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FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS DE MARABÁ – FCAM

DISCIPLINA: ESTUDO DA LOCALIDADE DE SISTEMAS AGRÁRIOS


PROF. SIMONE S. NOGUEIRA
TURMA: AGRONOMIA 2018
DISCENTE: REBECA FREITAS DE CASTRO QUEIROZ

TEXTO: Análise-Diagnóstico de Sistemas Agrários: uma interpretação baseada na


Teoria da Complexidade e no Realismo Crítico1

Introdução
Com o objetivo de se estabelecerem linhas estratégicas para o desenvolvimento local
do setor agropecuário, tem-se por método de estudo da agricultura a Análise-Diagnóstico de
Sistemas Agrários – ADSA. Tendo sido desenvolvido especificamente para ser aplicados em
países de terceiro mundo com problemas agrícolas associados à técnicas pouco usuais e
dificuldade de intervenção do poder público.
Ao serem analisadas as estratégias de estudos objetivando o apoio a ações de
desenvolvimento, verificou-se que a coleta máxima de informações dificulta a manipulação
dos dados, podendo se concluir que dados relevantes não foram obtidos, podendo atrasar o
cronograma de pesquisa estabelecido. Tal fato, motivou a elaboraçao dos procedimentos da
ADSA.
Para evitar tais problemas, a Análise-Diagnóstico usa-se da aplicação de alguns
princípios metodológicos, como o de realizar as análises partindo de fenômenos mais gerais,
com vários níveis da abordagem sistêmica; analisar cada nível da realidade especificamente,
efetuando uma síntese dos níveis de análise mais abrangentes, antes de passar a analisar os
níveis mais específicos; dar prioridade à explicação, priorizando o enfoque histórico; se
atentar à heterogeneidade da realidade, evitando interpretações generalizantes que dificultam
o esclarecimento de processos de diferenciação.
Em uma análise tradicional, a tendência é se concentrar desde o começo no nível de
análise mais diretamente relacionado aos objetivos da pesquisa, que induz considerar
simultaneamente todas as possibilidades definidas pelo nível e pelas alternativas acima dele.
Logo, o primeiro passo consiste em formular um questionário que abranja todas as
características possíveis da região, cujas respostas possam ser analisadas estatisticamente.
Um procedimento baseado na Análise-Diagnóstico de Sistemas Agrários (ADSA),
fundamenta-se em analisar os níveis separada e progressivamente, buscando resposta às
1
Benedito Silva Neto – Doutor em Desenvolvimento Agrícola pelo INA-PG/França, professor do Mestrado em
Desenvolvimento, locado no Departamento de Estudos Agrários da Unijuí. Endereço eletrônico:
bsneto@unijui.edu.br. In.: Editora Unijuí. Ano 5. N.º 9. Jan/jun. 2007.
questões mais pertinentes. Ao se obter respostas satisfatórias para as questões do nível
avaliado, deve ser feita uma sintesse para que a análise do próximo nível esteja concentrada
em apenas alguns ramos da árvore de possibilidades.
Algumas etapas são seguidas para se realizar a aplicação da ADSA a campo. Sendo a
Etapa 1: Caracterização do Processo de Desenvolvimento da Agricultura da Região. Nela, se
integra o estudo das condições agroecológicas e socioeconômicas da região demarcada. É
feita a análise geral da região, como localização, população total e rural, principais setores
econômicos e atividades agropecuárias, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ou Índice
de Desenvolvimento Social Municipal (IDSM), nível médio de renda e grau de desigualdade
social e econômica; na definição de zonas homogêneas do ponto de vista das condições para
as atividades agropecuárias; na análise da trajetória de evolução e diferenciação interna do
setor agropecuário da região; no estabelecimento de uma pré-tipologia das unidades de
produção do setor, baseada nos sistemas de produção nelas praticados.
A Etapa 2: Tipologia dos Sistemas de Produção Agropecuária, consiste em agrupar
esses sistemas em tipos, após realizada a etapa anterior. Na etapa 2 é feita a caracterização
técnica e avaliação econômica dos sistemas de produção. A Etapa 3 consiste na Definição de
Linhas Estratégicas de Desenvolvimento, onde se avalia a possibilidade de melhoria nas
condições para reprodução econômica em cada sistema de produção adotado. Aqui se definem
estratégias de intervenção no desenvolvimento local.
Dentro da ADSA, a Teoria da Complexidade apresenta uma grande convergência com
abordagens históricas e sociológicas que enfatizam os aspectos circunstanciais e, até certo
ponto, imprevisíveis, do comportamento da sociedade. Segundo o Realismo Crítico, a
realidade não corresponde apenas ao “empírico”, mas também ao “factual”4 e ao “real”
(propriamente dito).
O que para os realistas críticos denomina-se de empírico corresponde ao que é
diretamente observável por meio dos sentidos (única “realidade” admitida pelos empiristas).
O Realismo Crítico afirma que os processos e mecanismos causais subjacentes ao empírico e
ao factual constituem-se em componentes da própria realidade, sendo a apreensão desses
processos e mecanismos o objeto por excelência da atividade científica.
A ADSA segue dois princípios metodológicos fundamentais. O primeiro é o Princípio
da Complexidade, partindo da constatação de que as sociedades humanas são sistemas
dissipativos longe do equilíbrio, os quais são sistemas complexos, que se caracterizam por
apresentar bifurcações e propriedades emergentes, tais bifurcações indicam que uma mesma
estrutura pode estar associada a diferentes estados do sistema. Desse modo, se faz necessário
a abordagem histórica do sistema para compreender sua dinâmica.
O segundo é o Princípio Ontológico, na ADSA o objetivo é explicar os fatos e não
estabelecer correlações entre os mesmos ou, menos ainda, apenas descrevê-los. Uma
característica importante destes procedimentos é que os mesmos se baseiam em inferências
abdutivas, as quais se concentram diretamente no conteúdo das premissas e não nas relações
formais entre as mesmas.
Nesse viés, é interessante observar que a ADSA tem como base o emprego metódico
de inferências abdutivas, reservando o recurso a inferências dedutivas às etapas finais do
procedimento (análises técnico-econômicas dos sistemas de produção) e a utilização de
inferências indutivas (análises estatísticas) para eventuais aprofundamentos posteriores a
ADSA propriamente dita, caso estes sejam desejáveis.
A consideração das sociedades e, portanto, dos sistemas agrários, como sistemas
dissipativos complexos e auto-organizados, traz profundas conseqüências sobre a concepção
do que é o desenvolvimento e sobre as formas de promovê-lo. Isto, por sua vez, tem
conseqüências importantes para a definição do papel da ADSA em ações de promoção de
desenvolvimento.
O entendimento dos sistemas agrários como sistemas dissipativos complexos e auto-
organizados implica reconhecer que suas estruturas emergem fundamentalmente a partir das
interações locais entre seus constituintes, e que sua trajetória não pode ser prevista, o que
descarta a possibilidade de um planejamento centralizado eficaz.
Vários autores têm estudado fenômenos relacionados ao que tem sido denominado de
“inteligência coletiva” para explicar por que certos problemas são mais eficientemente
resolvidos coletivamente do que a partir de decisões individuais. Segundo a abordagem
proposta, a liberdade substantiva e a inteligência coletiva, promovidas mediante processos de
aprendizado coletivo, seriam as principais propriedades sistêmicas a serem estimuladas na
promoção do desenvolvimento.
Finalizando, o autor destaca que a visão evolutiva da sociedade indica que existe uma
restrição de ordem cognitiva ao processo de emancipação dos seres humanos, que dominam
sobre outros, e são dominados por condições materiais e intelectuais sendo limitadas a
expressão de suas potencialidades.
Para alcançar a emancipação, a sociedade deve se “reinventar” a partir dos seus erros e
acertos, sendo preparada para lidar com a consequência das suas ações. Logo, esta deve se
apropriar de conhecimento e não se deixar levar por falsas verdades (falácias). Os resultados
de pesquisas não podem ser apresentados como verdades absolutas ou de forma autoritária,
pois assim, estarão limitando o senso crítico, a autonomia e a iniciativa de grupos sociais.
O objetivo normalmente declarado pela ADSA (a saber, o de estabelecer linhas
estratégicas de desenvolvimento local a partir do setor agropecuário), deve ser considerado
mais como um meio para capacitar as sociedades locais a promoverem o seu próprio
desenvolvimento do que um fim em si mesmo. O reconhecimento dos sistemas agrários como
estruturas dissipativas e a adoção do Realismo Crítico como base epistemológica para o seu
estudo podem proporcionar consideráveis avanços aos procedimentos da ADSA.

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