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SOCIOLOGIA

PROF. DR. NESTOR CORTÉS

E-mail: nestor.cortes@univassouras.edu.br

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TIPOLOGIAS DA PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO:

1) CONHECIMENTO DA EXPERIÊNCIA → É um tipo de conhecimento constituído fundamentalmente


pelo indivíduo através do seu passado ou da sua trajetória pautada por suas ações, erros e acertos.
E a partir desses elementos constituintes é formulada sua percepção de mundo, da vida e da sua
relação com o ambiente externo. Essa capacidade ou habilidade cognitiva natural do ser humano o
permite desenvolver sua observação, análise e conclusão dos fatos ou situações que, em sua
totalidade, também permitem o desenvolvimento de novas percepções de mundo e conhecimento.
Nesse sentido, o conhecimento formulado pelas experiências de cada indivíduo é um exercício
permanente, diário, habitual e, ao mesmo tempo, também é relativo. Ainda que as situações ou
fatos ocorram em âmbito coletivo e até global, cada indivíduo formula sua própria percepção e
reação ao fato social. Um exemplo muito interessante tem sido o fato social pandêmico nos dois
últimos anos provocado pelo vírus covid-19. Por causa do cenário pandêmico, a população global
sofreu consequências definitivas em sua estrutura cognitiva, saúde física, mental, emotiva e social.
Seu comportamento passou a incorporar novos hábitos e rituais sociais que giram em torno do
sentimento de controle e prevenção da doença, como o uso das máscaras, álcool em gel, dentre
outras posturas que, dependendo da reação individual frente ao fato social, pode ser vista pela
comunidade global como uma ação radical, conservadora ou irresponsável. Ou seja, apesar da
pandemia ter sido um evento coletivo, a percepção do mundo e do cenário pandêmico é relativo,
pois é individual. Cada um possui um tipo de reação e a partir dessa re(ação) gera-se novos
conhecimentos, experiências, habilidades de todo tipo, incluindo a própria resiliência.
2) CONHECIMENTO DE VALORES E CRENÇAS → constituído pela trajetória coletiva de uma
população, comunidade ou grupo social capaz de fundamentar princípios, regras, proibições ou
tabus que darão ordem, controle e sentido a sua percepção de mundo. De um modo geral, o
conhecimento coletivo pautado por crenças e valores também provoca uma estrutura de
pensamento na ordem do consciente coletivo de modo que a linguagem, os rituais, hábitos, códigos
morais e éticos se estabeleçam de forma natural, sem necessariamente ser contestados ou
modificados de tempo em tempo. É, portanto, um tipo de conhecimento que pode atravessar
gerações e gerações e se estabelece no tempo e na estrutura de organização social como
instituições sociais. Podemos considerar como exemplos instituições como a família, sistemas de
parentesco simples ou complexo, comunidades étnicas com suas próprias narrativas e mitos de
origem, ritos de passagem, religiosidades, organizações sociais, coletivos ou comunidades que
representam minorias étnicas-sociais cuja agenda política se estabelece a partir de pautas
inclusivas. O conhecimento de valores e crenças também possui sua dinamicidade, ou seja, é
passível de transformações, mudanças de regras e códigos de conduta. Entretanto, quando isso se
estabelece a partir de uma demanda coletiva, em regra, o processo para a constituição de novos
valores ou crenças é mais lento e gradual, como em etapas revolucionárias da história da civilização
ocidental. Nesse sentido, as revoluções rompem com antigos paradigmas e valores para estabelecer
novos códigos de conduta.
Ao mesmo tempo, é importante reconhecermos que as crenças e valores, ainda que estabeleçam
regras e códigos de conduta dentro de um grupo, comunidade, não representa a totalidade da
sociedade. Pelo contrário, as crenças e valores apenas representam um recorte ou parcela de uma
população constituída por suas multi e interculturalidades.
3) CONHECIMENTO FILOSÓFICO → Fundamenta-se a partir dos questionamentos lógicos, racionais,
sobre a natureza humana e tudo que deriva a partir dela. O conhecimento filosófico se constitui
historicamente a partir de múltiplas civilizações, desde os sumérios, egípcios (filosofia kemetica),
helênicos da Grécia clássica, até o debate contemporâneo. Considerada a “mãe de todas as
ciências” a filosofia se desenvolve dentro de uma lógica existencial e permanentemente reflexiva
sobre a realidade humana. Temas como o pensamento humano, racional e emotivo, ética, moral,
relação com a vida e o seu meio externo perpassaram enquanto debate por inúmeros filósofos. A
filosofia a partir daí define conceitos que contribuem para o entendimento da existência humana e
da sua relação com o mundo. Ao mesmo tempo, a filosofia está para além de qualquer senso
comum ou conhecimento gerado pela experiência. Na verdade, a filosofia, ao conceituar o que é o
amor ou a função da ética na sociedade, acaba por estabelecer paradigmas ou modelos de
pensamento. Na sociedade ocidental, a filosofia está muito centrada na existência humana a partir
da sua potência ou devir, isto é, seus desejos naturais que definem a natureza do ser humano e da
sua relação com o mundo. Além disso, a filosofia provoca questionamentos diante de verdades
absolutas que o ser humano necessariamente deve lidar, como a morte, tristeza, felicidade, amor,
empatia, etc. Também é importante observar que a filosofia não deve ser considerada como ciência
em seu sentido específico que consideramos atualmente, pois apesar de provocar reflexões e até
inquietações, ela não adota métodos empíricos de testagem e provas para fundamentar suas
hipóteses em teses gerais. Portanto, a filosofia não oferece a fórmula do como viver com saúde, por
exemplo, mas contribui para que possamos refletir o como e o viver.
3) CONHECIMENTO CIENTÍFICO → A última tipologia do conhecimento é relativamente recente se
considerarmos toda a história da civilização humana. A ciência, enquanto fazer empírico em
transformar, adaptar, testar e provar a partir de métodos científicos, emerge tão somente a partir
do séc. XVI na civilização ocidental. O hermetismo, as engenharias faraônicas fundamentadas em
cálculos matemáticos proeminentes nas principais civilizações da Antiguidade ou a popularização da
alquimia na Idade Média são exemplos do conhecimento empírico, ou seja, do fazer, transformar e
testar. Mas por que então não consideramos esses exemplos de conhecimento como ciência?
A alquimia, em específico, tinha objetivos fantasiosos relacionados à magia, como a descoberta do
elixir da vida ou a transmutação do chumbo em ouro. Significa, nesse sentido, que a empiria não era
utilizada para gerar conhecimento científico, mas sim para atingir objetivos fantasiosos pautados
em uma crença.
O conhecimento científico, por sua vez, estabelece novos paradigmas considerados verdades
absolutas pela sociedade. Pautado pela análise dos fatos cientificamente comprovados, o
conhecimento científico se estabelece por processos ou etapas que conhecemos como hipótese,
antítese e tese. Na prática, o conhecimento científico gera uma pergunta (hipótese) que será
testada, avaliada (antítese) e provada (tese). Nesse processo é definido um método científico pelo
pesquisador, como coleta de dados, experimentações, observação quantitativa e qualitativa, etc.
Os novos paradigmas formulados pelo conhecimento científico podem ser definitivos ou passíveis
de novas refutações que, por sua vez, criarão novos modelos e paradigmas. Nesse sentido, o
conhecimento científico também é dinâmico e aberto ao surgimento de novas teses capazes de
contribuir com novas leituras de mundo.
O CONHECIMENTO CIENTÍFICO A PARTIR DO SÉCULO XVIII E XIX NA EUROPA OCIDENTAL
As revoluções industrial e francesa que emergiram e instituíram novos paradigmas societários,
econômicos e políticos a partir do século XVIII foram capazes de romper com uma estrutura social
vigente fruto ainda de uma herança estanque de organização social fundamentada por princípios e
valores do catolicismo apostólico romano e pela centralidade do poder absoluto representado pela
monarquia absolutista e pelo Estado Moderno mercantilista. A sociedade europeia ocidental vivia
sob a determinação da lei natural das coisas e da vontade de Deus, em que, na prática um súdito
por nascer pobre deve morrer pobre, pois está pagando pelos seus pecados no plano material. A
ordem do discurso vigente, portanto, até o século XVIII foi quebrada, rompida, destruída pelas
revoluções industrial e francesa sedimentando novos sistemas de organização social, política e
econômica. No caso da revolução industrial a revolução foi de ordem econômica consolidando o
sistema liberal capitalista e, a partir daí, reconfigurando as relações de trabalho, das classes sociais,
e da própria relação da sociedade com o mundo. As consequências derivadas desses processo
foram permanentes e vigoram até hoje através da divisão internacional do trabalho, da exportação
taylorista dos meios de produção, do consumo em massa, da insustentabilidade da produção e
consumo e da globalização. As distâncias e limites geográficos foram superados pelo avanço
tecnológico já na primeira fase da Revolução Industrial. As distintas civilizações, culturas, e
organizações sociais são submetidas a apenas um sistema em prol do domínio de mercado
consumidor. As consequências sociais geradas por esse processo histórico e econômico também são
permanentes e vigoram hoje como problemas estruturais da sociedade, como a desigualdade social
e de todos os gêneros, pobreza, violência, fome, superpopulação, problemas na saúde pública,
mortalidade infantil, aculturação e diminuição da perspectiva de vida.
O CONHECIMENTO CIENTÍFICO A PARTIR DO SÉCULO XVIII E XIX NA EUROPA OCIDENTAL
A Revolução Francesa, por sua vez, estabelece uma revolução de ordem política e social a partir de
1789. Em seu processo histórico a sociedade francesa consegue romper com relações seculares
estabelecidas desde a Idade Média como, por exemplo, a relação submissa com a nobreza e Igreja
católica apostólica romana constituindo com isso uma ordem social e religiosa.
O Iluminismo do século XVIII permite o desenvolvimento de novas ideias, novas posturas e ações
que contrariam a ordem vigente da época. A liberdade de expressão, de identidade, religião,
casamento, eram consideradas como princípios societários e universais. O liberalismo individual,
coletivo, político e econômico também eram considerados pelos principais filósofos iluministas
como essenciais para a dignidade humana.
Ao mesmo tempo, há a crescente preocupação do registro do conhecimento científico através das
enciclopédias, além da proteção e valorização dos artefatos históricos e culturais que representam a
evolução humana. Foi nessa mesma época que surgem os primeiros museus, abrigando todos os
artefatos que representam a identidade e cultura de um povo ou de uma totalidade social que
tempos depois será vista como nação. Livros de botânica, de etnografia e cultura, compostos por
diários de viajantes, são publicados na Europa. Para além desse processo, a Revolução Francesa
estabelece um novo princípio social que vai dar luz às demandas existentes e pautar políticas
públicas de garantia à cidadania.
A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão vai permitir dar o pontapé inicial para
estabelecer uma base referencial sobre direitos e deveres da sociedade regida por um sistema
política republicano e democrático. É neste cenário, portanto, na esteira das duas revoluções, que a
Sociologia surgir para lançar sua análise crítica a respeito dos fenômenos sociais que têm surgido a
partir daí.
SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS
Hobsbawm, E. “A Era das Revoluções”. Ed, Paz e Terra, 2009.
Soboul, A. “História da Revolução Francesa”. Ed. Losada, 1975.

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