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A Pe s q u i s a

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1 A pesquisa
O objetivo deste capítulo é você conseguir:

Ÿ Identificar diferentes sentidos do termo “pesquisa”;


Ÿ Construir uma conceituação de pesquisa no campo educacional e em sua atividade
profissional.

Quando você ouve, numa palestra, num programa de televisão,


numa conversa informal, durante um evento educativo
(Encontro, Seminário, Congresso), o termo «pesquisa»,
o que você pensa de imediato?

Escreva rapidamente, sem pensar muito, cinco palavras que você associa à palavra
pesquisa: ▼

1 _________________________________________________
2 _________________________________________________
3 _________________________________________________
4 _________________________________________________
5 _________________________________________________

Certamente, as “representações” sobre pesquisa que você evocou estão muito ligadas ao seu
“imaginário”, ao que é divulgado pelos meios de comunicação, e nos livros didáticos, ou à sua
formação acadêmica e percurso escolar, tais como buscar o conhecimento, estudo, livros,
biblioteca, questionário, entrevista, coleta de dados.

A pesquisa é associada a invenções, a novos conhecimentos, a laboratórios e experimentos, a


pessoas que dedicam sua vida para descobrir “coisas” que venham beneficiar a sociedade, etc. O
campo da pesquisa é percebido como um campo especializado, “enclausurado” e reservado a
“comunidades” científicas, a instituições de pesquisa; não é percebido como algo socializado, um
bem comum, ou como uma prática que faz parte, em seu sentido bem amplo, do nosso cotidiano.
Além das representações sobre pesquisa a que fizemos referência, nos livros didáticos
encontramos metáforas que buscam retratar a atividade científica.

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Vejamos algumas delas: ▼

Ÿ Compara-se o trabalho de pesquisa ao processo de fazer uma vitamina. Você tem os


ingredientes (input), coloca-os no liquidificador (seguindo uma “receita”, o projeto) para serem
misturados e batidos (processo) e depois você observa/experimenta o resultado (output) e o avalia
(feedback).

Ÿ Como um edifício que vai sendo erguido sobre bases sólidas, cada andar correspondendo a
uma etapa da construção, numa sequência ordenada, com base em projeto já desenhado e que
deve ser seguido “à risca”, para não correr o risco de o edifício desabar.

Ÿ Como a aventura de um explorador que, seguindo seus conhecimentos e palpites, vai à caça do
novo, da descoberta de algo extraordinário, fazendo uso do mapa e de instrumentos apropriados.

Ÿ A metáfora do labirinto que se propõe explicitar melhor a problemática do pesquisador em


busca do desconhecido, da solução do problema, do enigma. Representaria o risco da
investigação, como espaço de insegurança e de dificuldades de pensar, e que, para superar isso, é
necessário estar de posse de um fio condutor, de algo a que se deve agarrar para conseguir sair com
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sucesso do emaranhado de dados e informações, do labirinto da realidade .

Ÿ Thomas S. Khun, em sua obra A Estrutura das Revoluções Científicas (1962), fala da pesquisa
como um jogo de quebra-cabeça: uma pessoa, se for suficientemente habilidosa, consegue
resolver algo que ninguém tinha conseguido resolver ou resolver tão bem. A solução do quebra-
cabeça não é garantida pelo simples fato de existir uma solução assegurada. Ela deve obedecer a
“regras”, a “um ponto de vista estabelecido”, fazer parte de uma rede de compromissos ou adesões
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(conceituais, teóricas, metodológicas e instrumentais) .

Ÿ Rubem Alves (1982) também se refere à pesquisa como a um jogo de xadrez, em que os
jogadores têm mil possibilidades de jogadas, todas dentro de regras a serem seguidas.

Acrescente outra(s) metáfora(s) de seu conhecimento:

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1. O mito de Ariadne lembra um pouco isso. A filha do rei de Creta (Minos) deu a Teseu, filho do rei de Atenas, uma
espada (para matar o Minotauro) e um novelo de linha que o ajudaria a encontrar o caminho de volta, a sair do labirinto.
2. Lembro aqui o fato do pai que, para não ser perturbado pelo filho de seis anos e para ocupá-lo, deu-lhe um difícil
quebra-cabeça. Passados poucos minutos o filho retorna com o quebra-cabeça resolvido. "Como fizeste, meu filho?". Ao
que, ele respondeu: "Muito simples, meu pai. Percebi que atrás havia a figura de um homem.
Ela me guiou na reconstrução do quebra-cabeça".

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São metáforas que têm em comum a ideia de que existe uma ordem, uma lógica, uma
organização, respostas já dadas na própria realidade, respostas que não são visíveis, mas que
podem ser “descobertas”, apanhadas, seguindo o método científico, suas regras e seus passos.

Ÿ Hoje, com a emergência de novos paradigmas de compreensão da realidade, recorre-se muito à


metáfora da rede ou da teia, em que é impossível apontar o ponto de partida e de chegada, o
caminho da ida e da volta. A metáfora da rede “envolve a ideia de vários nós e múltiplas relações na
produção do conhecimento” (BENAKOUCHE, 1999, p. 53), pois é “mais flexível que a noção de
sistema, mais histórica que a de estrutura, mais empírica que a de complexidade” (LATOUR apud
BENAKOUCHE, 1999, p. 53). A realidade é percebida e analisada em suas conexões e relações das
partes com o todo, do todo com as partes, das partes com as partes e do todo com o todo.

Ÿ Eu gosto da metáfora socrática da parturição (maiêutica, em grego). Há uma fase inicial do jogo
amoroso (namoro, atração, prazer e relação) em que o pesquisador busca definir seu objeto de
estudo, situando-se diante dele sem perder sua subjetividade, dando direção e “intencionalidade”
a seu trabalho. O segundo momento é o da gestação: é o processo de “(des)construção”, da dúvida,
do questionamento de verdades anteriores para a reconstrução de outra visão da realidade.
Finalmente, o momento do nascimento, da mudança de interlocutor para cidadão, de leitor da
realidade para autor, da capacidade de pensar por si mesmo. Trata-se de processo pedagógico
democratizador. Maiêtiutica - gerar uma ação para fora -
o conhecimento não fechado
em si ou para si, mas para o outro.

Escreva a metáfora que, em seu entender, melhor representa o ato de pesquisar e por quê:

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SIGNIFICADOS Perquirere
gPerquisitum (part. passado)
gpesquisar

Etimologicamente, pesquisar vem da palavra latina perquirere: buscar com cuidado, procurar
por toda parte, informar-se, aprofundar, inquirir, perguntar, perscrutar, esquadrinhar, indagar, ir ao
redor de. No dicionário de latim encontramos os seguintes sinônimos do verbo “perquirere”:
pervestigare (seguir o rasto de, pesquisar cuidadosamente), perscrutari (procurar
minuciosamente), exquirere (buscar com empenho), scrutari (perscrutar, sondar, explorar),
inquirere (buscar, procurar, instruir um processo), indagare (seguir a pista, rastear) e, finalmente,
rimari (fender, abrir, farejar, sondar).
Em português, utilizamos como sinônimo de pesquisa a palavra investigação que provém de
vestigium: vestígio, sinal, rasto, pegada; o que implica questionamento, indagação, busca,
exploração e aventura.

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Todas essas palavras, de riqueza semântica inesgotável, oferecem-nos significados bastante
óbvios, mas, para Eliane M. T. Lopes (1992), o verbo rimari traz algo de interessante: a imagem do
sacerdote que, no altar, abre as entranhas de um animal sacrificado para examiná-lo e, após isso,
interpreta o passado e perscruta o futuro, dando seu vaticínio. O pesquisador, como um sacerdote,
ao examinar as vísceras, os resíduos, busca os indícios, os sinais que permitam decifrar a realidade.
A vida está cheia de palavras[...]
Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces cada uma que ainda formos
dizendo tirará o lugar a outra mais
secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta merecedora, que o seria não tanto
por si mesma, mas pelas
pobre ou terrível que lhe deres: trouxeste a chave? (Carlos conseqüências de tê-la dito.
Drummond de Andrade) (José Saramago. A Caverna)

O sentido da palavra pesquisa, se no campo semântico parece claro e simples (buscar sinais, ir
atrás de), quando trazido para o campo da prática, nas diferentes ciências, apresenta
entendimentos diversificados e complexos. Por quê será?

Lembra de nossa conversa no Fascículo 1? As palavras encerram sentidos construídos


pela humanidade em momentos históricos determinados e situados, dando significado
a uma situação concreta, a uma realidade específica, que é (res)significada ao longo das
experiências particulares e coletivas. Por isso, o termo pesquisa tem assumido práticas e
significados os mais diferenciados, levando os pesquisadores a seguir caminhos
diferentes, e não um único caminho. Daí faz sentido falar de “metodologias” da pesquisa.

O “método científico” não foi uma construção anterior à ciência. Foi sendo construído, e
identificado na modernidade como tal, depois que os primeiros cientistas apresentaram
seus resultados de investigação. Olhando para trás, puderam descrever o caminho
realizado e sugerir como fazê-lo para chegar ao conhecimento da “verdade”, com maior
segurança. Por isso, é mais apropriado falarmos em “métodos científicos”, e não num
único método!

O que é pesquisar, então?

Pesquisar seria: ▼
· a busca de respostas adequadas a determinada indagação ou a determinados problemas e
questões, na tentativa de encontrar uma “ordem” na desordem ou no caos dos fatos?
· o desvelar a subjacência, a intencionalidade dos fenômenos, tornando visível o que é oculto?
· a atitude analítica do estudo de um fenômeno, isto é, decompondo o todo de um fenômeno
em suas partes, em seus diferentes aspectos em que se apresenta, em seguida analisá-lo,
tentando explicá-lo pela soma de suas partes?
· a aplicação de determinadas técnicas para coleta de dados e, por meio deles, conhecer uma
realidade particular, comprovando hipóteses?
· um processo de produção de conhecimento, de um pensamento estruturado que manifesta
um conteúdo filosófico, lógico, epistemológico, teórico, metodológico e técnico?

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· ou ainda ....
Qual o “sentido” que tem a palavra “pesquisar” para você?
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Acreditamos que uma “concepção” de pesquisa teria de ser capaz de captar o movimento
histórico e social do conhecimento. Por isso, a pesquisa não pode ser entendida simplesmente
como “tarefa acadêmica”, como o cumprimento de exigências conclusivas de cursos para obtenção
de títulos, como algo para especialistas, para os intelectuais da academia, como tentativa
estritamente individual de explicação e compreensão dos fenômenos, etc.
Lembra quando eu falava do ato de estudar e do ato de ler? Sempre me referia a esses atos como
prática social, como atividade educativa. Nesse sentido, numa concepção ampla do termo,
entendo pesquisa

como uma atividade humana, uma forma de trabalho, no sentido de capacitar


o homem a ser agente do próprio desenvolvimento e do desenvolvimento dos
outros e que se propõe produzir conhecimento, um conhecimento
historicamente determinado, produzido coletivamente pelo homem, tendo
como função participar do processo de indagação, de desvelamento, de
descoberta e reconstrução da realidade natural e social.

É um processo libertador e criador, nos diz Paulo Freire.


Trata-se, pois, de atividade humana, de prática social e dinâmica que participa,
fundamentalmente, na construção e elaboração do conhecimento, com base no olhar indagador e
questionador do pesquisador e da organização metódica dos fatos observados. É uma prática
social, à medida que participa da transformação e compreensão da realidade na qual se insere a
humanidade. Mais ainda: realizada coletivamente, de forma interdisciplinar, assume seu pleno
sentido.
Por isso, na sua formação de educador-pesquisador não tenho a preocupação em ensinar-lhe
“respostas”, e sim que você descubra e construa seus caminhos para obter respostas. Torna-se,
então, indispensável sólida formação teórico-metodológica, mais do que técnico-instrumental,
para que você situe sua atividade no campo epistêmico, da relação do sujeito com o objeto, do
observador com o objeto observado, isto é, no campo propriamente científico.

Episteme – do grego – conhecimento.

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Para finalizarmos ▼

Apresentamos a pesquisa como atividade que faz parte do processo milenar de


“hominização” da humanidade, mas que, especialmente a partir da modernidade, passou a se
constituir, isto é, a se organizar, de maneira mais formal, definindo espaços próprios de atuação,
ganhando status social e compondo um estatuto de “regras e princípios” da atividade científica.
Isso acabou distanciando a pesquisa científica da sociedade, do cotidiano das pessoas.

Não confundir a investigação, como mecanismo cognitivo próprio de qualquer ser


humano, com a investigação como prática social de uma comunidade científica.
(PERRENOUD, 1993)

Hoje, porém, com a (re)visão que a ciência está fazendo de seus paradigmas e dos caminhos
trilhados, busca-se recuperar a dimensão ontológica da pesquisa, isto é, como atividade própria do
ser cidadão, à cata de sua autonomia, como caminho para a (auto)formação, como forma de
superar a atitude passiva de consumidor dos frutos da ciência.
No campo das Ciências Humanas, esta atitude é quase natural, pois não é possível separar o
sujeito que pesquisa do seu objeto de pesquisa. No campo da Pedagogia, não há como separar
professor-estudante na qualidade de objetos e sujeitos de aprendizagem, o ato de ensinar-
aprender da atitude de pesquisar.
Ÿ O que você acha, como fez em outro Fascículo que tratava do tema “Ser Estudante”, de
continuar escrevendo nas suas MEMÓRIAS sua trajetória de “Eu, pesquisador”, refletindo sobre
alguns aspectos de sua trajetória.

Ÿ Como estudante (desde a escola primária até a conclusão do ensino médio ou da graduação),
passou por experiências de pesquisa (trabalhos que os professores solicitavam, feiras de ciências,
etc.). Como foram? Que se entendia por pesquisa?

Ÿ Como profissional: qual era seu entendimento e prática de pesquisa? Você pesquisou para dar
conta de seus desafios profissionais? Em que consistia essa atividade? Participou de grupos para
elaboração de projetos pedagógicos? Em que consistiam esses projetos? Envolviam a pesquisa em
seu percurso? Se você já foi professora, que atividades desenvolvia com os alunos?

Ÿ Se você é professor, realiza atividades de pesquisa com os estudantes? Em que consistem?


Como você as analisa?
Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as
possibilidades para a sua produção ou a sua
Mais ou menos por aí. construção, mediado essencialmente pela pesquisa.

(Paulo Freire)

E continue escrevendo sobre sua formação em pesquisa ao longo do curso, relatando


suas experiências no desenvolvimento dos Seminários Temáticos.
A pesquisa tem que ser compreendida, segundo a visão do sociólogo Pedro Demo, como
atividade científica e educativa. Portanto, não como mera atividade acadêmica do curso.

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