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VIII ► CAPÍTULO 86
Saúde da criança
Ana Cecilia Silveira Lins Sucupira
Aspectos-chave
► A mortalidade infantil diminuiu muito nas últimas décadas, tendo maior
queda a mortalidade pós-neonatal.
► A obesidade infantil e a má qualidade da alimentação superaram a
desnutrição como problema de saúde das crianças.
► É preciso superar a visão da puericultura tradicional, restrita à criança
menor de 2 anos e limitada às orientações de alimentação, higiene,
vacinas e controle do crescimento e do desenvolvimento, para uma
puericultura que incorpore conceitos de risco e vulnerabilidade e
entenda a criança na sua dimensão psíquica e nas suas relações
com a família e com a comunidade que a cerca.
► As primeiras consultas de puericultura devem ser feitas de preferência
pelo médico de família e comunidade, mas as demais, para crianças
de risco habitual, podem ser feitas exclusivamente por enfermeiros.
► A frequência das consultas de puericultura deve acompanhar os
riscos para cada faixa etária.
► Devem ser observados os riscos nutricionais (obesidade) e sociais
nas crianças das fases pré-escolar e escolar.
Metas prioritárias
A unidade de saúde deve definir seus objetivos e suas metas em relação à
criança, para poder analisar seus resultados. As metas prioritárias na atenção à
saúde da criança devem ser decididas com a comunidade, no conselho local de
saúde, em concordância com as decisões do conselho municipal de saúde.
Embora as metas tenham de seguir aquelas definidas para o município, é
possível acrescentar outras metas que atendam à realidade do território e da
unidade.
No Quadro 86.1, são apresentados exemplos de objetivos para a definição de
metas para a saúde da criança na APS.
A identificação dos RNs de risco clínico pode ser feita durante o pré-natal, na
maternidade, ou, ainda, pelo ACS no primeiro contato com a mãe em visita
domiciliar, uma vez que os critérios são objetivos e fáceis de identificar. A
definição do risco social deve ser feita na discussão com a equipe de saúde da
família.
A utilização dessa classificação de risco, adotada há mais de 3 anos, tem
mostrado bons resultados, tanto em Sobral como no CSEB.
Momento da consulta
Na consulta, as informações obtidas vão revelando quem é essa criança. No
registro da consulta, propõe-se que se anotem os principais dados da anamnese
que têm por finalidade conhecer a queixa e o sofrimento trazidos pela família.
Assim, a queixa deve ser ampliada em uma história com início, meio e fim. O
passado da criança é recuperado pelos antecedentes pessoais, que incluem os
dados do pré-natal, do nascimento e do período neonatal, assim como das
intercorrências mórbidas. A situação da criança no presente pode ser avaliada
pelos dados de alimentação, rotina de vida, desenvolvimento e imunização. O
conhecimento da criança completa-se com o genograma, ou seja, as condições
de saúde de cada membro da família e os antecedentes hereditários. Mas ainda é
necessário identificar que família é essa, que começa a ser vista ao se saber o
ambiente de vida, ou seja, onde mora e quais as condições dessa moradia, tanto
no aspecto da salubridade como do conforto. Finalmente, esse conhecer fica
completo ao se saber a inserção social da família, por meio da escolaridade e
ocupação dos pais, que determina condições sociais de vida, trabalho e acesso às
informações de saúde.17
No exame físico, não podem faltar os dados de peso, altura, perímetro cefálico
(nos menores de 2 anos). A utilização dos gráficos de peso e altura é
fundamental para o acompanhamento do crescimento da criança. Atualmente,
estão disponíveis as curvas de crescimento da Organização Mundial da Saúde,
que, pela metodologia adotada na sua construção, constituem o melhor
instrumento para avaliar o crescimento pondero-estatural da criança (ver
Apêndice 1, Curvas de crescimento e desenvolvimento).
Após a descrição do exame físico, anotam-se os diagnósticos, utilizando o
acrônimo SOAP: Subjetivo, Objetivo, Avaliação e Plano,[NA] que devem dar
conta dos principais aspectos da vida da criança. Assim, propõe-se que, em toda
consulta programática, sejam preenchidos pelo médico ou pelo enfermeiro os
diagnósticos que compõem o item A (Avaliação) do SOAP.
Além desses cinco diagnósticos básicos (Quadro 86.6), os outros problemas
de saúde da criança devem ser anotados, mesmo quando ainda não for possível
enquadrá-los em um diagnóstico. Assim, muitas vezes, a queixa ou o sintoma
aparece como, por exemplo, “febre a esclarecer” “dor em membros” ou
“problemas escolares”. Vale ressaltar que também devem ser descritos
problemas e condições que podem interferir na saúde da criança, como conflitos
familiares, cuidador com transtorno mental incapacitante, entre outros.16
Quadro 86.7 | Esquema mínimo de visitas nos dois primeiros anos de vida
Convivência em grupos
A convivência em espaços coletivos, ou seja, em grupos de crianças, vai se
caracterizar na fase pré-escolar pelos frequentes episódios de doenças
infecciosas, nos quais predominam as infecções respiratórias, as pediculoses e
outras doenças de pele, que se disseminam no espaço da escola. As infecções
respiratórias assumem importância maior, pelas características da árvore
respiratória na infância e pelo fato de o sistema imune ainda estar em
desenvolvimento. A presença de crises de sibilância nessa fase é indicativa para
que essas crianças, além do atendimento eventual, recebam um
acompanhamento com consultas mais frequentes, para avaliar os fatores que
intervêm no desencadeamento dos episódios de sibilância e acompanhar o efeito
das intervenções terapêuticas.
As crianças em idade escolar de 6 a 10 anos tendem a apresentar menos
episódios de infecções agudas, entretanto, aquelas nas quais já se definiu um
quadro de asma necessitam também de acompanhamento mais frequente na
APS.
Nos recém-nascidos
● Programa Nacional de Triagem Neonatal. A Triagem Neonatal,
conhecida como Teste de Pezinho, foi instituída como prática obrigatória
no país desde 2001 e inclui os testes de rastreamento para anemia
falciforme, hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria e fibrose cística.21
● Triagem auditiva. Existe a recomendação para o rastreamento das perdas
auditivas em todos os RNs antes de completarem 1 mês de vida, com o
teste da orelhinha, que inclui a emissão otoacústica seguida da resposta
auditiva do tronco cerebral.21
● Teste do reflexo vermelho. Essa avaliação da transparência e da
integridade das câmaras oculares deve ser feita com o oftalmoscópio, logo
ao nascer e nas consultas subsequentes.21
Essa nova morbidade exige uma mudança na atenção à criança, para que além
da atenção ao RN e ao lactente, o pré-escolar e o escolar passem a receber os
cuidados adequados às suas principais necessidades de saúde. Para isso, são
necessárias novas modalidades de ações, com novos olhares que ampliem a
abordagem centrada no modelo biomédico e incorporem outras áreas do
conhecimento que permitam entender a criança nas suas relações com a família,
em diferentes contextos sociais.
REFERÊNCIAS
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ACSL. Pediatria em consultório. 5. ed. São Paulo: Sarvier; 2010.
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