forma pura
e ideal do ser humano à qual devia procurar elevar-se. E era, portanto, ao
impulso lúdico que o poeta alemão imputava o acesso do homem ao absoluto.
Por sua vez, o círculo de Iena assumirá uma radical posição na
metalinguagem sobre o objeto poético, ao querer substituir o discurso
filosófico pelo mais rigoroso discurso poético, no sentido em que «não se pode
falar de poesia a não ser em poesia»99. Preconizadores da autonomização do
objeto estético, os românticos alemães teorizaram o absoluto literário
concebido no seu espírito de síntese e de metamorfose — a Sympoesie — que
compreendia numa cadeia analógica as categorias pan-artísticas do poético, do
sublime e do romântico100.
Tal como sucedia em Longino, a teoria romântica alemã interessa-se pela
energia que anima o verbo poético. Ao perscrutar os mistérios da força verbal,
o Frühromantik descobre a essência do silêncio, essa «autodestruição» que
«trabalha no coração das ‘palavras’»101, porque o silêncio significa, enquanto
representamen da infinita profundidade do sentido, a qual aponta para a
dimensão profética da palavra tal como ela é concebida pelos românticos em
geral. Na verdade, a poesia é, segundo estes românticos, a chave da metafísica,

99
Friedrich Schlegel, «Entretien sur la Poésie», in Philippe Lacoue-Labarthe e Jean-Luc
Nancy, L’Absolu Littéraire éorie e la Littérature u Romantisme Alleman , Paris, Seuil,
1978, p. 290. Sobre o valor teórico-especulativo do discurso poético no Frühromantik, cf.
Jean-Marie Schaeffer, La Naissance de la Littérature: La Théorie Esthétique du Romantisme
Allemand, Paris, Presses de l’École Normale Supérieure, 1983, passim; e, do mesmo autor, «La
Naissance de la Théorie Spéculative de l’Art», in L’Art e l’Âge o erne L’Est étique et la
P ilosop ie e l’Art u XVIIIe Siècle à nos Jours, Paris, Gallimard, 1992, passim.
100
Karl Philipp Moritz, vulto influente no Romantismo alemão, autor do ensaio Über den
Begriff des in sich Vollendeten (1785), já defendia a teleologia interna do objeto artístico
entendido como um «Todo, Acabado em si mesmo» («Sur le Concept d’Achevé en Soi», in Le
oncept ’Ac evé en Soi et autres Ecrits (1785-1793), Paris, Presses Universitaires de France,
1995, p. 84).
101
Michel Deguy, art. cit., p. 41.
36

cuja revelação poética se encontra em permanente devir102. Género arquetípico


do absoluto literário, o fragmento é concebido como o fechamento aberto ou o
limite ilimitado que Kant considerava ser próprio do objeto sublime. Desta
instância brota o silêncio que é a plenitude de todo o poético, o lugar indizível
onde se reunem os elementos transcendentes. É nesse transbordante silêncio
que se encontra o lugar primordial de toda a potência da palavra e da literatura,
o desejo de revelação. O Fragmento incide, assim, sobre os interstícios de um
silêncio revelador.
No seio do Romantismo inglês emergente, William Wordsworth pugna, no
Prefácio às Lyrical Ballads, por consubstancializar poeticamente «a verdadeira
linguagem dos homens»103, enraizada na vida quotidiana104. É preciso lembrar,
antes de mais, que as transformações da cosmovisão social, política e ética
ocorridas na época não são alheias a este propósito poético-estético105. O facto
de Wordsworth apresentar o povo como caráter eleito deve ser entendido à luz
dessa onda revolucionária que mobilizava a civilização ocidental nos alvores
de Oitocentos, donde resultou uma compreensão do homem como agente da
História de que os ensaios de Friedrich Engels e Karl Marx dão cabal exemplo.
Por outro lado, a teoria do estranhamento presente em Addison alia-se neste
contexto a uma esteticização do natural, pois a poesia é «o transbordar

102
É no fragmento 116 que Friedrich Schlegel compreende essa infinitude do verbo em
incessante apresentação, designando-a «poesia universal progressiva» (cf. «[Fragmento] 116»,
in Philippe Lacoue-Labarthe e Jean-Luc Nancy, op. cit., p. 112).
103
William Wordsworth, Prefácio a William Wordsworth e Samuel Taylor Coleridge,
Lyrical Ballads, Londres / Nova Iorque, Routledge, 2007, p. 295.
104
Cf. idem, pp. 289-290: «O principal objeto que a mim próprio me propus nestes Poemas
foi, então, escolher incidentes e situações da vida quotidiana e relatá-los ou descrevê-los, tanto
quanto possível, numa seleção da linguagem realmente usada pelos homens; e, ao mesmo
tempo, recobri-los com um certo colorido da imaginação através do qual as coisas comuns se
apresentariam ao espírito de um modo invulgar: e, além disso e acima de tudo, tornar
interessantes estes incidentes e situações, ao delinear neles, com verdade, mas sem ostentação,
as leis primárias da nossa natureza, sobretudo no que diz respeito à maneira como associamos
ideias num estado de excitação».
105
A própria emancipação do sublime no Romantismo não pode ser dissociada de uma
compreensão da mudança do paradigma sócio-político ocorrida no dealbar do século XIX, no
rescaldo da Revolução Francesa, à qual românticos ingleses como Coleridge, Blake e o próprio
Wordsworth aderiram fervorosamente numa primeira fase de juventude. Thomas Weiskel, com
efeito, fundamenta o surgimento do sublime romântico com a mudança dos paradigmas
epistémico, teológico e sociológico ocorrida na Modernidade (cf. op. cit., passim).
37

espontâneo de poderosos sentimentos»106. A influência da longa tradição


longiniana assoma aqui na medida em que o ethos do poeta se reflete na sua
capacidade estésica107. Encontramo-nos, então, perante um sublime
humanizado, próximo do sublime humilde que se vislumbra em Victor
Hugo108.
Além de reportar a linguagem humana à epifania poética, Wordsworth irá
consumar a fusão entre a natureza e a perceção do sujeito, génese onto-estética
em que a consciência é conduzida além dos limites da sensibilidade e do
entendimento. Recorde-se, a propósito, que Coleridge, seu íntimo companheiro
de lucubrações, recebera influências determinantes dos românticos alemães,
nomeadamente da Filosofia da Natureza de Schelling, influências que se
evidenciam igualmente em Wordsworth. Astro do Romantismo europeu, e do
sublime romântico tal como ele foi divulgado na Europa central, o poeta
sintetiza assim a sua conceção do sublime poético: «a sense sublime / Of
something far more deeply interfused, / […] / A motion and a spirit, that impels
/ All thinking things, all objects of all thought, / And rolls through all
things»109. Desta interfusão da perceção do sujeito com os objetos surge a
experiência originária almejada no Prefácio do poeta. O criador, através da sua
visão, reveste-se do manto profético — ele é menos uma consciência individual

106
William Wordsworth, Prefácio a Lyrical Ballads, op. cit., p. 291.
107
Revela-se evidente o facto de Longino ser «o exemplo e a fonte de muitos elementos
característicos da teoria romântica» (M. H. Abrams, The Mirror and the Lamp: Romantic
Theory and the Critical Tradition, Londres / Oxford / Nova Iorque, Oxford University Press,
1971, p. 72). Para essa revitalização romântica do legado longiniano, nem sempre realizada de
forma consciente, foi fundamental o interesse suscitado pelo tratado ao longo século XVIII (cf.
«The Longinian Tradition», in Andrew Ashfield e Peter de Bolla (ed.), op. cit.).
108
A elevação do comum subjacente ao romantismo social de Victor Hugo, que interessará
também ao autor de Le Spleen de Paris, havia sido alvo de reflexão por parte de Schiller num
enquadramento ético-estético que é apanágio do Romantismo (cf. Friedrich Schiller, «Ideias
sobre o Uso do Comum e do Baixo na Arte», in Textos sobre o Belo, o Sublime e o Trágico,
op. cit., pp. 185-191). Para a compreensão das relações entre a dimensão ético-política e a
dimensão estética do sublime nos autores românticos, cf. Dominique Peyrache-Leborgne,
«Sublime, Ethique et Politique», in Poétique u Sublime e la in es Lumières au
Romantisme: Diderot, Schiller, Wordsworth, Shelley, Hugo, Michelet, Paris, Honoré
Champion, 1997.
109
William Wordsworth, «Lines written a few miles above Tintern Abbey», in Lyrical
Ballads, op. cit., p. 159; itálico meu.
38

do que a intuição pura dos fenómenos110. O homem assume então o olhar de


Deus, cuja presença vem sofrendo uma definitiva retração, quando não uma
irremediável morte111.
O olhar humano sobre os homens assume na escrita polígrafa de Victor
Hugo a sua face mais integral. Unindo «a sombra à luz, o grotesco ao sublime,
noutros termos, o corpo à alma, o animal ao espírito»112, o criador de
Notre-Dame de Paris recupera da religião a sublimação do sofrimento dos
miseráveis numa representação grotesca que configura a precariedade inerente
à condição humana. A elevação pela dor, à semelhança da paixão redentora de
Cristo, repercute-se no Romantismo cristão, nomeadamente em autores
franceses como Chateaubriand ou Victor Hugo. Aparentemente opostos, o
sublime e o grotesco não apenas se complementam, como se interpenetram
numa mútua vivificação:

A poesia nascida do Cristianismo, a poesia do nosso tempo é portanto o drama; o


caráter do drama é o real; o real resulta da combinação inteiramente natural de dois
tipos, o sublime e o grotesco, que se cruzam no drama como se cruzam na vida e na
criação. Porque a poesia verdadeira, a poesia completa, está na harmonia dos
contrários113.

A partir dessa incorporação estética dos paradoxos, Victor Hugo dá o salto que
faltava: a machadada definitiva na supremacia do belo ideal, resultante da

110
Cf. Albert O. Wlecke, Wordsworth and the Sublime, Berkeley / Los Angeles / Londres,
University of California Press, 1973, passim; e Klaus Peter Mortensen, The Time of
Unrememberable Being: Wordsworth and the Sublime (1787-1805), Copenhaga, Museum
Tusculanum Press / University of Copenhagen, 1998, passim.
111
A experiência da morte de Deus, no séc. XIX, não ficou confinada aos meios filosóficos
ateístas ou niilistas, nem tão pouco aos meios científicos positivistas, mas atingiu toda uma
consciência trans-individual, mesmo nos círculos culturais de feição religiosa, o que fez do
homem um herói despojado, e por isso mais sublime. Para um estudo aprofundado sobre a
condição de Deus no período romântico, cf. Georges Gusdorf, Du Néant à Dieu dans le Savoir
Romantique, Paris, Payot, 1983.
112
Victor Hugo, Prefácio a Cromwell, Paris, J. Hetzel, s/d, p. 9.
113
Idem, p. 18. Neste sentido, Victor Hugo escreve: «[...] o contacto do disforme deu ao
sublime moderno qualquer coisa de mais puro, de maior, enfim, de mais sublime, do que o belo
antigo; e assim deve ser» (idem, p. 12). Essa síntese de contrários já se encontrava na
teorização dos românticos alemães, perante os quais Victor Hugo guarda a sua dívida (cf.
Wolfgang Kayser, The Grotesque in Art and Literature, Nova Iorque, McGrawHill, 1966, pp.
56-59). Para uma análise formal das metamorfoses internas ao binómio grotesco-sublime, cf.
Suzanne Guerlac, The Impersonal Sublime ugo au elaire Lautréamont, Stanford,
Stanford University Press, 1990, pp. 33-55.
39

multiplicação fenoménica das categorias estéticas, numa lógica produtiva


levada ao infinito, pois «O belo só tem um tipo; o feio, mil»114. A síntese
grotesco-sublime reporta-se, portanto, à ontologia da decomposição, destruindo
o poderio do belo etéreo, uno e inumano.
Quando, em 1857, Les Fleurs du Mal vem a lume, a estética do feio ou do
belo horrível tem já o terreno livre. A beleza oximórica que Baudelaire exalta,
desde logo a partir do título, é a «beleza maldita», «medusiana», como lhe
chama Mario Praz115. No poema «Hymne à la Beauté», o poeta eleva o sublime
às suas profundezas numa operação de síntese entre os movimentos de
ascensão e de queda116. O Spleen e o Ideal formam o magma poético que
irrompe desta poesia vulcânica. Os padrões axiológicos são subvertidos quando
a «empatia com o inorgânico»117 resulta numa sensibilização da matéria
deteriorável que sofre um processo de sublimação estética. Como demonstrou
Erich Auerbach, ao coroar a fusão da realidade grotesca com a linguagem
sublime, Baudelaire instaura a modernidade118. Na poesia baudelairiana, reino
do paradoxo por excelência, a eternidade e imutabilidade do belo consumam-se
na corrupção temporal — e moral — da carne. A beleza baudelairiana é, afinal,
uma luz negra que dá a ver o âmago do ser na escuridão.
Sublime do mal, a beleza atroz da obra do Conde de Lautrémont levará mais
longe a relação entre volúpia e dor, eixo central da teoria burkeana sustentada
pelo empirismo setecentista que constituiu a base da estética romântica. Em
Les Chants de Maldoror, escrito nos anos de 1868 e 1869, o êxtase do

114
Victor Hugo, Prefácio a Cromwell, op. cit., p. 13.
115
Cf. «La Beauté de Méduse», in Mario Praz, La Chair, la Mort et le Diable dans la
Littérature du XIXe Siècle: Le Romantisme Noir, Paris, Gallimard, 1998. Testemunhando essa
vertente obscura da beleza, em Journaux Intimes, Baudelaire escrevia: «mal posso conceber
um tipo de beleza onde não haja Infortúnio [Malheur]» (apud idem, p. 67). Veja-se, a este
propósito, a leitura psicanalítica que Pierre Jean Jouve apresenta sobre a estética do infortúnio
baudelairiana na obra Tombeau de Baudelaire, Paris, Seuil, 1958.
116
Como notou Walter Benjamin: «A beleza particular de tantos começos de poemas de
Baudelaire é: o emergir do abismo» («Charles Baudelaire: Um Poeta na Época do Capitalismo
Avançado», in A Modernidade, Lisboa, Assírio & Alvim, 2006, p. 151).
117
Idem, p. 57. Noutro passo do seu ensaio sobre o poeta francês, o crítico marxista adianta:
«Na declarada oposição de Baudelaire à natureza esconde-se antes de mais um profundo
protesto contra o ‘orgânico’. Em comparação com o anorgânico, a qualidade instrumental do
orgânico está muito limitada. Tem menos disponibilidade» (idem, p. 171).
118
Cf. Erich Auerbach, «As Flores do Mal e o Sublime», in Ensaios de Literatura
Ocidental, São Paulo, Editora 34 / Livraria Duas Cidades, 2007.
40

criminoso é legitimado pela beleza do crime num sublime de teor escatológico.


Como no ensaio ficcional de Thomas De Quincey, On Murder Considered as
one of the Fine Arts, publicado em 1827, o crime assume o estatuto de objeto
artístico. Fenómeno de esteticização do ético, a atrocidade bela ou o prazer da
subversão representam o sublime do celerado cujo olhar estético subverte
qualquer matriz moral119. A subversão, ao nível estético, dá-se, nesta literatura
mutante, através da sua natureza densamente tropológica, mediante processos
de permanente metamorfose120.
Maldoror, investido de uma força sobre-humana, trava um combate com o
Omnipotente. A vingança deste Prometeu moderno é motivada pela injustiça e
pelo ludíbrio manifestos através da conduta do Criador. O homem, afinal, não
foi feito à imagem de Deus — o homem é um ser feito de matéria, por natureza
finito, enquanto Deus é o espírito que atravessa o infinito espácio-temporal. As
barreiras entre o bem e o mal compadecem-se com a mácula humana, condição
que faz Maldoror abominar também os seus semelhantes subjugados. Com
efeito, ao destruir limites, Lautréamont entra numa lógica da transcendência,
cujo diabolismo é o símbolo da dispersão, a marca da disrupção das regras
subordinantes, uma forma de assinalar a possibilidade de tudo, sem quaisquer
constrangimentos teológicos ou éticos121. A apoteose do mal impõe-se como
corolário da entrega incondicional à liberdade, ao inteiro absoluto, à franca
ausência de limites. O sublime desta literatura reside então no fascínio da
concretização infinita dos impossíveis — éticos e estéticos. O mal
lautreamontiano é, por isso, um mal elevado, arquétipo do génio humano.

119
Neste aspeto, aliás, Lautréamont é um clássico à maneira do Marquês de Sade, na
medida em que alia uma estética da delicadeza a uma ética do terror.
120
Cf. Suzanne Guerlac, op. cit., pp. 125-129.
121
O mal serve a intenção de libertar a ação humana de quaisquer restrições, e essa
liberdade é assumida por Lautréamont como bem. Livre, o homem exerce-se no seu máximo
esplendor. Pelo contrário, a tirania de Deus torna-o um ser absolutamente abjeto e maligno.
Neste contexto, Lautréamont insere-se na corrente romântica que Václav Černý designou por
titanismo, ao reconhecer na figura de Deus a representação da crueldade e do despotismo: «O
titanismo reivindica pois Satã e Cristo como auxiliares míticos da humanidade contra o mal
cuja consciencialização é seguida por um anseio de purificação que começa por ser a rejeição
do dogma e da submissão, revolta concertada contra uma situação de facto imposta do exterior
e não ratificada pela razão do homem» (Raymond Trousson, Prometeu na Literatura, Porto,
Rés, s/d, p. 326). O romantismo titânico identifica, assim, o mal metafísico com o par Zeus /
Deus e o bem libertador com a dupla Prometeu / Homem.
41

O confronto do homem com o seu próprio horror pautou de modo


terminante a arte do período romântico. Sob os auspícios das trevas
miltonianas, o Romantismo literário foi marcado por uma vasta linhagem de
malditos. Aloysus Bertrand, Gérard de Nerval, Edgar Allan Poe, Théophile
Gautier, Charles Baudelaire ou Lautréamont, entre outros, consagraram o rosto
diabólico do sofrimento humano. Se, nos finais do século XVIII, os figurinos
esquálidos do sublime gótico encenavam o medo da morte num contexto
sobrenatural que recobrava um memento mori, já no dealbar do século XX, os
esgares espasmódicos dos rostos expressionistas, herdeiros diretos de
L’ omme qui Rit hugoliano, denunciavam o desespero humano perante a
consciência aguda e persistente da dor de viver. No período que confinou esses
dois momentos, o ser humano, ao mesmo tempo que se projetava no seu
apogeu histórico, meditava sobre a sua própria miséria, reflexão essencial que
assomou na produção artística do homem oitocentista, vitorioso e vencido,
esperançado e angustiado, vivendo no seu interior essa metamorfose do
sublime cuja vitória comporta uma inexorável derrota.
A experiência da transgressão contaminou a estética romântica nos seus
contornos éticos, capitalizando o eterno novo como marca distintiva da
modernidade122. O século das belas-artes havia sido fundador ao lançar as
pedras da constituição de uma filosofia da arte, de uma crítica da arte e de uma
estética. A época ulterior, por sua vez, será determinante para consolidar a
multiplicidade da experiência estética consumada de forma radical no interior
do próprio sujeito. A calística baumgartiana de raiz platónica evolui então para
uma estética produtiva dos mil feios123. Na história dessa rutura, o sublime
desempenha um papel preponderante enquanto categoria da metamorfose,
característica pela qual surge acoplado ao grotesco. Na verdade, a beleza nunca
se destilará do sublime — ela ficará sempre, até aos dias de hoje, como um
padrão de gosto ou de sensibilidade. É o sublime, pelo contrário, que se
apodera definitivamente do belo e que, absorvendo-o, o subverte. O sublime

122
Para a tradição da rutura instaurada pela modernidade romântica, veja-se o capital
ensaio de Octavio Paz, Los Hijos del Limo: Del Romanticismo a la Vanguardia, Barcelona,
Seix Barral, 1974, esp. pp. 15-35.
123
Como se viu, Baumgarten edificou a sua estética sobre o Belo, kalos em grego. Kalística
ou calística foi uma proposta de designação da disciplina teórica surgida na época, que não
vingou, em favor do termo estética.
42

constitui-se, então, como par inter pares numa proliferação de categorias que
assinalam a maturidade do pensamento estético em Setecentos. E, pela
capacidade de elevação da matéria humana abandonada pelo farol divino, o
sublime transforma-se na categoria estética correlativa da categoria
histórico-estilística o romântico.
O SUBLIME E A TEORIA DO GÉNIO

[...] Tão sublime erguido no voo do génio [...].

Camilo Castelo Branco, «Velasquez»

Nada de regras para o talento.

Camilo Castelo Branco,


«Carta a José Barbosa e Silva 28/03/55»

Pseudo-Longino distingue cinco fontes do sublime: a grandeza de espírito, o


pathos, as figuras (de pensamento e de estilo), a elocução e a composição. Se
as duas primeiras concernem predominantemente à physis, as três últimas
recaem sobre a techne. Natureza e artifício não devem porém ser entendidos
como domínios incomunicáveis, mas porosos entre si. Se a natureza dá a regra
à arte, não prescindem ambas de uma impregnação recíproca, sem a qual não
se exercem em pleno direito124. Este é, aliás, um tópico comum da poética
clássica, presente nomeadamente no Tratado da Imitação de Dionísio de
Halicarnasso e na Arte Poética horaciana125. Além disto, a mimesis longiniana

124
Deste modo, Pseudo-Longino comenta: «[...] a natureza, nos momentos de patético ou
de elevação, confere a si mesma uma regra, do mesmo modo não costuma libertar-se ao acaso
nem ser completamente alheia ao método; porque é ela que fornece o elemento primeiro e
arquetípico para a génese de toda a produção [...]»; «A grandeza abandonada a ela mesma, sem
ciência, privada de apoio e de fundamento, corre os piores perigos, abandonando-se
exclusivamente ao arrebatamento e a uma ignorância audaz; pois se é necessário muitas vezes
o aguilhão, também o é o freio»; «[...] a arte é perfeita quando parece ser natureza, e
inversamente a natureza atinge o seu fim quando encerra a arte sem que a vejamos» (op. cit.,
pp. 53, 53-54 e 92).
125
Horácio escreve: «Há quem discuta se o bom poema vem da arte se da natureza: cá por
mim, nenhuma arte vejo sem rica intuição e tão-pouco serve o engenho sem ser trabalhado:
cada uma destas qualidades se completa com as outras e amigavelmente devem todas
cooperar» (op. cit., p. 105). Por seu turno, Dionísio de Halicarnasso sintetiza do seguinte modo
as regras para obter uma obra excelente: «Três são as coisas que nos hão-de proporcionar o
mais alto grau de destreza nos discursos de intervenção pública, bem como em qualquer arte ou
ciência: uma natureza dotada, um estudo aturado e uma exercitação diligente» (Tratado da
Imitação, Lisboa, Instituto Nacional de Investigação Científica / Centro de Estudos Clássicos
da Universidade de Lisboa, 1986, p. 48).
44

partilha o mesmo fundamento da imitatio horaciana teorizada muito


provavelmente no século anterior: a emulação dos génios da literatura que
formam um horizonte de expectativas no sujeito escrevente126. A partir desse
daemon mediador, o génio poético investe-se a si próprio na poesia que
escreve. Segundo Pseudo-Longino, «a alma do escritor monta com ele sobre o
faetonte, com ele corre o risco dos cavalos, e com ele levanta voo», «pois, se
não fosse levada na mesma viagem para as explorações celestes, ela jamais
conceberia tais aparições»127. Horácio, por seu turno, adverte: «se queres que
eu chore, hás-de sofrer tu primeiro: só teus infortúnios podem comover-me»128.
Convém, apesar de tudo, notar a diferença: se Horácio propõe uma
identificação entre sujeito poético e sujeito escrevente, Pseudo-Longino segue
precisamente no sentido inverso, ao dar primazia à faculdade produtiva da
imaginação. Por outro lado, a par do labor limae horaciano, também o autor
grego defende o esforço inerente à ação do homem elevado129. Além disso,
ambos os poeticistas se mostram indulgentes com as falhas dos génios, pois
sabem destrinçar o poder magnético de uma obra genial e a correção anestésica
dos autores menores130. Para Pseudo-Longino, e à semelhança de Horácio, a
grande obra de arte nasce da inspiração num momento irrepetível (kairos) que
é fruto de uma longa experiência131. Mas enquanto Horácio restringe o discurso
elevado à poesia, o sublime em Pseudo-Longino atravessa uma gama de
géneros surpreendentemente variada, desde textos historiográficos a
filosóficos, religiosos, políticos e poéticos.
Consciente das vulnerabilidades que ensombram esta categoria, o autor do
tratado Peri Hupsous ressalva o sublime de três perigos que lhe são próximos:
a natureza quando liberta do freio da técnica, a puerilidade e a afetação estéril.
Esta esterilidade é fatal em muitos discursos que não conseguem gerar a cadeia

126
Cf. Horácio, op. cit., p. 85; e Longino, op. cit., pp. 76-77. A mesma ideia de emulação
surge também em Dionísio de Halicarnasso: «A imitação é uma actividade que, segundo
determinados princípios teóricos, refunde um modelo» (op. cit., p. 49; cf. idem, pp. 60-61).
127
Longino, op. cit., p. 81.
128
Horácio, op. cit., p. 65.
129
Cf. Longino, op. cit., p. 128.
130
Cf. Horácio, op. cit., p. 97.
131
Cf. Longino, op. cit., p. 60; e Horácio, op. cit., p. 101.
45

magnética de que fala Sócrates no Íon132. A literatura sublime provoca o êxtase


naquele que a vive — esse fora-de-si deriva de uma produção de imagens
original, uma vez que, tal como o poeta, o leitor se revela, em segunda
estância, criador: «graças à natureza, sob o efeito do verdadeiro sublime, a
nossa alma eleva-se e alcança os altivos cumes, enche-se de alegria e de
exaltação, como se tivesse concebido ela própria o objeto que tinha
apercebido»133. No sublime, portanto, o sujeito confunde-se com o objeto. E é
esse o critério distintivo da obra sublime, que corresponde no pensamento
longiniano à obra de génio134.
Através da recuperação da herança clássica, a Itália renascentista será o
palco do debate em torno do génio, discussão preponderante na constituição da
poética e da estética ocidentais135. O antropocentrismo revelado nesta época irá
reequacionar os problemas concernentes à natureza da produção poética.
Fomenta-se então intensas lucubrações sobre os temas capitais da imitação e da
originalidade, mas também de Deus, do entusiasmo, da melancolia, da
possessão demoníaca e da loucura, questões que lançam as bases em que
assentará a teoria do génio moderno136. Nesse contexto, desempenha um papel

132
Cf. Platão, Íon, Lisboa, Inquérito, 2000, pp. 49 e 51.
133
Longino, op. cit., p. 61. Acerca deste assunto, Baldine Saint Girons explica: «O
conceito-chave é o abalo ou choque (ekplèxis) que engendra as figurações imaginativas ou as
aparições (phantasiai). [...] O sentido do termo phantasia mudou, como sustenta Longino: já
não se reporta à faculdade representativa em si, dependente das sensações, mas supõe na sua
origem uma paixão e um entusiasmo criadores. As palavras vêm agora colocar perante os olhos
do espírito o que escapa ao regime das sensações. Assim, longe de se restringir à reprodução de
‘visões’, a imaginação criou novas imagens, elas próprias ‘fabricantes de imagens’ ou
‘idolopeias’ (eidolopoiias)» (Le Sublime: De l'Antiquité à nos Jours, op. cit., p. 43).
134
Como comenta Pierre Hartmann: «De simples elemento de uma poética, o sublime
eleva-se assim, na perspetiva de Longino, ao nível de um critério discriminativo da boa ou da
má literatura. O sublime já não se contenta em definir um estado particular do discurso, ao
invés torna-se numa instância de jurisdição, e como que o tribunal supremo onde são chamados
a comparecer os escritores do passado» (op. cit., p. 16).
135
Para um conhecimento aprofundado sobre este assunto, cf. o estudo de Noel L. Brann,
The Debate over the Origin of Genius during the Italian Renaissance: The Theories of
Supernatural Frenzy and Natural Melancholy in Accord and in Conflict on the Treshold of the
Scientific, Leiden / Boston / Colónia, Brill, 2002.
136
Os princípios da individualidade e da originalidade no ato criador adquirem considerável
sustentação teórica nesta época, embora, como aponta Edgar Zilsel, a edição de Robortelo do
tratado de Longino, «o mais radical dos textos antigos sobre a individualidade do artista», não
tenha surtido então grande influência (Le Génie: Histoire d'une Notion de l'Antiquité à la
Renaissance, Paris, Minuit, 1993, p. 189).
46

fulcral o humanista Giordano Bruno, nomeadamente com a obra De Gl’ eroici


Furori, publicada em 1585. Esta teoria do amor heroico confina-se numa longa
tradição literária e intelectual dos tratados de amor platónico que conheceram
especial prestígio no pensamento e na literatura de Quinhentos. O filósofo
distingue os poetas que imitam dos poetas que inventam: os primeiros
limitam-se a seguir preceitos, enquanto os segundos são os verdadeiros génios
criadores. Esta distinção entre génios de primeira e génios de segunda será
fundamental no seio da poética romântica, desde logo a partir do influente
ensaio n.º 160 publicado por Addison, em 1711, e depois através da obra
Conjectures on Original Composition (1759) de Edward Young137. Cerca de
duzentos anos antes de Kant afirmar que «Génio é o talento que dá a regra à
arte»138, já o Nolano defendia, no seu diálogo, que «A poesia não nasce das
regras», pelo contrário «são antes as regras que derivam da poesia»139.
Crítico da teoria do amor de feição petrarquista que entendia a mulher como
um objeto de desejo, Giordano Bruno defende a missão divina do amor heroico
que conduz a alma numa ascensão gradual do mundo sensível até Deus por
meio dos objetos inteligíveis. Essa união com o divino não se pode consumar
na vida terrena, pelo que o amor heroico é concebido como um contínuo
tormento, ideia cara aos maneiristas. Segundo Bruno, «não existe deleite sem
um misto de amargo»140, previsão genial da fórmula setecentista de Edmund
Burke, com toda a ascendência que esta teve sobre a estética romântica. A
insistência no sofrimento que acompanha o amor insatisfeito é o que distingue
a teoria bruniana da de outros autores que se ocuparam do mesmo assunto, ao

137
No artigo n.º 160 de The Spectator, dedicado ao tema do génio, Addison faz a distinção
entre o polimento disciplinado, próprio do espírito clássico francês, e a naturalidade do grande
génio original, representado pelo dramaturgo inglês William Shakespeare. A temperatura — ou
intensidade — da escrita é a marca distintiva destes génios de primeira classe, «que têm mais
Calor e Vida nas suas Imaginações» (The Spectator, op. cit., Vol. I, p. 483). Aqui Addison
associa a capacidade de elevação ou transporte ao verdadeiro génio: «Homero atinge elevados
voos que Virgílio é incapaz de alcançar, e no Velho Testamento encontramos passagens mais
elevadas e sublimes do que qualquer uma das de Homero» (idem). Por sua vez, recorrendo às
imagens da montanha e do vale, o poeta de Night Thoughts associa a elevação ao verdadeiro
génio, e a superficialidade ao epígono (cf. Edward Young, Conjectures on Original
Composition, Leeds, The Scolar Press, 1966, p. 9).
138
Immanuel Kant, Crítica da Faculdade do Juízo, op. cit., p. 211.
139
Giordano Bruno, Des Fureurs Héroïques, Paris, Les Belles Lettres, 1954, p. 134.
140
Idem, pp. 158-159.
47

relevar a intrínseca nobreza e dignidade do homem que atinge, após esse


percurso de ascensão, a verdade absoluta. O supremo furor, o furor divino, só é
atingido através de um furor heroico e é ao herói que cabe percorrer esse
caminho intranquilo, avassalado por forças antagónicas — paixão / razão, terra
/ céu, abismo / elevação — num permanente conflito interior que faz da
aspiração heroica uma eterna moção vivenciada pelo sujeito.
Nos debates filosóficos e poetológicos de Setecentos, o tema do génio
original tornará ao centro da discussão. Apoiadas nas descobertas do
empirismo associacionista, proliferam as obras que associam nas suas reflexões
o génio e o sublime, de que A Dissertation upon Genius (1755) de William
Sharpe, An Essay on Taste (1759) e An Essay on Genius (1774) de Alexander
Gerard, ou An Essay on Original Genius (1767) de William Duff constituem
expressivos exemplos. Nesta reflexão participa também o filósofo Denis
Diderot com um contributo preponderante. O enciclopedista — atento leitor do
proeminente ensaio Characteristicks of Men, Manners, Opinions, Times (1711)
de Lord Shaftesbury141 — defende que «existem dois tipos de entusiasmo: o
entusiasmo da alma e o da arte. Sem um, o conceito é frio; sem o outro, a
execução é frágil; é a sua união que faz a obra sublime». Na literatura, o sopro
criador insufla, portanto, a inventio, a dispositio e a elocutio, suscitando um
«horror sagrado»142 inerente à criação da obra de arte sublime, a qual encerra
em si mesma esse princípio ativo que será experienciado por todos quantos a
lerem na sua perenidade. Contemporâneo de Edmund Burke, cuja leitura
emerge das suas reflexões estéticas, Diderot vocifera: «Sede terríveis, consinto;
desde que o terror que me inspirais seja temperado por uma grande ideia
moral»143. Dissidente dos padrões normativos da poética clássica, o autor dos
Salons sustenta a divergência entre os domínios do gosto e do génio, num lance
surpreendentemente moderno:

141
Deste conjunto de ensaios, deve ressaltar-se a particular influência de «A Letter
concerning Enthusiasm» (1708), onde Lord Shaftesbury expõe uma teoria do entusiasmo que
assenta no princípio do sensus communis, o sentimento de comoção que pressupõe a
comunicação estética universal entre os sujeitos.
142
Denis Diderot, «Pensées Détachées sur la Peinture, la Sculpture et la Poésie pour Servir
de Suite aux Salons», in Oeuvres Esthétiques, Paris, Garnier Frères, 1959, p. 772.
143
Idem, p. 764.
48

O gosto está muitas vezes separado do génio. O génio é um puro dom da natureza;
aquilo que ele produz é fruto de um instante; o gosto é fruto do estudo e do tempo;
ele conhece uma série de regras ou estabelecidas ou supostas; produz belezas de
convenção. Para que uma coisa seja bela segundo as regras do gosto, é preciso que
seja elegante, finita, trabalhada na sua aparência; para ser de génio, é preciso que
seja negligenciada, que tenha um aspeto irregular, escarpado, selvagem144.

Parecem, assim, evidentes as associações que Diderot estabelece, por um lado,


entre o gosto e o belo, e, por outro lado, entre o génio e o sublime. As
características que concernem à obra de génio — «irregular», «escarpado»,
«selvagem» — são os pontos de fuga que se compadecem com o objeto de
limites ilimitados que Kant reportará ao sublime. Com efeito, Diderot associa o
génio, em sentido próprio, ao sublime, na medida em que «O génio não é
sempre génio; às vezes, ele é mais amável do que sublime; ele sente e pinta nos
objetos menos o belo do que o gracioso; ele experimenta e faz experimentar
menos os transportes do que uma doce emoção»145. Antecipando a conceção
romântica do génio, ao defini-lo como uma «espécie de espírito profético»146
que reage de forma oportuna nas diferentes circunstâncias — numa evidente
reminiscência do kairos longiniano —, Diderot faz prova da sua veia
sensualista, ao considerar que o génio «é melhor sentido do que conhecido pelo
homem que o quer definir»147.
Filhos de Saturno, os românticos irão retomar o legado da teoria
galeno-hipocrática dos humores, incorporando-a na conceção natural da
faculdade produtiva da imaginação como processo de invenção inconsciente148.

144
Denis Diderot, «Article Génie», in op. cit., p. 11. Sobre a negligência enquanto
característica inerente à obra de génio, cf. infra, p. 50, nota 154.
145
Denis Diderot, «Article Génie», in op. cit., p. 11; itálicos meus.
146
Denis Diderot, «Sur le Génie», op. cit., p. 20. Esta ideia, não sendo nova, teve grande
fortuna nos textos teóricos do Romantismo, nomeadamente num ensaio fundador como
Defence of Poetry de Percy Bysshe Shelley, escrito em 1821 e publicado postumamente em
1840, onde o autor conclui: «Os poetas são os legisladores não reconhecidos do mundo»
(Defesa da Poesia, Lisboa, Guimarães, 2001, p. 87).
147
Denis Diderot, «Article Génie», in op. cit., p. 17.
148
Cf. M. H. Abrams, «The Psychology of Literary Invention: Unconscious Genius and
Organic Growth», in op. cit.. Sobre a relação entre o mito de Saturno e o caráter melancólico,
remeto para a obra incontornável da tríade Raymond Klibansky, Erwin Panofsky e Fritz Saxl:
Saturne et la Mélancolie: Études Historiques et Philosophiques (Nature, Religion, Médecine et
Art), Paris, Gallimard, 1989, especialmente a parte II intitulada «Saturne, Astre de la
Mélancolie». O próprio jovem Kant participa dessa tradição, quando, em 1764, associa
categorias estéticas a humores específicos: o sublime ao temperamento melancólico, o belo ao
49

Ethopoièse149 com contornos mais ou menos místicos, a produção poética é


preconizada pelos românticos sob forma de um «espontâneo transbordar de
sentimentos» mediado por um profundo pendor meditativo, pois «todos os
poemas a que se pode atribuir qualquer valor, seja qual for o assunto, foram
sempre produzidos por um homem que, não só possuía uma sensibilidade
orgânica invulgar, mas era também capaz de refletir profunda e
longamente»150. O pendor reflexivo do poeta romântico surge inerentemente
associado à figura do melancólico, cuja acedia passa, ao longo do
Romantismo, por várias metástases151.
O tema da melancolia foi amplamente difundido, neste período, sob o signo
de uma obra do século XVII. De arquitectura magnânima, The Anatomy of
Melancholy (1621) do inglês Robert Burton era sobretudo conhecida pelos
românticos britânicos, a partir dos quais a obra, ou pelo menos a sua aura, se

sanguíneo, e o magnífico ao colérico, deixando de lado o fleumático por considerar este perfil
psicológico alheio à questão estética (cf. Observations sur le Sentiment du Beau et du Sublime,
Paris, J. Vrin, 1997, esp. pp. 30-34).
149
Uso o termo forjado por Jackie Pigeaud com o mesmo propósito com que o autor o
relaciona com a teoria fisiológica do Pseudo-Aristóteles (cf. Jackie Pigeaud, Apresentação de
Aristóteles, L’ omme e Génie et la élancolie Problème XXX 1, Paris, Rivages, 1988, p.
51).
150
William Wordsworth, Prefácio a Lyrical Ballads, op. cit., p. 291. É preciso, por
conseguinte, não esquecer que a teoria romântica do génio natural não é alheia ao caráter
reflexivo necessário e inerente a todo o ato espontâneo da escrita. Coleridge reforça esta ideia,
quando afirma que Shakespeare «não é um mero filho da natureza, não é um autómato do
génio, não é um veículo passivo de inspiração possuído pelo espírito, sem o possuir; primeiro,
estudou pacientemente, meditou profundamente, compreendeu minuciosamente, até o
conhecimento se tornar habitual e intuitivo conciliando-se com os seus habituais sentimentos, e
com o tempo dar à luz aquele estupendo poder pelo qual ele se encontra isolado, sem igual ou
semelhante na sua classe» (Samuel Taylor Coleridge, Biographia Literaria or Biographical
Sketches of My Literary Life and Opinions, Londres / Nova Iorque, J. M. Dent / E. P. Dutton,
1975, p. 180). Este ponto de vista coaduna-se com o pensamento de Pseudo-Longino, segundo
o qual o kairos ou momento decisivo da escrita resulta de um longo período de
amadurecimento reflexivo e crítico. Em pleno século XX, a escrita automática dos surrealistas,
corolário desta conceção romântica da espontaneidade criativa, assenta no mesmo princípio, na
medida em que o ditado do inconsciente se faz a partir do aparecimento à consciência de
experiências vivencidadas, real ou virtualmente, pelo sujeito.
151
Como mostra o estudo de Robert Kopp: «o mal do século de Chateaubriand transforma-
se em spleen em Baudelaire e o spleen torna-se depressão em Hu smans e Sartre» («’ es
imbes Insondés de la Tristesse’: Figures de la Mélancolie omantique de Chateaubriand à
Sartre», in Jean Clair (dir.), Mélancolie: Génie et Folie en Occident, Paris / Berlim, Réunion
des Musées Nationaux / Gallimard / Staatliche Museen zu Berlin, 2005, p. 328; itálicos meus).
50

popularizou em toda a Europa. A esse «génio da melancolia e da meditação»152


Victor Hugo atribuía as raízes do Cristianismo, associação em que assenta a
sua teoria do génio moderno153. O poeta de Méditations fazia ecoar então o
legado da originalidade genial e da defesa da imperfeição orgânica da obra de
génio:

Não obstante, repete-se, e durante algum tempo provavelmente será repetido: —


Sigam as regras! Imitem os modelos! — São as regras que formam os modelos! —
Um momento! Há, nestes dois casos, duas espécies de modelos: aqueles que se
fizeram a partir das regras, e, antes desses, aqueles a partir dos quais se fizeram as
regras. […] chamam defeito ao que chamamos belo. Os defeitos, pelo menos o que
assim designamos, são muitas vezes a condição genuína, necessária, fatal das
qualidades154.

Não é alheia a esta defesa do erro a fortuna romântica que o mito clássico de
Prometeu alcançou155. O titã encerra o signo da liberdade humana, o ímpeto
genial da criação espontânea, num ato de rebeldia com que os românticos se
identificam. Além da sua interpretação político-social, sobretudo no
Romantismo inglês, a reabilitação do deus pagão compreende o estatuto
metafísico que o homem romântico assume, convencido das infinitas
potencialidades da razão humana. Mas, face à aceleração da história,
impulsionada pelas revoluções erguidas homologamente por toda a Europa e
pelos seus dececionantes desfechos, o homem romântico assistiu em pouco
tempo à sua vitória e à sua derrota, o que lhe conferiu a assimilação da

152
Victor Hugo, Prefácio a Cromwell, op. cit., p. 8.
153
A partir do espírito patético, piedoso e extático do Cristianismo, Victor Hugo infere:
«[...] com o cristianismo, e através dele, introduziu-se no espírito dos povos um sentimento
novo, desconhecido dos antigos e singularmente desenvolvido pelos modernos, um sentimento
que é mais do que a gravidade e menos do que a tristeza, a melancolia. […] homem,
dobrando-se sobre si mesmo em presença destas altas vicissitudes, começou a ter piedade da
humanidade, a meditar sobre os amargos escárnios da vida. Deste sentimento, que para o Catão
pagão havia sido o desespero, o cristianismo fez a melancolia» (idem, p. 7).
154
Idem, pp. 25 e 45. Recorde-se que, enquanto David Hume não deixava de recriminar os
defeitos dos grandes criadores, Kant defendia que o erro era um elemento operante na obra de
génio (cf. David Hume, «Do Padrão do Gosto», art. cit., p. 211; e Immanuel Kant, Crítica da
Faculdade do Juízo, op. cit., p. 224). Essa imperfeição perfeita já era defendida por
Pseudo-Longino no seu tratado (cf. Du Sublime, op. cit., esp. pp. 107-108).
155
Cf. Raymond Trousson, «O Prometeu dos Românticos», in op. cit..
51

consciência de perda irredutível156. O mal de vivre deriva dessa consciência


combinada com a vivência vã do discorrer do tempo heraclitiano e a sensação
de impotência perante o teatro do mundo, o da sociedade burguesa e capitalista.
A melancolia lavra, assim, nas consciências poéticas do tempo, a necessidade
de libertação, a que não foi alheia a associação da criação ao sonho e à
experiência alucinogénea157.
Também associada à figura faustiana, a mitologia moderna concebe a
liberdade criativa assemelhando-a à criação na atividade alquímica. No ato
criador, o artista, mergulhado numa espécie de balneum Diaboli, expressão
vulgarizada pelos renascentistas para designar a melancolia, via-se como que
envolvido por um halo maligno, encarnando a figura demoníaca. O Fausto de
Goethe, é certo, alimenta esta modernidade de criadores rebeldes que se
apossam de forças tão mágicas quanto inacessíveis. Prestidigitador do saber
inatingível aos demais mortais, o artista faustiano atinge um valor «universal e
cósmico» ao representar o «esforço humano como factor positivo de
libertação»158. Era, aliás, no verbo que o Fausto goethiano encontrava o
princípio vital da ação humana, expressão das suas mais elevadas capacidades.
Os monstros sublimes revelam-se nesse desafio hercúleo que a obra sublime
exige. Mas não é apenas perante os criadores que se coloca esta exigência, ela
impõe-se também aos seus recetores, porque «Os livros colossais exigem

156
Podemos, por isso, afirmar que «a ideologia do progresso», durante o período
oitocentista, e sobretudo na primeira metade, «carrega em gérmen o sentimento da decadência,
a perceção dolorosa e ansiosa dos perigos que a minam» (Laura Bossi, «Mélancolie et
Dégénérescence», in Jean Clair (dir.), op. cit., p. 399). Cf. Paul Bénichou, L’Ecole u
Désenchantement: Sainte-Beuve, Nodier, Musset, Nerval, Gautier, Paris, Gallimard, 1992.
157
O ópio, entre outros estupefacientes, começou a ser usado por vultos da geração
romântica como meio de aceder a estados de consciência alterados, aproximando visão poética
e alucinação. Confessions of an English Opium-Eater (1821) do inglês Thomas De Quincey é
pioneira no testemunho deste facto. Escritos na sua esteira, os dois opúsculos que compõem
Les Paradis Artificiels de Charles Baudelaire sustentam, porém, que o artista é um ser superior
que contém em si mesmo os elementos transmutadores que operam sobre o real, a saber, o
entusiasmo e a vontade, dispensando assim substâncias artificiais que não trazem verdadeiros
benefícios à criação artística. Não obstante, o poeta francês acredita no poder produtivo do
vinho, considerando mesmo que através dele se pode atingir o «hiper-sublime», conceito que o
autor deixa contudo por explorar (cf. Charles Baudelaire, «Sobre o Vinho e o Haxixe
Comparados como Meio de Multiplicação da Individualidade», in Os Paraísos Artificiais
seguidos de Do Vinho e do Haxixe, Lisboa, Guimarães, 2001, p. 217 e passim).
158
João Barrento, «Fausto, a Ideologia Fáustica e o Homem Fáustico», in João Barrento
(org.), Fausto na Literatura Europeia, Lisboa, Apáginastantas, 1984, p. 201.
52

leitores atléticos»159. À resistência física corresponde a força moral daquele


que experiencia a função vibratória da literatura, no corpo e no espírito, durante
o kairos da leitura. Assim, como o poeta, o leitor é um medium criador de
imagens de cujo esforço resulta a capacidade estésica da obra que o
ultrapassa160. Como o poeta, o leitor goza ainda a angústia do kairos. Com o
fogo do seu entusiasmo e as metamorfoses da sua imaginação, o leitor é, afinal,
também ele um Prometeu edificante161.

159
Victor Hugo apud Baldine Saint Girons, Les onstres u Sublime Victor ugo le
Génie et la ontagne, Paris, Paris-Méditerranée, 2005, p. 7.
160
Cf. Baldine Saint Girons, «Du Paysagiste au Paysageur», in idem.
161
Na expressão visionária de Shaftesbury, o poeta afirma-se como «a second Maker; a just
PROMETHEUS, under JOVE» («Soliloquy: Or, Advice to an Author», in Characteristicks of
Men, Manners, Opinions, Times, ed. fac-similada, Vol. I, Hildesheim e Nova Iorque, Verlag,
1978, p. 207). Expressão de difícil tradução, literalmente «segundo Criador, justo Prometeu
sob Júpiter».
Segunda Parte

O SUBLIME EM AMOR DE PERDIÇÃO

DE CAMILO DE CASTELO BRANCO


O PACTO AUTOBIOGRÁFICO COMO PACTO ESTÉTICO

A mode of terror, or of pain, is always the cause of


the sublime.

Edmund Burke, A Philosophical Enquiry

[...] Esta suprema violência, que fiz ao meu espírito,


deverá ser tida em conta, não de habilidade, mas de
muitíssima força de alma.

Camilo Castelo Branco,


Memórias do Cárcere

[…] sublime é o eco da grandeza de alma.

Pseudo-Longino, Do Sublime

Amor de Perdição foi, para o seu autor, um livro maldito. Nas suas
Memórias do Cárcere, escritas na mesma época do romance, Camilo Castelo
Branco deixou testemunho das circunstâncias que deram origem à sua obra,
testemunho que, pelo seu interesse, se impõe trasladar na íntegra:

O romance escrito em seguimento daquele, foi o Amor de Perdição. Desde menino


eu ouvia contar a triste história de meu tio paterno, Simão António Botelho. Minha
tia, irmã dele, solicitada por minha curiosidade romanesca, estava sempre pronta a
repetir o facto, aligado à sua mocidade.
Lembrou-me naturalmente, na cadeia, muitas vezes meu tio, que ali devera estar
inscrito no livro das entradas, e no das saídas para o degredo. Folheei os livros
desde os de 1800, e achei a notícia com pouca fadiga, e alvoroços de
contentamento, como se em minha alçada estivesse adornar-lhe a memória, como
recompensa das suas trágicas e afrontosas dores em vida tão breve. Sabia eu que em
casa de minha irmã estavam acantoados uns maços de papéis antigos, tendentes a
esclarecer a nubelosa história de meu tio. Pedi aos contemporâneos que o
conheceram notícias e miudezas, a fim de entrar de consciência naquele trabalho.
Escrevi o romance em quinze dias, os mais atormentados da minha vida. Tão
horrorizada tenho deles a memória, que nunca mais abrirei o Amor de Perdição,
nem lhe passarei a lima sobre os defeitos nas edições futuras, se é que não saiu
tolhiço incorrigível da primeira. Não sei se lá digo que meu tio Simão chorava, e
menos sei se o leitor chorou com ele. De mim lhe juro que…
55

Agora me ia fugindo a alma com a pena para uma necedade, que seria pueril e
perdoável, se esta curva, que faço sobre a mesa, me não estivesse admoestando a
retomar o prumo vertical em frente da desgraça162.

Este testemunho, parcialmente enxertado no Prefácio da segunda edição do


romance, concorre decisivamente para uma macroestrutura que, no caso de
Amor de Perdição, excede os próprios metatextos, visto que a receção desta
obra implica a combinação sistemática de eixos internos e externos ao texto
engendrados a partir de dentro da sua própria linguagem.
Se é verdade que a primeira vaga dos estudos camilianistas estreitou, de
forma frequentemente inadvertida, os laços entre a obra e a vida do escritor,
certo é também que a segunda vaga, instaurada, em 1946, com a defesa da tese
de doutoramento de Jacinto do Prado Coelho, vem reconhecer a necessidade
imperativa da análise da emergência autobiográfica na ficção camiliana163.
Mais do que a inspeção dos foros de verdade que sustentam a obra, interessa,
com efeito, compreender o fenómeno autoral — aparentemente extradiegético

162
Memórias do Cárcere, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 2011, pp. 314-315.
163
A primeira vaga de camilianistas fundamentou a sua pesquisa no biografismo literário,
numa tentativa de confirmar ou desmentir as palavras do próprio autor. Esta geração acreditava
que «o grande escritor deixa transparecer pedaços da sua biografia que o leitor atento pode,
querendo, fàcilmente reconstituir» (Oldemiro César, Camilo Castelo Branco: Sua Vida e sua
Obra, Lisboa, Imprensa Nacional, 1914, p. 16). Essa tendência de arqueologia psicológica
manteve-se a ponto de Alberto Pimentel ter escrito uma biografia a partir de excertos da ficção
camiliana. No artigo que dedicou ao assunto, «Iluminar o Conceito de Biografismo em
Camilo», Alexandre Cabral reviu essa perspetiva à luz de uma nova forma de encarar o topos
biográfico na ficção camiliana: «Se é certo que Camilo disseminou por toda a sua bibliografia
particularidades das suas experiências vivenciais com recurso da efabulação […] não podemos
esquecer que Camilo desfigurou as personagens ou os eventos para os integrar na harmonia do
seu cosmos novelístico. […] a máxima preocupação do escritor era a verosimilhança interna da
história que estava a contar, sem querer saber se ela reflectia minimamente a verdade histórica»
(Tellus, 19, Vila Real, Julho de 1990, p. 7). Aníbal Pinto de Castro, defendeu, recorrentemente,
em vários ensaios seus, a necessidade de uma análise dos processos de transfiguração poética
por que passaram imensos episódios da vida de Camilo, análise concretizada em parte por um
discípulo seu, João Paulo Braga, na sua dissertação de doutoramento Retórica da Ficção: A
Construção da Narrativa Camiliana (Dissertação de Doutoramento apresentada à
Universidade Católica Portuguesa, Braga, 2011). Note-se que, na segunda edição da sua tese,
Jacinto do Prado Coelho acrescentou um capítulo final intitulado «Do Verídico à Ficção»,
mostrando uma postura mais moderada face aos compreensíveis estruturalismo e
antibiografismo dominantes da primeira edição da obra. É o próprio, aliás, que o admite, num
subcapítulo inicial intitulado «A Equação Biografia-Obra»: «Expoente privilegiado da ironia
romântica, o novelista do Amor de Perdição problematiza o seu eu de narrador, leva-nos a
perguntar que subtis relações existem no discurso narrativo entre a vida e a ficção, ou se vida e
ficção não são até a mesma coisa, numa espécie de baile de máscaras» (op. cit., p. 23). É nesta
senda que tendencialmente se situam os camilianistas da atualidade.
56

— que irrompe na ficção camiliana, nomeadamente em Amor de Perdição164.


Como escreveu Abel Barros Baptista:

A resistência ao anonimato e a reiterada inscrição do nome próprio — o dizer e


repetir, em diversas formas, «Sou eu, Camilo, quem aqui escreve…» —
representam o primeiro traço que decorre por inteiro do peculiar processo de
instituição do romance na moderna literatura portuguesa e, portanto, do próprio
processo de formação de uma literatura moderna165.

Os romances de Camilo detêm, assim, o estatuto de signos de vida, e, nesse


encalço, o narrador institui-se como um autor-narrador-personagem166.
Na cadeia, em ardente estado passional, Camilo terá dado «voz a uma
transfiguração sublime da consciência quotidiana»167, num processo criativo
cuja temperatura se manteve na hemorragia do verbo. Com efeito, a marca
desse kairos ficará inscrita na estrutura do romance. O narrador-autor é uma
figura da escrita, figura pendida168. Dobrado sobre a sua mesa de trabalho,

164
A veracidade histórica subjacente à intriga de Amor de Perdição foi deslindada, entre
outros, por Luís A. de Oliveira Ramos, no artigo «Uma Figura de Camilo no Amor de
Perdição», Porto, Centro de Estudos Humanísticos, 1964; por Alberto Pimentel, na obra Notas
sôbre o Amor de Perdição, Lisboa, Guimarães & C.ª, 1915; por Jacinto do Prado Coelho, op.
cit., pp. 438-446; por Aníbal Pinto de Castro, no seu «Estudo Histórico-Literário», introdução a
Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição: Memórias duma Família, Rio de Janeiro / Porto,
Real Gabinete Português de Leitura / Lello & Irmão, 1983, esp. XXXVIII-LIV; e por João
Paulo Braga, na sua tese intitulada Retórica da Ficção: A Construção da Narrativa Camiliana,
Dissertação de Doutoramento apresentada à Universidade Católica Portuguesa, Braga, 2011,
esp. pp. 213-215.
165
Abel Barros Baptista, Apresentação de Amor de Perdição: Uma Revisão, Coimbra,
Angelus Novus, 2009, p. 11. Esta tese atravessa os ensaios deste autor, a partir da obra Camilo
e a Revolução Camiliana, tese que é, na sua essência, partilhada pelos camilianistas da mesma
geração.
166
Cf. Signes de Vie: Le Pacte Autobiographique, Paris, Seuil, 2005. Nesta obra, Lejeune
revê os princípios teorizados em Le Pacte Autobiographique (Paris, Seuil, 1975). Cf. Louis
Marin, «Corps et Signes dans l’Autobiographie: La Vie de Henry Brulard de Stendhal (chap.
II, III et XXXIX)», in L’Ecriture e Soi, Paris, Presses Universitaires de France, 1999, pp.
63-81.
167
Luís Adriano Carlos, «Um Génio que não Era um Santo», prefácio a Óscar Lopes,
Ensaios Camilianos, Porto, Fundação Eng.º António de Almeida, 2007, p. 13.
168
Sobre a pregnância melancólica das figuras pendidas, cf. Jean Starobinsky, «Les Figures
Penchées: ‘ e C gne’», in La Mélancolie au Miroir: Trois Lectures de Baudelaire, Paris,
Julliard, 2010.
57

escreve «de veia aberta»169, dando de comer à sua arte por meio das suas
próprias vísceras170. O texto ganha, assim, essa dimensão vibrátil, que não terá
sido alheia às próprias condições de produção do romance171. A rapidez com
que foi escrito172 é bem prova dessa «plena combustão de fosforo cerebral»173
que sentia quando o escreveu.
Com efeito, não se pode desligar a circunstância de clausura que o narrador
invoca ao interesse suscitado pela história. Na Introdução ao romance, o
autor-narrador assume que «aquelas linhas» encontradas por ele nos registos da
cadeia foram «de propósito procuradas». Esta intenção justifica-se pelo ódio,
que, logo a seguir, o narrador confessa, sentimento que transporta o próprio
sujeito da enunciação para o centro da instância diegética. Na verdade, nenhum
leitor ignora, ou deve ignorar, que quem escrevia era Camilo Castelo Branco, o
escritor, encarcerado nas Cadeias da Relação do Porto por crime de adultério,
esperando o julgamento à mercê dos códigos morais da época. A interseção do
ethos e do pathos na figura do narrador-autor é visada pelo logos, a história por
ele narrada:

Amou, perdeu-se, e morreu amando.


É a história. E história assim poderá ouvi-la a olhos enxutos a mulher, a criatura
mais bem formada das branduras da piedade, a que por vezes traz consigo do céu
um reflexo da divina misericórdia; essa, a minha leitora, a carinhosa amiga de todos

169
Teixeira de Pascoaes, O Penitente: Camilo Castelo Branco, Lisboa, Assírio & Alvim,
2002, p. 163.
170
Trata-se de outro caso de mise-en-abîme na obra, pois também Simão assume o papel de
escritor quando encarcerado na Cadeia da Relação.
171
Partilha-se aqui da opinião de Alberto Pimentel Filho: «O certo é que êsse livro foi
escrito sob uma funda impressão moral, que a reclusão deveria aumentar» (Nosografia de
Camilo Castelo Branco, Lisboa, Guimarães & C.ª, 1925, p. 53).
172
A investigação levada a cabo por Ivo Castro vem confirmar que, no método de escrita
deste romance, predominou a espontaneidade e a ausência de planificação prévia (cf.
Introdução a Camilo Castelo Branco, Amor de Perdição, ed. genética e crítica por Ivo Castro,
Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2007, passim).
173
Camilo Íntimo: Cartas Inéditas de Camilo Castelo ao Visconde de Ouguela, Lisboa,
Clube do Autor, 2012, p. 134. O recurso às metáforas químicas é, de resto, frequente em
Camilo para designar a sua atividade literária. Dissertando sobre o génio, o psiquiatra Sousa
Martins, contemporâneo de Camilo, discorria na sua nosografia de Antero: «Não só no sentido
etymologico e no physico, o phosporo é o portador de luz. Também no sentido psychico» (José
Tomás de Sousa Martins, «Nosographia de Anthero», in AA. VV., Anthero de Quental: In
Memoriam, Porto, Mathieu Lugan Editor, 1896). Espera-se ter oportunidade de, em estudo de
maior fôlego, estudar a questão do génio em Camilo.
58

os infelizes, não choraria se lhe dissessem que o pobre moço perdera honra,
reabilitação, pátria, liberdade, irmãs, mãe, vida, tudo, por amor da primeira mulher
que o despertou do seu dormir de inocentes desejos?!
Chorava, chorava! Assim eu lhe soubesse dizer o doloroso sobressalto que me
causaram aquelas linhas, de propósito procuradas, e lidas com amargura e respeito
e, ao mesmo tempo, ódio. Ódio, sim… A tempo verão se é perdoável o ódio, ou se
antes me não fora melhor abrir mão desde já de uma história que me pode acarear
enojos dos frios julgadores do coração, e das sentenças que eu aqui lavrar contra a
falsa virtude de homens, feitos bárbaros, em nome de sua honra174.

O contexto jurídico domina neste discurso emotivo do narrador-autor, cuja


intenção acaba revelada: narrar o outro para se narrar a si mesmo.
Esta questão convoca, desde logo, o problema do estatuto híbrido do
narrador, que, como assinalou Aníbal Pinto de Castro, é recorrente na ficção
camiliana175. Porém, no caso de Amor de Perdição, exige uma compreensão
diferenciada, na medida em que o narrador-autor aparece simultaneamente
como autodiegético, homodiegético e heterodiegético, entrecruzando três tipos
de focalização: a focalização zero, a focalização externa e a focalização
interna176. Amor de Perdição assume-se, desde logo no seu subtítulo,
Memórias de uma Família, como um texto memorialístico, na medida em que
o narrador-autor é familiar do protagonista, um tio com o qual não conviveu,
mas cuja contiguidade, como se verá, excede a consanguinidade. O

174
AP, p. 143; itálicos meus.
175
Cf. Aníbal Pinto de Castro, Narrador, Tempo e Leitor na Novela Camiliana, Vila Nova
de Famalicão, Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão / Centro de Estudos Camilianos,
1995, p. 25. Sobre o narrador de Amor de Perdição, vejam-se as seguintes análises: Maria
Isabel Rocheta, O Sentimento (do) Trágico na Novela Camiliana, Dissertação de
Doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 1987, pp.
137-174; Aníbal Pinto de Castro, Narrador, Tempo e Leitor na Novela Camiliana, op. cit., esp.
23, 25, 32-36, 48-49; Rosa Maria Sequeira, «Amor de Perdição: Contribuições para o Estudo
do Narrador», Lusorama, 6, Novembro de 1987; e João Paulo Braga, Retórica da Ficção: A
Construção da Narrativa Camiliana, op. cit., passim.
176
Para cada um desses tipos de focalização, vejam-se os respetivos exemplos: de
focalização zero — «Simão Botelho reflectiu alguns minutos, e convenceu-se de que o
dinheiro recebido era de João da Cruz. Quando saiu com espírito desta meditação, tinha os
olhos marejados de lágrimas»; de focalização externa — «Um dos seus criados tinha ido levar
a beber os machos, e, por descuido ou propósito, deixou quebrar algumas vasilhas que estavam
à vez no parapeito do chafariz»; e de focalização interna — «Pararam as liteiras vazias na
portaria, e logo depois chegaram três senhoras vestidas de jornada, que deviam ser as irmãs de
Baltasar acompanhadas de dois mochilas com as mulas à rédea» (AP, respetivamente pp. 335,
163 e 313; itálicos meus). Segue-se aqui a terminologia da teoria narratológica de Gérard
Genette exposta nas obras Discurso da Narrativa (Lisboa, Vega, 1995) e Nouveau Discours du
Récit (Paris, Seuil, 1983).
59

narrador-autor é, por outro lado, um narrador heterodiegético no sentido em


que não participa na diegese de terceira pessoa, a história de amor de Simão,
Teresa e Mariana. O narrador-autor é, finalmente, autodiegético, na medida em
que Amor de Perdição se assume originariamente como uma narrativa de
primeira pessoa.
Na verdade, o romance apresenta-se dividido em duas instâncias narrativas
que, até ao momento, não têm sido como tal reconhecidas. Essas duas
instâncias narrativas compreendem dois sistemas temporais distintos, um atual
e um inatual, sendo que o primeiro subsiste, no tempo, prévia e posteriormente
ao segundo177. Temos, então, dois eixos narrativos cujo narrador coincide,
comportando-se no nível narrativo primário como autodiegético e no nível
narrativo secundário como heterodiegético. Na interseção de ambos os eixos, o
narrador desempenha um papel homodiegético178.
Além de ser o ponto de referência a partir do qual se gera um campo
mostrativo imaginário, o narrador começa por construir ele-próprio um campo
mostrativo concreto cujas coordenadas espácio-temporais se alicerçam no
campo mostrativo textual. Antes da narração da segunda intriga começar, já a
primeira está instaurada pelo narrador-autor a partir de mecanismos de
indexicalidade. De facto, a presença dominante de uma deixis ad oculos não

177
Cf. Fernanda Irene Fonseca, Deixis, Tempo e Narração, Porto, Fundação Eng.º António
de Almeida, 1992, pp. 187-194.
178
Esta infiltração do narrador no plano diegético tem sido recorrentemente notada. Porém,
no que concerne ao caso específico de Amor de Perdição, faltava firmar o reconhecimento do
estatuto diegético inerente ao próprio eixo em que se situa o narrador. Talvez seja Helena
Buescu a oferecer uma perspetiva mais próxima daquela que aqui se pretende defender: «A
consciência de uma prática autoral é muito claramente pertinente no interior deste universo,
não o sendo com certeza do mesmo modo noutros: aqui, o autor-Camilo não se considera
distanciável da produção romanesca que concebe, o que é sem dúvida um dos vectores por que
a estética romântica se autoapresenta. É neste quadro que devem também ser entendidas todas
as constantes irrupções do autor (que não é apenas narrador) na história que conta. Essas
intrusões têm, justamente, como efeito produzir a imagem de um «intruso» que, embora
sabendo-se fora do universo romanesco de primeiro plano (o das personagens), considera
viável e pertinente o estabelecimento de relações quase imediatas desse plano consigo próprio.
A dimensão axiológica do seu universo ficcional é, desta perspectiva, componente básica:
porque se parte da concepção de um universo / objecto que não faz qualquer sentido sem o
sujeito que o orienta, comenta e, afinal, lhe dá origem. Por outro lado, este «desenho» críptico
(pelo menos, estilhaçado) da figura do «autor» / sujeito leva a que seja também uma certa
forma de história pessoal a que se conta: essa dimensão axiológica indiscutivelmente vai
fazendo uma outra narrativa, que diz respeito aos valores morais, sentimentais, éticos e
biográficos do sujeito que a si próprio se representa» («Enlaces e Desenlaces da Biografia: O
Caso de Camilo», in A Lua, a Literatura e o Mundo, Lisboa, Cosmos, 1995, pp. 141-142).
60

apenas serve como estratégia de veridicção, mas — o que ainda não foi notado
— como princípio de narratividade, ao criar um espaço-tempo onde se insere
uma personagem. A resistência em atribuir ao narrador-autor um tal estatuto
deriva fundamentalmente da ausência de acontecimentos nos quais o narrador
participa179. A verdade é que se trata de dois níveis diferentes: se Simão
Botelho é o protagonista da segunda intriga, Camilo Castelo Branco é-o da
primeira. Vai-se, por isso, mais longe do que Maria de Lourdes Ferraz, ao
declarar-se que o narrador não apenas avulta na obra como entidade discursiva,
mas participa nela como personagem, e personagem de primeira ordem180.
É preciso admitir, contudo, que, na verdade, praticamente nada se passa
nesta instância, em que o discurso comentativo domina claramente sobre o
discurso narrativo.181 Ao discorrer do tempo próprio da narratividade,
sobrepõe-se uma discursividade sem tempo, agarrada a um estático origo —
eu-aqui-agora. Por meio de um efeito mimético, a instância diegética do
narrador-protagonista apresenta uma durée que reflete um espaço fechado onde
impera o não-acontecimento. Nada acontece, à exceção de uma ação contínua
que o leitor vai pressentindo, ao longo da leitura da obra, muito por causa das
estratégicas autorreferências feitas pelo narrador ao longo do corpo do texto e,
sobretudo, fora dele182. Essa ação contínua é a escrita, que o leitor acompanha
numa sensação simultânea de distância e intimidade.

179
Cf. Rosa Maria Sequeira, art. cit., p. 22: «Creio que não se poderá considerar o narrador
como uma personagem que participa da acção — actante na terminologia de Greimas. As suas
intromissões, que são frequentes e nítidas, não alteram o curso dos acontecimentos, não se
situando, portanto ao nível das personagens».
180
A este propósito, ver a opinião de Maria de Lourdes Ferraz no ensaio «Camilo
Personagem de Camilo?», Tellus: Revista de Cultura, 18, Vila Real, Julho de 1988, esp. pp.
32-33.
181
Salvo, na verdade, um episódio acontecido no escritório do advogado Joaquim
Marcelino de Matos, a que o narrador-autor diz ter assistido, visto que gozava de autorização
especial para se ausentar, por breves períodos, do cárcere. Este episódio é, como outros na
obra, um motivo de mise-en-abîme.
182
Num levantamento da presença de deixis pessoal concernente à figura do narrador,
contam-se mais de sessenta deíticos. Isto atendendo apenas à deixis pessoal de primeira pessoa,
sendo certo que a deixis espácio-temporal e a deixis pessoal de segunda e terceiras pessoas
também contribuem para essa ancoragem. No que diz respeito à deixis espacial, o
narrador-autor refere-se aos protagonistas — respetivamente, Simão e Teresa — como «aquele
homem» e «aquela ave do céu» (AP, pp. 349 e 353; itálicos meus), colocando-os em pose na
distância estabelecida entre o eu-narrador / personagem aqui-agora-presente e eles-personagens
lá-outrora-ausentes, os quais são recuperados, isto é, feitos presentes por meio da memória e da
imaginação do autor. Noutros exemplos, a indexação do narrador é feita pela combinação de
61

Da deixis ad oculos irrompe um efeito de presença que instaura a


capacidade de dar a ver que o narrador detém. De dar a ver, a ouvir e a sentir.
Esta fenomenologia do sensível percorre todo o romance e é em grande parte
responsável pela constituição do efeito sublime nele. Emergindo dos
subterrâneos que são as notas de rodapé, num processo que funde a indexação
textual com a indexação referencial, a voz do narrador-autor surge em
aparições cuja intermitência mobiliza sincronicamente os efeitos de distância e
intimidade, de obscuridade e claridade, de ausência e presença. As notas de
rodapé ativam, assim, a função fática, visando a co-presença omnipresente do
narrador-escritor ao longo da narrativa. A clandestinidade textual a que se
submete reflete o enclausuramento e a escuridão em que Camilo se mantém,
reportando a deixis textual à deixis referencial. Com efeito, ao nível semiótico,
as notas de rodapé, dispositivo paratextual confinado ao fundo da página,
agudizam a impressão de ocultação e de obscuridade. Como a cadeia, este tipo
de paratexto é marginal e recluso, marcadamente apartado do corpo do texto.
Assim, pode dizer-se que, em Amor de Perdição, assistimos a duas
instâncias narrativas que funcionam contiguamente. Contudo, a instância
protagonizada pelo narrador institui-se num ritmo lento, completamente
distinto do ritmo célere que pauta a narração. Este tempo pausado que corre

deítico temporal com deítico pessoal: «Um incidente agora me ocorre […]» e «Hoje (21 de
Setembro de 1861) estava eu […]»; ou de deítico espacial com deítico pessoal: «Factos e não
teses é o que eu trago para aqui» (AP, respetivamente pp. 395; 405 e 431; itálicos meus). Em
outros momentos, encontramos deixis pessoal de segunda pessoa de significativa presença, em
que o narrador-autor aproxima o acontecimento narrado à sua circunstância, criando uma
intimidade síncrona entre a primeira e a segunda estâncias narrativas. Vejam-se os seguintes
exemplos que se reportam, respetivamente, a Teresa e a João da Cruz: «Mais lágrimas que
sangue deixaste, ó filha da amargura! Flores são as tuas lágrimas, e do céu me diz se os
perfumes delas não valem mais aos pés do teu Deus […]» e «Deus terá descontado nos
instintos sanguinários do teu temperamento a nobreza de tua alma! / Pensando nas incoerências
da tua índole, homem que me explicas a providência, assombram-me as caprichosas antíteses
que a mão de Deus infunde em alentos na criatura. Dorme o teu sono infinito, se nenhum outro
tribunal te cita a responder pelas vidas que tiraste, e pelo uso que fizeste da tua. Mas, se há
estância de castigo e de misericórdia, as lágrimas de tua filha terão sido, na presença do Juiz
Supremo, os teus merecimentos» (AP, respetivamente pp. 353; 413 e 415; itálicos meus).
Também, por vezes, a ancoragem do narrador se estabelece através do apelo à presença do
leitor: «Teresa Clementina bem a viram transportada da escadaria do templo, onde caíra, à
liteira que a conduziu ao Porto»; «Di-lo-íeis arroubado […]»; «Eram, como sabem, a
correspondência de Teresa e Simão» (AP, pp. 353; 439 e 471; itálicos meus). Por fim, a
presença do narrador está patente em comentários como este que se assinala: «— Se o meu
irmão morrer, que hei-de eu fazer àquelas cartas que vão na caixa? / Pasmosa serenidade a
desta pergunta!» (p. 467; itálico meu).
62

simultaneamente ao tempo ativo da segunda intriga remete justamente para o


silêncio e a dolência desta figura melancólica que é o narrador-escritor.
O autor-narrador do texto vive, portanto, numa «’contiguidade’
fantasmática»183 com o herói da segunda intriga. Assim, a deixis ad oculos
transforma-se em deixis am phantasma e vice-versa. Desta composição dupla
irrompe uma multiplicação especular ad infinitum, em que ambos os
protagonistas, Simão e o escritor, se identificam numa mise-en-abîme184. À
medida que o herói romântico «avança com elevação sobre o abismo»185, o
espectro abismal estende-se infinitamente num fenómeno disruptivo e
contagiante entre os dois feixes narrativos, mediante uma lógica da
negatividade em que o profundo (bathos) replica simetricamente o elevado
(hupsos). Daí assoma o prazer negativo originado por um sublime em cadeia.

183
Annabela Rita, «Um Pacto de Leitura», Colóquio / Letras, 119, Lisboa, Janeiro-Março
de 1991, p. 57. Cf. Philippe Lejeune, Le Pacte Autobiographique, Paris, Seuil, 1975; Annabela
Rita, «O Amor é de Perdição», Boletim da Casa de Camilo, III Série, 8, Vila Nova de
Famalicão, Dezembro de 1986, p. 713; e Mariusa Vieira Gomes, «Memória / Novela, História /
Estória: O Pacto Autobiográfico em Amor de Perdição», in AA. VV., Cleonice, Clara em sua
Geração, Rio de Janeiro, UFRJ, 1995, pp. 536-545. Abel Barros Baptista estende este princípio
a toda obra de Camilo, defendendo que ler a obra camiliana implica sempre ler na «presença
fantasmática» do seu autor (Camilo e a Revolução Camiliana, op. cit., p. 22).
184
Cf. Lucien Dällenbach, Le Récit Spéculaire: Essai sur la Mise en Abyme, Paris, Seuil,
1977; e John J. White, «The Semiotics of the Mise-en-Abyme», in lga Fischer e Max N nn
(ed.), The Motivated Sign: Iconicity in Language and Literature — 2, Amesterdão / Filadélfia,
John Benjamins, 2000.
185
R. A. Lawton, «Technique et Signification de Amor de Perdição», art. cit., p. 77.
ESPAÇO E TEMPO DO SUBLIME

e silence éternel de ces espaces infinis m’effraie.

Pascal, Pensées

A distância é o princípio que configura o pathos na relação amorosa entre


Teresa e Simão. Após três meses de encontros clandestinos à janela dos seus
quartos, dos quais não temos senão conhecimento diferido, os amantes são
sujeitos a uma invisibilidade mútua que, num período de quase três anos,
apenas se quebra em quatro breves instantes: o encontro noturno que Teresa,
desconfiada, acaba por adiar para a noite seguinte; esse novo encontro; o
momento do assassínio de Baltazar Coutinho e o da morte de Teresa. Daí
resulta que o espaço-tempo que medeia cada um dos amantes esteja na origem
de uma resistência da qual emerge uma permanente tensão.
Enquanto Teresa vive familiarizada com a solidão186, Simão, num primeiro
estado de enamoramento, procura intencionalmente o isolamento:

No espaço de três meses fez-se maravilhosa mudança nos costumes de Simão. As


companhias da ralé desprezou-as. Saía de casa raras vezes, ou só, ou com a irmã
mais nova, sua predilecta. O campo, as árvores, e os sítios mais sombrios e ermos
eram o seu recreio. Nas doces noites de estio demorava-se por fora até ao repontar
da alva. Aqueles que assim o viam admiravam-lhe o ar cismador e o recolhimento
que o sequestrava da vida vulgar. Em casa encerrava-se no seu quarto, e saía
quando o chamavam para a mesa187.

O amante de Teresa renega a vita activa para se entregar à vita contemplativa,


numa espécie de misantropia. O locus amoenus em que o amante se inscreve
alimenta-se de um prazer originado pela quietude e pelo silêncio, mas também
pela conformidade dos cenários naturais que projetam o ser na imensidão, além
de favorecem a evasão do amante na sua íntima comunhão com a imagem

186
Acerca da solidão de Teresa, cf. AP, pp. 181 e 203.
187
AP, p. 169.
64

daquela que ele ama188. Esse recolhimento estender-se-á, no regresso a


Coimbra, ao exercício do studium, com o qual Simão pretende garantir uma
economia conjugal futura189.
Contudo, o crime perpetrado por Simão forçá-lo-á a um isolamento
involuntário, embora o criminoso colabore na sua detenção190. Privado de
liberdade ao longo de muitos meses, Simão Botelho vislumbra à distância um
cenário bucólico, experimentando um misto de dor e de desejo:

Simão relê as cartas de Teresa, abre os envoltórios de papel que encerram as flores
ressequidas, contempla o avental de linho, procurando esvaídos vestígios das
lágrimas. Depois, encosta a face e o peito aos ferros da sua janela, e avista os
horizontes boleados pelas serras de Valongo e Gralheira, e cortados pelas ribas
pitorescas de Gaia, do Candal, de Oliveira, e do mosteiro da serra do Pilar. É um dia
lindo. Reflectem-se do azul do céu os mil matizes da primavera. Tem aromas o ar, e
a viração fugitiva dos jardins derrama no éter as urnas que roubou aos canteiros.
Aquela indefinida alegria, que parece reluzir nas legiões de espíritos que se geram
ao sol de Março, rejubila a natureza, que toda pompa de luz e flores se está
namorando do calor que a vai fecundando. Dia de amor e de esperanças era aquele
que o Senhor mandava à choça encravada na garganta da serra, ao palácio
esplendoroso que reverberava ao sol os seus espiráculos, ao opulento que passeava
as suas moles equipagens, bafejado pelo respiro acre das sarças, e ao mendigo que
desentorpecia os membros encostado às colunas dos templos.

188
Além do pitoresco, este cenário bucólico valoriza a natureza intocada pelo homem, que
Addison associa ao sublime, por comparação com o belo, que predomina nos bem tratados
jardins ingleses (cf. op. cit., Vol. III, pp. 286-287). Na sua fenomonologia do espaço poético,
Gaston Bachelard reflete acerca da imensidão como um fenómeno da consciência (cf.
« ’Immensité Intime», in La Poétique de l'Espace, Paris, Presses Universitaires de France,
1984). Cf. também Vincent Pomarède, «’ a Volupté de la Mélancolie’ (Sénancour): Le
Pa sage comme Etat d’Âme», in Jean Clair (dir.), op. cit.; e Frances Ferguson, «In Search of
the Natural Sublime: The Face on the Forest Floor», in Solitude and the Sublime: Romanticism
and the Aesthetics of Individuation, Nova Iorque, Routledge, 1992.
189
Cf. AP, pp. 173, 175, 199, 337, 351, 381 e 383. Sobre a figura do melancólico estudioso,
recolhido no seu escritório ou «banca de estudo» (idem, p. 199), cf. Jean Clair, «La Mélancolie
du Savoir», in Jean Clair (dir.), op. cit..
190
Observa, a propósito, Clara Rowland: «Até então, a acção aliava-se sempre a uma ideia
de movimento, de que o maior exemplo é a alternativa constituída pela hesitação no capítulo
IV: Castro Daire ou Viseu. Depondo as armas, Simão entra na segunda parte da novela
confinado a um espaço fechado, onde a única possibilidade de acção irá lentamente
configurar-se enquanto liberdade de escolha» («O Escolho do Romance», in Abel Barros
Baptista (org.), Amor de Perdição: Uma Revisão, Coimbra, Angelus Novus, 2009, p. 63).
65

E Simão Botelho, fugindo à claridade da luz, e o voejar das aves, meditando,


chorava e escrevia assim as suas meditações […]191.

A doçura que destila daquela vasta harmonia natural castiga mais ainda o
padecimento do seu observador, encerrado num sítio exíguo, lúgubre e estéril.
O ramo de «flores ressequidas» aparece aí como uma natureza morta,
desdizendo a florescência viva e abundante do espetáculo apolíneo exterior192.
Esse contraste vem agudizar o sofrimento do encarcerado, que afasta
intencionalmente o olhar daquele panorama idílico, de modo a evitar tamanho
castigo, pois o vislumbre da «indefinida alegria» daquela natureza animizada
contrasta violentamente com a dor da solidão e do desânimo de Simão193. Essa
dolência é especialmente conferida pelo uso do gerúndio e do imperfeito
durativo, que se opõe à profusa vivacidade do cenário natural suscitada pelos
vastos períodos e pelas enumerações. Além disso, ao ser comparado com os
miseráveis, Simão, ali sozinho, é reconhecido como o mais miserável de todos
os miseráveis, perante os quais a sua dor é sem comparação. Assim, enquanto a
natureza se apresenta na sua fecunda gestação que dá conta do fluir cíclico do
tempo, o preso assiste a uma duração cuja linha de tempo contínua parece
sofrer uma retração.
A opressão do espaço e do tempo não se faz, contudo, apenas sentir na
cadeia com Simão. Também Teresa está confinada aos espaços fechados — o
quarto, na casa do seu pai, e as celas, nos conventos de Viseu e de

191
AP, pp. 381 e 383. A privação de liberdade é uma fonte do sublime, como demonstra
Edmund Burke: «Todas as privações em geral são elevadas, porque são todas terríveis:
Vacuidade, Escuridão, Solidão e Silêncio» (op. cit., p. 65).
192
Estas flores murchas, os papéis das cartas, o avental de linho com as lágrimas que
Mariana chorara aquando da sentença de Simão à forca, e, por último, a trança dos cabelos de
Teresa compõem o relicário de Simão, e são vestígios ou índices da experiência da perdição ou
pulsão do ser-para-a-morte. Walter Benjamin distingue da seguinte maneira a relíquia da
lembrança: «O souvenir é a relíquia secularizada. O souvenir é o complemento da ‘vivência’.
Nele reflecte-se a crescente auto-alienação do indivíduo que faz o inventário do seu passado
como haveres mortos. No século XIX a alegoria abandonou o mundo exterior para se instalar
no mundo interior. A relíquia vem do cadáver, o souvenir vem da experiência morta que,
eufemisticamente, se designa vivência» («Parque Central», in op. cit., p. 177).
193
Como escreve Edmund Bur e: «[…] duas ideias tão opostas quanto possível
reconciliam-se nos seus extremos e, apesar da sua natureza contrária, concorrem a produzir o
sublime» (op. cit., p. 74).
66

Monchique194. Essa clausura que acentua a distância física entre os amantes é


ultrapassada por meio do recurso à correspondência epistolar. As cartas
assumem, neste contexto, um papel essencial na comunicação dos amantes, ao
funcionarem como meio privilegiado, embora não único, de comungarem na
ausência195. Enquanto índice da presença do outro, a carta institui-se como
objeto-fetiche, num efeito de intermitência que estimula a resistência do seu
interlocutor196. Os amantes entregam-se à volúpia verbal sem a garantia da
manutenção do seu fluxo. O sustento do seu desejo encontra-se pois em
permanente crise197. Essa angústia, causa e efeito da resistência, reflete-se de
forma explícita nas dúvidas de constância e fidelidade que ocorrem de parte a
parte198. A função da correspondência epistolar é, por isso, essencialmente

194
Como mostra Esther de Lemos, a ação desenvolve-se em «Espaços fechados, reduzidos
e que progressivamente parecem ir estreitando em torno das personagens à medida que a
tragédia adensa» («Da Casa à Cela», in AA. VV., Camilo: Interpretações Modernas
(Antologia), Porto, Comissão Nacional das Comemorações Camilianas, 1992, p. 23). Segundo
a autora, a casa, nas suas mais variadas formas, representa a instituição sócio-familiar que se
opõe à união dos amantes. Esta opinião é reiterada por outros autores, nomeadamente
Leodegário A. de Azevedo Filho, em «Breve Nota sobre a Liberdade Oprimida no Amor de
Perdição», in Literatura Portuguesa: História e Emergência do Novo, Rio de Janeiro / Niterói,
Tempo Brasileiro / Universidade Federal Fluminense, 1987, esp. 90-91; e Raquel de Sousa
Ribeiro, em «O Espaço na Novela Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco», in AA. VV.,
Congresso Internacional de Estudos Camilianos (24-29 de Junho de 1991): Actas, Coimbra,
Comissão Nacional das Comemorações Camilianas, 1994, esp. 630-631.
195
Note-se que, além das cartas, também há personagens que funcionam como mediadoras
ativas na comunicação entre os amantes, nomeadamente Mariana e João da Cruz.
196
Veja-se a explicação de Edmund Burke acerca da intermitência como origem do
sublime: cf. op. cit., pp. 76-77.
197
Segundo Roland Barthes, «Como desejo, a carta de amor aguarda resposta; impõe
implicitamente ao outro uma resposta, sem a qual a sua imagem se altera, transformando-se
noutra» (Fragmentos de um Discurso Amoroso, Lisboa, Edições 70, s/d, p. 60). Neste sentido,
Simão escreve a Teresa: «É indispensável que te refaças de ânimo para te não assustarem os
arrojos da minha paixão. És minha! Não sei de que me serve a vida, se a não sacrificar a
salvar-te. Creio em ti, Teresa, creio. Ser me ás fiel na vida e na morte. Não sofras com
paciência; luta com heroísmo. A submissão é uma ignomínia, quando o poder paternal é uma
afronta. Escreve me a toda a hora que possas. Eu estou quasi bom. Dize me uma palavra,
chama me e eu sentirei que a perda do sangue não diminui as forças do coração». A insistência
no uso dos imperativos mostra bem a avidez do emissor, arrebatado na incapacidade que sente
em superar a barreira da distância física.
198
Leiam-se, entre outros, estes exemplos: «Simão Botelho releu a carta duas vezes, e à
terceira leitura achou menos afrontosas as bravatas do fidalgo cioso. As linhas finais
desmentiam formalmente a suspeita do aviltamento, com que o seu orgulho o atormentava:
eram expressões ternas, súplicas ao seu amor como recompensa dos passados e futuros
desgostos, visões encantadoras do futuro, novos juramentos de constância, e sentidas frases de
67

fática, na medida em que garante um contacto físico que não se efetiva entre os
interlocutores199.
Essa indigência em que permanecem na sua condição de amantes
conforma-se com a consciência da precariedade do tempo e do espaço: os
espaços, e com eles o tempo, são sempre transitórios, instáveis200. Simão e
Teresa veem-se assim obrigados, pelas circunstâncias, a projetarem-se numa
sucessividade de eventos futuros aos quais tentam dar concretização 201. Mas o
tempo escapa sempre. E, a partir da Segunda Parte, à medida que a
proximidade da pena capital de Simão — depois comutada pelo degredo — e
da morte de Teresa se pressente, os protagonistas vão sentindo a falência dessa
busca inglória em dominar a voracidade do tempo cronológico. A sua
experiência do tempo passa a confinar-se à imobilidade do tempo interior. Com
efeito, após o crime de sangue que decide o rumo da narrativa, a perceção do
tempo sofre uma desaceleração que culmina no momento de suspensão que
antecede a morte de Simão.

saudade»; «A desgraça não abala a minha firmeza, nem deve intimidar os teus projectos. […]
A falta das minhas notícias deves atribuí-la sempre ao impossível» (AP, pp. 199 e 263).
199
Cf. Maria Alzira Seixo, «O Diálogo no Romance», in O Rio com Regresso: Ensaios
Camilianos, Lisboa, Presença, 2004, esp. 154-158; e Teresa Mergulhão, «As Cartas de Amor:
Pragmática e Funcionalidade», in Retórica das Lágrimas em Julie ou La Nouvelle Héloïse, de
J. J. Rousseau, Die Leiden des Jungen Werther, de J. W. Goethe e Amor de Perdição, de
Camilo Castelo Branco, Dissertação de Mestrado em Literatura Comparada apresentada à
Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Lisboa, 2001, esp. pp. 32, 35 e 43-47.
200
Maria Alzira Seixo refere que «o espaço dos amantes é sempre um espaço de transição
(a cadeia, o barco, o convento, os limiares — à porta de casa de Teresa, à porta do convento;
porque é apenas à porta dos locais que os amorosos se encontram, como foi à janela que se
enamoraram, e finalmente de forma literal se perderam), que, sem uma palavra que lhe possa
criar a sua resistência (pronunciada em acto ilocutório enunciativo), se converte em espaço de
punição» (art. cit., p. 159).
201
A sucessividade e a uniformidade — entenda-se aqui a uniformidade do propósito
perseguido pelos amantes, o da sua união — participam do infinito artificial que é
experienciado pelas personagens perante a passagem do tempo. Explicita Burke: «A sucessão e
a uniformidade das partes são o que constituem o infinito artificial. 1. Sucessão é o requisito
que permite que as partes sigam um fluxo contínuo e em determinada direção de forma a, pelos
seus impulsos frequentes, impressionar a imaginação com uma ideia da sua progressão para
além dos seus limites reais. 2. Uniformidade, porque se as figuras das partes têm de mudar a
cada mudança a imaginação encontra um limite, a cada alteração apresenta-se o fim de uma
ideia e o início de outra; o que significa que se torna impossível continuar essa progressão
ininterrumpta que sozinha consegue dar aos objetos delimitados o caráter de infinitude» (op.
cit., p. 68).
68

A precariedade que subjaz às coordenadas espácio-temporais conduz os


protagonistas à criação de um espaço-tempo alternativo em que ambos
projetam o seu desejo. Através da escrita, Simão e Teresa prefiguram um
cenário de conjugalidade almejada, a qual, à medida que o tempo passa, se vai
transformando numa cada vez mais evidente utopia-ucronia202 desfechando-se
em vertigem delirante aquando dos sintomas febris de Simão, já no final do
romance. Este espaço-tempo sonhado presentifica-se por meio de um contorno
ecfrástico de clara nitidez — «Estou vendo a casinha que tu descrevias defronte
de Coimbra, cercada de árvores, flores e aves»203 —, num apelo a um tipo de
vida pautado pela serenidade apática que Edmund Burke associava ao belo
como categoria da reprodução e da convivência social204. Esse é o cenário que
se perfilha no final do romance camiliano que com este forma uma espécie de
díptico: o Amor de Salvação. Ora, a felicidade que Afonso de Teive abraça,
instalado numa idílica casa do Minho com sua prima, Mafalda de Teive, e a
respetiva prole, após quase se ter perdido na perigosa teia do amor fatal de
Teodora, está nos antípodas da infelicidade de Simão. O sublime do Amor de
Perdição funda-se justamente nessa impossibilidade de os amantes alcançarem
a harmonia do quotidiano conjugal, o qual, inexoravelmente, redunda em
monotonia e distensão. É portanto a solidão do amante que lhe confere a tensão
e o gozo de dor que estão na origem do sublime, pois a «absoluta e completa
solidão, isto é, a total e perpétua exclusão de toda a sociedade é a maior dor

202
Sobre o conceito ricoeuriano ucronia-utopia em Amor de Perdição, veja-se Maria José
de Almeida, Alguns Aspectos da Temporalidade no Amor de Perdição, Dissertação de
Mestrado apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 1989, esp. pp.
72-74.
203
AP, p. 461.
204
Edmund Burke diferencia, na reprodução de um objeto, a clareza da pintura e a
obscuridade da literatura, mostrando que esta se adequa por inerência ao efeito sublime (cf. op.
cit., pp. 55-57). Para a distinção entre o belo como categoria da relação entre os sexos e da
sociedade em geral e o sublime enquanto categoria da autopreservação, cf. idem., pp. 37-40. A
propósito, veja-se o artigo de Lênia Mongelli, segundo a qual o projeto de união do casal
assenta numa «concepção burguesa do mundo»: «Acerca do Amor de Perdição», Boletim
Informativo do Centro de Estudos Portugueses da Universidade de São Paulo, 2ª Série, Ano II,
5, São Paulo, 1977.
69

positiva que pode ser concebida»205. O sublime encontra-se na preservação do


indíviduo, que se descobre no instinto heroico de Simão206.
A imaginação — criação de imagens — exerce, portanto, um papel
determinante na vivência amorosa de Teresa e Simão. Nela, o espaço-tempo
interior não conhece limites e essa liberdade compensa os amantes que a
experienciam em modo virtual. Também aqui se reconhece o princípio da
intermitência, tão preponderante na obra, na medida em que se cria «um
cruzamento entre o tempo objectivo e o subjectivo, entre a realidade e a
interioridade que se contrapõe por vezes ao tempo da acção e cria na narrativa
uma alternância temporal»207. Nas fantasias criadas — as imagens —, conflui a
tridimensionalidade do tempo: o passado da memória, o presente da
experiência e o futuro da esperança. As três ekstases fundem-se no agora
recriado, e esse tempo presente apresenta-se como infinitamente
recuperável208.
Contudo, apesar de partilhadas, estas imagens engendram-se
individualmente, na solidão de cada um dos amantes, pois a comunicação
presencial apenas durou três meses, mediada por duas janelas, num passado
que, à medida que a ação avança, parece afastar-se vertiginosamente. Esta
paixão é justamente alimentada por essa vertigem, esse diferimento abstraído
da realidade. Separados por uma inelutável distância, Simão e Teresa não se
amam, amam a projeção de si, amam esse amor, uma vez que «na sua essência,
o amor-paixão é um amor abstrato. […] De maneira que o apaixonado ama não
o ser real e presente que ele diz amar, mas o que ele simboliza»209.
Na atitude introspetiva que pauta o comportamento dos dois protagonistas, o
silêncio ocupa um lugar essencial. A falta de diálogo presencial, a ausência da
reverberação do verbo oralizado, devido à distância, impõe o registo da

205
Edmund Burke, op. cit., p. 40.
206
Cf. AP, p. 461: «Noutra carta, me falavas em triunfos e glórias e imortalidade do teu
nome».
207
Maria José de Almeida, op. cit., p. 82.
208
Na senda das reflexões agustinianas sobre o tempo, Husserl assinala a mútua implicação
das três dimensões temporais (cf. Paul Ricoeur, Temps et Récit — III: Le Temps Raconté, Paris,
Seuil, 1985, p. 116).
209
Ferdinand Alquié, Le Désir ’Eternité, Paris, Presses Universitaires de France, 1993, p.
63.
70

interioridade que é dado pelo silêncio das personagens. O «silêncio


meditativo»210 de Simão compreende a medida do seu segredo. Se é verdade
que as forças oponentes obrigam à clandestinidade da relação, e portanto
censuram esse segredo, também é certo que há, por parte dos amantes, um
culto da ocultação211. Com efeito, as personagens não apenas se ocultam ou são
ocultadas, como sustentam a sua união enquanto segredo que pertence à ordem
do sagrado e cujo sentido apenas se tornará revelável num plano transcendente:
«Não temos nada neste mundo. Caminhemos ao encontro da morte... Há um
segredo que só no sepulcro se sabe. Ver-nos-emos?»212. Esta pergunta de
Simão põe em evidência a esfera metafísica à qual o amor de ambos foi
elevado: a questão continua a ser a de saber se a verdadeira comunhão entre as
almas poderá realizar-se. Simão não duvida da existência da vida após a morte,
mas da viabilidade desse encontro, já que a distância, mais do que uma
fatalidade, parece ser a razão daquele amor.
A concretizar essa distância física, os corpos e as almas dos amantes
seguirão trajetórias opostas, evidenciadas no final da narrativa. Aquando do
clímax que configura a morte de Teresa, o herói do Amor de Perdição está no
210
AP, p. 309. Escreve Maria José de Almeida: «A atitude e o silêncio das personagens
parecem ser parte integrante do enquadramento que as rodeia, e estabelecem uma relação com
a natureza negativa e mineral que se reflecte também no estado de alma que as une» (op. cit., p.
111).
211
Como mostram os seguintes passos: «A ninguém confiava o seu segredo, senão às cartas
que enviava a Teresa»; «Ontem, vi as nossas estrelas, aquelas dos nossos segredos nas noites
da ausência» (AP, pp. 173 e 365; itálicos meus). O imperativo da clandestinidade evidencia-se
em passagens como esta em que a filha de Tadeu de Albuquerque enceta colóquios em voz
baixa, a partir da sua janela, com a filha mais nova do corregedor Domingos Botelho: «Teresa
falava de Simão, contava à menina de onze anos o segredo do seu amor, e dizia-lhe que ela
havia de ser ainda sua irmã, recomendando-lhe muito que não dissesse nada à sua família»; ou
esta em que Simão é surpreendido pelo conhecimento que Mariana tem da sua relação: «Simão
espantou-se da publicidade do seu segredo, e ia colher pormenores do que ele julgava mistério
entre duas famílias, quando o mestre ferrador João da Cruz entrou no sobrado, onde o
precedente diálogo se passara» (AP, respetivamente, pp. 179 e 213). A conotação negativa que
o segredo assume aos olhos dos oponentes é bem visível nas seguintes falas de Baltasar
Coutinho: no malogrado encontro em que tencionava cortejar Teresa: «Tem a bondade de me
dizer o seu segredo, como o diria a seu primo Baltasar, se o tivesse em conta de seu amigo
íntimo? […] Claro está que Baltasar Coutinho conhecia o segredo de Teresa. Seu tio,
naturalmente, lhe comunicara a criancice da prima, talvez antes de destinar-lha esposa»; e no
diálogo que trava com Simão no breu da primeira noite em que os amantes tentam um encontro
no quintal da casa de Teresa: «— Que lhe importa o senhor quem está?! — disse Baltasar —
Se eu tiver um segredo, como o senhor parece que tem o seu nestes sítios, sou obrigado a
confessar-lho!?» (AP, respetivamente, pp. 185 e 209; itálicos meus).
212
AP, p. 437.
71

navio, a levantar a âncora do mar em frente ao convento de Monchique de cujo


mirante vê a sua amada pela derradeira vez. Teresa encontra-se num lugar
elevado e é avistada por Simão, que se situa distante e ao nível das águas. O
desfasamento espacial que os separa é reforçado pela repetição dos referentes
aos lugares elevados — «mirante» ou «miradouro»; «Céu» —, pelo reforço da
dificuldade em reconhecer a fisionomia dos corpos à distância através do
recurso reiterado ao termo «vulto» — bem como pelo uso de expressões ou
gestos deíticos — «acolá»; «indicando-lhe»; «além» — e o recurso a
expressões e verbos de valor locativo — «debruça»; «sobre»; «margem do
Douro»; «Miragaia»; «Desceu»; «suspensos»; «subiu»; «donde»; «erguidas»
— coadjuvados por verbos visuais predominantemente nas formas do pretérito
perfeito e por expressões de cariz visual — «viu» (usado obsessivamente),
«desfitou os olhos», «frouxa claridade dos olhos», «olhos fitos»,
«Distintamente»; «divisara»; «olhos artificiais rebrilham cravados e imotos
num ponto»; «contemplou»; «contemplava»; «Procura»; «procuro»; «fitou»213.
No culminar desta sequência, quando Simão recebe do comandante do navio a
notícia da morte de Teresa, à qual presenciou — embora ignorante desse
desfecho —, intensifica-se a oposição entre o lugar onde Simão se encontra —
o mar — e o lugar onde Teresa deve estar — o céu:

Ao escurecer, voltou de terra o comandante, e contemplou, com os olhos


embaciados de lágrimas, o desterrado, que contemplava as primeiras estrelas,
eminentes ao mirante.
— Procura-a no céu? — disse o nauta.
— Se a procuro no céu! — repetiu maquinalmente Simão.
— Sim!... no céu deve ela estar.
— Quem, senhor?
— Teresa.
— Teresa!... Morreu?!
— Morreu, além, no mirante, donde ela estava acenando.
Simão curvou-se sobre a amurada, e fitou os olhos na torrente. O comandante
lançou-lhe os braços, e disse:

213
Cf. AP, pp. 445, 447 e 449. Na 5.ª edição, o narrador valoriza o mirante com a seguinte
observação em nota de rodapé, que visa distinguir, por comparação, a relação elevada dos
protagonistas: «Quando escrevi este livro, ainda existia o mirante. Agora, lá, ou aí por perto,
está um salão de baile em que dançam nos dias santificados marujos e as damas
correspondentes» (AP, p. 445).
72

— Coragem, grande desgraçado, coragem! Os homens do mar crêem em Deus!


Espere que o céu se abra para si pelas súplicas daquele anjo!214.

O referente «homens do mar», expressão geral em que o «nauta» se reconhece,


identifica o herói da narrativa como um indivíduo do meio marítimo. Além
disso, o persistente contraste entre as designações que se reportam ao capitão
do navio e o nome abstrato «céu», o uso do advérbio de inclusão «também», do
imperativo — «Espere» — e do conjuntivo — «se abra» —, aos quais se
acrescenta o termo «súplicas», acentuam a plausibilidade da descrença de
Simão numa força transcendente donde advenha proteção.
Não obstante, o céu, espaço-tempo espiritual que reiteradamente, ao longo
da troca epistolar, foi sendo visado pelos protagonistas como uma alternativa
segura à impossibilidade de consumação no mundo temporal, parece
constituir-se agora como a morada certa de Teresa215. Do céu comunica Teresa,
em espírito, através da última carta escrita216. Contudo, o próprio céu chega a
constituir-se como o lugar original da queda. Por sua vez, a imagem da jovem
defunta não fica ilesa da corrupção temporal dos corpos, já que Teresa é
sepultada: «Oh, Simão, de que céu tão lindo caímos! À hora que te escrevo,
estás tu para entrar na nau dos degredados, e eu na sepultura»217. Na verdade, a
cena da morte de Teresa surge num sublime misturado com o grotesco:
«Distintamente Simão viu um rosto e uns braços suspensos das rexas de ferro;
mas não era de Teresa aquele rosto: seria antes um cadáver que subiu da
claustra ao mirante, com os ossos da cara inçados ainda das herpes da
218
sepultura» . Porém, a imagem etérea de Teresa é muito mais persistente,

214
AP, p. 449; itálicos meus.
215
A primeira carta de Teresa integra, desde logo, a distância espácio-temporal vivida pelos
amantes provocada por uma oposição da instituição familiar e a consequente autoprojeção num
futuro diferido pautado pelas coordenadas do infinito e da eternidade: «Meu pai diz que me vai
encerrar num convento, por tua causa. Sofrerei tudo por amor de ti. Não me esqueças tu, e
achar-me-ás no convento, ou no céu, sempre tua do coração, e sempre leal. Parte para
Coimbra. Lá irão dar as minhas cartas; e na primeira te direi em que nome hás-de responder à
tua pobre Teresa (AP, p. 173; itálicos meus).
216
Uma análise exaustiva desta última carta de Teresa é feita por Maria José de Almeida
(cf. op. cit., pp. 87-126).
217
AP, p. 461; itálico meu.
218
AP, pp. 447 e 449. Não inadvertidamente, Manoel de Oliveira filma esta cena da morte
de Teresa em contra-picado, assistida em contracampo pelos outros dois protagonistas, situados
73

transmitida nomeadamente através da serenidade que pauta a narração do ritual


fúnebre a que Teresa se dedica antes de morrer219. Quanto a Simão, vemo-lo a
agonizar e, literalmente, descer para a morte:

Às três horas da manhã, Simão Botelho segurou entre as mãos a testa, que se lhe
abria abrasada pela febre. Não pôde ter-se sentado, e deixou cair meio corpo. A
cabeça, ao declinar, pousou no seio de Mariana.
— O Anjo da compaixão sempre comigo! — murmurou ele — Teresa foi muito
mais desgraçada...
— Quer descer ao camarote? — disse ela.
— Não poderei... Ampare-me, minha irmã.
Deu alguns passos para a escadinha, e olhou ainda sobre o mirante. Desceu a
íngreme escada, apegando-se às cordas. Lançou-se sobre o colchão, e pediu água,
que bebeu insaciavelmente. Seguiu-se a febre, o estorcimento, e as ânsias, com
intervalos de delírio.
De manhã, veio a bordo um facultativo, por convite do capitão. Examinando o
condenado, disse que era febre maligna a doença, e bem podia ser que ele achasse a
sepultura no caminho da Índia.
Mariana ouviu o prognóstico, e não chorou.
Às onze horas saiu barra fora a nau. Às ânsias da doença acresceram as do enjoo. A
pedido do comandante, Simão bebia remédios, que bolçava logo, revoltos pelas
contracções do vómito220.

São assim descritos, com pormenor abjeto, os sintomas do moribundo, ao


longo de uma gradação crescente acompanhada pela notação cronológica do
passar dos dias. Nessa intensificação, que segue o movimento do delírio febril
de Simão, a morte, conquistando uma consistência física do espaço e do tempo,
parece aproximar-se a uma velocidade voraz. Sujeito às leis da corrupção
temporal, o degredado, delirante, de «lábios roxos»221, debita de cor a última
carta que Teresa lhe remetera, a qual invoca as memórias de um anterior
«imaginário futuro denegado pela passagem do tempo que destruiu as
expectativas e os anseios de outrora»222.

num plano mais abaixo. O grotesco da imagem cadavérica de Teresa a esvair-se também
aparece no filme.
219
Cf. AP, p. 445. O excerto aciona dispositivos poético-retóricos que garantem a
transmissão dessa sensação de serenidade.
220
AP, p. 465; itálicos meus.
221
AP, p. 469.
222
Maria José de Almeida, op. cit., p. 85.
74

Por fim morto, o corpo de Simão é envolto num lençol. No convés, dois
marujos erguem a mortalha, dão-lhe balanço de modo a lançarem-na para
longe, «E, antes que o baque do cadáver se fizesse ouvir na água, todos viram,
e ninguém já pôde segurar Mariana, que se atirara ao mar»223, cumprindo a
declaração feita a Simão quando este lhe perguntara que faria se ele
sucumbisse à febre. Mas,

À voz do comandante desamarraram rapidamente o bote, e saltaram homens para


salvar Mariana.
Salvá-la!...
Viram-na, um momento, bracejar, não para resistir à morte, mas para abraçar-se ao
cadáver de Simão, que uma onda lhe atirou aos braços. O comandante olhou para o
sítio donde Mariana se atirara, e viu, enleado no cordame, o avental, e à flor d’ água
um rolo de papéis, que os marujos recolheram na lancha. Eram, como sabem, a
correspondência de Teresa e Simão224.

Enquanto a volátil figura de Teresa parece transcender as leis da corrupção


temporal, as carnes de Mariana e Simão decompõem-se nas profundezas225.
Hupsos e bathos, unem, afinal, a distância que separava os amantes numa
complementaridade que só o efeito sublime conhece. E Teresa e Simão
encontram-se, como haviam previsto, nos confins do espaço-tempo que a
eternidade e a infinitude conformam226. Afinal, através das cartas que
sobreviveram à superfície das águas, o amor de Teresa e Simão continua a
perpetuar-se.

223
AP, p. 471.
224
Idem.
225
Com um objetivo diferente, na análise poético-retórica que faz das designações dos três
protagonistas, Maria Helena Garcez conclui que Mariana é a única personagem que desenha
uma trajetória ascensional, enquanto Simão e Teresa sofrem uma trajetória descensional (cf.
«Acerca das Designações dos Agentes em Amor de Perdição», Colóquio / Letras, 125/126,
Julho-Dezembro de 1992).
226
«As ideias de eternidade e infinitude estão de entre as que mais nos afectam, e no
entanto talvez não haja nada que menos entendamos do que a infinitude e a eternidade»
(Edmund Burke, op. cit., p. 57). Relembre-se, a propósito, que as últimas palavras proferidas
por Teresa, antes de morrer, foram: «Simão, adeus até à eternidade!» (AP, p. 451). Cf. Maria
José de Almeida, op. cit., pp. 123-126.
O OBSCURO

[...] O meu mundo subjectivo está povoado de


imaginações escuras.

Camilo Castelo Branco, Vinte Horas de Liteira

[...] A luz espanca as imagens, cujo meio de vida é


a treva e o silêncio.

Camilo Castelo Branco, Noites de Insónia

Na imaginação camiliana, tudo se torna lutuoso.

Teixeira de Pascoaes, O Penitente

Entre a luz e a escuridão pulsa o mundo sensível do Amor de Perdição. À


medida que o atravessamos, somos atingidos por um latejar periódico de
luminosidade e de trevas, a cuja alternância subsiste uma permanente tensão,
na instabilidade continuamente gerada. A frequência com que surge, no texto, a
antítese da luz e da escuridão, nas suas variadas metásteses, resulta num efeito
paroxístico, movimento que acompanha as vivências interiores de Simão e de
Teresa ao longo da evolução da narrativa.
A intermitência e a concomitância da luz e da escuridão surgem amiúde,
como neste passo que antecede o momento culminante do homicídio:

Tinha Simão desaparecido nas trevas, quando Mariana acendeu a lâmpada do


santuário, e ajoelhou orando com o fervor das lágrimas.
Era uma hora, e estava Simão defronte do convento, contemplando uma a uma as
janelas. Em nenhuma vira clarão de luz; luz só a do lampadário do Sacramento se
coava baça e pálida na vidraça duma fresta do templo. Sentou-se nas escaleiras da
igreja, e ouviu, ali imóvel, as quatro horas227.

227
AP, pp. 311 e 313; itálicos meus. Note-se a paronomásia com efeito contrastante entre a
lâmpada acendida por Mariana no seu santuário pessoal e o lampadário do convento.
76

Enquanto o vulto de Simão é engolido pela escuridão, num indício da morte


que o espera, Mariana acende a chama da fé, o que acentua o prenúncio da
tragédia iminente. O percurso realizado por Simão desde a casa de João da
Cruz, nos arredores de Viseu, ao lugar do crime, o pátio do convento dessa
mesma cidade, é omitido. A omissão no texto funciona como um princípio
ativo da escuridão. Através dela, o escuro intensifica-se. Reencontramos pois o
protagonista já diante do mosteiro, e agora em busca da luz que há de assinalar
a presença de Teresa numa cela. Sem sucesso, no entanto: a fonte de
luminosidade que aparece é, uma vez mais, símbolo da fé. Porém, desta vez, ao
fervor luminoso e quente do santuário caseiro de Mariana contrapõe-se uma luz
baça e pálida numa frágil vidraça de uma fresta daquele lugar por natureza
votado ao sagrado. A crença religiosa de Mariana sublima-se perante a falta de
religiosidade daquelas freiras de índole escandalosa que habitam o convento,
mas também, à medida que se incrementa a tensão tendente ao clímax que
constitui o momento do assassínio, a eficácia da intervenção divina vai
perdendo a sua viabilidade.
No romance, a antítese, figura do paroxismo, funde-se com a metáfora,
figura da metamorfose. E, em Amor de Perdição, a metáfora mais
comummente acoplada à antítese luz / trevas é a da vida / morte: o ímpeto da
paixão alternando com a letargia da morte. Os sintomas desse movimento
convulsivo permanentemente experienciado pelos amantes refletem-se num
misto de desgaste e delírio que é próprio da tortura. Mesmo quando ténue, a
luminosidade representa um fogo vivificante que reanima os espíritos
desanimados. Aliás, a oscilação esperança / desânimo é outro par metafórico
que reflete a antítese luz / trevas:

Simão assistiu ao encaixotar de sua bagagem, numa quietação terrível, como se


ignorasse o seu destino.
Quis muitas vezes escrever a derradeira carta à moribunda Teresa, e nem sinal de
lágrimas podia já enviar-lhe no papel.
— Que trevas, meu Deus! — exclamava ele, e arrancava a mãos cheias os cabelos
— Dai-me lágrimas, Senhor! deixai-me chorar ou matai-me, que este sofrimento é
insuportável!228.

228
AP, p. 441; itálico meu. Vejam-se também as seguintes passagens, expressivas desse
movimento pendular: «Tu verás esta carta quando eu já estiver num outro mundo, esperando as
orações das tuas lágrimas. As orações! Admiro-me desta faísca de fé que me alumia nas
minhas trevas!... Tu deras-me com o amor a religião, Teresa. Ainda creio; não se apaga a luz
77

A descrença no poder divino, representado pela luz, surge particularmente


enfatizada na figura de Simão, conotado com as trevas, como assinala o
narrador neste passo: «Não o sustinha a esperança na terra, nem no céu. Raio
de luz divina jamais penetrou no seu ergástulo»229. A condição do
encarceramento constitui uma forma de obscuridade, sublinhada pelo
autor-escritor encarcerado: «Muito há que me reluz e voeja, alada como o ideal
querubim dos santos, nesta minha quasi escuridade, aquela ave do céu […]»,
passagem à qual sucede uma fática e enfática nota de rodapé: «Este romance
foi escrito num dos cubículos-cárceres da Relação do Porto, a uma luz coada
por entre ferros, e abafada pelas sombras das abóbadas. Ano da Graça de
1861»230.
O quebranto das esperanças de Simão e de Teresa acentua-se com a notícia
do degredo:

Porém Simão Botelho, ao cabo de cinco meses de cárcere, já sabia o seu destino, e
achara útil prevenir Teresa, para não sucumbir ao inevitável golpe da separação.
Bem queria ela alumiar com esperanças a perspectiva negra do desterro; mas
froixos e frios eram os alívios em que não era parte a convicção nem o sentimento.
Teresa não podia sequer iludir-se, porque tinha no peito um despertador que a

que é tua; mas a providência divina desamparou-me»; «Teresa carecia de forças para a
rebelião. Deixou a sua tia a santa vaidade de exorcismar o demónio das paixões, e deu um
sorriso ao anjo da morte, que, de permeio ao seu amor e à esperança, lhe interpunha a asa
negra, que tão de luz refulgente rebrilha às vezes em corações infelizes» (AP, p. 309 e 357;
itálicos meus).
229
AP, p. 351; itálicos meus. Noutra passagem, Simão alude à metáfora da luz da razão
insuflada por ação do fogo divino: «Eu queria que Mariana pudesse dizer: ‘Sacrifiquei-me por
meu marido; no dia em que o vi ferido em casa de meu pai, velei as noites a seu lado; quando a
desgraça o encerrou entre ferros, dei-lhe o pão que nem seus ricos pais lhe davam; quando o vi
sentenciado à forca, endoideci; quando a luz da minha razão me tornou num raio de
compaixão divina, corri ao segundo cárcere, alimentei-o, vesti-o, e adornei-lhe as paredes nuas
do seu antro […]’» (AP, p. 423). A metáfora da luz para designar a entidade divina, constante
ao longo do romance, é comum, não obstante uma certa teologia mística cristã associar Deus à
absoluta escuridão enquanto excesso de luz (cf. Ysabel de Andia, « ’Entrée dans la Ténèbre
Divine et le Feu de l’Esprit», in Christian Trottmann e Anca Vasiliu (dir.), Du Visible à
l'Intelligible: Lumière et Ténèbres de l'Antiquité à la Renaissance, Paris, Honoré Champion,
2004, p. 361 e passim). A cegueira proveniente do excesso de luz é, aliás, um fenómeno físico,
como lembra Burke: «A luz em excesso, ao ultrapassar os órgãos da visão, ofusca todos os
objetos, e neste efeito assemelha-se exatamente à escuridão» (op. cit., p. 74).
230
AP, p. 353; itálicos meus. Recorde-se, a propósito, que Luz Coada por Ferros é o título
dado a um conjunto de escritos originais de autoria de Ana Plácido, também eles produzidos
na sua grande maioria no cárcere, conjunto esse publicado em volume no ano de 1863.
78

estava acordando sempre para a hora final, embora o semblante enganasse a


condolência dos estranhos.

Ao deslaçar da garganta a corda da justiça, Simão Botelho teve uma hora de


desafogo, como que sentia o patíbulo lascar entre os seus braços, e então convidou
o coração da mulher, que o perdera, a assistir às segundas núpcias da sua vida com
a esperança.
Depois, a passo igual, a esperança fugia-lhe para as areias da Ásia, e o coração
entumecia-se de fel, o amor afogava-se nele, morte inevitável, quando não há
abertura por onde a esperança entre a luzir na escuridão íntima.
Esperança para Simão Botelho, qual?231.

O sol do exílio, esse imagina-se de uma luz mortífera232. Bem diferente da


força ígnea da paixão, cuja energia, mesmo quando fraca, parece
inextinguível233. Esse choque entre morte e vida que impressiona os leitores de
Amor de Perdição é, desde logo na Introdução, frisado pelo narrador: «Dezoito
anos! O arrebol dourado e escalarte da manhã da vida!»234, suscitando a
comiseração do narratário235. Já no termo da obra, o leitor assistirá ao fantasma
de Teresa invocando a «hora final da noite da minha vida»236. Esse domínio
crescente da escuridão sobre a luz faz-se representar no ambiente mórbido que
se gera em torno de Simão, sobretudo desde o momento em que é informado da
morte de Teresa:

231
AP, pp. 427 e 433; itálicos meus. O paroxismo provém também da combinação
esperança / morte, como se vê nesta passagem de profundo desespero vivenciado por Teresa:
«E com as mãos convulsivamente enlaçadas sobre o seio, Teresa arquejava em pranto. / – Se eu
já não tenho forças!... Todos dizem que eu morro, e o médico já nem me receita!... Então
melhor me fora ter acabado antes desta hora! Morrer com esperanças, ó Mãe de Deus! / E
ajoelhou ante o retábulo devoto que trouxera do seu quarto de Viseu, ao qual sua mãe e avó já
tinham orado, e em cujo rosto compassivo os olhos das duas senhoras moribundas tinham
apagado os seus últimos raios de luz» (AP, pp. 363 e 365; itálicos meus).
232
Numa projeção do futuro degredo, Simão vê Mariana a trabalhar «à luz do sol
homicida» (AP, p. 423).
233
«[…] antes a masmorra, onde pode ouvir-se o som abafado de uma voz amiga; antes os
paroxismos de dez anos sobre as lajes húmidas de uma enxovia, se, na hora extrema, a última
faísca da paixão, ao bruxulear para morrer, nos alumia o caminho do céu por onde o anjo do
amor desditoso se levantou a dar conta de si a Deus, e a pedir a alma do que ficou» (AP, p.
435; itálicos meus).
234
AP, p. 141; itálico meu.
235
O narrador fá-lo explicitamente: «Não seria fiar demasiadamente na sensibilidade do
leitor, se cuido que o degredo de um moço de dezoito anos lhe há de fazer dó» (idem).
236
AP, p. 459; itálico meu.
79

Não se trocaram palavras por largo espaço.


Simão apoiou a face sobre a mesa, e apertou com as mãos as fontes arquejantes.
Mariana, de pé, ao lado dele, fitava os olhos na luz mortiça da lâmpada oscilante, e
cismava, como ele, na morte.

Às onze horas da noite, o comandante recolhera-se num beliche de passageiro, e


Mariana, sentada no pavimento, com o rosto sobre os joelhos, parecia sucumbir ao
quebranto das trabalhosas e aflitivas horas daquele dia.
Simão Botelho velava prostrado no camarote, com os braços cruzados sobre o peito,
e os olhos fitos na luz que balançava, pendente dum arame. […]
À meia-noite, estendeu Simão o braço trémulo ao maço das cartas que Teresa lhe
enviara, e contemplou um pouco a que estava ao de cima, que era dela. Rompeu a
obreia, e dispôs-se no camarote para alcançar o baço clarão da lâmpada237.

A luz ténue e intermitente gera uma ansiedade latente que culmina com a
leitura da carta de Teresa onde esta confirma a notícia da sua morte, à qual
chama «noite da vida»238. A frouxidão da luz que prepara o passamento de
Simão tem um correspondente na morte de Teresa:

Às nove horas da manhã pediu a Constança que a acompanhasse ao mirante, e,


sentando-se em ânsias mortais, nunca mais desfitou os olhos da nau, que já estava
de verga alta, esperando a leva dos degredados.
Quando viu, a dois a dois, entrarem amarrados, no tombadilho, os condenados,
Teresa teve um breve acidente, em que a já froixa claridade dos olhos se lhe
apagou, e as mãos convulsas pareciam querer aferrar a luz fugitiva.
Foi então que Simão Botelho a viu239.

Simão é visto por Teresa desvanecente. E, após a morte da sua amada, morte a
que ele assiste ignorante, Simão fica a velar o lugar da sua ausência até a
escuridão o submergir completamente. Reproduzindo a própria ausência, o
olhar de Simão exprime o vazio, reflete ele mesmo o olhar a-lucinado da morte
em total prostração:

E, no entanto, Simão Botelho, como o cadáver embalsamado, cujos olhos artificiais


rebrilham cravados e imotos num ponto, lá tinha os seus imersos na interior
escuridade do miradouro.

237
AP, pp. 455 e 459; itálicos meus.
238
Acerca da intermitência associada à luz como fonte de sublimidade, cf. Edmund Burke,
op. cit., pp. 76-77.
239
AP, p. 447; itálicos meus.
80

Nenhum sinal de vida. E as horas passaram até que o derradeiro raio do sol se
apagou nas grades do mosteiro240.

Aquela ansiedade crescente terminará com o apagar da luz que vela Simão
moribundo:

A transição do delírio para a letargia completa era o anúncio infalível do trespasse.


Ao romper da manhã apagara-se a lâmpada. Mariana saíra a pedir luz, e ouvira um
gemido estertoroso. Voltando às escuras, com os braços estendidos para tactear a
face do agonizante, encontrou a mão convulsa, que lhe apertou uma das suas, e
relaxou de súbito a pressão dos dedos.
Entrou o comandante com uma lâmpada, e aproximou-lha da respiração, que não
embaciou levemente o vidro.
— Está morto!... — disse ele»241.

A lâmpada trazida pelo comandante é já uma luz sem o poder de alumiar. É


uma luz que ilumina a morte, uma luz que dá a ver a escuridão, uma não-luz,
no sentido inteligível do termo. A verdade é que as três mortes dos três
protagonistas de Amor de Perdição sucedem à luz do dia242. O paroxismo
extrema-se243. Por outro lado, essa luz diurna é de uma outra espécie, é o
reflexo de uma luz eterna, à luz da qual as sombras dos mortos transluzem. A
visão da eternidade é uma visão cuja luz emerge das sombras — uma
adumbratio —, como mostra a despedida de Teresa: «Adeus! À luz da
eternidade parece-me que já te vejo, Simão!»244.
Não obstante, observa-se, ao longo do romance, uma afeição especial pelos
momentos de transição: do dia para a noite, da noite para o dia. Esses fugazes
instantes pautam-se pela indeterminação e pela assinatura da metamorfose, que

240
AP, p. 449; itálicos meus.
241
AP, p. 469; itálicos meus.
242
A associação do passamento à luz parece, de facto, escolher preferencialmente o raiar do
dia: Simão morre com a aurora, como vimos, mas também Teresa liga a sua morte ao nascer do
sol: «Rompe a manhã. Vou ver a minha última aurora... a última dos meus dezoito anos!» (AP,
p. 463). De novo a referência à juventude, de novo a menção do derradeiro momento. Para
situar o momento da morte de Mariana, serve como ponto de referência a morte de Simão, com
a notação cronológica acima transcrita: «Ao romper da manhã», cuja cerimónia fúnebre ocorre
«Algumas horas volvidas» (AP, p. 471). É nesse momento que a protagonista se suicida.
243
Escreve com pertinência José-Augusto França, a respeito de Amor de Perdição: «O Sol
não entra neste universo de trevas senão para melhor realçar as sombras ameaçadoras»
(«Camilo ou a Opção da Desventura», in op. cit., p. 289).
244
AP, p. 463.
81

encerra a dialética da vida e da morte245. São especiais justamente porque


visam a indefinição e, ao fazer subsistir simultaneamente a luz e a obscuridade,
multiplicam as possibilidades num infinito simultaneamente encoberto e
exposto246. O amanhecer, por exemplo, é propício às viagens — Teresa parte
do convento de Viseu de madrugada; também de madrugada, a família de
Simão sai para Vila Real —, já o anoitecer é confidente do trânsito da
correspondência dos amantes247. O anoitecer favorece o delírio — espécie de
obscuridade respeitante à confusão de imagens mentais —, enquanto o
amanhecer propicia a clarividência248. Os verbos de culminação ou expressões
de semelhante índole refletem as ações ou pensamentos dos agentes, numa
harmonização entre a natureza e o sujeito. Essa cumplicidade é reiterada pelos
amantes que se apoderam dos fenómenos naturais, e de modo especial de um
que se oferece à contemplação sublime — o céu estrelado.
A magnificência que o firmamento sugere quando nele brilha uma profusão
imensa de estrelas enaltece a confiança dos amantes numa união projetada,
como se viu no capítulo anterior, num infinito espácio-temporal cuja
consumação se confunde com o seu segredo249. A luz que emana das estrelas
— dispersa por um sem-número de focos, brilhante e intermitente — radia a
esperança dos amantes que, ao contemplá-las, se sentem movidos para o alto.
O sublime do céu estrelado reifica-se no olhar perspetivado dos amantes250.

245
Cf. Marc Eigeldinger, « ’Image du Crépuscule chez Baudelaire», in AA. VV., Du
Visible a l’Invisible — I: Mettre en Images, Donner en Spectacle, Paris, José Corti, 1988, p.
297.
246
Baldine Saint Girons chama a atenção para a etimologia ambivalente do sema sku
(presente em palavras como escuridão e obscuridade), que pode representar cobrir, mas
também rasgar (cf. Fiat Lux, op. cit., p. 155).
247
Cf. AP, pp. 247 e 307; itálicos meus: «Acabara Teresa de ler e esconder no seio a
resposta de Simão Botelho, que a mendiga lhe passara ao escurecer [...]»; «Ao anoitecer,
Simão, como estivesse sozinho, escreveu uma longa carta […]».
248
Cf. AP, pp. 173 e 469: «Com o amanhecer esfriou-lhe o sangue, e renasceu a esperança
com os cálculos»; «Ao anoitecer desse dia o condenado delirou pela última vez, e dizia assim
no seu delírio […]».
249
Cf. AP, p. 365. Cf. Edmund Burke, op. cit., pp. 71-72: «A Magnificência é também uma
fonte de sublime. Uma grande profusão de coisas esplêndidas e valiosas em si mesmas é
magnificente. O céu estrelado, embora ocorra diante dos nossos olhos com muita frequência,
nunca falha em excitar uma ideia de grandeza. Isto não se deve a alguma coisa que existe nas
próprias estrelas consideradas separadamente. O número é certamente a causa. A aparente
desordem aumenta a grandeza, enquanto a aparência de cuidado é bem contrária às nossas
ideias de magnificência».
250
Cf. I. Kant, Crítica da Faculdade do Juízo, op. cit., p. 139: «Daí, porém, se vê
imediatamente que em geral nos expressamos incorrectamente quando denominamos qualquer
82

Esse sentimento de pertença suscitado pelas estrelas revela-se inacessível, ou


incompreensível, a quem não participa nessa contemplação íntima. Após a
leitura de uma carta de Simão, Teresa vem procurar, à janela frente ao mar, as
estrelas. Trata-se de um momento de majestática solenidade, em que a luz da
lua reflete nas águas «uma imensa flama de prata» e, «esplendidíssima»,
eclipsa «o fulgor dumas estrelas», num efeito contrastante entre o mar e o céu.
A luz ofuscante da lua parece exigir um esforço por parte de Teresa em
encontrar as suas estrelas. Quando isso acontece, Teresa assinala a conquista
do seu esforço: «São aquelas!». A luz débil das estrelas indica, agora, a
presença cada vez mais próxima da morte e essa passagem volta a reafirmar a
lógica paroxística da vida e da morte. Constança, a empregada que acompanha
Teresa, considera-a delirante, quando a ouve invocar a libertação da pena de
morte prometida a Simão. Esse delírio reflete a confusão caótica do sublime
natural plasmado no céu estrelado.
A criação confusa de imagens que incensa a personagem alucinada é
retomada no episódio do estado febril de Simão, agonizando às portas da
morte: «Estrelava-se o céu, e a lua abrilhantava a água»251. Tal como o brilho
da lua se reflete na água — que é o espelho do céu —, numa intensa
produtividade reflexiva, também o discurso delirante de Simão reflete o
discurso imaginativo de Teresa252. As imagens — phantasias — dos amantes
sofrem um processo de distorção que marca a sua total invibialidade, pois
Teresa já morreu e Simão aproxima-se da morte. Na verdade, essa anterior
imaginação era já delírio, como se pressente pelo uso das formas verbais do
pretérito imperfeito ao longo da carta de Teresa, que confere um caráter de
irrealidade ao real desejado. Teresa, nessa carta póstuma, vê o delírio de
ambos, que sucumbiram a um amor de perdição253.

objecto da natureza de sublime […]. Não podemos dizer mais, senão que o objecto é apto à
exposição de uma sublimidade que pode ser encontrada no ânimo; pois o verdadeiro sublime
não pode estar contido em nenhuma forma sensível, mas concerne somente a ideias da razão,
as quais, se bem que não lhes seja possível nenhuma apresentação adequada, precisamente por
esta inadequação, que deixa apresentar-se sensivelmente, são activadas e chamadas ao ânimo».
251
AP, p. 469.
252
Na carta de Teresa lia-se: «A tua imaginação passeava comigo às margens do Mondego,
à hora pensativa do escurecer. Estrelava-se o céu, e a lua abrilhantava a água» (AP, p. 461).
253
Cf. idem: «Estou vendo a casinha que tu descrevias […]». Atente-se em toda a
linguagem ecfrástica dominante nesta carta de Teresa, de que destacamos os seguintes termos:
«visão», «pintavas», «vendo», «descrevias», «imaginação», «li», «recordando», «falavas»,
«imaginava». Todo o discurso é altamente descritivo, abrindo imagens após imagens. A
presença do vocabulário concreto também contribui para essa ekphrasis.
83

Teresa invoca a hora pensativa do escurecer. O ocaso, vibrando entre a


perda da luminosidade e a sua absorção pelo escuro, estimula não o
pensamento analítico e clarividente, mas a reflexão que sintetiza angústias e
anseios, cristalizando-se, por vezes, num excesso criativo que resulta num
pensar em nada, pensar o vazio. É a figura desse pensador melancólico que
Simão assume quando é surpreendido pelo comandante que o vem informar da
morte de Teresa. Simão havia ficado como que hipnotizado diante do lugar
onde vira Teresa pela última vez. E é nesse estado de petrificação que o capitão
do navio o vem encontrar, como se, entre aquele momento e o momento
presente, o tempo tivesse estagnado.
O sujeito reflexivo que é Simão aparece como o ponto de referência para um
reflexivo jogo de olhar a três254. O leitor contempla Simão que contempla as
estrelas e é contemplado pelo comandante. O olhar de Simão é um olhar em
suspensão, mesmo depois de interpelado pelo capitão do navio, a quem
responde «maquinalmente». Olhar siderado, visando o espaço sideral como um
vácuo infinito. Essa «anestesia do olhar»255 reflete o estupor de Simão,
mergulhado num profundo alheamento. Simão é o «desterrado» que balanceia
no mar, à deriva. Essa suspensão do espaço-tempo faz-se acompanhar por um
prenúncio de tempestade que impede a realização pronta da viagem:

A nau parou defronte de Sobreiras. Uma nuvem no horizonte da barra, e o súbito


encapelamento das ondas causara a suspensão da viagem anunciada pelo
comandante. Em seguida, velejou da Foz uma catraia com o piloto-mor, que
mandava lançar ferro até novas ordens. Mais tarde, adiou-se a saída para o dia
seguinte256.

A imobilização sobressai pela energia que a tempestade em formação lavra.


Após o diálogo com o comandante, em que este expressa os seus receios
relativamente a um possível suicídio de Simão, e de uma breve troca de
palavras com Mariana, por cujo futuro Simão pretende velar, reina o absoluto
silêncio e intensifica-se a acédia do protagonista, numa cena em que Mariana
duplica a melancólica figura pendida representada por Simão:

254
Cf. ouis Marin, « es Fins de l’Interprétation, ou les Traversées du Regard dans le
Sublime d’une Tempête», in De la Représentation, Paris, Seuil / Gallimard, 1994, p. 186 e ss..
255
Baldine Saint Girons, Fiat Lux, op. cit., p. 163.
256
AP, p. 449.
84

Não se trocaram palavras por largo espaço.


Simão apoiou a face sobre a mesa, e apertou com as mãos as fontes arquejantes.
Mariana, de pé, ao lado dele, fitava os olhos na luz mortiça da lâmpada oscilante, e
cismava, como ele, na morte.
E o nordeste sibilava, como um gemido, nas gáveas da nau257.

As personagens dobram-se sobre si mesmas, refletindo sobre a ausência da


vida num memento mori inexorável258. Nesse gesto de compunção, ambas
neutralizam o seu olhar petrificado. A luz que Mariana fita, luz mortiça da
lâmpada oscilante, dá forma ao vazio visado pelo seu olhar. A luz fraca, a
tempestade crescente e o sangue que ferve nas «fontes arquejantes» de Simão
formam o fluxo de energia, o movimento extático que delineia este momento
de pura estase. E o apontamento com que o narrador culmina o último capítulo
da obra mobiliza a energia dessa atmosfera elétrica com o reverberar das
consoantes fricativas contínuas [ʃ], [s], [v], [ʒ] em «nordeste», «sibilava»,
«gemido», «nas» e «gáveas». Esse apontamento, com um traço contínuo, dado
não apenas pela intensa presença das fricativas, mas também pelo uso
gramatical do imperfeito, identifica o evento do fenómeno da tempestade como
um processo. O pathos pneumático que é transmitido pela natureza, que
assume aqui o papel de agente, contrasta, em simultâneo, com a inerte
ademonia das personagens, cuja ação consiste nessa acuidade de atenção, mas
atenção estéril, quase passividade. Na abertura da «Conclusão», o mesmo
plano estático é retomado, mas desta vez é Simão quem fita a luz:

Às onze horas da noite, o comandante recolhera-se num beliche de passageiro, e


Mariana, sentada no pavimento, com o rosto sobre os joelhos, parecia sucumbir ao
quebranto das trabalhosas e aflitivas horas daquele dia.
Simão Botelho velava prostrado no camarote, com os braços cruzados sobre o peito,
e os olhos fitos na luz que balançava, pendente dum arame. O ouvido tê-lo-ia,
talvez, atento a um assobio da ventania: devia de soar-lhe como um ai plangente
aquele silvo agudo, voz única no silêncio da terra e céu.
À meia-noite, estendeu Simão o braço trémulo ao maço das cartas que Teresa lhe
enviara, e contemplou um pouco a que estava ao de cima, que era dela. Rompeu a
obreia, e dispôs-se no camarote para alcançar o baço clarão da lâmpada259.

257
AP, p. 455.
258
Cf. Jean Starobinsky, art. cit., pp. 49-50.
259
AP, p. 459; itálicos meus.
85

A vigilância de Simão contrasta com a sonolência de Mariana, num ambiente


simultaneamente dormente e vibrante. Uma vez mais, a natureza reage por
simpatia aos sentimentos das personagens, na comparação personificada que
associa o som do vento a um grito de dor. A luz, fraca e intermitente, irrompe
com uma periodicidade instável na escuridão. O silêncio impera neste quadro
meditativo, quebrado pela insinuação surpreendente da ventosidade.
Mas é próprio da natureza procelar o efeito surpresa260. Com efeito,
enquanto evento, a tempestade pode ser apercebida como um processo e como
um ponto261. Este movimento, aliás, este vento, que culmina o vigésimo
capítulo vai-se intensificando, como em surdina, para o redescobrirmos, já na
«Conclusão», em tempestade ereta262. Desde essa noite, as notações
cronológicas são registadas com uma periodicidade que se dirá persecutória. É
a morte que avança sobre Simão:

Ao quarto dia, quando a nau se movia ronceira defronte de Cascais, sobreveio


tormenta súbita. O navio fez-se ao largo muitas milhas, e, perdido o rumo de
Lisboa, navegou desnorteado. Ao sexto dia de navegação incerta, por entre espessas
brumas, partiu-se o leme defronte de Gibraltar. E, em seguida ao desastre,
aplacaram as refegas, desencapelaram-se as ondas, e nasceu, com a aurora do dia
seguinte, um formoso dia de primavera. Era o dia 27 de Março, o nono da
enfermidade de Simão Botelho263.

Esta sumária descrição da tempestade resolve a tensão que se ia lavrando desde


o desfecho do vigésimo capítulo. Há uma condensação do tempo que concentra
o fenómeno durativo da tempestade num único ponto, um ponto culminante, a
cuja irrupção sucede a paisagem diáfana do belo dia primaveril264.

260
Sobre o efeito da subitaneidade como fonte do sublime, ver Edmund Burke, op. cit., p.
76.
261
Cf. ouis Marin, « e Sublime Classique: es ‘Tempêtes’ dans quelques Pa sages de
Poussin», in Sublime Poussin, Paris, Seuil, 1995, p. 138: «A tempestade é um momento súbito
e é um processo».
262
Aquando do diálogo entre o capitão do navio e Simão, lê-se: «Não replicou o
comandante, e continuou a passear no convés, apesar das rajadas de vento» (AP, p. 465;
itálico meu).
263
AP, p. 467.
264
A propósito da condensação do tempo na tempestade descrita, parece haver aqui uma
inversão do papel tradicional que distingue as artes da pintura e da literatura, principalmente a
partir de Lessing. As paisagens pictóricas, segundo o pensador alemão, visariam os objetos,
logo, o espaço; enquanto as paisagens verbais tenderiam para expressar ações, portanto, o
86

Desde Pseudo-Longino que o sublime é associado ao fenómeno natural da


tempestade265. Diante dela, o sujeito experimenta uma espécie de cegueira.
Com efeito, a tempestade é uma forma de obscuridade. Daí que, desde a
Antiguidade, a tempestade represente o destino do homem266. A desorientação
e o nervosismo que ela excita recriam no estado de espírito o sentimento de
inadequação e incapacidade que Kant reporta à experiência sublime267. Em
Amor de Perdição, o furor natural não faz mais, afinal, do que replicar o
devaneio de Simão, entregue ao abismo delirante que é o seu destino.
A falta de luz — cegueira, delírio ou ignorância — ao mesmo tempo que
exibe a carência do homem, acende-lhe o interior268. Por isso, como lembra
Burke, «a escuridão é mais produtiva de ideias do sublime do que a luz», e é
assim que «a noite aumenta o terror talvez mais do que qualquer outra
coisa»269. Ora, Camilo consegue o domínio prestidigitador de nos fazer ver a
escuridão, conduzindo-nos, com as personagens, para o efeito sublime. Essa
capacidade, notava Pseudo-Longino, é digna do génio, que cria um efeito de
contágio de imagens e de sentimentos associados a essas imagens270. Ramalho
Ortigão terá sido dos primeiros a intuir a enargeia camiliana271. E é neste
sentido que Amor de Perdição é considerado um romance cinematográfico, na

tempo (cf. Gotthold Ephraim Lessing, Laocoon ou des Frontières de la Peinture et de la


Poésie, Paris, Hermann, 1990, p. 120).
265
Cf. Longino, op. cit., pp. 71-73.
266
Cf. Baldine Saint Girons, Le Sublime: De l'Antiquité à nos Jours, op. cit., p. 130.
267
Cf. Immanuel Kant, Crítica da Faculdade do Juízo, op. cit., p. 138: «[…] aquilo que,
sem raciocínio, produz em nós, e simplesmente na apreensão, o sentimento do sublime, na
verdade, pode quanto à forma aparecer contrário a fins para a nossa faculdade de juízo,
inadequado à nossa faculdade de apresentação e por assim dizer violento para a faculdade da
imaginação, mas apesar disso e só por isso é julgado ser tanto mais sublime».
268
Cf. Baldine Saint Girons, Fiat Lux, op. cit., pp. 155, 164 e 177.
269
Op. cit., pp. 73 e 76.
270
Pseudo- ongino escreve: «[…] o que tu dizes sob o efeito do entusiasmo e da paixão, tu
crês vê-lo e tu o colocas diante dos olhos do auditório» (op. cit., p. 79). Sobre a enargeia,
veja-se também Aristóteles, Retórica, op. cit., pp. 268-270. É esse poder contagiante das
palavras que faz Burke consagrar a literatura como a arte do sublime por excelência (cf.
Baldine Saint Girons, Fiat Lux, op. cit., p. 167).
271
Cf. Ramalho Ortigão, «Camillo Castello Branco: O seu Ambiente Social; a sua
Esthetica; a sua Critica; a sua Forma Litteraria; o seu Temperamento Artistico», in Camilo
Castelo Branco, Amor e Per ição emorias ’uma amilia, edição monumental enriquecida
com estudos especiais de Manuel Pinheiro Chagas, Ramalho Ortigão e Theophilo Braga, ed.
fac-similada, Trofa, Sòlivros de Portugal, 1982, pp. LI-LII. Note-se particularmente o uso
sequenciado dos verbos assistir, ouvir, ver e escutar.
87

medida em que a ação e os diálogos «se nos desenrolam ante os olhos e os


ouvidos»272. Quando o lemos, Camilo não apenas nos dá a ver, dá-nos a ver, a
ouvir e a sentir. Os episódios dos encontros noturnos no quintal da casa de
Tadeu de Albuquerque são disso particularmente reveladores. Nessas duas
longas passagens que recobrem praticamente todo o conjunto dos capítulos V e
VI, partilhamos de um milagre em que as barreiras do visível e do invisível se
diluem, senão mesmo se dissolvem.
A presença persistente de notações espácio-temporais, o recurso à frase
curta e o uso do pretérito perfeito concorrem para criar uma tensão crescente
altamente controlada, de que o leitor se torna refém. Logo no início do quinto
capítulo, na festa de aniversário de Teresa, assistimos a um jogo ardiloso de
entradas e saídas, presenças e ausências. Com objetivos opostos, Teresa e
Baltasar mantêm o mesmo propósito: ver e não ser visto273. Nesta perseguição
velada, nós, leitores sentimos uma força que é também fraqueza: espiamos o
espia e sabemos o que o espiado não sabe. A técnica da dissimulação, contudo,
parece ser mais bem dominada por Baltasar Coutinho. Vê-se aqui reforçado o
caráter perverso do primo de Teresa. Esta, porém, não deixa de mostrar
prudência, como se comprova pelo cuidado em cobrir com um xaile o seu
vestido branco, alvura que conota a sua virgindade e ainda alguma da sua
candura.
Gorada a tentativa deste encontro, é marcado novo encontro para a noite
seguinte. O capítulo VI é integralmente dedicado a esse encontro, malogrado
também, desta vez nas consequências que teve. O trabalho de dar a ver o
ocultamento é de uma acuidade perturbadora, em que o próprio narrador
alterna entre focalização externa e interna, para acentuar a estranheza da
ausência de luz e a iminência crescente do perigo que lhe está associada, pois,

272
José Régio, art. cit., p. 111. Por sua vez, Jacinto do Prado Coelho também reconhece que
«Este realismo, de lavra pessoal, a denunciar em Camilo, além duma memória vivíssima, uma
atenção extraordinária aos movimentos e às falas, que são ainda acção […] representa um dos
maiores valores do Amor de Perdição» (op. cit., p. 259). A fecundidade do romance na sua
transcodificação para a arte cinematográfica está na origem de duas teses sobre o assunto: cf.
Maria do Rosário Leitão Lupi Bello, Narrativa Literária e Narrativa Fílmica: O Caso de
Amor de Perdição, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian / Fundação para a Ciência e a
Tecnologia, 2008; e Maria Helena Amaral de Pinho, Camilo Castelo Branco na Sétima Arte:
Entre o Amor e a Perdição, Dissertação de Mestrado em Literatura e Cinema apresentada à
Universidade Aberta de Lisboa, Lisboa, 2002.
273
Veja-se com especial atenção o quarto parágrafo do capítulo V, que exibe a mestria de
Camilo neste procedimento (cf. AP, p. 207).
88

como assinalou o autor de A Philosophical Enquiry, «na completa escuridão, é


impossível saber qual o grau de segurança em que nos encontramos»274.
Enargeia que é também energeia, como demonstrou Aristóteles ao associar a
capacidade de dar a ver ao fluxo dos acontecimentos, a ação 275. É, de facto, a
um filme de ação que assistimos nesta cena, com o audiovisual em
double-surround.
O vulto que é Simão — e que nós acompanhamos, em momentos-chave,
através de focalização interna — distingue vultos na escuridão. Ver um vulto é
ver a escuridão. Acompanhamos o olhar do protagonista — no escuro —,
enquanto a escuridão encerra também um olhar. Simão olha e é olhado, visa e é
visado. Esse olho exterior é o do leitor, que assume simultaneamente dois
olhares: o de dentro, juntamente com Simão, e o de fora276. A escuridão que
encerra esse olhar exterior encarna o inimigo de Simão: aquilo que ele ignora e
contra o qual nenhuma força é eficaz.
O mesmo acontece com o leitor perante o texto: encontra-se desarmado
diante da obscuridade, já não sensível, mas inteligível, que é constitutiva da
literatura, como demonstrou Edmund Burke no quinto e último capítulo do seu
ensaio. Com efeito, Amor de Perdição encerra mesmo alguns excertos que são
a máxima consubstanciação dessa obscuridade luminosa dos textos literários
em que «o sentido das palavras não cessa de se produzir […] in statu
nascendi»277. Perante essa superfície que encerra múltiplas camadas de
profundidade, «A mente é lançada para fora de si mesma através de uma
multidão de grandes e caóticas imagens»278 . É o que nos acontece quando
lemos passagens como estas:

274
Cf. op. cit., p. 130: «[…] na completa escuridão, é impossível saber qual o grau de
segurança em que nos encontramos; ignoramos os objetos que nos circundam, podemos, a
qualquer momento, embater contra uma perigosa obstrução; podemos cair de um precipício ao
primeiro passo que dermos; e se um inimigo se aproxima, não sabemos de que lado nos
havemos de defender; num caso desses, a força não é garantia de proteção, a sageza age apenas
por conjetura; os mais ousados são dominados pelo espanto; e aquele que nada queira implorar
pela sua defesa ver-se-á forçado a suplicar pela luz».
275
Cf. Aristóteles, Retórica, op. cit., pp. 269 e 270: «Na verdade, chamo ‘pôr diante dos
olhos’ aquilo que representa uma acção»; «[…] [às coisas inanimadas] o poeta atribui-lhes vida
e confere-lhes também movimento; ora, movimento é acção».
276
Cf. Baldine Saint Girons, Fiat Lux, op. cit., p. 156.
277
Idem, p. 160.
278
Edmund Burke, op. cit., p. 57.
89

Muito há que me reluz e voeja, alada como ideal querubim dos santos, nesta minha
quasi escuridade, aquela ave do céu, como a pedir-me que lhe cubra de flores o
rastilho de sangue que ela deixou na terra. Mais lágrimas que sangue deixaste, ó
filha da amargura! Flores são tuas lágrimas, e do céu me diz se os perfumes delas
não valem mais aos pés do teu Deus que as preces de muita devota, que morre
santificada pelo mundo, e cujo cheiro de santidade não passa do olfacto hipócrita ou
estúpido dos mortais279.

Através desta obscuridade, somos incitados ao voo. Nós próprios temos de


abrir feixes de luz no texto e esse ímpeto criador que nos é impelido pela obra
eleva-nos a uma dimensão superior. Entre o visível e o invisível, nasce um
fogo que «ilumina o rosto divino dos homens»280.

279
AP, p. 353.
280
Jean-Luc Marion, La Croisée du Visible, Paris, Presses Universitaires de France, 1991,
p. 154.
SIMÃO E O SUBLIME CRIMINAL

Amou, perdeu-se, e morreu amando.

Camilo Castelo Branco,


Amor de Perdição

Até que lhe seja apresentado o principal protagonista de Amor de Perdição,


o leitor toma contacto com toda uma genealogia criminal que antecipa o herói,
o qual, com a sua conduta, vem reiterar essa tendência beligerante dos seus
antecedentes familiares. Pela prática ou pela teoria, os seus bisavôs desde logo
constituíam uma referência nas lides de Marte: o seu bisavô materno, António
de Azevedo Castello Branco da Silva, ficara famoso no seu tempo por um
«precioso livro acerca da Arte da Guerra»281, enquanto, pelo lado do pai, o seu
bisavô Paulo Botelho Correa era considerado «o mais valente fidalgo que dera
Trás-os-Montes»282. Já Luís Botelho, um dos seus tios paternos, havia morto
um alferes de infantaria que galanteara a dama do seu irmão, Marcos Botelho.
E o irmão destes, Domingos Botelho, pai de Simão, se acaso se visse
atraiçoado pela esposa, não hesitaria em fazer uso de um dos vários bacamartes
que acompanhavam numa fileira o mesmo que desfechara o golpe no soldado.
Ainda a meio do Capítulo I, é-nos apresentado o protagonista pelo narrador:
«Simão, que tem quinze anos, estuda humanidades em Coimbra». Objetividade
descritiva que logo contrasta com os juízos que o seu irmão mais velho,
Manuel, tece acerca dele:

O filho mais velho escreveu a seu pai queixando-se de não poder viver com seu
irmão, temeroso do génio sanguinário dele. Conta que a cada passo se vê ameaçado
na vida, porque Simão emprega em pistolas o dinheiro dos livros, convive com os
mais famosos perturbadores da academia, e corre de noite as ruas insultando os
habitantes e provocando-os à luta com assuadas. O corregedor admira a bravura de
seu filho Simão, e diz à consternada mãe que o rapaz é a figura e o génio de seu
bisavô Paulo Botelho Correa, o mais valente fidalgo que dera Trás-os-Montes.

281
AP, p. 147.
282
AP, p. 161.
91

Manuel, cada vez mais aterrado das arremetidas de Simão, sai de Coimbra antes de
férias e vai a Viseu queixar-se, e pedir que lhe dê seu pai outro destino283.

Da carta reportada em discurso indireto, fica evidente, como notou R. A.


Lawton284, que Manuel usa o pretexto da vida mundana de Simão, exagerando
no retrato que faz deste, com o intuito de resolver um problema pessoal.
Contudo, o narrador, ao retomar o perfil do protagonista, vem corroborar
alguns aspetos da sua vida enumerados por Manuel — Simão é um provocador,
com tendências violentas e dado a um estilo de vida libertino:

Os quinze anos de Simão têm aparências de vinte. É forte de compleição; belo


homem com as feições de sua mãe, e a corpulência dela; mas de todo avesso em
génio. Na plebe de Viseu é que ele escolhe amigos e companheiros. Se D. Rita lhe
censura a indigna eleição que faz, Simão zomba das genealogias, e mormente do
general Caldeirão que morreu frito. Isto bastou para ele granjear a malquerença de
sua mãe. O corregedor via as coisas pelos olhos de sua mulher, e tomou parte no
desgosto dela, e na aversão ao filho. As irmãs temiam-no, tirante Rita, a mais nova,
com quem ele brincava puerilmente, e a quem obedecia, se lhe ela pedia com
meiguices de criança, que não andasse com pessoas mecânicas285.

A este retrato segue-se a narração do episódio da quebra dos cântaros, em que


Simão revela uma faceta de justiceiro social, pese embora os ofendidos
pudessem antes entendê-lo como uma prova da arrogância do jovem
aristocrata. Domingos Botelho sai decidido a prender o seu filho, mas Simão
aceita dinheiro da sua mãe que o aconselha a fugir para Coimbra e a lá
aguardar pelo perdão do seu pai.
O capítulo II abre dando continuidade a esta lógica de narração descritiva
em torno da índole violenta do herói e o próprio narrador contribui com um
olhar enviesado para acentuar o caráter atemorizante de Simão:

Simão Botelho levou de Viseu para Coimbra arrogantes convicções da sua valentia.
Se recordava os chibantes pormenores da derrota em que pusera trinta aguadeiros, o
som cavo das pancadas, a queda atordoada deste, o levantar-se daquele,
ensanguentado, a bordoada que abrangia três a um tempo, a que afocinhava dois, a
gritaria de todos, e o estrépito dos cântaros afinal; Simão deliciava-se nestas
lembranças, como ainda não vi nalgum drama, em que o veterano de cem batalhas

283
AP, p. 161.
284
R. A. Lawton, «Technique et Signification de Amor de Perdição», art. cit., pp. 95-96.
285
AP, p. 161.
92

relembra os louros de cada uma, e esmorece, afinal, estafado de espantar, quando


não é de estafar, os ouvintes.
O académico, porém, com os seus entusiasmos era incomparavelmente muito mais
prejudicial e perigoso que o mata-mouros de tragédia. As recordações
esporeavam-no a façanhas novas, e naquele tempo a academia dava azo a elas286.

Sucede-se então uma contextualização da atividade jacobina do académico em


vários parágrafos onde predomina um discurso acirradamente bélico por parte
do narrador. Esse discurso acaba por se apoderar da imagem do protagonista,
bestializando-o.
Se seguirmos o enredo do romance, constatamos que é o mesmo princípio
de violência que está na origem do encontro de amor entre Simão e Teresa. É
porque se exibe acutilante e ativo nos seus princípios ideológicos que Simão
acaba preso em Coimbra após ser delatado por condiscípulos que mudaram a
sua opinião acerca do jovem ativista, da admiração ao ódio:

O discurso ia no mais acrisolado da ideia regicida, quando uma escolta de verdeais


lhe aguou a escandecência. Quis o orador resistir, aperrando as pistolas, mas de
sobra sabiam os braços musculosos da coorte do reitor com quem as haviam287.

Os braços tinham portanto de ser vários e «musculosos» para controlar a força


de Simão, que se assume sob o signo de Hércules288. Com efeito, mais do que a
violência, Simão ostenta a sua intensa energia, que sentimos ao longo de todo o
romance, mesmo no cenário catastrófico de estatismo disfórico que marca o
final, como se mostrou no capítulo precedente. O protagonista de Amor de
Perdição é um herói extraordinariamente marcado pela sua energia, fatalmente
associada à sua juventude, dois factos que, no texto, conotam a personagem
com a figura da hipérbole, numa conotação que já Aristóteles assinalara na sua
Retórica289.

286
AP, p. 165.
287
AP, p. 169.
288
Cf. AP, p. 167.
289
Cf. Aristóteles, Retórica, op. cit., p. 274: «As hipérboles são como os adolescentes:
manifestam grande exagero. Por isso, expressam-se assim sobretudo os que estão dominados
pela cólera […]. Não é, por isso, apropriado a um velho proferir tais coisas». Entre essas
hipérboles associadas ao herói de Amor de Perdição, vejam-se as seguintes: «O filho do
corregedor de Viseu defendia que Portugal devia regenerar-se num baptismo de sangue, para
que a hidra dos tiranos não erguesse mais uma das mil cabeças sob a clava do Hércules
93

Movido ao excesso por caráter, idade, mas também por força das
circunstâncias — históricas, familiares e pessoais —, o protagonista de Amor
de Perdição mereceu condenações impiedosas por parte de alguns críticos que
limitaram a sua interpretação da personagem a uma univocidade sem rigor.
Ramalho Ortigão encontrava na personagem fictícia — como se fosse decalque
da histórica — um exemplo da «hereditariedade degenerativa» que malograva
o próprio autor do romance, numa perspetiva determinista e positivista.
Também marcados pelo positivismo, os estudos de Jorge de Faria (1910) e de
António Augusto Mendes Corrêa (1911) catalogavam Simão na série de
criminosos ocasionais — passionais290. Por seu turno, em 1951, António
Sérgio seria implacável com a personagem — e, consequentemente com a obra
e o seu autor —, tratando Simão como um criminoso nato, terminologia
científica amplamente vulgarizada. Mas enquanto o leigo camilianista
maldissera a lógica da construção do romance, R. A. Lawton, ilustre crítico
francês vem, em 1964, provar a coerência estrutural de Amor de Perdição, não
obstante o equívoco de Camilo, que teria acertado se tivesse intitulado a sua
obra de Ódio de Perdição. Embora com propósitos distintos, ambos concordam
na caracterização negativa dada à personagem: segundo António Sérgio, Simão
não passa de um «jovem degenerado, sem nenhuma capacidade de
auto-domínio ou mesura, um impulsivo sanguinário que se desencadeia à toa,
um criminoso nato»291, enquanto, para R. A Lawton, o motor da ação é o

popular»; «Simão, porém, entre mil projectos, achara melhor o de ir para Coimbra, esperar lá
notícias de Teresa, e vir a ocultas a Viseu falar com ela»; e «Das mil visões que lhe
relancearam no atribulado espírito, a que mais a miúdo se repetia era a de Mariana suplicante
com as mãos postas; mas, ao mesmo tempo, cria ele ouvir os gemidos de Teresa, torturada
pela saudade, pedindo ao céu que a salvasse das mãos de seus algozes» (AP, pp. 167, 173 e
313; itálicos meus).
290
Cf. Jorge Brandão Figueiredo de Faria, Criminosos e Degenerados em Camilo,
Coimbra, edição de autor, 1910, pp. 54-58; e Antonio Augusto Mendes Corrêa, O Genio e o
Talento na Pathologia, Porto, Imprensa Portugueza, 1911, p. 19. Entre várias classificações do
foro criminalista, desde as propostas de Benedikt às de Lombroso, Jorge de Faria adota a de
Ferri, criminologista italiano, discípulo de Lombroso, que divide os delinquentes em duas
classes — habituais ou ocasionais. Os habituais podem ser natos, loucos ou por hábito
adquirido. Os ocasionais distinguem-se entre ocasionais propriamente ditos e passionais.
291
António Sérgio, «Monólogo do Vaqueiro ou Notazinha Problemática sobre o Amor de
Perdição», Camiliana & Vária: Revista-Boletim do Círculo Camiliano, 1, Lisboa,
Janeiro-Março de 1951, p. 2.
94

absoluto «egocentrismo de Simão»292, o qual não se perdeu por amor, mas pelo
ódio e pela vingança que o sentimento de pundonor lhe inspirara. Cinco anos
depois, era publicado em volume um artigo que se assumia como uma réplica
ao texto de Lawton: «Amor de Perdição, Novela do Pundonor?» de Jacinto do
Prado Coelho. Aqui o autor da magistral Introdução ao Estudo da Novela
Camiliana mostrava como o crítico francês, apesar da sua argúcia analítica,
havia confundido o sentimento de nobreza pessoal sentida por Simão com o
sentimento de pundonor associado ao prestígio de casta. Assim, como Sérgio,
Lawton não tinha captado a essência trágico-poética que faz de Amor de
Perdição uma obra-prima293.
Em 1977, a estudiosa brasileira Lênia Márcia Mongelli expõe uma visão
mais complexa do herói, dividido num conflito entre o amor e o dever, por um
lado, e a sua individualidade, por outro294. Este é já um ponto de vista que vem
iluminar a complexidade dialética da personagem. Ao reeditar a sua dissertação
de doutoramento, em 1981, Jacinto do Prado Coelho integra uma nova reflexão
sobre o romance, após um comentário a estes contributos exegéticos. O
ensaísta propõe a distinção de três fases no percurso de Simão: oposição à
ordem estabelecida, reconciliação com a ordem estabelecida, nova oposição
radical à ordem estabelecida295. Conclui então o autor: «Simão elevou-se pelo
amor e conquistou na luta uma certeza obstinada, pela qual enfrenta
altivamente o sofrimento e a morte»296. Assim, Jacinto do Prado Coelho
reabilita a figura de Simão como um mártir de amor e mártir apesar de toda a

292
R. A. Lawton, «Technique et Signification de Amor de Perdição», art. cit., p. 129.
Jacinto do Prado Coelho notou, neste estudo, algumas contradições do autor que não podem
deixar de ser vistas como uma falta de convicção na tese urdida. Aliás, num segundo ensaio
sobre Amor de Perdição, « es Peines d’Amour Perdues de Camilo Castelo Branco», Lawton
reduziu o tom judicativo com que havia culpabilizado Simão pela perdição de Teresa e
Mariana. Tem pois razão Sérgio de Sousa quando nota uma «ligeira inflexão» neste novo
ensaio que sucede ao artigo de Jacinto do Prado Coelho, o qual não é referido pelo autor
francês (cf. Sérgio Guimarães de Sousa, «Crimes de Amor?: Tradição Crítica de Amor de
Perdição», Diacrítica, 21/3, Braga, 2007, p. 430).
293
Cf. Jacinto do Prado Coelho, «O Amor de Perdição, Novela do Pundonor?», in A Letra e
o Leitor, Lisboa, Portugália, 1969, p. 143.
294
Cf. Lênia Marcia de Medeiros Mongelli, art. cit., esp. pp. 39, 41 e 43.
295
Cf. op. cit., pp. 256-257. A 3.ª edição póstuma, de 2001, replica a 2.ª versão, de 1981,
revista e aumentada pelo autor.
296
Idem, p. 257.
95

luta. Essa reabilitação — sempre, sobretudo, contra António Sérgio — é


também assegurada por outro insigne camilianista, Aníbal Pinto de Castro, no
«Estudo Histórico-Literário» que integra a excelente edição crítica do romance
dirigida por Maximiano de Carvalho e Silva297. Na luta que estabelece contra o
status quo vigente, Simão revela, segundo o crítico, «a encarnação portuguesa
do titanismo»298, numa conceção singular do Romantismo português. A
oposição ao patriarcado, ao contrário do que mostram as leituras tradicionais, é
de facto eficaz, na medida em que Simão e Teresa lhe resistem até ao fim das
suas vidas299. Certo é também que a morte precoce dos três protagonistas,
contra toda a especulação idealizante de amor incondicionalmente eterno e
imutável, contribui para esse efeito dinâmico de que se alimenta o sublime no
romance. Ao contrário de outras obras de ficção do autor, não há tempo para
arrependimentos, má-consciência ou transfiguração do amor passional em
amor piedoso. Donde não se pode deixar de concluir que este tipo de economia
na obra contribui também para o seu caráter sublime. Um romance longo, em
termos diegéticos, tenderia a perder esta eficácia.
Mas a interpretação do protagonista — bem como do seu génio criador —
dificilmente escapa a uma persecutória exegese maniqueísta. É mais uma vez
que encontramos uma leitura deste tipo, desta vez não de um leigo, como se
assumia António Sérgio, mas de um respeitável camilianista como o é João
Bigotte Chorão, que, em 1991, apesar de toda a evolução interpretativa
desenvolvida até então, incorpora no seu juízo as leituras de António Sérgio e
de R. A. Lawton:

297
Não deixa de ser curioso observar o tom ofensivo que António Sérgio e R. A. Lawton
adotam, bem como o tom defensivo patente nos discursos de Jacinto do Prado Coelho e de
Aníbal Pinto de Castro.
298
Aníbal Pinto de Castro, «Estudo Histórico-Literário», introd. cit., p. LVII.
299
Sobre as relações do herói camiliano com o patriarcado, vejam-se as seguintes
perspetivas: Eurico Figueiredo, «Jovens Amores Contrariados na Literatura: Amor de
Perdição», in No Reino de Xantum: Os Jovens e o Conflito de Gerações, Porto, Afrontamento,
1985; Leodegário A. de Azevedo Filho, art. cit.; Miguel Rettenmaier da Silva, «Desejo e Culpa
em Amor de Perdição de Camilo Castelo Branco», Letras de Hoje, Vol. 31, 1, Porto Alegre,
Março 1996; e Sérgio Paulo Guimarães de Sousa, Entre-Dois: Desejo e Antigo Regime na
Ficção Camiliana, Dissertação de Doutoramento apresentada à Universidade do Minho, Braga,
Universidade do Minho – Instituto de Letras e Ciências Humanas, 2005, esp. pp. 20-29.
96

Simão, esse é o convencional herói romântico: orgulhoso e solitário, de uma


coragem que revela sobretudo ânimo violento e até instinto homicida. Agressivo,
eis que o amor parece converter o lobo em cordeiro. Se o autor explorasse essa
metamorfose, quem sabe se nos daria um Simão mais convincente e complexo —
um Simão enfim apaziguado pelo amor. Mas o que interessa principalmente a
Camilo é a narrativa: antes do leitor, ele se deixa possuir pela história, que corre
ofegante e opressiva. Simão acaba pois por transformar-se naquilo que é:
temperamento explosivo, possesso do seu génio vingativo. Não o move o amor,
mas o ódio, e desafia tudo e todos, a família, a sociedade, a justiça. É um agitado,
que cumpre na revolta o seu sestro de herói romântico. Reproduz em pequena
escala a rebeldia satânica do non serviam. Quando se fala de satanismo na literatura
romântica, tem-se presente esses heróis lúgubres e lastimáveis, que correm para a
sua perdição numa como volúpia de auto-aniquilamento. Simão não persegue o
amor, mas a morte, como se esta fosse a meta apetecida. Destruir e destruir-se
parece ser o escopo do herói romântico, numa fúria de viver que não é senão
desgosto da vida300.

Impressionante decalque das teses preconizadas por Sérgio e Lawton — como


o primeiro, defende a inconsistência na contrução da personagem; como o
segundo, ostenta a tese do ódio como motor da ação —, avança contudo uma
leitura original: a da associação de Simão ao satanismo romântico. Esta leitura,
porém, se se adequaria a outras personagens de um certo romance negro
produzido por Camilo Castelo Branco, não se adequa ao protagonista de Amor
de Perdição. A figura de Simão é demasiado humana, humanista até, para se
enquadrar num perfil de voragem destrutiva e autodestrutiva como o que o
autor do ensaio quis defender.
Simão, se não é esse jovem que adere ao pundonor aristocrático contra o
qual se insurgia, como pretendeu Lawton, também não é um herói anacrónico
que pensa e age absolutamente fora dos padrões mentais da sua época301. O
amante de Teresa é um herói tanto mais complexo quanto releva da dimensão
humana do seu heroísmo. À medida que a ação avança, assistimos à maturação
interior do protagonista, que se debate com múltiplos problemas aos quais
tenta, da melhor forma que sabe e pode, dar solução. A preocupação que, a

300
João Bigotte Chorão, «Nocturno Camiliano», in Abel Barros Baptista et al. (org.),
Camilo: Evocações e Juízos – Antologia de Ensaios, Porto, Comissão Nacional das
Comemorações Camilianas, 1991, p. 242.
301
Esta é, de resto, a tese defendida por Sérgio Guimarães de Sousa na sua dissertação de
doutoramento, onde defende que «Os patriarcas, por muito que propalem os valores do Antigo
Regime, já não parecem ser o que seriam no antigamente, e os heróis românticos, por mais que
repudiem a ordem antiga, ainda não são indivíduos emancipados da tradição» (op. cit., p. vi).
97

dada altura, tem com o dinheiro necessário para se sustentar com Teresa em
caso de fuga faz disso prova302. Também em certa conversa com João da Cruz,
Simão revela uma conceção de casamento perfeitamente enquadrada na lógica
de mercantilização feminina que dominava à época, conceção aliás inesperada
numa personagem que pugna por viver um amor livre de preconceitos303. Além
disso, se Simão luta pelos ideiais da revolução popular, não deixa de ser
conivente com um certo tratamento deferente que João da Cruz e Mariana lhe
prestam. Por outro lado, a sua altivez compadece-se com uma sincera
humildade com que muitas vezes se deixa guiar pela figura paternal do
ferreiro304. O gosto pelas armas de fogo não se conforma com o horror que
sente por João da Cruz quando constata que este matou o malogrado mochila
de Baltasar Coutinho. Embora reconheça a sua responsabilidade no infortúnio
de Mariana, não deixa de forma egoísta de a aliciar a que o acompanhe no
degredo. O mesmo Simão feroz que atemoriza as irmãs Ana e Maria, obedece à
irmã mais nova, Rita, por quem nutre uma afeição especial e com quem
partilha brincadeiras infantis. Estes e muitos outros passos perturbam toda a
imagem idealizada ou demonizada que se possa querer fazer do herói de Amor
de Perdição. Certo é que, ao longo da narrativa, Simão desenvolve todo um
percurso de protagonismo heroico em que a sua coragem não é posta em causa.
Mesmo quando confrontado com a adversidade, como no caso da emboscada,
Simão revela-se um exemplo de bravura e destemor, com uma certa
inconsciência e ingenuidade que, em vez de o minorizarem, o engrandecem.
Na carta que é ela própria um emblema da sublimidade, escrita ao anoitecer
do dia que precede o crime, Simão assume um ato de abdicação: abdica não do
amor de Teresa, mas da possibilidade de realização desse amor. O protagonista
encena a sua morte, pressupondo-se um fantasma falante, muito antes de que

302
Óscar Lopes vê nesse passo uma manifestação de uma certa «veia realista» de Camilo
(cf. «Claro-Escuro Camiliano», in op. cit., pp. 49-50).
303
«Se vocemecê tem uma casinha sofrível — atalhou Simão — pode, querendo, casar a
sua filha numa boa casa de lavoira» (AP, p. 267). Óscar Lopes refere-se à «mercenarização
feminina» como um tópico recorrente na ficção camiliana (cf. «Claro-Escuro Camiliano», art.
cit., pp. 43-46).
304
Lawton considera mesmo João da Cruz um «pai substituto» de Simão (cf. «Les Peines
d’Amour Perdues de Camilo Castelo Branco», in José-Augusto França, R. A. Lawton e
Eduardo Lourenço, Hommage à Camilo Castelo Branco, Paris, Fundação Calouste
Gulbenkian, 1985, p. 8).
98

Teresa o vir fazer, no final da obra. Não se percebe em que circunstâncias


Simão espera morrer, mas a superstição de Mariana incrementa o vaticínio de
um acontecimento dramático. Simão parte, assim, da casa de João da Cruz com
a firme vontade de ver Teresa, mas sem qualquer certeza sobre o modo como
irá proceder perante as circunstâncias305. É impreterível a partida, porque
Simão é um ser ativo, uma personagem em contínua efervescência, como
expressa na resposta que dá a Mariana quando esta lhe pede para não sair nem
naquela noite, nem no dia seguinte: «Hei-de sair, porque me mataria se não
saísse». A fatalidade de Simão não lhe é, pois, externa: Simão cumpre o seu
destino, cumprindo-se306.
O cenário que antecede o crime começa por uma mistura da imobilidade da
natureza e do sujeito com o turbilhão de ideias que o avassalam:

Era uma hora, e estava Simão defronte do convento, contemplando uma a uma as
janelas. Em nenhuma vira o clarão de luz; luz só a do lampadário do Sacramento se
coava baça e pálida na vidraça duma fresta do templo. Sentou-se nas escaleiras da
igreja, e ouviu, ali imóvel, as quatro horas307. Das mil visões, que lhe relancearam
no atribulado espírito, a que mais a miúdo se repetia era a de Mariana suplicante
com as mãos postas; mas, ao mesmo tempo, cria ele ouvir os gemidos de Teresa,
torturada pela saudade, pedindo ao céu que a salvasse das mãos de seus algozes. O
vulto de Tadeu de Albuquerque arrastando a filha a um convento, não lhe
afogueava a sede da vingança; mas cada vez que lhe acudia à mente a imagem
odiosa de Baltasar Coutinho, instintivamente as mãos do académico se asseguravam
da posse das pistolas308.

À medida que o tempo passa, a natureza sofre metamorfoses num desabrochar


idílico que contrasta com a emotividade do sujeito, como acontecerá na cadeia:
305
A reflexão que se segue deve muito à revisão interpretativa da figura do protagonista,
nomeadamente a partir da crítica aos estudos de António Sérgio e de R. A. Lawton, realizada
por Abel Barros Baptista em «O Erro de Simão», in Abel Barros Baptista (org.), op. cit..
306
Como escreve R. A. Lawton, Simão entrega-se a uma «’fatalidade’ que não existe fora
dele mesmo» («Technique et Signification de Amor de Perdição», art. cit., p. 79). Sobre a
dialética entre a fatalidade e livre arbítrio em Amor de Perdição, cf. Maria da Natividade
Carvalho Pires, «O Pecado e a Culpa: Alguns Subsídios da Leitura de Chateaubriand para a
Diegese da Novela Camiliana», Boletim da Casa de Camilo, Série IV, 1, Vila Nova de
Famalicão, Câmara Municipal de Vila Nova de Famalicão, 1999, pp. 117-122.
307
A petrificação de Simão coaduna-se com a perturbação originada pelas badaladas. Cf.
Edmund Burke, op. cit., p. 76: «[…] um único som de uma certa força, mas de duração curta,
se repetido por intervalos, faz grande efeito. Poucas coisas são tão terríveis do que as batidas de
um grande relógio, quando o silêncio da noite impede a atenção de se dissipar».
308
AP, p. 313.
99

Às quatro horas e um quarto, acordou a natureza toda em hinos e aclamações ao


radiar da alva. Os passarinhos trinavam na cerca do mosteiro melodias
interrompidas pelo toque solene das Ave-Marias na torre. O horizonte passara de
escarlate a alvacento. A púrpura da aurora, como lavareda enorme, desfizera-se em
partículas de luz, que ondeavam no declive das montanhas, e se distendiam nas
planícies e nas várzeas, como se o anjo do Senhor, à voz de Deus, viesse
desenrolando aos olhos da criatura as maravilhas do repontar dum dia estivo.
E nenhuma destas galas do céu e da terra enlevava os olhos do moço poeta!
Às quatro horas e meia, ouviu Simão o tinido de liteiras, dirigindo-se àquele
ponto309.

Simão ouve o som das liteiras a aproximarem-se e nós assistimos, em grande


parte pela perspetiva de Simão, ao diálogo entre as personagens à porta do
convento. Cria-se toda uma mise-en-scène que prepara a surpresa da chegada
de Simão bem como do desfecho desse encontro. Assim distraídas, as
personagens dão de caras com Simão, que, ao vocativo exclamado de Teresa, a
qual primeiro o reconhece, permanece imóvel. Baltasar confronta Simão, que
mantém a sua postura segura, avançando «alguns passos» e falando
«placidamente». Sobressai a altivez digna de Simão contrastante com o
rebaixamento daquele a que, não por acaso, o narrador designa pela origem —
«o de Castro Daire» — enquanto Simão é referido como «o académico»310. A
réplica do protagonista confirma a sua superioridade moral: «— É parvo este
homem! — disse o académico — Eu não discuto com sua senhoria...».
Segue-se o momento em que Simão se dirige a Teresa, «com a voz
comovida e o semblante alterado unicamente pelos afectos do coração». O
advérbio utilizado reforça a impassibilidade e a coragem de Simão perante o
frenesim histérico de Baltasar. Simão pede a Teresa resignação, assumindo-se
ele próprio como um exemplo. A resignação, porém, não rejeita a força da
violência, pelo contrário, implica-a: «Sofra com resignação, da qual eu lhe
estou dando um exemplo. Leve a sua cruz, sem amaldiçoar a violência
(…)»311. Acicatado por Tadeu, mas sobretudo por Baltasar, Simão expõe a

309
AP, p. 313.
310
Sobre as anáforas referenciais por meio das quais as personagens são designadas, veja-se
o artigo já citado de Maria Helena Nery Garcez, «Acerca das Designações dos Agentes em
Amor de Perdição».
311
AP, p. 317; itálicos meus.
100

covardia do morgado de Castro Daire, que se vê obrigado a reagir sob pena de


confirmar a opinião do amante de Teresa. É então que se dá o crime. Mas o ato
em si não é narrado senão em diferido. A narração do crime merece o decorum
por parte do narrador, que assim defende a imagem do herói do crime de
sangue. Simão permanece acima da baixeza que envolve Baltasar Coutinho e a
sua morte.
A esse hiato suspensivo que coincide com a ação assassina de Simão sucede
a confusão reativa dos presentes, adjuvantes de Baltasar. Por outro lado, Simão
é envolvido num parênteses em cena, uma espécie de aparte, por duas vezes:
perante João da Cruz, que o quer dar guarida na fuga, e diante do meirinho
geral, que o quer livrar. Simão insiste: «— Eu não fujo (…) Estou preso. Aqui
tem as armas. / E entregou as pistolas»312. Simão usa de um ato ilocutório
performativo — «Estou preso» — que corresponde a um ato constatativo,
reiterado pela entrega das armas, num gesto em que fazer e dizer pretendem
coincidir. E deste modo Simão garante a sua intervenção no destino.
A entrega das armas consubstancia a concretização do futuro glorioso a que
Simão aspirava, embora não sob a forma de felicidade conjugal que ele
idealizara juntamente com Teresa. Simão cumpre o seu destino num gesto
superior em que «resignar-se é a perfeição», fazendo assim prova dessa
«porção divina do homem»313. Essa resignação fará doravante parte da missão
do protagonista, que insistirá para que Teresa partilhe dessa deliberação. A
partir de agora, cada vez mais, o discurso de Simão constituirá a sua grandeza,
numa reversibilidade revisionista314. Simão ergue-se pela linguagem,
assumindo o «prestígio dum grande desgraçado»315. Nesse sentido, tem razão
Lawton quando afirma que «Perder-se, para ele, é a suprema volúpia»316. Mas
Simão não carrega uma culpa. Sente antes a responsabilidade pelas

312
AP, p. 321.
313
Nas palavras do padre Álvaro, protagonista do contemporâneo O Romance dum Homem
Rico (Lisboa, Cotovia, 1992, p. 41).
314
Abel Barros Baptista refere-se a um erro moderno que assenta numa retroatividade da
autointerpretação da conduta feita pelo herói (cf. art. cit., esp. pp. 111-112). Sobre o sublime da
falha, cf. Stephanie Barbé Hammer, «Resistance, Metaphysics, and the Aesthetics of Failure in
Modern Criminal Literature», in The Sublime Crime: Fascination, Failure, and Form in
Literature of the Enlightenment, Carbondale, Southern Illinois University Press, 1994.
315
AP, p. 437.
316
«Technique et Signification de Amor de Perdição», art. cit., p. 125.
101

consequências funestas daqueles que se lhe ligaram: Teresa, Mariana, mas


também, de certo modo, João da Cruz. E é essa consciência com que se
conforma que o engrandece317. Simão entrega-se, e nessa entrega está toda a
sua nobreza:

Eis-me aqui homicida, e sem remorsos. A insânia do crime aturde a consciência;


não a minha, que se não temia das escadas da forca, nos dias em que o meu
despertar era sempre o estrebuchamento da sufocação.
Eu esperava a cada hora o chamamento para o oratório, e dizia comigo: Falarei a
Jesus Cristo.
Sem pavor, premeditava nas setenta horas dessa agonia moral, e antevia
consolações que o crime não ousa esperar ser injúria da justiça de Deus318.

Simão, que tem «a demência da dignidade»319 e que por ela se perdeu, vê a


sua grandeza reconhecida por figuras venerandas como o desembargador
Mourão Mosqueira — que diante de Tadeu de Albuquerque afirma
peremptoriamente: «Há grandeza neste homem de dezoito anos»320 — ou o
capitão do navio para quem Simão é um «grande desgraçado»321 suportando
um sofrimento inimaginável aos olhos da sua longa experiência de terríveis
tragédias na terra e no mar322. A elevação de Simão descende diretamente da
dimensão do seu abismo323.
Assim, apesar de criminoso, e justamente pelo crime, Simão é admirável,
isto é, digno de admiração, na medida em que a sua ação emerge de uma

317
O discurso de Simão assume um papel preponderante ao denotar a sua consciência da
tragicidade operada. Ao perceber que Mariana lhe é incondicionalmente fiel, Simão conclui
diante de João da Cruz: «É pois certo que a minha má estrela arrasta a sua desgraçada filha a
todos os meus abismos!»; e quando Mariana lhe confessa que se suicidará, caso ele morra,
conclui: «Tanta gente desgraçada que eu fiz!...». Por outro lado, Simão reconhece a sorte de
Mariana, que não sofreu o abandono a que foi votada Teresa: «O Anjo da compaixão sempre
comigo! — murmurou ele — Teresa foi muito mais desgraçada...» (AP, respetivamente pp.
391, 467 e 465).
318
AP, p. 383.
319
AP, p. 443.
320
AP, p. 377.
321
AP, p. 449.
322
Cf. AP, p. 451.
323
Na expressão de Lawton, Simão «avança com elevação sobre o abismo» («Technique et
Signification de Amor de Perdição», art. cit., p. 77).
102

energia sem limites que nos fascina sob um limiar estético324. Dessa forma,
Simão representa um avatar da liberdade absoluta325. Na construção deste
protagonista sublime, Camilo não esqueceu, pois, a máxima de Pascal de que o
homem é o ser mais vil e mais nobre, tendo dado à luz uma personagem
complexa feita sobretudo de sombras326.

324
Sobre o predomínio da impressão estética sobre a impressão moral em atos reprovavéis,
mas plenos de energia, cf. Friedrich Schiller, «Ideias sobre o Uso do Comum e do Baixo na
Arte», in Textos sobre o Belo, o Sublime e o Trágico, op. cit., esp. pp. 190-191; Dominique
Peyrache- eborgne, «Diderot et Schiller: Du Sublime du Crime au Concept d’Humanité
Idéale, in op. cit.; e Michel Crouzet, « ’Esthétique et l’Energie», in Essai sur la Genèse du
Romantisme — II: La Poétique de Stendhal (Forme et Société, le Sublime), Paris, Flammarion,
1983. Essa energia de Simão não o abandona mesmo nos momentos de passividade ou
melancolia. Veja-se, a título de exemplo, as exclamações dadas energicamente e abruptamente
por Simão ao comandante nos momentos em que este teme pelo seu suicídio (cf. AP, pp. 451 e
465).
325
Cf. G. W. F. Hegel, Fenomenologia do Espírito, Petrópolis, Vozes, 2002, esp. pp.
401-410.
326
Numa obra de introdução ao estudo do autor, João Bigotte Chorão afirma: «A
complexidade da natureza humana, essa inextricável contradição já assinalada pelo poeta
Ovídio e pelo sábio Montaigne parece escapar a um novelista que só vê a luz e a sombra em
oposição. Na sua radical dicotomia, esquece a advertência de Pascal de que o homem não é
anjo nem besta. É a mais miserável das criaturas e a mais sublime. O maniqueísmo camiliano
prejudica a complexidade humana de muitas das suas personagens, não suficientemente
contrastadas ou demasiado esquemáticas para serem verdadeiras» (Camilo: Esboço de um
Retrato, Lisboa, Vega, s/d, pp. 53-54). Assumidas como generalizações, são contudo perigosas
estas afirmações, revelando sobretudo falta de rigor, pois se é verdade que a passagem
transcrita se adequa a vários romances dados a lume na oficina camiliana, não foram esses que
elevaram Camilo à figura de génio criador. Esse mal-entendido perdura quando se seguem
passagens como estas que podem conduzir a um equívoco: «Sucede assim que na ficção
camiliana sejam por vezes personagens secundárias as de maior autenticidade humana. O
ferrador João da Cruz, do Amor de Perdição, ou o criado Tranqueira, do Amor de Salvação,
destacam-se com vigor nesse painel de meninas anémicas e de moços frenéticos» (idem, pp.
54-55).
O PRAZER NEGATIVO

[...] Um fogo que devora tudo, a razão, o bom


senso, a própria vida.

João Bigotte Chorão,


«Camilo a Ocidente e a Oriente»

Ansiosa de verte,
deseo morir.

Santa Teresa de Ávila, Poesías

Basta olhar para ela para saber que ela goza.

Jacques Lacan,
sobre Êxtase de Santa Teresa de Bernini,
in Encore: Le Seminaire — Livre XX

Mariana, em Amor de Perdição, assume um estatuto especial na tríade de


protagonistas a que pertence327. O narrador apresenta-no-la no quinto capítulo,
a partir do qual a sua presença será uma constante, ao associar-se a Simão
numa ligação de interdependência mútua. Mariana tem vinte e quatro anos, é
portanto mais velha do que Simão e Teresa, e solteira, por já se ter recusado a
vários pretendentes. Na apresentação que faz da personagem, o narrador
sublinha a sua beleza melancólica:

327
Embora pouco estudada, algumas vozes de críticos importantes são peremptórias em
considerar Mariana a personagem excecional do romance: «é a figura mais humana e mais
complexa da obra» (Jacinto do Prado Coelho, op. cit., p. 251); «é sem dúvida uma das grandes
invenções de Camilo e é talvez a ela que deve ser cabalmente imputada a fortuna do romance»
(Luciana Stegagno Picchio, «Amor de Perdição: Uma ‘Crónica Stendhaliana’. Estudo de
Fortuna», in AA. VV., Congresso Internacional de Estudos Camilianos (24-29 de Junho de
1991): Actas, Coimbra, Comissão Nacional das Comemorações Camilianas, 1994, p. 769); «é
quem recebe a maior deferência nos modos de ser designada. […] Mariana é a personagem de
maior dignidade. […] Ela é, de facto, a heroína romântica por excelência na novela. […]
Mariana acaba sendo uma criação mais pura e mais forte (ou perfeita) do que a própria Teresa»
(Maria Helena Nery Garcez, art. cit., pp. 20-21). Sobre a complexidade dinâmica que a figura
de Mariana vem conferir ao romance, que se revela uma autêntica inovação relativamente ao
cânone romântico português, cf. José-Augusto França, «Camilo ou a Opção da Desventura», in
op. cit., pp. 289-290.
104

O ferrador tinha uma filha, moça de vinte e quatro anos, formas bonitas, um rosto
belo e triste. Notou Simão os reparos em que ela se demorava a contemplá-lo, e
perguntou-lhe a causa daquele olhar melancólico com que ela o fitava. Mariana
corou, abriu um sorriso triste, e respondeu:
— Não sei o que me adivinha o coração a respeito de vossa senhoria. Alguma
desgraça está para lhe suceder...328.

A melancolia de Mariana compadece-se com a sua atitude contemplativa diante


de Simão. A discrição característica da personagem faz dela sobretudo um ser
que olha, que vê o outro, que vela pelo outro. Nesse sentido, o olhar de
Mariana é já uma invasão, uma «visão devoradora»329. Através do olhar, ela
apodera-se do corpo, mas a contemplação do corpo visa a contemplação do
espírito. A sua agudeza intuitiva vem-lhe desse hábito de perscrutar o outro, de
lhe perceber as intenções330.
Mas Mariana não apenas vê, ela também é vista: «Notou Simão os reparos
em que ela se demorava a contemplá-lo […]». E é essa consciência que lhe
assoma — a de não ser unicamente um corpo vidente, mas também um corpo
visível331 — que faz Mariana corar. O enrubescimento do rosto, por outro lado,
exterioriza uma pulsão erótica: a interseção do olhar estabelecida com Simão
provoca-lhe um estímulo físico. Mariana torna-se um corpo exposto, exposição
que é reiterada pela moção interior espelhada na face que o sangue inunda.
Simão e Mariana passarão então a uma convivência constante, e de tal
forma necessária a ponto de o afastamento de Mariana ser mais difícil para
Simão do que a própria ausência inerente de Teresa. Quando, na sequência da
condenação, Mariana enlouquece, Simão perde o seu bálsamo: «Terribilíssimas

328
AP, p. 213; itálicos meus.
329
Maurice Merleau-Ponty, O Olho e o Espírito, s/l, Vega, 2009, p. 26.
330
João da Cruz recorda com saudade a sua filha, caracterizando-a por meio de uma
metonímia expressiva: «Dava agora tudo quanto tenho para a ver aqui ao pé de mim, com
aqueles olhos que pareciam ir direitos aos desgostos que um homem tem no seu interior» (AP,
p. 409; itálico meu).
331
Segundo Maurice Merleau-Ponty, o corpo é simultaneamente vidente e visível (cf. op.
cit., p. 30). Na verdade, trata-se de uma relação intersubjetiva, já que «através dos outros olhos
tornamo-nos plenamente visíveis a nós mesmos» (Maurice Merleau-Ponty, Le Visible et
l’Invisible, Paris, Gallimard, 1995, p. 188).
105

foram então as horas solitárias do infeliz»332. Até então, Mariana gozara de


«franca entrada no cárcere a toda a hora do dia, e raras horas deixava sozinho o
preso»333.
Conforme Roland Barthes, pode distinguir-se o desejo em dois tipos
segundo a relação do sujeito com o objeto: «Pothos, para o desejo do ser
ausente, e Himéros, mais ardente, para o desejo do ser presente»334. Teresa, na
sua ausência constitutiva, sofre uma sublimação, perdendo os seus contornos
físicos. Mas é justamente essa ausência tornada presente pela imaginação um
impulsor dinâmico à necessidade de elidir o descontínuo335. A invisibilidade
que consuma a relação de Simão e Teresa é ultrapassada pela construção
imaginativa dos amantes336. Leia-se a sequência em que, através de focalização
interna, é-nos dado o ímpeto sentido por Simão a propósito do seu primeiro
encontro íntimo com Teresa — sublime erótico todo ele construído através do
medo e da angústia, que não é senão outro modo de nomear o desejo de Simão
rente a uma consciência muito aguda da morte:

Era a resposta um grito de alegria. Teresa não reflectiu, respondendo a Simão, que
naquela noite se festejavam os seus anos, e se reuniam em casa os parentes.
Disse-lhe que às onze horas em ponto ela iria ao quintal e lhe abriria a porta.
Não esperava tanto o académico. O que ele pedia era falar-lhe da rua para a janela
do seu quarto, e receava impossível este prazer, que ele avaliava o máximo.
Apertar-lhe a mão, sentir-lhe o hálito, abraçá-la talvez, cometer a ousadia de um
beijo, estas esperanças, tão além de suas modestas e honestas ambições, igualmente
o enleavam. Enlevo e susto em corações que se estreiam na comédia humana, são
sentimentos congeniais.

332
AP, p. 349. Como notou José-Augusto França, esta ambiguidade sentimental de Simão
concorre para a complexidade e originalidade da obra (cf. «Camilo ou a Opção da
Desventura», in op. cit., pp. 289-290).
333
AP, p. 351.
334
Roland Barthes, Fragmentos de um Discurso Amoroso, Lisboa, Edições 70, s/d, p. 54.
335
«Somos seres descontínuos, indivíduos que isoladamente morrem numa aventura
ininteligível, mas que têm a nostalgia da continuidade perdida» (Georges Bataille, O Erotismo,
Lisboa, Antígona, 1988, p. 14).
336
Veja-se o seguinte exemplo: «O cavalo demorou-se meia hora, e o seu bom anjo, neste
espaço, vestido com as galas com que ele vestia na imaginação Teresa, deu-lhe rebates de
saudade daqueles tempos e ainda das horas daquele mesmo dia, em que cismava na felicidade
que o amor lhe prometia, se ele a procurasse no caminho do trabalho e da honra» (AP, p. 197;
itálicos meus). O lexema vestir repete-se num breve espaço, e, embora o seu sentido primeiro
seja conotativo, a presentificação dessa imagem em sentido denotativo assoma
instantaneamente ao leitor.
106

À hora da partida, Simão tremia, e a si mesmo pedia contas da timidez, sem saber
que os encantos da vida, os mais angélicos momentos da alma, são esses lances de
misterioso alvoroço que aos mais serôdios de coração sucedem em todas as sazões
da vida, e a todos os homens, uma vez ao menos.
Às onze horas em ponto estava Simão encostado à porta do quintal, e a distância
convencionada o arrieiro com o cavalo à rédea. A toada da música, que vinha das
salas remotas, alvoroçava-o, porque a festa em casa de Tadeu de Albuquerque o
surpreendera. No longo termo de três anos nunca ele ouvira música naquela casa. Se
ele soubesse o dia natalício de Teresa, espantara-se menos da estranha alegria
daquelas salas, sempre fechadas, como em dias de mortório. Simão imaginou
desvairadamente as quimeras que voejam, ora negras, ora translúcidas, em redor da
fantasia apaixonada. Não há baliza racional para as belas, nem para as honrosas
ilusões, quando o amor as inventa. Simão Botelho, com o ouvido colado à
fechadura, ouvia apenas o som das flautas, e as pancadas do coração
sobressaltado337.

A relação de Eros e Thanatos acentua-se quando, no encontro da noite


seguinte, o envolvimento entre Teresa e Simão sofre uma completa elipse, e o
leitor toma contacto com o erotismo por direta intermediação da morte338. Na
verdade, o narrador elide o encontro dos amantes e oferece-nos toda uma cena
de ocultação com os criminosos que buscam cumprir as ordens de Baltasar
Coutinho e assassinar Simão, e os defensores deste, João da Cruz e o seu
cunhado. Enquanto assistimos a este jogo de perseguição num clima criminal,
sabemos que Teresa e Simão estão juntos no quintal da casa de Tadeu de
Albuquerque. Mas não sabemos mais do que isso. E apesar disso, ou
justamente por isso, nem Camilo odeia o corpo, nem o erotismo está ausente de
Amor de Perdição339. A erótica camiliana é-o tanto mais quanto se situa nas

337
AP, pp. 201 e 203. A preeminência da experiência do tempo na ereção do sublime
parece justificar uma tão longa transcrição.
338
Em As Lágrimas de Eros, Georges Bataille mostra como, antropologicamente, o
erotismo está associado ao reconhecimento da morte. Esta é uma tese central da teoria
batailliana do erotismo (cf. As Lágrimas de Eros, Lisboa, Sistema Solar, 2012, esp. pp. 19-28).
339
Eugénio de Andrade aponta como um dos defeitos de Camilo «o seu ódio ao corpo»
(«Sobre Camilo», in Os Afluentes do Silêncio, Porto, Fundação Eugénio de Andrade, 1997, p.
19). Já Dulce Mindlin, por seu turno, declara: «[…] é de se notar, na narrativa, a ausência do
elemento erótico. Talvez fosse melhor dizer recalcamento, uma vez que em nenhum momento
o par amoroso mal cogita numa entrega que não seja sentimental apenas» («Paixão: Doença ou
Fado?», in João Camilo dos Santos (ed.), Proceedings of the Camilo Castelo Branco
International Colloquium, Santa Barbara, University of California — Center for Portuguese
Studies, 1995, p. 87).
107

fendas do texto, pois a sua estética é muito mais a da sugestão do que a do


explícito340.
Também Mariana, por seu turno, é uma figura «mais sugerida que definida»
a partir da qual retemos «estímulos bastantes para a recriarmos e sentirmos»341.
As impressões lúbricas que nos chegam do ponto de vista de elementos
masculinos de vária índole social — o padre capelão, o carcereiro e Manuel
Botelho — oferecem-nos o corpo de Mariana como um objeto de desejo. A
lubricidade destes olhares decorre de uma perspetiva oblíqua. Se Teresa se
apresenta como uma expressão do espírito, Mariana é concebida na expressão
da carne. Enquanto o desejo de Teresa se consuma na distância e Simão se
divide entre pothos e himéros, Mariana é toda ela corpo e a sua vivência erótica
fundamenta-se através da presença342. Mariana declara, incessantemente,
perante Simão, um «Eis-me aqui»343.
Por um lado, a presença de Mariana torna-se indispensável a Simão e nisso
reside o seu valor aos olhos deste — um valor útil, não o da despesa que
Teresa significa —, por outro lado, na oferta incondicional que Mariana
representa, nessa ilimitada disponibilidade, reside também a sua perda de

340
«A estética de Camilo é uma estética da sugestão, não do explícito» (R. A. Lawton,
«Technique et Signification de Amor de Perdição», art. cit., p. 82). Sobre a fenda como lugar
da irrupção do erótico, veja-se Roland Barthes, O Prazer do Texto, Lisboa, Edições 70, 2001,
p. 44.
341
Jacinto do Prado Coelho, op. cit., p. 251.
342
É interessante observar a explicitação erótica a que Manoel de Oliveira, no seu filme,
expôs a personagem. Com efeito, o cineasta é mais declarativo na exploração do caráter erótico
da personagem, chegando mesmo a exibi-la numa pose perversa, ao filmar um plano-médio ao
nível da cintura de Mariana, a qual exibe à frente do seu sexo um prato com um frango assado
inteiro expondo um grande buraco escuro, num processo a um tempo metafórico e metonímico.
A aumentar essa luxúria, Mariana exibe um sorriso libidinoso. Numa outra cena, a atenção ao
erotismo desta personagem por parte de Oliveira manifesta-se em sublimidade quando o
cineasta filma Mariana a contorcer-se em grandes planos, numa encenação como que
orgiástica. A ênfase conferida ao corpo de Mariana é deveras pronunciada na obra oliveiriana,
como se observa no final. Após ouvir do capitão a confirmação sobre o estado de Simão —
«Está morto!...» —, Mariana atira-se devoradoramente ao cadáver, fundindo-se com ele no que
visualmente nos aparece como um beijo na boca. Mariana recebe de Simão o halo da morte, o
último sopro de vida até se atirar ao mar para morrer com ele. Manoel de Oliveira aproveita,
então, o momento para demorar a necrófila nos lábios do amado até ao ponto de se tornar
imoral e de o capitão reagir firmemente, desgarrando-a de Simão.
343
Cf. Jean-Luc Marion, Le Phénomène Erotique: Six Méditations, Paris, Grasset, 2003, p.
247.
108

valor344. Além disso, ao começar por adotar um papel de servilismo perante


Simão, este acaba por se converter em seu escravo, ao assumir o papel de seu
objeto de desejo345.
A atitude de dominação que Mariana desempenha é particularmente
expressiva em três momentos que importa salientar. Recorde-se, em primeiro
lugar, a sugestão sádica de que o romancista investe a personagem, quando,
prestes a sair para entregar uma carta a Teresa no convento, é avisada pelo seu
pai para não exagerar nas vergastadas à égua. Pelo comentário apresentado
após a partida de Mariana, insinua-se o modo vigoroso com que exerce no
animal a sua raiva de rival346. Num outro momento, em que Simão e João da
Cruz conversam sobre os sentimentos de Mariana, o pai desta reclama o seu
esmerado pudor, usando, contudo, para isso, uma expressão diabólica: «A
Mariana!... aquilo é da pele de Satanás!»347. O elemento volitivo encerra a
expressão do desejo de Mariana, um desejo exclusivo. Além disso, Mariana,
por duas vezes, exibe sangue frio ao mostrar a facilidade com que se suicidaria,
atirando-se a um poço, aos treze anos, caso o seu pai fosse condenado à forca, e
lancetando o braço, na condição de Simão morrer348.
Há muito especialmente um instante em que Camilo envolve o desejo da
filha de João da Cruz em sublimidade. Veladora do amante de Teresa, Mariana
rouba — qual voyeuse — o corpo adormecido de Simão349. Este momento

344
Para os conceitos economicistas de utilidade e despesa, veja-se, de Georges Bataille, A
Parte Maldita precedido de A Noção de Despesa (Lisboa, Fim de Século, 2005). Segundo o
autor, em O Erotismo, o que distingue a prostituta de outra mulher é que, após a sua proposta
de oferecimento, a prostituta não simula de seguida uma retração (cf. op. cit., p. 265). Note-se
que, ao contrário de Mariana, Teresa tem interditos — de cariz familiar, social, moral — que a
afastam de Simão e nessa distância está o seu valor. Enquanto Mariana está livre, e a sua
disponibilidade é total. Urge também notar a propósito que a suscetibilidade de Mariana à
condição de prostituta ou de concubina é por mais de uma vez aludida no romance: «Ela está
aqui como sua criada, porque eu já lhe disse que se não fosse o pai de vossa senhoria já ela há
muito tempo que andava por aí às esmolas, ou pior ainda»; «Já Manuel tinha reparado em
Mariana, e da beleza da moça inferira para formar falsos juízos» (AP, pp. 265 e 397; itálicos
meus).
345
Acerca da lógica reversível entre os papéis do senhor e do escravo, veja-se G. W. F.
Hegel, Fenomenologia do Espírito, op. cit., esp. pp. 147 e ss..
346
Cf. AP, p. 295.
347
AP, p. 391.
348
Cf. AP, pp. 271 e 421.
349
Cf. AP, p. 178. Num certo sentido tomado a Levinas, Mariana acaricia Simão. Nessa
carícia reside a profanação e consequente realização erótica da protagonista mais intensa e
109

funciona, afinal, como uma mise-en-abîme da cena da morte de Simão, em que


Mariana lhe rouba um beijo, o primeiro, quando o corpo de Simão é já cadáver.
Idealizada e inefável, Teresa já no final surgirá a Simão como «fantasma
erótico» — na expressão de Octavio Paz350 —, sublinhando a ontologia da
ausência em que o seu amor radica. Mariana, pelo contrário, oferece o seio ao
corpo esgotado de Simão. De facto, Mariana é, dentre os protagonistas, a mais
satisfeita, porque usufrui do seu objeto de desejo, como Teresa desejaria
usufruir de Simão e Simão desejaria usufruir de Teresa. O próprio Simão
revela consciência desse privilégio de que Mariana goza:

Mariana estava agachada entre os pacotes da carga, a pouca distância de Simão. O


comandante viu-a, falou-lhe, e retirou-se.
Às três horas da manhã, Simão Botelho segurou entre as mãos a testa, que se lhe
abria abrasada pela febre. Não pôde ter-se sentado, e deixou cair meio corpo. A
cabeça, ao declinar, pousou no seio de Mariana.
– O Anjo da compaixão sempre comigo! — murmurou ele — Teresa foi muito mais
desgraçada...351.

«Teresa foi muito mais desgraçada» porque não esteve sempre com Simão.
Nessa postura em decúbito, Mariana assume o bathos, o sublime baixo, animal,
que o seu corpo expressa. O êxtase de Mariana consiste, portanto, no gozo
erótico da carne, que ela sabe perecível. O sublime a que assistimos na morte
de Teresa idealizada reside na elevação, na sua ascensão ao céu — o lugar
onde «deve ela estar»352, como admite o capitão — assistida em contraponto
pelos outros dois protagonistas, situados num plano abaixo, o que indicia já o
seu modus mortis353. Ao invés, os corpos de Simão e Mariana lançam-se às

voluptuosa do romance: «A carícia não actua, não se apodera de possíveis. […] Toda ela
paixão, acomoda-se na passividade, no sofrimento, na evanescência da ternura. Morre dessa
morte e sofre desse sofrimento. Enternecimento, sofrimento sem sofrimento, consola-se já
acomodando-se no seu sofrimento. O enternecimento é piedade que se compraz, um prazer, um
sofrimento transformado em felicidade — a volúpia» (Emmanuel Levinas, Totalidade e
Infinito, Lisboa, Edições 70, 2000, p. 238).
350
Cf. Octavio Paz, A Chama Dupla: Amor e Erotismo, Lisboa, Assírio & Alvim, 1995, pp.
46-52.
351
AP, p. 465. Manoel de Oliveira replica, nesta cena, a imagética da Pietà.
352
AP, p. 449.
353
Como explica Michel Deguy: «O elevado não ocorre sem o suporte do baixo, do
por-abaixo; a elevação fermenta a partir do baixo, que se faz esquecer no serviço que é o seu,
‘natural’, ao saber sustentar como um servo aquilo em que ele consiste e desaparece: o
110

profundezas do mar, que os antigos chamavam o profundo, num movimento


descendente. A elevação (hupsos) e a profundidade (bathos) são as duas faces
complementares do sublime, como já refletidamente observava o mais antigo
teórico grego sobre o assunto354. Neste derradeiro momento, Mariana atinge o
prazer negativo através da elevação pela profundeza, da ascensão pelo
abismo355. Signo da transmutação por excelência, o sublime exerce-se através
dessa incessante metamorfose.

elevado» (Michel Deguy, «Le Grand-Dire: Pour Contribuer à Une Relecture du


Pseudo-Longin», in AA. VV., op. cit, p. 33).
354
Com efeito, Longino apresenta logo no início do seu tratado epistolar o pressuposto
metódico de «saber se existe uma técnica do elevado ou da profundeza» (op. cit., p. 53; itálico
meu). Trata-se, assim, de uma disjunção inclusiva, e não excludente.
355
Importa observar que o prazer negativo, tal como Kant o entende, deriva de uma lógica
intermitente de atração / repulsa: «[...] enquanto o ânimo não é simplesmente atraído pelo
objecto, mas alternadamente também sempre repelido de novo por ele, o comprazimento no
sublime contém não tanto prazer positivo, mas muito mais admiração ou respeito, isto é,
merece ser chamado prazer negativo» (Crítica da Faculdade do Juízo, op. cit., p. 138; itálico
meu).
CONCLUSÃO

Amor de Perdição constitui uma obra exemplar da estética do sublime


camiliana, que concorre imperiosamente para a coroação de Camilo Castelo
Branco como génio das Letras Portuguesas. A questão do génio, não sendo de
origem romântica, atinge no Romantismo o seu auge paradigmático e Camilo
assume como nenhum outro escritor português o programa de um Romantismo
de cunho nacional. O génio tem em seu alcance um poder que é por si
objetivado na linguagem356, poder vivificante que se transmite ao leitor por
contágio, através do seu contacto com a dimensão pneumática do verbo. A
respiração dele emanada alastra um grão que faz prova da organicidade da obra
genial na sua inexorável imperfeição. É essa organicidade que Amor de
Perdição comunica, numa reverberação pulsante permanentemente ativa que
apela a todos os sentidos do sujeito estético envolvido numa dinâmica da
vitalidade que o transporta para uma esfera anastática.
Se os leitores contemporâneos da publicação do romance partilharam a sua
empatia por circunstâncias que intimamente implicavam os códigos
sócio-morais da época, ainda hoje Amor de Perdição gera um impacto
convulsivo naqueles que o leem. A natureza sensível da sua linguagem emerge
na presença da voz de um narrador que se assume como eixo central na
interseção do ethos, do logos e, sobretudo, do pathos engendrada ao longo da
narração. A pregnância das dimensões do tempo e do espaço na constituição de
uma relação amorosa movida pela distância; a prestidigitação da luz e das
trevas na gestação de um espírito de metamorfose inerente ao pathos sublime; a
complexidade de um herói movido pela sua nobreza de caráter; e os interstícios
de um erotismo marcado pelo decorum operam na obra como elementos
distintivos da sua sublimidade.

356
Segundo as próprias palavras de Kant, o génio poético «ousa tornar sensíveis ideias
racionais de entes invisíveis, (…) transcendendo as barreiras da experiência, mediante uma
faculdade da imaginação que procura competir com o jogo da razão no alcance de um máximo,
ele procura tornar sensível numa completude para a qual não se encontra nenhum exemplo na
natureza; e é propriamente na poesia que a faculdade de ideias estéticas pode mostrar-se na sua
inteira medida. Esta faculdade, porém, considerada somente em si mesma é propriamente só
um talento (da faculdade da imaginação)» (Crítica da Faculdade do Juízo, op. cit., p. 220).
112

Certamente que não ficaram, deste modo, esgotados os mecanismos que


contribuem para essa marca de distinção no romance mais reconhecido entre os
muitos que a profícua oficina camiliana deu a lume. Mas a qualidade superior
de Amor de Perdição resiste aos imperativos de um fechamento que toda a
monografia exige. Antes e depois deles, permanecerá a força inesgotável de
Amor de Perdição, à espera de novas leituras e visões, porque, como escreveu
o autor de Peri Hupsous, «é grande o que suporta um reexame frequente, mas
contra o qual é difícil e mesmo impossível resistir, e que deixa uma lembrança
forte e difícil de se apagar»357.

357
Longino, op. cit., p. 61.
BIBLIOGRAFIA
BIBLIOGRAFIA ATIVA

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A Doida do Candal [1867], fixação do texto e pref. por Maria João Pais do Amaral, Porto,
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A Mulher Fatal [1870], fixação do texto e pref. por Maria Alzira Seixo, Lisboa, Parceria A. M.
Pereira, 1968.
A Queda dum Anjo [1866], fixação do texto e pref. por Túlio Ramires Ferro, Lisboa, Parceria
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Amor de Salvação [1864], Lisboa, Círculo de Leitores, 1990.
Anátema [1851], fixação do texto e pref. por Ernesto Rodrigues, Porto, Caixotim, 2003.
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Araújo Correia, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1970.
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Coisas Espantosas [1862], fixação do texto por Maria Emília Coelho da Palma Martins, pref.
por Cabral do Nascimento, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1969.
Coração, Cabeça e Estômago [1862], fixação do texto e pref. por Eunice Cabral, Porto,
Caixotim, 2008.
Doze Casamentos Felizes [1861], fixação do texto por Laura Arminda Bandeira Ferreira, pref.
por Vitorino Nemésio, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1969.

Duas Horas de Leitura [1857], fixação do texto e pref. por Maria Idalina Resina Rodrigues,
Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1967.

Estrelas Funestas [1862], fixação do texto por Maria Emília Palma Martins, pref. por Cabral
do Nascimento, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1979.
Estrelas Propícias [1863], pref. por Sérgio Guimarães de Sousa, Porto, Caixotim, 2006.
Livro de Consolação [1872], Lisboa, Círculo de Leitores, 2000.
Livro Negro de Padre Dinis: Continuação dos Mistérios de Lisboa [1855], 2 Vols., fixação do
texto por Laura Arminda Bandeira Ferreira, pref. por Alexandre Cabral, Lisboa, Parceria A.
M. Pereira, 1971.
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Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1966.
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Alzira Seixo, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 2011.
Mistérios de Lisboa [1854], 3 Vols., Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1969.
O Bem e o Mal [1863], fixação do texto e pref. por Maria de Lourdes A. Ferraz, Porto,
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O Esqueleto [1865], fixação do texto por Maria Emília Coelho de Palma Martins, pref. por
Castelo Branco Chaves, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1969.
O Que Fazem Mulheres [1858], fixação do texto e pref. por Annabela Rita, Porto, Caixotim,
2005.
O Retrato de Ricardina [1868], fixação do texto e pref. por Maria Arminda Zaluar Nunes,
Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1967.
O Romance dum Homem Rico [1861], fixação do texto por Maria de Lourdes A. Ferraz,
Lisboa, Cotovia, 1992.
O Senhor do Paço de Ninães [1867], pref. por Maria Isabel Rocheta, Porto, Caixotim, 2007.
Onde Está a Felicidade? [1856], fixação do texto e pref. por Marco Paulo Nicolau Duarte,
Porto, Caixotim, 2003.
Um Homem de Brios [1856], fixação do texto e pref. por Alexandre Cabral, Lisboa, Parceria A.
M. Pereira, 1967.
Vinte Horas de Liteira [1864], fixação do texto e pref. por Esther de Lemos, Lisboa, Parceria
A. M. Pereira, 1966.
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CRÍTICA
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CORRESPONDÊNCIA
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Cartas Dispersas, ed. por Castelo Branco Chaves, Porto, Campo das Letras, 2002.
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MISCELÂNEA
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Assumpto de Educação, ...de Instrucção Primaria, ...[e de] Instrucção Secundaria. Segue
Diccionario Etymologico de Todas as Palavras Technicas provenientes das Linguas Grega
e Latina Trasladado a Portuguez por Camillo Castello Branco, e Ampliado pelo Traductor
nos Artigos Deficientes em Assumptos relativos a Portugal [Dictionnaire Universel
d'Éducation et d'Enseignement... Contenant tout ce qui Intéresse l'Enseignement Primaire
et Secondaire..., 1869], 2 Vols., Porto / Braga, Livraria Internacional de Ernesto Chardron e
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grande número de livros raros, em diversas linguas, e muitos manuscriptos importantes, a
qual será vendida em leilão, em Lisboa, no proximo mez de dezembro de 1883, no local
opportunamente annunciado, sob a direcção da casa editora de Mattos Moreira &
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