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Caio Morais Jamile Chastinet

Organizadores

DESENVOLVIMENTO INFANTIL
E COMUNICAÇÃO:
PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL
E TEORIA DA ATIVIDADE

São Paulo, 2019.


© Memnon Edições Científicas Ltda., 2019.

ISBN 978-85-7954-150-6

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(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Desenvolvimento infantil e comunicação : psicologia histó-


rico cultural e teoria da atividade / Caio Morais, Jamile
Chstinet (organizadores). -- São Paulo : Memnon,
2019.

Vários autores.
Bibliografia
ISBN 978-85-7954-150-6

1. Comunicação interpessoal em crianças 2. Crianças –


Desenvolvimento 3. Crianças e adultos 4. Psicologia históri-
co-cultural I. Morais, Caio II. Chastinet, Jamile.

19-27273 CDD-155.41

Índices para catálogo sistemático:

1. Desenvolvimento infantil e comunicação : Psicologia histórico-


cultural e teoria da atividade : Psicologia infantil 155.41
Maria Paula C. Riyuzo - Bibliotecária - CRB-8/7639
Sumário

Apresentação ............................................................................................................... 4

Capítulo 1
Desenvolvimento da atividade de comunicação de 0 a 7 anos
Caio Morais e Jamile Chastinet ................................................................................. 6

Capítulo 2
Linhas de desenvolvimento psicológico na idade pré-escolar
Yulia Solovieva e Luis Quintanar .............................................................................. 27

Capítulo 3
No contexto da comunicação e mediação... Recuperando um antigo con-
ceito: atividade reitora
Félix Díaz ............................................................................................................................. 49

Capítulo 4
A gênese da atenção voluntária e da autorregulação: contribuições dos
estudos de Lísina sobre as formas de comunicação adulto-criança até a
idade pré-escolar
Silvana Calvo Tuleski e Adriana de Fátima Franco ........................................... 96

Capítulo 5
Impacto da comunicação no funcionamento cognitivo e no desenvolvi-
mento intelectual da criança
Janna Glozman e Irina Shevchenko ....................................................................... 123

Capítulo 6
A comunicação entre adulto e criança e com adultos na clínica neuropsi-
cológica
Carla Anauate ................................................................................................................. 146
Capítulo 2

Linhas de desenvolvimento
psicológico na idade pré-escolar5
Yulia Solovieva Luis Quintanar
.....................................................................

Aqueles processos de desenvolvimento, os quais, de maneira


mais ou menos evidente, relacionam-se com a neoformação
básica, chamaremos de linhas centrais de desenvolvimento
[…] (48)

A comunicação com adultos e coetâneos eleva o nível de de-


senvolvimento cognitivo da criança pré-escolar. (26)

É indiscutível que, em psicologia, independentemente da postura de


cada investigador ou especialista, é reconhecida a enorme importância da
etapa pré-escolar de desenvolvimento. Muitos especialistas concordam
que, do ponto de vista psicológico, a etapa pré-escolar é uma das mais im-
portantes para o desenvolvimento da criança. No entanto, na hora de res-
ponder à pergunta sobre o porquê de essa etapa ser importante, podem
manifestar-se diferentes posições. Por exemplo, pode-se considerar que é a
etapa para o desenvolvimento do intelecto, da esfera emocional ou da psi-
comotricidade, ou, inclusive, para a aquisição da leitura e da escrita.

5 Tradução dos organizadores.

27
De que maneira é possível caracterizar as linhas do desenvolvimento
na idade pré-escolar para precisar seus efeitos sobre o desenvolvimento
psicológico da criança?
Falar de linhas de desenvolvimento em psicologia se tornou possível
desde os trabalhos clássicos de L. S. Vigotsky, especialmente quando pro-
põe a possibilidade de considerar a idade psicológica como um conceito
teórico. Trata-se da Parte 2, Tomo 4, das “Obras Escolhidas”, denominada
“Problemas de psicologia infantil / Problemas do desenvolvimento por
idades”. É interessante que, para o autor, falar de desenvolvimento infantil
não era possível sem relacioná-lo com o tema das idades, quer dizer, sem
sinalizar as linhas predominantes do desenvolvimento.
No texto citado se estabelecem os critérios que servem de base para
caracterizar a idade pré-escolar como etapa particular na ontogênese. Es-
ses critérios se relacionam com as características principais da idade não
como um conceito cronológico, e sim como um conceito psicológico. Vigo-
tsky afirma que o tema da idade psicológica é um dos temas fundamentais
em psicologia e que a avaliação das dificuldades no desenvolvimento de-
pende do conceito que o psicólogo tenha de idade.

O problema da idade não só é central para toda a psicologia


infantil, como é também uma chave para todas as perguntas
que surgem na prática. Este problema estritamente e dire-
tamente se relaciona com o diagnóstico de desenvolvimen-
to por idades. (48)

Podemos notar que, para Vigotsky, o problema da determinação do


conceito de idade não só tinha um valor teórico, como também se relacio-
nava com as possibilidades do diagnóstico do desenvolvimento. Apenas a
partir do conceito de idade, pensava Vigotsky, era possível solucionar o
problema do diagnóstico das dificuldades no desenvolvimento. Todos os
sintomas das dificuldades deviam ser relacionados com o sentido e com o
significado que elas têm para cada idade determinada. De acordo com essa
ideia, não pode existir nenhuma determinação global das dificuldades ou
das síndromes. Vigotsky expressa que, entre uma mediação e o diagnóstico,
encontra-se uma enorme diferença, que consiste no fato de que é possível
chegar a um diagnóstico “somente em caso de descobrir o sentido e o signi-
ficado dos sintomas encontrados” (48).

28
Podemos pensar que se pode tratar do diagnóstico clínico, como se
trata atualmente, mas também podemos mencionar a necessidade de reali-
zar um diagnóstico positivo do transcurso do desenvolvimento nas idades
infantis. Seria, então, um diagnóstico de seguimento, de apoio, significativo
para as famílias e para as instituições educativas pré-escolares, para com-
preenderem melhor o significado de seu trabalho e seus efeitos sobre a
formação da personalidade nas crianças. Vigotsky postula a necessidade de
um diagnóstico clínico que possa determinar e caracterizar as idades a
partir de critérios objetivos.

Diferentemente do diagnóstico sintomático, que se apoia no


estabelecimento das características externas, do diagnóstico
que aspira determinar os estados internos do desenvolvi-
mento, os quais se identificam em todas as características ex-
ternas, nos acostumamos, em analogia ao diagnóstico das ci-
ências médicas, chamar de diagnóstico clínico. (48)

Para o autor, o diagnóstico clínico deve caracterizar profundamente


os aspectos internos do desenvolvimento.
Acerca do problema da idade e da necessidade de uma elaboração de-
talhada da periodização do desenvolvimento, Vigotsky afirma que “mudan-
ças internas do próprio desenvolvimento, só as reconstruções e os giros em
seu transcurso podem proporcionar os fundamentos sólidos para a deter-
minação das épocas essenciais da formação da personalidade da criança,
aquelas que nós chamamos idades” (48).
De que maneira, então, podemos determinar e precisar essas caracte-
rísticas qualitativas no transcurso do desenvolvimento para poder notificar
e sinalizar aos outros especialistas e para a sociedade a respeito das mu-
danças nas idades psicológicas?
Essa posição é importante porque consideramos que, até agora, entre
os especialistas e os investigadores não existe essa clareza e unidade de
critérios de avaliação do desenvolvimento da forma como Vigotsky tinha
apresentado. Até agora, a idade, para muitos, seria apenas a quantidade de
anos ou, em outras palavras, a idade de cronológica que tenha a criança.
Precisamente, Vigotsky propõe estabelecer critérios objetivos que po-
dem ser observáveis e registráveis no desenvolvimento psicológico da cri-
ança e, dessa forma, permitir ao especialista precisar as idades psicológicas

29
e diagnosticá-las adequadamente. De acordo com Vigotsky (48), entre os
critérios fundamentais para a avaliação e a investigação da idade se encon-
tram: a situação social de desenvolvimento, as formações psicológicas no-
vas de cada idade e as linhas gerais de desenvolvimento.
A situação social de desenvolvimento se refere aos tipos de contato
com a sociedade que a criança estabelece em cada idade particular, que
podem ser favoráveis ou desfavoráveis para o desenvolvimento da criança.
Não se refere ao contexto social como a um conjunto de características
sociais da vida da criança, e sim à forma particular de comunicação que se
estabelece entre a criança e a sociedade em cada idade específica. Pode-se
dizer que a situação social não é estática nem tem a ver apenas com as re-
lações familiares ou com seu status social. Ao longo da idade pré-escolar, a
situação social muda de forma dinâmica, assim como muda a forma de co-
municação da criança com a sociedade. Seguindo Marx, Vigotsky propõe
caracterizar a consciência da criança como “sua relação com o meio” (48).
Podemos expressar que, para Vigotsky, a relação da criança com a realida-
de, desde o seu nascimento, é uma relação social, pois se encontra mediati-
zada pelas relações dos outros com essa realidade e com a criança como
parte dela. Nesse sentido, disse Vigotsky, podemos dizer que o bebê huma-
no é um ser social por excelência. “Qualquer tipo de relação do bebê com o
mundo externo sempre resulta mediatizado pela relação com o outro” (48).
A sensação da presença do outro acompanha o bebê humano desde o mo-
mento de seu nascimento.
Sobre a posição primordial da comunicação de um ser humano com
outro na vida cultural, em 1934, Vigotsky afirmou que a

[...] comunicação consigo mesmo sempre é comunicação


com outro […]. Quer dizer, é possível para dois, se faz pos-
sível simultaneamente para um. Isto é, na comunicação se
modifica não só a relação com o outro, como também con-
sigo mesmo. Toda comunicação é uma atividade extracorti-
cal – o cérebro vai além de seus próprios limites […]. (50)

Parece-nos surpreendente que as ideias propostas por Vigotsky sobre


a natureza social do desenvolvimento humano foram desenvolvidas poste-
riormente por linguistas, psicólogos, sociólogos e filósofos do século XX,
depois das expressões que lemos nos textos de Vigotsky citados por vários

30
autores (5, 9, 13, 25, 35). Desde uma idade precoce, as relações sociais per-
cebidas por meio do outro se configuram na “antecipação do sentido” que,
mais adiante, se expressa na essência da linguagem compreensiva e comu-
nicativa (14). “A antecipação do sentido” representa a essência da lingua-
gem que orienta toda fala que busca, que erra e que encontra” (14). Diver-
sos autores do século XX, posteriores à obra de Vigotsky, sinalizaram que a
linguagem se configura e se expressa em uma interação dialógica, compre-
ensiva e compartilhada em uma realidade social. Bakhtin, em sua teoria da
expressão verbal (3, 5), aclara que todo discurso e expressão verbal deve
ser compreendido como uma réplica que espera resposta de outro partici-
pante do diálogo.
Na mesma linha de ideias, Gadamer (14) afirma que “a linguagem não
é proposição e juízo, e sim resposta e pergunta. A linguagem não se realiza
mediante enunciados; realiza-se em e como conversação, como unidade de
sentido que se constrói a partir da palavra e da resposta” (14).
Na opinião desse autor, a filologia moderna deve estudar a linguagem
como um produto social, como um produto de contato e de direção até o
outro. “A hermenêutica afirma que a linguagem pertence ao diálogo; quer
dizer, a linguagem é o que é sem necessitar tentativas de entendimento,
conduz ao intercâmbio de comunicação, a discutir em prol ou contra” (14).
Gadamer afirma que o recém-nascido entra no mundo desde seu nas-
cimento, e que não se trata só de um mundo, é o mundo dos homens, um
mundo humano (14), o que se relaciona com as ideias de Vigotsky, pois,
para esse último, o que caracteriza o desenvolvimento humano é sua rela-
ção com outros homens.
Na postura psicológica, o fato de estar no mundo dos homens não só
se postula e é levado em consideração, mas representa um objeto de estu-
do. Vigotsky propõe a conformação das relações da criança com a socieda-
de, em distintas idades, como critério da situação social de desenvolvimen-
to, que pode ser favorável ou desfavorável em cada idade particular, e des-
cobrir suas características é tarefa da avaliação clínica do desenvolvimento.
Para ilustrar as possibilidades de tal avaliação e a importância de con-
siderar a situação social de desenvolvimento, podemos apresentar um
exemplo de observação clínica da nossa instituição. O caso é de uma crian-
ça com problemas no desenvolvimento e na aprendizagem; apresentava
incapacidade para adquirir a leitura e a escrita. Os dados do desenvolvi-
mento mostraram que a criança era canhota. A professora da pré-escola
notou que a criança realizava rotação da folha na hora de realizar um tra-

31
balho gráfico e apresentava dificuldades. Para “proteger” a criança de suas
dificuldades, a professora tomou a decisão de suspender todo tipo de tra-
balho gráfico de suas atividades. Essa escolha conduziu a um atraso total
da aquisição de todos os hábitos gráficos, entre outros, e à impossibilidade
de adquirir a escrita, com severas dificuldades em orientar-se no espaço.
Aparentemente, e num sentido teórico amplo, devemos afirmar que fre-
quentar uma instituição pré-escolar deve ser um fator positivo para o de-
senvolvimento na idade pré-escolar. No entanto, em relação ao caso apre-
sentado, devemos concluir que a “situação social de desenvolvimento”,
como frequentar um jardim de infância, não foi favorável para essa criança
e constituiu um obstáculo para seu desenvolvimento psicológico.
Esse exemplo mostra a importância de se considerar a situação social
de desenvolvimento para a apreciação das causas das dificuldades que as
crianças possam apresentar. A dificuldade consiste não no fato de a criança
ser canhota, mas sim no de não receber as condições ótimas para o desen-
volvimento das habilidades essenciais na idade determinada. Assim, é pos-
sível entender melhor as dificuldades das crianças se levarmos em conta as
relações concretas que se estabelecem em cada situação e com cada idade,
em vez de postular a presença das relações sociais. Todos os contatos da
criança com a realidade, o processo de seu desenvolvimento e aprendiza-
gem se encontram mediados pela sociedade. Para concretizar o termo “so-
ciedade”, e não para compreendê-lo como um termo abstrato, propõe-se o
critério da “situação social de desenvolvimento”, que permite determinar o
significado das relações sociais da criança em cada idade particular para as
necessidades de seu desenvolvimento.
As ciências, entre elas a ciência psicológica, não podem pretender
compreender o desenvolvimento da criança sem considerar uma postura
monológica com relação ao desenvolvimento. Esse perigo é expresso de
forma brilhante por Gadamer, que afirma que “entender-se no mundo sig-
nifica entender-se uns com os outros; entender o outro”, e que se trata de
uma tarefa moral na sociedade (14).
Outro critério importante da idade é o das formações psicológicas no-
vas que representam as aquisições do desenvolvimento em cada etapa
particular, os aspectos novos que não eram observados na personalidade e
atividade da criança antes dessa etapa de desenvolvimento. Entre as for-
mações psicológicas importantes se encontram a atividade voluntária, a
imaginação, a motivação cognitiva geral e a função simbólica. As formações
psicológicas novas não aparecem de maneira espontânea em uma idade

32
determinada, mas se formam em contextos de atividades culturais, nas
quais se tem que incluir a criança para a aquisição das “neoformações”.
Sobre as formações psicológicas novas, Vigotsky (48) propõe chamar aque-
le tipo novo “de estrutura da personalidade e sua atividade as mudanças
psíquicas e sociais” que surgem em determinado período de idade e de-
terminam em grande medida toda a consciência da criança, sua relação
com o meio externo, sua vida externa e interna, assim como todo o trans-
curso de seu desenvolvimento nesse período de “neoformações”.
Para Vigotsky, o critério básico da divisão do desenvolvimento infantil
em idades deve ser o das neoformações que se alcançam ao final de cada
período. Neoformações são definidas como a formação central do desen-
volvimento que caracteriza toda sua reconstrução e as mudanças dialéticas
de toda a personalidade da criança sobre uma nova base. “Ao redor da
formação nova central de determinada idade se encontram e se agrupam
as formações novas parciais que se relacionam com diversos aspectos da
personalidade da criança” (48).
Também é possível identificar as outras neoformações que se relacio-
nam com as idades prévias que se analisam. Em sua obra, Vigotsky propõe
chamar os processos que se relacionam com a formação nova central do
desenvolvimento como “linha central do desenvolvimento”. O autor propõe
chamar de “linhas acessórias” os processos que se relacionam com o resto
dos processos que podem identificar a idade que se analisa. É obvio supor
que as linhas de desenvolvimento, que são centrais para uma idade, tam-
bém continuam na idade seguinte. Por sua vez, as linhas acessórias de uma
idade ocupam o lugar da linha central mais adiante. O lugar e a participa-
ção de diversos processos psicológicos na linha central e na linha acessória
dinamicamente mudam em diferentes idades. Nenhum processo pode ser
continuamente central ou continuamente acessório. Na abordagem de Vi-
gotsky e seus seguidores, tal situação implicaria um estancamento e fim do
desenvolvimento.
Vigotsky, em seus textos, não propõe formas específicas de atividades
culturais que possam conduzir à aquisição das neoformações nas diversas
idades; somente sinaliza a importância e a necessidade do estudo e da
identificação das neoformações para a análise clínica e dinâmica do desen-
volvimento por idades. No caso da idade pré-escolar, sem dúvida alguma,
observa-se o enorme interesse e a necessidade de estudos detalhados so-
bre o jogo6 assim como sobre atividades artísticas (49).

6 Neste texto, usamos o termo “jogo” como sinônimo de “brincar”.

33
Mais adiante, os seguidores de Vigotsky desenvolveram uma aproxi-
mação acerca das atividades-guia nas idades psicológicas, de acordo com a
qual existem atividades específicas que garantem de maneira ótima a aqui-
sição das formações psicológicas novas em cada idade psicológica, entre
outras, para a idade pré-escolar, seus períodos e suas fases (8, 10, 12, 21,
22, 26, 32, 34, 36, 38, 47). Entre as neoformações centrais no período da
idade pré-escolar se encontram, por ordem de aparição no plano ontogené-
tico: a linguagem autônoma e o deslocamento independente; o significado
verbal e objetal junto com a expressão independentemente das necessida-
des pessoais; a atividade voluntária, simbólica e imaginária. Essas neofor-
mações caracterizam os ganhos psicológicos em diferentes períodos do
desenvolvimento pré-escolar e permitem caracterizar a atividade e a per-
sonalidade da criança de forma diferencial e objetiva.
A preparação psicológica da criança para os estudos escolares é um
tema inquietante para muitos especialistas e pais. O que significa preparar
a criança para a escola? Como a ciência psicológica pode responder a essa
pergunta? Para alguns, a criança tem que entrar na escola lendo e escre-
vendo; para outros, o êxito escolar depende do treinamento da psicomotri-
cidade fina e grossa. Entre os procedimentos mais frequentes em todos os
países se utilizam provas que avaliam conhecimentos ou o estado das fun-
ções psicomotoras.
Qual é a atividade básica que permite formar as neoformações?
O jogo temático de papéis garante a aparição das características es-
senciais da idade pré-escolar, ou as formações psicológicas novas. Entre
essas neoformações se encontram: a atividade voluntária, a motivação co-
mo característica fundamental da personalidade, a imaginação e a função
simbólica. A Tabela 1 apresenta as neoformações psicológicas estudadas
nos períodos e fases da idade pré-escolar.
Consideramos que uma das tarefas dos psicólogos do desenvolvimen-
to em distintos países é desenhar e aprovar procedimentos de avaliação do
desenvolvimento que permitam apreciar a ausência ou a presença de neo-
formações nas situações de colaboração com ajuda do adulto. No caso do
México, contamos com os protocolos de avaliação do desenvolvimento da
criança pré-escolar que permitem caracterizar a presença e ausência das
formações no segundo e terceiro períodos do desenvolvimento pré-escolar.
A primeira das idades é a idade da infância “menor”, na qual se adquire o
significado verbal, o significado dos objetos nas ações e, necessariamente,
surge a capacidade da criança para substituir e representar objetos ausentes

34
Tabela 1. Neoformações psicológicas na idade pré-escolar.
Infância menor Idade pré-escolar menor Idade pré-escolar básica
0 - 1 ano 1 - 4 anos 3 - 6 / 7 anos
Linguagem autônoma Significado verbal Atividade voluntária

Mobilidade e Significado objetal Imaginação


deslocamento
Expressão independente de Uso de símbolos com
Início de necessidades pessoais reflexão e iniciativa
personalidade
Início de função simbólica como Motivação cognitiva ampla
substituição e representação

com diversos meios externos. Trata-se da fase inicial de aquisição da fun-


ção simbólica (38), que representa um ganho psicológico significativo nes-
se período. Em psicologia e neuropsicologia, até a data atual, não foi fácil
encontrar publicações que apresentem instrumentos de avaliação qualita-
tiva desse período de desenvolvimento (33, 34).
A segunda idade que estudamos com mais detalhes e que é objeto de
estudo bastante comum para os psicólogos do desenvolvimento, seguido-
res do paradigma histórico-cultural (7), é a terceira idade psicológica ou a
idade pré-escolar básica que se relaciona com a atividade de jogos comple-
xos com papéis e regras. Nessa etapa do desenvolvimento, uma simples
substituição ou representação já não é um ganho central, mas se trata de
uma complexa apresentação e interpretação das atuações grupais em situ-
ações sociais imaginárias. Nessa idade, as crianças adquirem a possibilida-
de de modificar os meios de representação variados no nível materializado,
perceptivo e verbal (16). Atualmente, no México, contamos com instru-
mentos de avaliação das novas formações psicológicas nessa idade que se
relacionam com a atividade voluntária no plano de ações lúdicas, gráficas e
verbais; a função mediadora da linguagem; a imaginação; a aquisição de
conceitos empíricos e possibilidade de realizar as ações intelectuais, assim
como os aspectos de reflexão e compaixão na personalidade (33). Alguns
exemplos desses instrumentos são “Avaliação do nível de preparo psicoló-
gico da criança para a escola”, “Avaliação neuropsicológica da atividade
voluntária” e “Avaliação neuropsicológica da atividade gráfica e da forma-
ção da imagem objetal”. Esse último instrumento também está acessível no
idioma português (34).

35
No que se refere à primeira idade psicológica, infância “menor”, de-
vemos reconhecer que ainda não há um instrumento estabelecido que
permita avaliar de forma objetiva e precisa o transcurso do desenvolvi-
mento durante o primeiro ano de vida. No entanto, há avanços apresenta-
dos em artigos publicados (43, 46). Nesses trabalhos, temos levantado a
necessidade de avaliar o bebê durante diversas formas de interação verbal
e objetal com um cuidador próximo e de fazer as apreciações do estado do
desenvolvimento atual e proximal a respeito das vias de aquisição de ma-
nipulações acompanhadas pelas expressões pré-verbais e verbais.
Diversos trabalhos de representantes da psicologia histórico-cultural
têm se relacionado com o estudo das condições em que se adquirem essas
neoformações e as atividades que favorecem a sua aquisição. Assim, tem
sido analisada a importância de se considerar a organização da comunica-
ção afetiva estreita para garantir a aparição da linguagem autônoma e a
esfera de movimentos ao longo do primeiro ano de vida (26, 31, 46).
Com detalhes têm sido descritas as possibilidades de introdução de
estratégias de atividades de jogo de papéis sociais em diversos contextos e
seus efeitos positivos sobre a aquisição da atividade voluntária (17, 38, 44).
Ao mesmo tempo, tem-se mostrado que as situações de jogo social, que
implicam presença e enriquecimento da comunicação grupal contínua,
favorecem a formação da reflexão em crianças do terceiro grau pré-escolar
(44). A elaboração e a introdução gradual de diversos meios externos que
regulam o comportamento e esquematizam as regras intelectuais nos jogos
favorecem a aquisição da função simbólica no terceiro grau pré-escolar (6).
Tem sido determinada, nesses estudos, a necessidade de se utilizarem
distintos níveis de manifestação da função simbólica, dependendo do de-
senvolvimento psicológico da criança e do momento da introdução dos
meios simbólicos. Os níveis de introdução da função simbólica podem se
expressar no plano materializado ou na substituição de um objeto por ou-
tro; no plano perceptivo ou no uso de imagens simbólicas em lugar de sím-
bolos materializados; no plano verbal que implica uso de palavras com o
conteúdo simbólico (37). Trabalhos recentes mostram que modificações
importantes na aquisição da função simbólica podem ser observadas em
crianças desde o segundo ano pré-escolar, entre 4 e 5 anos de idade, ante o
uso e aperfeiçoamento gradual de estratégias e dinâmicas grupais (28).
Em outros estudos dirigidos à análise de casos de transtornos do de-
senvolvimento foram precisadas as condições que não favorecem o desen-
volvimento e determinam as síndromes que são consequências de condi-

36
ções sociais e orgânicas desfavoráveis. Por exemplo, tem sido avaliada a
possibilidade de modificar o transcurso psicológico desde a idade precoce
a partir da introdução da atividade de comunicação afetivo-emocional estrei-
ta entre criança e adulto nos casos de bebês com risco de dano neurológico
(29, 30). Em outros trabalhos foram estudadas situações de risco social em
crianças de idade pré-escolar e as possibilidades de sua inclusão em ativi-
dades de jogo (20). Têm sido observadas mudanças importantes no desen-
volvimento psicológico de crianças de idade pré-escolar com transtornos
severos no desenvolvimento como efeito de sua participação em atividades
de jogo (44) como estratégias corretivas em casos clínicos individuais com
diversas síndromes neuropsicológicas (41).
A característica mais complexa e menos determinante que aparece no
texto de Vigotsky é a do critério das linhas do desenvolvimento. Vigotsky
sinaliza que em cada idade do desenvolvimento ontogenético é possível
identificar a linha central e a linha acessória. A linha central se refere aos
aspectos fundamentais do desenvolvimento e ao seu próprio conteúdo; a
linha acessória caracteriza os aspectos complementares do desenvolvi-
mento da criança (48).
Foi Elkonin quem propôs especificar o termo “linhas do desenvolvi-
mento nas idades psicológicas” (12), o que foi possível a partir da concep-
ção de atividade que apareceu, mais tarde, no campo psicológicoa, como
resultado dos trabalhos do próprio Vigotsky. A concepção de atividade
pressupõe que o sujeito psicológico é sujeito de sua própria atividade (1, 2,
23). A atividade implica presença do objeto para o qual o processo da ativi-
dade se dirige. O sujeito da atividade interage com o objeto; o objeto da
atividade é, ao mesmo tempo, o motivo da atividade. Assim, na atividade de
jogo objetal, o motivo é o uso cultural de um objeto (carrinho, boneca). Na
atividade de jogo simbólico, o motivo é a representação do objeto por meio
da sua substituição por diversos meios simbólico-representativos. Na ati-
vidade de jogo temático de papéis, o motivo é a representação ou modela-
ção de um papel social determinado em uma situação imaginária, compar-
tilhada com os demais participantes.
Parece-nos interessante e útil utilizar a proposta de Leontiev para di-
ferenciar as atividades em dois tipos de motivos: os motivos-estímulo e os
motivos-sentido (21). Os motivos-estímulo se referem concretamente aos
tipos de atividades e permitem identificar claramente as atividades práti-
cas e as comunicativas. Os motivos-sentido se formam gradualmente ao
longo da vida do ser humano e se referem mais às características particula-

37
res e individuais da atividade profissional e de personalidade. Queremos
propor o termo “motivos-objeto”, que nos parece mais apropriado para
caracterizar as atividades-guia na infância. Com esse termo nos referimos
concretamente ao objeto que impulsiona a atividade da criança em uma
situação particular como, por exemplo, responder ao carinho de um adulto,
brincar com a boneca e pelúcias, construir castelos com cubos. Considera-
mos que os motivos-objeto se identificam nas atividades como objetos das
ações da criança e podem ajudar a caracterizar a manifestação das ativida-
des-guia na infância, enquanto que os motivos-sentido permitiriam carac-
terizar mais a formação de características de personalidade. Na Tabela 2,
oferecemos uma proposta para identificar os motivos-objeto que se for-
mam na idade pré-escolar.

Tabela 2. Motivos-objetos na idade pré-escolar.

Infância menor Idade pré-escolar menor Idade pré-escolar básica


0 - 1 ano 1 - 4 anos 3 - 6 / 7 anos

Representação simbólica
Objeto concreto
Comunicação lúdica
Jogos
Adulto próximo Relação com coetâneos
Ações com objeto
Relação com adulto como
Relação com adulto como participante e colaborador nas
organizador de ações práticas atividades

A atividade cultural humana sempre se caracteriza pelo sentido que a


atividade tem para o sujeito, assim como pelos meios técnico-operacionais
de sua realização. Elkonin (11) propôs relacionar, a esses dois aspectos da
atividade humana, o sentido e os meios operacionais, com as duas linhas do
desenvolvimento: a central e a acessória. Essas linhas não são as mesmas nas
idades ontogenéticas, mas, sim, trocam de lugar. A linha que é a central em
uma idade ocupa lugar da linha acessória em outra idade e vice-versa. Esse
intercâmbio dinâmico das linhas de desenvolvimento central e acessória

38
garante a dialética do desenvolvimento ontogenético. Pelo contrário, a au-
sência desse intercâmbio conduz a uma estagnação e ausência de desenvol-
vimento psicológico. Exemplos desse estancamento são diversos transtornos
e desvios no desenvolvimento, quando as crianças seguem sua concentração
em um único adulto e, sem sua presença, mostram total incapacidade para
autocuidado, contatos sociais e objetais. Acreditamos viável e interessante
considerar a conformação dos motivos-sentido concretamente a partir das
linhas central e acessória em diferentes idades da ontogenia ascendente.
Uma caracterização detalhada dos sentidos que se conformam em cada uma
das atividades-guia em relação com as linhas de desenvolvimento poderia
esclarecer características particulares da personalidade de cada criança con-
cretamente. Com essa caracterização é possível identificar a facilidade ou a
dificuldade em relacionar-se com outras crianças na instituição infantil, as-
sim como é possível identificar a primeira aparição e consolidação do tema
de da amizade. Esse tema pode ter implicações não apenas psicológicas co-
mo também sociológicas, bem como na organização do trabalho com crian-
ças nas instituições infantis (19).
Vejamos como mudam as linhas central e acessória de acordo com a
proposta de Elkonin (12). A primeira idade psicológica, que se caracteriza
pela comunicação afetivo-emocional e se constitui na relação entre a crian-
ça e o adulto, é a que introduz e estabelece o “sentido” como base da per-
sonalidade. Esse sentido implica a necessidade de comunicação com outro
pela qual a criança começa a perceber o outro e a si mesma. O outro é o
espelho no qual a criança se reflete, tal e como expresso na metáfora de
Bakhtin (4).
De acordo com Vigotsky, a esfera emocional é o alfa e o ômega de todo
o desenvolvimento psicológico, e são as emoções humanas o que primei-
ramente a criança adquire da sua experiência cultural compartilhada com o
adulto. O contato com os adultos se inicia por meios não verbais expressi-
vos, tais como sorriso social, gestos faciais e corporais, e o deslocamento no
espaço. Juntamente a esses meios emocionais comunicativos se conformam
os sistemas funcionais cerebrais que subjazem à atividade não verbal co-
municativa (43). Esses sistemas cerebrais incluem mecanismos corticais e
subcorticais amplos dos três blocos funcionais (27, 43).
A comunicação se inicia com o uso dos meios não verbais, os quais,
gradualmente, ao longo do primeiro ano de vida, culminam com o uso
constante e necessário dos meios verbais de comunicação além dos não
verbais. Posteriormente, durante toda a infância pré-escolar, inevitavel-

39
mente, os meios comunicativos verbais começam a predominar sobre os
não verbais. Os sistemas funcionais que foram formados para a comunica-
ção não verbal começam a participar e aperfeiçoar-se a partir de sua inclu-
são na comunicação verbal. Até agora na psicologia e na neuropsicologia do
desenvolvimento não foram estudadas com detalhes as mudanças funcio-
nais cerebrais que acompanham a conformação da comunicação não verbal
e verbal na ontogênese. As mudanças nos sistemas funcionais necessaria-
mente surgem das modificações nas linhas de desenvolvimento.
Assim, na idade pré-escolar menor, quando a criança não necessaria-
mente frequenta uma instituição educativa, a linha central é a técnico-
operacional, enquanto a linha do sentido da atividade é a acessória. Nessa
idade, os meios não verbais e verbais são utilizados concomitantemente.
A situação muda na idade pré-escolar básica, na qual a linha afetivo-
emocional e de sentido passa ao primeiro plano. A linha operacional e de
uso dos meios começa a ocupar o lugar acessório. Nessa idade, os meios
verbais começam a predominar gradualmente sobre os meios de comuni-
cação não verbal. Essa mudança fundamental na comunicação infantil
constitui um dos aspectos do desenvolvimento psicológico e de preparação
da criança para a escola. Consideramos que, na ciência psicológica e neu-
ropsicológica, esse aspecto ainda não foi estudado com detalhes; não se dá
importância devida ao desenvolvimento da comunicação verbal estendida
e profunda na idade pré-escolar antes de iniciar o ensino formal da leitura,
da escrita e do cálculo. Tal situação conduz a diferentes irregularidades e
erros na prática educativa, e provoca problemas na aprendizagem escolar,
quando as crianças, ainda sem base de comunicação verbal desenvolvida,
veem-se obrigadas a usar formas abstratas e generalizadas dos conhecimen-
tos científicos. Em tal caso, as crianças se veem obrigadas a recorrer aos mé-
todos de reprodução mecânica e repetição das informações.
Na Tabela 3 mostramos as mudanças que se observam em situação
social de desenvolvimento, neoformações psicológicas e linhas do desen-
volvimento na idade pré-escolar.
Dessa forma, temos visto que, a partir da aproximação com a psicolo-
gia histórico-cultural, podem ser identificadas as características próprias
de cada uma das idades do desenvolvimento ontogenético da criança.
Para a idade pré-escolar, especificamente, propõe-se que deve ser
considerada como a etapa de preparação para os estudos na escola primá-
ria, o que se baseia na ideia de que os objetivos da etapa pré-escolar e esco-
lar são totalmente diferentes de acordo com seus conteúdos e objetivos. Se

40
chamamos o jardim de infância de “escola”, chamamos de “escola” a escola
primária e, inclusive, todos os níveis posteriores; então, não fazemos qual-
quer distinção entre esses níveis de desenvolvimento psicológico da crian-
ça. Se existe uma expressão tão linda como “jardim de infância”, por que
não a utilizamos?

Tabela 3. Mudanças nas características do desenvolvimento na idade pré-escolar.


Idade pré-escolar Idade pré-escolar
Infância menor
precoce básica
Comunicativo-
Linha do Comunicativo-
Prático-intelectual pessoal verbal e
desenvolvimento pessoal não verbal
representativa

Criança - objeto - Criança - criança -


Situação social Criança e adulto
adulto adulto

Linguagem Atividade voluntária,


Neoformações Significado estável
autônoma imaginação

Na Educação Infantil, a vida deve ter um regime totalmente diferente da


escola, quer dizer, a distribuição dos horários não deve ser tão rígida nem o
tempo de duração de uma ou outra atividade. Na idade pré-escolar, a criança
requer atividades de jogo e desenho dirigidos, análise de contos literários,
música, esporte, idioma estrangeiro. Todas essas atividades não são propri-
amente matérias escolares nem se relacionam com estudos dirigidos à aqui-
sição de conhecimentos teóricos. Na idade pré-escolar, a criança ainda não
vai adquirir conceitos teóricos específicos em cada uma dessas atividades.
Por que, então, a etapa pré-escolar é importante?
Acontece que, justamente por meio das atividades mencionadas, a crian-
ça pode adquirir as características essenciais de sua personalidade em ge-
ral. Essas características são: imaginação, possibilidade de continuar com
uma mesma atividade durante tempo prolongado sem distrair-se com as-
pectos não relacionados com o objetivo dessa atividade, respeito a regras
socialmente estabelecidas, regulação do comportamento a partir da lin-

41
guagem e outros meios instrumentais (signos e símbolos materializados,
perceptivos e verbais).
Podemos afirmar que, se a criança não adquire essas características
na infância pré-escolar, é sumamente difícil trabalhar para seu surgimento
nas etapas posteriores, por exemplo, na escola primária, cujo objetivo é a
introdução do pensamento conceitual abstrato. Os conceitos não podem se
construir em um vazio, sem a base prévia da experiência cotidiana e da per-
sonalidade positiva da criança. Podemos considerar que a comunicação com
os coetâneos dirigida pelos adultos é a linha central do desenvolvimento
pré-escolar. Trata-se da linha de desenvolvimento afetivo-emocional e da
conformação dos interesses e motivações do pequeno.
De acordo com o nosso ponto de vista, a importância da idade pré-
escolar deve ser levada em conta pelos especialistas e pais. O tipo de ativi-
dade e a organização da vida da criança devem ser considerados de acordo
com as teorias psicológicas contemporâneas que estabelecem característi-
cas concretas da idade pré-escolar. A aproximação teórica em direção ao
conteúdo da idade pré-escolar se reflete sempre à medida que os adultos e
as instituições organizam as atividades e as tarefas que devem ser cumpri-
das pelas crianças na idade pré-escolar.
Existem duas posições contrárias em relação ao jogo. De acordo com
uma delas, não existe uma idade especial para o jogo, e o sujeito pode jogar
em qualquer momento de sua vida. A outra posição sugere que o jogo é
característico das crianças menores e é uma atividade pouco séria que,
naturalmente, surge de dentro da criança.
Do ponto de vista psicológico, a atividade de jogo é de suma importân-
cia para o desenvolvimento da criança. Ao mesmo tempo, não é qualquer
atividade que pode ser chamada de “jogo”.
O jogo se inicia com a possibilidade de substituir um objeto por outro;
por exemplo, utilizar pedrinhas e pedaços de papel como “comida” para a
boneca ou para o ursinho. Outro caso de substituição se relaciona com a
realização de um gesto sem a presença do objeto como, por exemplo, mos-
trar o gesto de comer sem a colher, somente movendo a mão. Essas situa-
ções normalmente se observam em crianças entre 2 e 3 anos de idade.
Porém, essa substituição não é o jogo em si, mas a etapa preparatória
para o jogo como uma atividade dirigida a um objetivo comunicativo: diri-
gido a outro participante, a outra criança. O jogo verdadeiro se inicia mais
tarde, quando a criança assume um papel com ou sem a presença do obje-

42
to. Esse papel pode ser de “doutor”, “mamãe”, “professora”, “motorista de
ônibus” etc. Requer, então, vários participantes da mesma idade psicológi-
ca que podem realizar os comportamentos que correspondem aos papéis
escolhidos. É importante entender que a criança não pode jogar sozinha,
nem somente com os adultos. É necessário um grupo de participantes se-
melhantes para jogar o jogo de papéis.
Quando a criança mostra o desejo de assumir esses papéis, podemos
acreditar que está pronta para participar da atividade de jogo de papéis.
Essa atividade é coletiva e inclui vários participantes. Na atividade de jogo
temático de papéis, compartilha-se um objetivo comum entre vários parti-
cipantes: representar uma situação social imaginária. A necessidade de
representar a situação social imaginária requer o uso dos meios comunica-
tivos verbais e não verbais. Os meios verbais implicam organização de diá-
logos e do discurso. Os meios não verbais implicam uso de objetos, gestos
expressivos, símbolos diversos. A Tabela 4 apresenta diversos meios ver-
bais e não verbais comunicativos que podem se formar em um jogo temáti-
co de papéis.

Tabela 4. Meios comunicativos verbais e não verbais no jogo temático de papéis sociais
na idade pré-escolar.
Meios expressivos /
Meios objetais Meios verbais
simbólicos
- Uso de objetos substitu-
tos para as ações represen-
- Objetos cotidianos que
- Expressões corporais e tativas;
ajudam a representar os
faciais que representam o - Uso de imagens e repre-
papéis;
personagem; sentações gráficas para
- Brinquedos que se relaci-
- Movimentos e desloca- indicar regra ou ação re-
onam com as ações dos
mentos de acordo com as presentativa no jogo;
papéis;
atuações; - Expressões verbais: pala-
- Objetos de espaço real
- Exclamações, gritos, sorri- vras, frases e orações como
(móveis, utensílios) que se
sos; elementos de diálogo de
relacionam com o tema.
acordo com a interação
dos papéis.

Podemos observar na tabela acima que os meios como instrumentos


psicológicos (48) que participam da atividade de jogo temático de papéis

43
em um grupo de crianças podem ser diversos, flexíveis e variáveis e podem
modificar o grau de independência e de dificuldade ao longo da atividade. É
evidente que o progresso e as modificações qualitativas no uso desses di-
versos meios no jogo podem ser registráveis e observáveis sempre e quan-
do a criança tiver tempo suficiente para uma participação prolongada na
atividade em grupos de coetâneos. Uma participação esporádica e reduzida
não produziria nenhum impacto nem efeito no desenvolvimento dos meios
verbais e não verbais comunicativos.
Dessa forma, para a idade pré-escolar, quer dizer, entre 3 e 6 anos, an-
tes da escola primária, a atividade que garante o desenvolvimento psicoló-
gico da criança é o jogo temático de papéis sociais. Nossos estudos recentes
têm mostrado que todas essas características vão se formar positivamente
em contextos de atividades dirigidas de jogo temático de papéis que se
promove a partir da idade de 3 anos. Os ganhos significativos podem ser
percebidos ao longo da permanência da criança na Educação Infantil, sem-
pre e quando se tenham as condições necessárias para a realização desse
tipo de atividade (6, 15).
Nos jogos temáticos de papéis se desenvolvem os aspectos indispen-
sáveis para o desenvolvimento da personalidade da criança e para sua pre-
paração escolar, entre as quais se encontram a atividade voluntária, como o
respeito a regras, e o comportamento socialmente adequado. Também a
partir de suas regras, o jogo impulsiona o desenvolvimento da imaginação
em todos os aspectos, pois, para realizar o jogo, é necessário imaginar os
personagens que participam dele, seus papéis e comportamentos, os obje-
tos que serão necessários e as regras que deverão ser cumpridas. Ao mes-
mo tempo, cria-se a possibilidade de formar o objetivo da atividade tanto
individual como compartilhada. Na atividade, a criança sempre é o sujeito
ativo que pensa e organiza seu próprio jogo (1, 2); essa situação favorece a
consolidação da atividade voluntária e o uso de meios diversos de substi-
tuição (16, 42).
No jogo ocorre o desenvolvimento posterior do comportamento me-
diatizado, quer dizer, a possibilidade de utilizar diversos signos e símbolos
como meios de organização externa e interna da própria atividade. A crian-
ça começa a regular sua atividade de comunicação e de jogo com ajuda da
linguagem. A generalização de fenômenos da vida se faz possível somente
durante a abstração de algumas características dos objetos para poder
analisar melhor os outros. Assim, a generalização da linguagem permite
separar a sonoridade da palavra, do objeto, e converter a linguagem em
objeto de aprendizagem.

44
O jogo também promove e garante a formação da personalidade, que
adquire caráter mais reflexivo e responsável. Ao desempenhar papéis no
jogo a criança conhece os aspectos múltiplos das relações humanas e seus
sentidos e começa a refletir sobre o mundo e sobre si mesma.
De acordo com o explanado, podemos pensar que, efetivamente, exis-
te a idade específica para o jogo e para a comunicação, que é a essência
verdadeira da idade pré-escolar. Nem antes nem depois, na vida do ser
humano, poderíamos encontrar outro período do desenvolvimento cuja
atividade-guia seja a atividade de jogo. Nesse período, a criança aprende a
olhar a outra criança e a si mesma como seu reflexo, ver ambas como parti-
cipantes de uma situação comunicativa e afetiva comum, na qual podem se
expressar e se conhecer mutuamente.
Recordemos que, de acordo com Vigotsky, a linha comunicativa de
afetividade e de personalidade é a linha central da atividade pré-escolar.
Seu futuro é lugar acessório durante a atividade dos estudos escolares e,
novamente, o lugar central na adolescência quando a criança vai se reco-
nhecer como participante reflexivo da atividade compartilhada com os
coetâneos e com ele mesma, e poderá buscar os objetivos nascidos de sua
própria personalidade.

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