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TRABALHO PSICOLOGIA CLÍNICA E DA SAÚDE

POR UMA PSICOLOGIA CLÍNICA DEMOCRÁTICA

Bruno Renan Borelli

Como coloca Maria Lúcia da Silva, psicóloga e pesquisadora, em uma palestra em


comemoração aos 60 anos da psicologia clínica no Brasil, a nomenclatura “psicologia
clínica” está associada, em sua origem, a clínica médica. Não só semanticamente, a sua
prática também deriva do modelo médico, cabendo ao profissional da clínica psicológica,
analogamente, “observar e compreender para intervir e tratar''. Não obstante, esta prática,
também surgiu ligada às práticas higienistas e, sendo assim, muito distante das questões
sociais, também em consonância com a lógica clínica médica.
Principalmente com a formação da ética psicanalítica, “esta prática psicológica
clínica fundamentada no olhar sob o fenômeno passa para uma prática fundamentada na
escuta do fenômeno”, estando agora vinculada às demandas do sujeito e não a sua
patologização como entendia o modelo médico.
A partir disso, esta antes individualização do sujeito, portanto, começa a ser
substituída por um olhar mais abrangente que levará em conta a estrutura socioeconômica
cultural e institucional ao qual conformará sua individualidade. Sendo assim, a prática
clínica se preocupará com os contextos sociais que são responsáveis pelas subjetivações e
adoecimentos psíquicos, defendendo que não se é possível compreender o sujeito sem
compreender a realidade ao qual ele está inserido.
Entretanto, esta dicotomia: “individualização x individualidade” ainda permanece
indissolúvel, pois as lógicas de cunho higienistas, medicalizantes, coloniais e manicomiais
que conformam esta individualização estão longe de estar escusas da prática clínica.
Podemos ver exemplo disso nos casos de tentativa de “cura gay”, por exemplo
A prática clínica, portanto, embora pautada por referenciais teóricos diferentes, é
unificada como campo por uma ética única da escuta aberta. Sendo também uma prática
política, isto é, que gera mudanças nos indivíduos e, mediante estas lógicas instituídas que
persistem, a prática clínica deve ser guiada por um viés político que respeite a sua ética
profissional: a democracia
Para se pensar em uma psicologia clínica democrática, é preciso ter como
referência as diretrizes deste campo de atuação. Uma das fontes importantes são as
diretrizes da lei N:8.080, a qual incluem as diretrizes do SUS. A lei 8.080 é a lei federal
disposta 19 de fevereiro de 1990 que “regula, em todo o território nacional, as ações e
serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou
eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado”, dentre esses
serviços de saúde, temos a psicologia clínica.
Começando a análise dessas diretrizes pelas disposições gerais do título I, temos já
no artigo 2º que “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado
prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício”. Ainda neste artigo, temos que
estas condições responsáveis pelo estado consistem na “(...) formulação e execução de
políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros
agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário
às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”. A partir disso,
podemos entender que uma prática clínica democrática deve ocupar todos os espaços
socioeconômicos fornecendo acesso à saúde mental, este, por sua vez, deve ser
possibilitado através de recursos estatais. Não obstante, entende-se também que esta
prática deve envolver a redução de riscos, portanto, do sofrimento psíquico, assim como
promovendo proteção e recuperação. O parágrafo único, por exemplo, explicita que essas
garantias de saúde envolvem não só a dimensão física, como a mental e social.
Já no capítulo II, podemos observar os Princípios e Diretrizes do S.U.S, visto que o
Sistema Único de Saúde é o principal programa federal de promoção à saúde. Faz parte
desse sistema o C.A.P.S, ou Centros de Atenção Psicossocial, nos quais os psicólogos
operam. Dessa forma, essas diretrizes do S.U.S também resguardam, não só a atuação dos
psicólogos nas instituições hospitalares, como também nos serviços públicos de
atendimento clínico. Temos, neste capítulo, princípios da ética democrática que guiam
nossa atuação clínica, citando apenas alguns exemplos: I -universalidade de acesso aos
serviços de saúde em todos os níveis de assistência; III - preservação da autonomia das
pessoas na defesa de sua integridade física e moral; IV - igualdade da assistência à saúde,
sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie; V - direito à informação, às pessoas
assistidas, sobre sua saúde; VIII - participação da comunidade, entre outras.
Ainda, pensando especialmente na saúde das pessoas indígenas, visto o
preconceito e exclusão que estes sofrem, o capítulo V versa especificamente sobre o
Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. Quanto a isso, o art 19-A promulga que todas
as “ações e serviços de saúde voltados para o atendimento das populações indígenas, em
todo o território nacional, coletiva ou individualmente, obedecerão ao disposto nesta Lei”, o
que inclui as atuações da psicologia clínica.
Em suma, pensar em uma psicologia clínica democrática é pensar em uma
psicologia ética que, para tanto, respeite as diretrizes da profissão e do campo da saúde.
Dentre estas, em especial, as que reforcem a universalidade de acesso e tratamento,
independente das conformações socioeconômicas e culturais que formam a individualidade
de cada um. Respeitando, entretanto, esta conformação para uma prática que se adeque às
idiossincrasias de cada indivíduo em prol do seu acolhimento e mitigação das suas
vulnerabilidades mentais e sociais.

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