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SociedadeTemaTecnologia
Como as tecnologias alteram as nossas emoções
Por Helena Oliveira -Jul 11, 20190
É a tecnologia que nos possui ou somos nós que possuímos a tecnologia? A questão há muito
que tem vindo a ser debatida, abrindo caminho fértil para um conjunto de pesquisas e
argumentos variados. Num livro verdadeiramente apaixonante, e que versa sobre a interligação
existente entre emoções e tecnologias ao longo dos dois últimos séculos, os autores concluem,
entre muitas perspectivas interessantes, que os humanos do século XXI contam com uma
afirmação ilimitada, um entretenimento sem fim e uma companhia constante. E a verdade é
que a tecnologia contribui para termos essa esperança, apesar de não a conseguir realizar. E
ainda bem
POR HELENA OLIVEIRA

Está o Twitter a fazer-nos mais estúpidos? E os smartphones a contribuírem para que nos
sintamos mais sozinhos? Estão as crianças e os jovens a perder a tolerância para com os
momentos de inactividade porque a sua vida é continuamente movida a ecrãs? As selfies
indicam níveis crescentes de narcisismo? Os espaços de comentários, e o Facebook,
despertam o que de pior há em nós?

Estas e outras perguntas têm sido alvo de investigação e terreno fértil para artigos, ensaios e
livros que se dedicam a explorar a forma como as tecnologias invadem as nossas vidas –
mesmo que seja a nosso convite – e têm influência na forma como expressamos as nossas
emoções. O casal de professores Luke Fernandez e Susan J.Matt, ambos pertencentes à
Weber State University, com o primeiro a co-dirigir o Tech Outreach Center da mesma e a
segunda a ser considerada como uma distinta professora de História e autora do best-seller
Keeping Up with the Joneses: Envy in American Consumer Society and Homesickness: An
American History, resolveram recuar até ao século XIX e, tomando como ponto de partida a
invenção do telégrafo, viajar e documentar de que forma é que as nossas emoções têm vindo a
ser transformadas pelas mudanças tecnológicas. Em Bored, Lonely, Angry, Stupid, Changing
Feelings about Technology, from the Telegraph to Twitter, argumenta-se que as tecnologias
actuais removeram muitos dos limites do nosso ambiente emocional, sendo por isso que
procuramos, de forma constante, o estímulo, o envolvimento e a validação dos outros, ao
mesmo tempo que a raiva e os impulsos anti-sociais não são limitados, antes afirmados no
terreno digital onde crescentemente nos movemos.

Para os autores, enquanto na actualidade tudo fazemos para não nos aborrecermos, nos
tempos idos a sociedade aceitava os períodos de inactividade como uma oportunidade para a
produtividade e para a criatividade; se antigamente a solidão era considerada como uma parte
integrante da vida, e normal, hoje é vista como um traço patológico com inúmeras
consequências negativas para os nossos estados mentais e físicos; se as gerações que nos
precederam eram constantemente avisadas para manterem a modéstia e não celebrarem o
“eu”, hoje em dia a autopromoção e a vaidade fazem parte integrante da vida da maioria das
pessoas.

[quote_center]Não só nos limitamos a desenvolver novos dispositivos para expressar as


nossas emoções, como esses mesmos dispositivos alteram a forma como expressamos essas
mesmas emoções[/quote_center]

Estas e outras ideias são exploradas no livro através do acesso a cartas e diários dos séculos
XIX e XX, em conjunto com entrevistas a pessoas entre os 18 e os 87 anos, num universo
variado de segmentos populacionais, profissões e backgrounds. E o seu argumento mais
potente é o de que não nos limitamos a desenvolver novos dispositivos para expressar as
nossas emoções, como esses mesmos dispositivos alteram a forma como expressamos essas
mesmas emoções.

Como talvez seja a solidão a emoção que mais caracteriza uma grande parte de muitas vidas –
sendo denominada como “a epidemia do século XXI” – o VER leu um excerto do livro que se
debruça sobre a mesma e partilha ideias e conclusões fascinantes a que chegou o casal de
autores.

Solidão: de um estado normal da condição humana ao estatuto de “anormalidade”

Os media sociais carregam nos ombros a culpa pela solidão que hoje se vive em todas as
idades, sendo normalmente sugerido que estes isolam os indivíduos mesmo vivendo na
promessa que os conectam cada vez mais.

Mas este alarme contrasta significativamente com a forma como a gerações que nos
precederam encaravam a solidão. Se é verdade que tanto no século XVIII e XIX, os
americanos (no caso do livro) sempre se sentiram sozinhos, a verdade é que não se
preocupavam com esse sentimento, pois as suas expectativas eram muito mais modestas face
ao número de amizades que deveriam ter, ao mesmo tempo que consideravam a solidão como
uma parte inescapável da condição humana.
[quote_center]Ao longo do século XX, as novas tecnologias e as novas teorias da psicologia
transformaram as expectativas sobre a solidão e a conexão[/quote_center]

Mas ao longo do século XX, as novas tecnologias – desde o rádio ao telefone de Alexander
Bell – e as novas teorias da psicologia transformaram as expectativas sobre a solidão e a
conexão. Mas e até lá, não só se acreditava que estar sozinho era a vontade de Deus, como se
afirmava que o conhecimento de nós mesmos só poderia ser atingido através desse mesmo
estado.

E quando surge o telégrafo em 1884, muitos observadores declararam euforicamente que tinha
sido Deus a ordenar a sua criação para juntar as pessoas e unir as nações. Contudo, e graças
ao seu custo elevadíssimo, os americanos do século XIX consideravam-no de pouca utilidade
para combater o isolamento, sendo muito aqueles que apenas o viam como uma intrusão nas
suas vidas. Em vários locais dos Estados Unidos, escrevem os autores, muitos fios eram
cortados e havia até quem acreditasse que a cólera se espalhava pelos mesmos. Inicialmente
também, o telefone teve uma aceitação tímida e mesmo depois de a resistência se dissipar –
qualquer nova tecnologia enfrenta uma certa defesa quando surge – as expectativas em poder-
se comunicar com o mundo mais alargado em conjunto ainda com os altos preços das
comunicações mantinham a sua adopção de forma bem modesta.

[quote_center]O rádio deu origem “a uma necessidade histérica de ruído constante e de


diversão, funcionando como um meio para escapar ao isolamento”[/quote_center]

Mas estas expectativas haveriam de mudar bruscamente. O livro cita um anúncio de 1912 da
Bell no Nebrasca, no qual se clamava que os “telefones baniam a solidão”,enquanto em 1909,
um outro anúncio apontava já para o facto de que quem não tivesse telefone, iria sentir-se
muito “mais isolado” e “fora das coisas”. Já o rádio, quando começou a ser amplamente aceite,
foi culpado de “viciar as pessoas” que se sentiam nervosas quando o silêncio reinava nas suas
casas, com um repórter em 1942 a clamar que este tinha dado origem “a uma necessidade
histérica de ruído constante e de diversão, funcionando como um meio para escapar ao
isolamento”

Pior do que isso, muitas pessoas começaram a sentir-se “culpadas” quando experimentavam
sentimentos de solidão, na medida em que se começou a defender largamente que o
isolamento social e os fracassos nos negócios eram devidos não ao pesar inerente da condição
humana ou à vontade divina, mas à incapacidade de se desenvolver um “eu” que agradasse
aos outros. Na verdade, muitos escritores de sucesso afirmavam que quem aspirasse a “uma
vida de negócios” que fosse próspera no mundo empresarial deveria saber cultivar redes
vastas de amigos. Em simultâneo, surgiria uma nova palavra na língua inglesa – “loner” – que
dava uma conotação negativa à palavra “solitário” – e, em pleno século XX, em particular
depois da Segunda Grande Guerra, já era normal associar os que estavam sozinhos a um
deficiente ajustamento à sociedade. Por outro lado, e também na altura em que emergiram,
tanto o carro como a televisão foram encarados como fracturantes para a vida social. Os
primeiros porque permitiam às pessoas viver a maior distância dos sítios onde trabalhavam,
faziam compras ou se juntavam para reuniões cívicas, ao passo que em plena década de 1970,
a televisão era também a culpada de manter as pessoas fechadas em casa em frente ao
aparelho mágico. No livro que viria a ser um best-seller, The Pursuit of Loneliness, o seu autor,
Philip Slater definia os estilos de vida dos americanos como individualistas e muito graças às
tecnologias que os apoiavam. “Procuramos mais e mais privacidade, e sentimo-nos mais
alienados e sozinhos quando a encontramos”, escrevia.

Em simultâneo, os psicólogos começaram a conferir um estatuto de “disciplina formal de


estudo” à solidão, tendo sido desenvolvida, em 1978, uma escala de avaliação da mesma.
Sempre numa espécie de contraciclo, as empresas de comunicações continuavam a insistir
nos perigos do isolamento e nas promessas da conexão através das tecnologias.

[quote_center]“Procuramos mais e mais privacidade, e sentimo-nos mais alienados e sozinhos


quando a encontramos”[/quote_center]

Algumas décadas passadas, as tecnologias modernas aumentaram a esperança relativa à


sociabilidade constante e, em simultâneo, partilha-se constantemente uma preocupação
exacerbada face à solidão. Quando Mark Zuckerberg criou, em 2013, a internet.org, que
prometia lutar para conferir acesso à rede para os milhares de milhões de habitantes no
planeta, e obviamente já com os dois olhos no Facebook, enfatizando a necessidade humana
para a conexão, já o discurso em Silicon Valley exacerbava também as ansiedades relativas à
solidão. E esta ideia assenta particularmente bem quando a solidão é percepcionada como a
discrepância entre o número de conexões que alguém tem versus o número daquelas que
considera desejáveis.

O que acabou por acontecer, afirmam os autores, é que se conferiu uma nova titularidade à
conectividade online, um desejo que não tem limites e que, para a pergunta “quanta
conectividade é suficiente” parece não haver resposta. A acompanhar o número de “amigos” e
“seguidores” nas redes sociais, existe também uma reinterpretação da experiência de se estar
só, a qual passou de um estado comum e potencialmente positivo para um sentimento
profundamente negativo. Ou seja, onde outrora se encarava a solidão como inevitável, mesmo
que desconfortável, na actualidade não só é vista como uma emoção perigosa, como também
é considerada como um estado de embaraço para quem se sente só.

[quote_center]Onde outrora se encarava a solidão como inevitável, mesmo que desconfortável,


na actualidade não só é vista como uma emoção perigosa, como também é considerada como
um estado de embaraço para quem se sente só[/quote_center]

A verdade é que as tecnologias modernas fizeram com que a conexão social se tornasse em
algo de extrema facilidade e a ausência desse tipo de relacionamentos um estado cada vez
mais difícil de suportar. Como sublinham os autores, e ao passo que as gerações que nos
precederam acreditavam que a solidão era uma condição à qual não se podia escapar, na
actualidade são muitos os que a consideram como “curável”, ou como uma circunstância que
pode ser mitigada pelos telefones e pelos computadores. Mesmo que se tenha consciência que
todas estas ferramentas falham em cumprir a promessa de felicidade, aconchego e
convivialidade que nos habituámos a ter como certa.

As tecnologias modernas acenam-nos com a promessa de satisfação, entretenimento e


variedade constantes

O livro de Luke Fernandez e Susan J.Matt tenta responder, no geral, a duas grandes questões:
de que forma é que as emoções [dos americanos] mudaram e até que ponto as tecnologias
foram cúmplices dessas mesmas mudanças. Não sendo um tema de todo fácil nem objectivo,
os autores acabam por concluir que “a tecnologia, por si só, não determina os sentimentos,
mas a cultura alargada, da qual a mesma faz parte, decerto que os molda”. E a obra Bored,
Lonely, Angry, Stupid acaba mesmo por ser fascinante.

Por exemplo, os autores seguem a história da máquina fotográfica e recordam que as primeiras
fotografias, no século XIX, mostravam sempre as pessoas como “negras e tristes e com rostos
que não sorriam”. Foi a democratização do acesso a esta nova tecnologia e muito graças à
Kodak – que ensinou as pessoas a mostrarem-se felizes quando olhavam para a câmara – que
à fotografia se juntou o conceito de vaidade. Alguns fotógrafos, na verdade, ofereciam aos seus
clientes adereços, filtros e modificações para os ajudar a falsificar os seus traços menos
atraentes. Qualquer semelhança com a vaidade e com a busca da perfeição hoje
protagonizada pelas selfies não será pura coincidência.

[quote_center]“A tecnologia, por si só, não determina os sentimentos, mas a cultura alargada,
da qual a mesma faz parte, decerto que os molda”[/quote_center]

No que respeita à raiva – outro sentimento que nos entra pelos ecrãs a dentro na era das redes
sociais – foi na viragem do século XX que os indivíduos se viram obrigados a atenuar este tipo
de sentimento muitas vezes expressado cara a cara e em espaços públicos. De acordo com o
livro, o número de pessoas a trabalhar em escritórios aumentou substancialmente e a
capacidade para controlar um temperamento irascível face aos colegas e aos subordinados
passou a ser considerada como imprescindível para aqueles que queriam ascender nas fileiras
da gestão. Mas, e por outro lado, também ao longo de algumas décadas do mesmo século, as
emissões de rádio eram consideradas como despoletadoras de “mentalidades de massas” e,
por isso, potencialmente perigosas. No século XIX, era comum fazerem-se “reuniões de
indignação” onde as pessoas, sobretudo os homens, eram livres de expressar os seus
sentimentos negativos relativos a um conjunto de temas distintos. Na actualidade, essa “raiva
comunitária” é expressa todos os dias nas redes sociais, com a diferença de que agora
mulheres e minorias também podem contribuir para o debate.

[quote_center]Nem a solidão nem o aborrecimento são actualmente aceites como estados


normais da condição humana[/quote_center]

Numa entrevista concedida à Vox por Susan Matt e tendo em conta toda a investigação que,
enquanto co-autora, fez para o livro, a docente de História argumenta que uma das grandes
transformações veiculadas pela tecnologia reside no facto de nem a solidão nem o
aborrecimento (ou tédio) serem actualmente aceites como estados normais da condição
humana. Hoje em dia nunca estamos sozinhos, pois podemo-nos ligar e distrair-nos com o que
quer que seja que nos apareça nos múltiplos ecrãs a que temos acesso. Como afirma, “a
ascensão dos smartphones significa ‘companhia constante’ ou pelo menos a sua promessa.
Nem sempre a encontramos verdadeiramente, mas o telefone está lá sempre, acenando-nos
com a promessa de satisfação, entretenimento e variedade”, apesar de não ser a primeira
tecnologia a fazê-lo, sendo o rádio um dos primeiros exemplos desta companhia e ausência de
solidão.

Todavia, o smartphone representa uma mudança substancial nas nossas expectativas de


companhia e entretenimento, bem como uma alteração na forma como respondemos aos
sentimentos de tédio/inactividade e de solidão. “E por causa das promessas da era digital,
quando experienciamos esses mesmos sentimentos, sentimo-nos muito mais surpreendidos e
alarmados do que os nossos antecessores”, acrescenta ainda.

[quote_center]“A ascensão dos smartphones significa ‘companhia constante’ ou pelo menos a


sua promessa”[/quote_center]

No entanto, esta incapacidade que grassa agora na sociedade de nos sentirmos sós ou com
momentos de inactividade atrofia a nossa criatividade, na medida em que estarmos sós com
nós mesmos dá-nos acesso a um conjunto de ideias variadas que não surgem quando estamos
sempre conectados. Apesar de todos primarmos pela nossa autonomia e auto-suficiência, e de
as celebrarmos como valores, “é absolutamente claro que não queremos – nem por um
momento – estarmos apenas com nós mesmos”, com os telefones a fazer-nos menos
independentes do que julgamos ser. Adicionalmente, e no século XXI, as pessoas estão a
desenvolver todas estas expectativas de gozarem de uma vida sociável, completamente
satisfatória e sem limites, “o que nos faz ser totalmente desequipados para lidar com momentos
que não correspondem a estas mesmas expectativas”, diz ainda.

A pressão crescente da autopromoção

Uma outra conclusão retirada das entrevistas realizadas para a investigação subjacente ao livro
– e que não é propriamente nova – reside no facto de os respondentes confirmarem sentir uma
enorme pressão para se expressarem, se celebrarem e se apresentarem como uma “marca”.
Como afirma, as pessoas confirmam ter consciência de tentar editar as suas imagens de forma
a transmitir uma imagem o mais próxima possível da perfeição e isto porque toda a gente o faz.
O efeito “líquido” desta pressão, argumenta, é que aqueles que passam grande parte do seu
tempo online sentem que ao se mostrarem na praça pública que é a Internet, têm de o fazer
ostentando o “seu melhor”, o que lhes confere um sentimento mais exacerbado sobre o seu
“eu” e sobre a sua própria importância.

Esta importância aumenta igualmente a relação entre a raiva e o narcisismo, relação esta
igualmente aferida pelos entrevistados para o livro. Cada vez mais, as pessoas sentem-se
ansiosas por chamar a atenção nas redes sociais e expressar opiniões fortes, e por vezes
agressivas, o que lhes rende, geralmente, essa atenção tão desejada. Assim, discorre Susan
Matt, este sentimento alargado relativamente ao “eu” e a pressão crescente para o promover
parece estar a aumentar, em simultâneo, tanto a auto celebração como a ira.

[quote_center]Aqueles que passam grande parte do seu tempo online sentem que ao se
mostrarem na praça pública que é a Internet, têm de o fazer ostentando o “seu melhor”, o que
lhes confere um sentimento mais exacerbado sobre o seu “eu” e sobre a sua própria
importância.[/quote_center]

E é como se tivéssemos ganho uma muleta psicológica sem a qual já não sabemos andar. A
verdade é que esta fome por atenção, e por mais perturbadora que seja, oferece um enorme
desapontamento quando não a conseguimos alcançar, e as nossas esperanças de uma
afirmação ilimitada poderão estimular a nossa fúria quando não temos capacidade para receber
essa mesma afirmação.

No livro, escreve-se também que “o novo self” se divide entre o individualismo e a


comunitarismo, entre o egoísmo e a sociabilidade. Susan Matt oferece o exemplo do
narcisismo para ilustrar esta declaração, afirmando, contudo, que existe um grande diferença
face ao mito de Narciso. Se por um lado existem inúmeras pessoas que estão constantemente
a publicar as suas selfies e isso pode ser interpretado como narcisismo, a verdade é que o que
buscam é a afirmação e aceitação por parte da sua comunidade. O que se procura nestes
casos é que família e amigos “gostem” de nós e isso consiste num instinto de significativa
sociabilidade e comunitarismo.

[quote_center]Hoje testemunhamos expressões mais isoladas de ira e raiva e, muitas vezes,


com o único objectivo de se buscar “likes”, o que não se traduz nos laços fortes que eram
construídos em movimentos sociais passados[/quote_center]

Recordando as já mencionadas “reuniões de indignação” que eram comuns nas praças


públicas do século XIX – com os historiadores a estimar que existia uma destas reuniões em
cada cinco dias -, hoje testemunhamos expressões mais isoladas de ira e raiva e, muitas
vezes, com o único objectivo de se buscar “likes”, o que não se traduz nos laços fortes que
eram construídos em movimentos sociais passados.

Questionada, e naturalmente, sobre se é a tecnologia que está a alterar as nossas atitudes e


não outras forças ou aspectos da nossa cultura, Matt reitera que estamos perante um processo
recíproco: as mudanças na economia capitalista reforçam estes padrões e estes dispositivos
são produtos dessa mesma cultura, ao mesmo tempo que a modelam. Ou seja, a tecnologia é
um impulsionador, apesar de não ser o único.

Mas e então é a tecnologia que nos possui ou somos nós que possuímos a tecnologia? Susan
Matt responde que temos de ter consciência que tanto as emoções como a tecnologia
constituem artefactos históricos que são determinados pelos humanos, e que, colectivamente,
temos o poder de os alterar. E é também verdade, assegura a co-autora, que as emoções
mudam ao longo dos tempos, não só por causa da tecnologia, mas enquanto resultado de um
conjunto amplo de mudanças culturais e económicas. E, acrescenta, se é verdade que temos
agora mais ferramentas que ajudam a expressarmo-nos mais facilmente, também temos
sentimentos para essa mesma expressão que são distintivos de determinados espaços e
tempos. “As emoções não se mantêm fixas e são expressas através de novos dispositivos”,
afirma. “Mas os dispositivos transformam-nas, na medida em que nos ensinam novos hábitos,
alimentam novas expectativas e modelam novos comportamentos também”, acrescenta.

No final da entrevista Susan Matt explica que o objectivo deste livro é fazer com que as
pessoas compreendam que muitas das nossas preocupações sobre o facto de o Facebook
contribuir para exacerbar a nossa solidão, para o Google fazer-nos sentir estúpidos ou as
selfies nos transformarem em narcisistas sem remédio são questões que precisam de ser
estudadas de acordo com uma perspectiva histórica

[quote_center]As emoções não se mantêm fixas e são expressas através de novos


dispositivos. Os dispositivos transformam-nas, na medida em que nos ensinam novos hábitos,
alimentam novas expectativas e modelam novos comportamentos também[/quote_center]

A grande conclusão encontrada no padrão traçado nas mudanças ocorridas, ao longo dos dois
últimos séculos, na interligação entre emoções e tecnologia, deve-se à crescente esperança
que sentimos para um “eu” sem limites.

“Se no século XIX, os americanos percepcionavam limites no que respeita ao número de


pessoas que conheciam, sobre o quão se deviam autopromover, sobre a quantidade de
excitação que poderiam almejar, os do século XXI esperam, enquanto humanos, uma
afirmação ilimitada, uma ira desenfreada, um entretenimento sem fim e uma companhia
constante. A tecnologia contribui para termos essa esperança, apesar de não a conseguir
realizar.

Helena Oliveira
Editora Executiva

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