O PAPEL DA LIOFILIZAÇÃO NA CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS PELO
CONTROLE DA UMIDADE
Francine Ilana Kovari Metta 1, Ana Maria Irene Bartolomeu Ayrosa 2, Francisco Carlos Paletta 3
Abstract  In industrial processes for food preservation
the moisture content is largely responsible for undesirable
changes. Therefore removing water or most of it is
essential for marketing and transportation of many
perishable products. The paper discusses the operations
used for food preservation by moisture control, with
emphasis on freeze drying process, dehydration technique
that preserves unique features of raw material.
Key words  Food preservation, lyophilization, freeze-
drying, moisture control, shelf-life, water activity.
Resumo  Nos processos industriais de conservação de
alimentos um dos grandes responsáveis pelas alterações
indesejáveis é o conteúdo de umidade. Remover, portanto,
a água ou a maior parte dela é essencial para a
comercialização e transporte de muitos produtos
perecíveis. O artigo aborda as operações utilizadas para a
conservação de alimentos pelo controle da umidade, com
ênfase no processo de liofilização, técnica de desidratação
que mais preserva as características originais da matéria
prima.
Palavras-chave  Atividade de água, conservação de
alimentos, controle da umidade, liofilização, vida-de-
prateleira.
INTRODUÇÃO
A partir do momento da colheita, abate ou pesca dos
diversos alimentos consumidos pelo homem, iniciam-se os
processos físicos, químicos e biológicos que alteram e
modificam as propriedades organolépticas e nutricionais
desses produtos. As alterações nos alimentos estão
relacionadas à sua composição, presença de enzimas e
microrganismos que desencadeiam processos de
deterioração, inviabilizando o consumo e distribuição [1].
Na conservação de alimentos a indústria lança mão de
várias operações de estabilização – pelo emprego do frio,
do calor, controle da umidade, radiação e altas pressões –
de acordo com as características da matéria-prima a
processar.
Conservar um alimento significa aumentar seu tempo
de vida-de-prateleira (shelf-life), impedindo que a
atividade microbiana altere as propriedades organolépticas
e nutricionais do produto. Um dos grandes responsáveis
pelas alterações indesejáveis é o conteúdo de umidade.
Remover, portanto, a água ou a maior parte dela é
1
Francine Ilana Kovari Metta – aluna do curso de Engenharia Química da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP, ilana3k@hotmail.com
2
Profª Drª Ana Maria Irene Bartolomeu Ayrosa – Professora Titular do curso de Engenharia Química da Fundação Armando Alvares Penteado –
FAAP, amayrosa@faap.br
3
Prof. Dr. Francisco Carlos Paletta – Diretor da Faculdade de Engenharia da Fundação Armando Alvares Penteado – FAAP, fcpaletta@faap.br
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essencial para comercialização e transporte de muitos
produtos perecíveis [2, 3].
A preocupação com a conservação e armazenamento
dos alimentos sempre esteve presente na história da
humanidade.
Na antiguidade, para conservar os alimentos, o
homem se valia principalmente de técnicas de secagem ao
sol, salga e defumação. Já no período do Império Romano
(750 a.C a 475 d.C), os povos mediterrâneos empregavam
neve para a conservação de carnes e frutos do mar. Em
1795, Nicholas Appert, um chef francês, determinado a
ganhar o prêmio oferecido por Napoleão, para quem
impedisse a deterioração do abastecimento militar, cria o
processo de enlatamento de alimentos. Apenas em 1864,
Louis Pasteur, investigando as doenças que afligiam o
vinho, descobre que os microrganismos poderiam ser
destruídos pelo aquecimento a 55ºC. O processo tornou-se
conhecido como pasteurização e logo seria também
aplicado à produção de cerveja e leite.
Avançando na linha do tempo da conservação de
alimentos, em 1960 foi desenvolvido pela Pillsbury
Company, em resposta aos requisitos de inocuidade
impostos pela NASA para os “alimentos espaciais”, o
sistema HACCP – sigla em inglês que significa “Análise
de Perigos e Pontos Críticos de Controle”, que continua
sendo a abordagem padrão para o gerenciamento de riscos
de origem alimentar [1].
O uso da tecnologia está sempre evoluindo, baseada
na aplicação do conhecimento dos fatores que afetam os
alimentos, controlando-os através de operações e
processos unitários, permitindo com isso, que se
consumam alimentos sazonais em épocas diferentes da
safra e em locais onde não são produzidos.
MÉTODOS DE CONSERVAÇÃO PELO
CONTROLE DA UMIDADE
Com o conhecimento de que um alimento in natura se
torna menos perecível quando se reduz o seu teor de
umidade, a conservação pelo controle da umidade é obtida
pelas operações de concentração, secagem e desidratação.
A água contida no produto é removida empregando
processos de transferência de calor e massa, com
consequente diminuição nas razões de reações de
deterioração, como crescimento microbiano, processos
químicos de escurecimento e oxidação e atividade
enzimática. A Figura 1 mostra a velocidade das reações
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em função do conteúdo de umidade de um produto
alimentício e da atividade de água.
O conceito de atividade de água (aw) ou umidade
relativa de equilíbrio (URE) caracteriza o estado da água,
de que forma esta se encontra ligada ao produto, ou seja, é
uma medida da disponibilidade da água para promover
alterações físicas, químicas ou biológicas. É definida como
a relação entre a pressão de vapor da água em um material
(p) e a pressão de vapor da água pura (p0) à mesma
temperatura [3]. O conceito pode ser visualizado na
Equação (1).
p URE
aw = = (1)
p0 100
FIGURE. 1
VELOCIDADE DAS REAÇÕES EM FUNÇÃO DA ATIVIDADE DE ÁGUA
Os microrganismos dependem da água para se
multiplicar e a água total presente em um alimento nem
sempre está disponível. A faixa de atividade de água onde
crescem os microrganismos situa-se entre 0,65 e 1,0. Na
Figura 1 pode-se observar que fungos, leveduras e
bactérias não se desenvolvem quando a atividade de água
está abaixo de 0,6, valor considerado limite.
CONCENTRAÇÃO
Operação unitária cujo objetivo é concentrar uma
solução pela remoção do solvente, a concentração em
alimentos é obtida pela evaporação da água, fornecendo
calor ao produto em evaporadores ou concentradores.
Sucos concentrados, extratos de tomate, leite
condensado, geleias e doces em massa são alguns
exemplos de produtos conservados pelo processo de
concentração pelo emprego do calor.
Para alimentos sensíveis ao calor a concentração pode
ser obtida por congelamento (café solúvel, vinagre, cerveja
e vinho, sucos de frutas, leite e extratos de chá) ou por
membrana (leite para fabricação de queijo, proteínas
solúveis provenientes da fabricação do queijo, entre
outras).
Para alimentos líquidos o processo muitas vezes
antecede a desidratação, devido à eliminação de água nos
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estágios iniciais ser mais econômica por concentração. Um
exemplo clássico é o leite em pó. O leite integral é
concentrado de 13% até 50% de sólidos aproximadamente,
para finalmente entrar no processo de desidratação em
atomizador até atingir aproximadamente 3% de umidade
final [3].
SECAGEM
Prática das mais antigas desenvolvidas pelo homem
para conservar alimentos, a secagem fundamenta-se na
imitação da natureza. Grãos de cereais, carnes, peixes,
frutas e condimentos são conservados por este processo
desde tempos remotos. Nele ocorre redução de peso (entre
50 e 80%) e volume do produto, não só pela eliminação da
água como também pela retirada de partes não comestíveis
(cascas, sementes, caroços, etc.).
Os diversos processos de secagem dos produtos de
origem vegetal e animal podem ser enquadrados dentro de
dois grupos: secagem natural ou ao sol e secagem artificial
ou desidratação. A secagem natural só pode ser realizada
em locais de clima seco, podendo ser aplicada a diversos
tipos de alimentos, como frutas carnes e peixes.
A secagem natural é mais econômica em relação à
concentração e desidratação. Locais de clima seco como
Mediterrâneo, Noruega, Canadá, Califórnia e Nordeste
brasileiro, são locais onde o processo tem destaque. Os
alimentos como frutas (banana, uva, figos e tâmaras),
carnes, peixes, café e cacau podem ser colocados em
tabuleiros ou varais para secagem. A operação é lenta
podendo durar até 10 dias, requer área considerável para a
exposição e os alimentos ficam sujeitos a contaminações e
perdas [1,3].
DESIDRATAÇÃO
É a secagem pelo uso do calor em condições de
temperatura, umidade e corrente de ar cuidadosamente
controladas. Os produtos podem ser desidratados com ar,
vapor superaquecido, no vácuo, em gás inerte ou pela
aplicação direta de calor, sendo o ar o meio mais usado.
A desidratação pode ser obtida em secadores:
• Adiabáticos, em que o calor é conduzido por meio de
ar quente – convecção de ar – podendo ser conduzida
em:
 Túneis;
 Sistemas de leito fluidizado;
 Atomizadores (spray-dryer);
 Estufa com circulação forçada de ar.
• Tambores ou rolos – contato com superfície aquecida.
Alimentos líquidos ou pastosos, concentrados
previamente, são aplicados em filme de 1 a 2 mm de
espessura na superfície aquecida, onde a transmissão
de calor ocorre por condução. O tempo de residência
varia de 20 segundos a 3 minutos.
A desidratação quando comparada com a secagem
natural possui maior custo, o que é compensado pela
melhor qualidade do produto final.
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 LIOFILIZAÇÃO
O processo de liofilização é a técnica mais eficiente
de desidratação e conservação de alimentos. Supera todos
os outros métodos em termos de rendimento e qualidade
do produto final. As altas temperaturas aplicadas nos
processos mencionados anteriormente levam a
modificações indesejáveis como desnaturação de
proteínas, perda de compostos voláteis, formação de
camadas duras e impermeáveis na superfície que
dificultam a reidratação. A baixa temperatura que é
mantida durante todo o processo de liofilização ajuda a
evitar qualquer alteração das propriedades químicas,
organolépticas e nutritivas dos alimentos. Contudo, ainda é
um processo caro que consome muita energia e só se
justifica quando aplicado a produtos com alto valor
agregado.
O primeiro produto a ser liofilizado foi o vírus da
raiva, em 1911. A liofilização permaneceu um assunto
confidencial até a Segunda Guerra Mundial, quando
tornou-se uma prática corrente ao serem preparados os
primeiros lotes de plasma sanguíneo liofilizado para o
tratamento de vítimas em campos de batalha. O termo
liofilização deriva do grego “amigo do solvente”. Durante
o programa Apollo, da NASA, foi a época em que mais se
investiu em pesquisas básicas para o esclarecimento dos
mecanismos de liofilização de alimentos. No Brasil, até
pouco tempo a liofilização era conhecida somente em
laboratórios farmacêuticos no preparo de antibióticos e
vitaminas, de maneira que as atividades biológicas fossem
mantidas intactas e conservadas à temperatura ambiente
[4].
Na sua forma mais simples a liofilização é definida
como um processo de estabilização, em que uma
substância previamente congelada, tem o solvente
removido por sublimação (secagem primária) e, em
seguida, por dessorção (secagem secundária). Estas
condições garantem que não haverá mais crescimento
biológico e reações químicas [5].
Fundamentos Físicos da Liofilização
O diagrama de fases da água, ilustrado na Figura 2,
ocupa um papel chave no processo de liofilização. É uma
representação gráfica das propriedades da água em termos
de duas variáveis intensivas, pressão e temperatura.
Apresenta as regiões onde a fase sólida, líquida e vapor
estão presentes. A intersecção das três linhas ocorre a uma
temperatura de 0,0098ºC e uma pressão de 4,58 mmHg, o
chamado ponto triplo, onde as três fases coexistem. Se for
fornecido calor a um material em condições abaixo do
ponto triplo, a água contida neste produto passará
diretamente do estado sólido ao de vapor, sublimando. É
nestas condições que ocorre o processo de liofilização.
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FIGURE. 2
DIAGRAMA DE FASES DA ÁGUA
A liofilização apresenta várias vantagens ao competir
com os outros processos de desidratação de alimentos,
dentre as quais podem citar-se:
• Estocagem à temperatura ambiente;
• Redução drástica do peso do produto, reduzindo
custos com transporte e embalagem:
 Frutas e hortaliças – até 95%
 Carnes – aproximadamente 80%
• Shelf-life mínimo de um ano, desde que em
embalagem adequada;
• Manutenção das características nutricionais e
organolépticas (cor, sabor, aroma e textura) do
produto original;
• Manutenção da forma;
• Reidratação instantânea;
• Segurança microbiológica, uma vez que aw < 0,6;
• Processo ocorre em ausência de oxigênio.
A Figura 3 mostra o esquema geral de um liofilizador
industrial. Basicamente consta de quatro partes: uma
câmara de secagem, um condensador, uma bomba de
vácuo e um compressor. A câmara de secagem é
construída de forma a suportar as pressões negativas de
operação e possui uma porta que fecha hermeticamente,
através da qual se faz a carga e descarga do equipamento.
A câmara de secagem está diretamente ligada ao
condensador e este, por sua vez, à bomba de vácuo. O
condensador opera a temperaturas abaixo de -40ºC. A
temperatura da superfície do condensador deve ser
mantida em valores tais que a pressão de vapor do gelo
esteja bem abaixo da pressão total na câmara. Quanto
maior for o gradiente de temperatura entre o produto e o
condensador, maior será a velocidade de secagem. O calor
deve ser fornecido ao material através do aquecimento das
placas por um fluido circulante ou por resistência elétrica.
A razão de remoção da umidade depende da taxa de
fornecimento de calor ao produto. Portanto, depende da
condutividade térmica do material bem como da sua
espessura [4].
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 40
1900

20

0 1400
0 120 240 360 480 600 720 840 960 1080

Temperatura (°C)

Pressão (mT)
-20
temperatura de placa

FIGURE. 3 -40
900

ESQUEMA GERAL DE UM LIOFILIZADOR temperatura do produto

-60
400
As três etapas do processo de liofilização,
congelamento, secagem primária e secagem secundária -80 temperatura do condensador
são críticas. A determinação correta dos parâmetros que
pressão na câmara
envolvem estas fases é de fundamental importância e, da -100 -100

sua correta manipulação, depende a qualidade do produto Tempo (minutos)

final.
Em qualquer fase do processo o alimento deve ser
mantido no estado sólido e a uma temperatura abaixo do
ponto de congelamento total do produto, para evitar
qualquer alteração estrutural que leva a um colapso na
matriz sólida. Esse fenômeno é de particular interesse na
liofilização de alimentos líquidos, já que sua estrutura é
formada pelo congelamento [4, 5].
A qualidade do produto final depende da matéria-
prima, do equipamento de liofilização e dos
procedimentos operacionais. A Figura 4 ilustra uma curva
de liofilização de um produto comestível. Nela pode-se
visualizar a evolução das temperaturas do produto, da
placa de aquecimento e do condensador, além da pressão
na câmara e o tempo de duração da secagem primária e
secundária.
A variedade de alimentos que podem ser liofilizados é
vasta, como exemplo pode-se citar:
• Carnes: bovina, suína e aves;
• Grãos: milho, ervilha, feijão;
• Hortaliças: espinafre, brócolis, batata, cenoura,
aspargos, couve-flor;
• Frutas: morango, maçã, banana, amora, tomate,
pêssego, além de polpas e sucos de frutas;
• Condimentos: ervas aromáticas, cebola;
• Derivados do leite: queijo, iogurte;
• Alimentos de conveniência: refeições prontas,
alimentos infantis, rações militares, extratos solúveis.
O alimento liofilizado mais consumido no mundo é o
café solúvel. O Brasil atualmente exporta café solúvel
liofilizado para mais de 76 países em 5 continentes. A
vantagem sobre o atomizado é a retenção de compostos
voláteis, característica esta inerente à bebida [2].
FIGURE. 4
CURVA DE LIOFILIZAÇÃO DE UM ALIMENTO
CONCLUSÃO
A liofilização apresenta-se como a técnica de
desidratação de alimentos que melhor preserva as
características originais da matéria-prima. Para ser
conduzida de forma eficiente exige detalhamento
minucioso dos parâmetros de processo. A principal
barreira ao uso em larga escala é o custo elevado da
operação, que se espera seja superado em breve pelo
avanço tecnológico.
AGRADECIMENTO
Os autores agradecem à Faculdade de Engenharia da
Fundação Armando Alvares Penteado pelo apoio
financeiro concedido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1] CAMPBELL-PLAT, G. (Ed.). Food Science and Technology.
Ames: Willey-Blackwell / IUFOST, 2009, 508 p.
[2] MEDEIROS, M. L. et al. Sorption isotherms of cocoa and cupuaçu
products. Journal of Food Engineering, v.73, n.4, p.402-406, 2006.
[3] EVANGELISTA, J. Tecnologia de Alimentos. 2.ed. São Paulo:
Atheneu, 2001.
[4] AYROSA, A. M. I. B. Liofilização: ciência ou arte. Revista
Engenharia FAAP. São Paulo, n.44, p.40-45, 2004.
[5] JENNINGS, T. A. Lyophilization: Introduction and basic
principles. Boca Raton: CRC Press LLC, 2009, 646 p.

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