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O Caso Schreber

APRESENTAR A ANÁLISE FREUDIANA DO CASO SCHREBER.

AUTOR(A): PROF. VALERIA LUCARELLI MOCELIN

AUTOR(A): PROF. ROSANA SIEGLER

O caso Schreber   foi publicado por Sigmund Freud, em 1911, no artigo  “NOTAS PSICANALÍTICAS SOBRE

UM RELATO AUTOBIOGRÁFICO DE UM CASO DE PARANÓIA (DEMENTIA PARANOIDES)".


É importante salientar que  Freud não teve contato com o  Juiz presidente Daniel Paul Schreber, mas teve

acesso, em 1909,   às suas memórias publicadas,   cujo o livro foi intitulado ”Memórias de um doente nos

nervos”, publicado pelo próprio Schreber em 1903. Por meio,   da   análise desta publicação, sistematizou

 três importantes aspectos da teoria psicanalítica: Teoria das Pulsões, Narcisismo e Teorização da psicose.

(MOCELIN; SIGLER, 2015)

BIOGRAFIA
de Schreber, segundo Freud (2002):

Momento da
Data Acontecimento 
doença

 1842
Nascimento   
 25 de julho

1861
Morte do pai aos 53 anos  
  Novembro

  1878 Casamento   

  1884
Apresenta-se como candidato ao Reichstag Primeira doença
   Outono

   1884
Passa algumas semanas no Asilo de Sonnenstein. Primeira doença
   Outubro
    1884

    08 de     Clínica Psiquiátrica de Leipzig Primeira doença

 Dezembro

    1885
Alta Primeira doença
  01 de Junho

    1893
É informado da nomeação próxima para o Tribunal de Apelação. Segunda doença
    Junho

    1893
Toma posse como juiz presidente Segunda doença
   Outubro

    1893
É internado novamente na Clínica de Leipzig Segunda doença 
  Novembro

   1894
É transferido para o Asilo de Sonnenstein Segunda doença 
   Junho

  1900-1902 Escreve as Memórias e impetra ação judicial para ter alta Segunda doença 

  1903 Publicação das Memórias Segunda doença

A esposa tem uma crise de paralisia. Schreber cai enfermo


  1907 Terceira doença
imediatamente após

1911
Morte de Schreber  
14 de Abril

 
A análise do   caso Schreber veio de encontro com a   busca de Sigmund Freud   pela   compreensão do

mecanismo da psicose. Segundo Quinodoz (2007), Freud,  ficou impressionado, ao examinar alguns relatos
de pacientes com traços   paranóides, principalmente, no que tange as analogias entre os conteúdos

psicossociais e os  delírios produzidos por eles. O  contato com o estudo autobiográfico do Juiz Presidente
Schreber possibilitou a Freud   realizar uma   da compreensão do delírio paranóico e de suas angústias e

ainda,   fornecer subsídios para  estabelecer relação  com os desejos homossexuais.


Conforme nos aponta Quinodoz (2007, p.117): 

Visto que o estudo sobre o Presidente Schreber constitui a principal exposição teórica-
clínico de Freud sobre a psicose (...)

A primeira doença do Dr. Schreber  caracterizou-se  como "uma crise hipocondríaca grave". Vale lembrar que

  não há muitos registros na literatura sobre este momento da vida do paciente.   O próprio Freud em seu
texto  narra a "História clínica" do paciente e  enfatiza esta questão. Assinala que o Juiz Presidente,  após a
alta da clínica de Leipzig, onde fora tratado pelo médico Professor  Flechsig, viveu os   oito anos seguintes
  bem ao lado de sua esposa.   O casal viveu cercado de honrarias, devido ao prestígio do cargo do Dr.

Schreber, entretanto, sentiam-se frustrados pelo fato de não serem abençoados por filhos. (FREUD, 2002)
A segunda doença de Schreber teve início em 1893, em Julho do mesmo ano foi informado de sua indicação

para o cargo de Juiz Presidente da Corte de Apelação.


O texto de Freud sobre o caso Schreber começa citando trechos de suas memórias:

´Duas vezes sofri de distúrbios nervosos’, escreve o Dr. Schreber, ‘e ambas resultaram de

excessiva tensão mental. Isso se deveu, na primeira ocasião, à minha apresentação como

candidato à eleição para o Reichstag, enquanto era Landgerichtsdirektor em Cheminitz, e,

na segunda, ao fardo muito pesado de trabalho que me caiu sobre os ombros quando

assumi meus novos deveres como Senatspräsident no Oberlandesgericht em Dresden.’


FREUD, 2002, P.13

A segunda doença de Schreber teve início em 1893, em Julho do mesmo ano foi informado de sua indicação
para o cargo de Juiz Presidente da Corte de Apelação. Em Outubro assumiu o cargo, mas entre estas duas

datas,   teve dois ou três sonhos com a doença anterior, o que o deixou muito aflito. E um dia durante o
processo de sono e vigília teve um pensamento " afinal seria bom ser mulher e submeter-se ao ato da

cópula"(FREUD,2002, p.14).   Mas, o paciente, em suas mémórias, refere ter rejeitado tal ideia na ocasião.
(MOCELIN; SIGLER, 2015)

Sintomas predominantes de Schreber (FREUD, 2002):

1. Insônia;
2. Ideias hipocondríacas;
3. Ideias de perseguição;
4. Ilusões sensoriais;
5. Hiperestesia;
6. Distúrbios cinestésicos;
7. Ideias de grandeza;
8. Estupor alucinatório;
Após descrever estes sintomas em seu texto, Freud assinala o sofirmento de Schreber, como a citação abaixo
enfatiza:

 O paciente estava tão preocupado com estas experiências patológicas, que era inacessível
a qualquer outra impressão e sentava-se perfeitamente rígido e imóvel durante horas
(estupor alucinatório). 
FREUD, 2002, P.15.

Schreber pensou em suícidio, como medida contra o seu


sofrimento...
Por outro lado, elas o torturavam a tal ponto, que ele ansiava pela morte. Fez repetidas
tentativas de afogar-se durante o banho e pediu que lhe fosse dado o “cianureto que lhe

estava destinado”. Suas idéias delirantes assumiram gradativamente caráter místico e


religioso; achava-se em comunicação direta com Deus, era joguete de demônios, via
“aparições miraculosas”, ouvia “música sagrada”, e, no final, chegou mesmo a acreditar
que estava vivendo em outro mundo.’ 

FREUD, 2002, P.15.

Outro aspecto importante sobre o caso Schreber refere-se a relação do paciente com o médico que o tratara

 na primeira doença, o professor  Flechsig. A princípio, ele foi extremamente valorizado e reconhecido por
Schreber e sua esposa pelo fato de ter restituído a sua saúde mental.

Sabemos que o Dr. Schreber já estava casado há muito tempo, antes da época de sua
‘hipocondria’. ‘A gratidão de minha esposa’, escreve ele, ‘foi talvez ainda mais sincera,

pois reverenciava o Professor Flechsig como o homem que lhe havia restituído o marido;
daí ter ela, durante anos, mantido o retrato dele sobre a escrivaninha.’
FREUD, 2002, P.13.

Porém, esta relação acaba assumindo um novo caráter na segunda doença e de, certo modo, a proximidade

com o   professor Flechsig agrava o quadro do doente, havendo necessidade de transferência para outra
instituição.
Como ressalta Freud (2002):

Pode-se acrescentar que havia certas pessoas por quem pensava estar sendo perseguido e
prejudicado, e a quem dirigia vitupérios. A mais proeminente delas era seu médico

anterior, Flechsig, a quem chamava de ‘assassino da alma’; e costumava gritar repetidas

vezes: ‘Pequeno Flechsig!’, dando nítida ênfase à primeira palavra (383.). Foi removido
para Leipzig e, após breve intervalo passado noutra instituição, foi trazido em junho de

1894 para o Asilo Sonnenstein, perto de Pirna, onde permaneceu até que o distúrbio
assumiu o aspecto final. 
FREUD, 2002, P.15.

O Juiz Presidente Schreber esforçou-se  por inúmeras vezes resgatar sua liberdade junto  aos tribunais, e de

modo algum não repudiou   seus delírios ou fez qualquer segredo da intenção de publicar as

Denkwürdigkeiten, ou seja, sua memórias(FREUD, 2002).


A essência do sistema delirante de Schreber estava descrito na ação judicial que devolveu sua liberdade no
ano de 1902, conforme o trecho a seguir destaca: 
Embora, Schreber era  perspicaz e a tinha uma força convincente de lógica, e finalmente,  apesar de ser ele
Acreditava que tinha uma missão de redimir o mundo e restituir-lhe o estado perdido de
beatitude. Isso, entretanto, só poderia realizar se primeiro ele se trasnformasse de
homem para mulher.
FREUD, 2002, P.18.

paranóico reconhecido, seus esforços coroaram-se de sucesso. Em julho de 1902, os direitos civis do Dr.
Schreber foram restabelecidos e, no ano seguinte, suas memórias  apareceram, mas foram censuradas e
muitas partes valiosas omitidas (FREUD, 2002).

Tentativas de interpretação:
Nesta parte do texto de Freud tece várias considerações sobre o caso Schreber e principalmente baseado em
sua investida de  compreender o mecanismo paranóide.
Na fase aguda da doença, a essência do delírio persecutório muito angustiante, era centrado na ideia de que

ele seria imperiosamente emasculado e transformado em mulher, não podendo escapar do abuso sexual.O
delírio persecutório de base sexual transformou-se em delírio de redenção, de modo que a fantasia
angustiante emasculação vinculou-se à ideia   de que havia agora uma missão divina a ser cumprida.
(QUINODOZ, 2002)

A ideia persistente de ser transformado em mulher passava a fazer parte então de um projeto místico, de
ser fecundado por raios divinos a fim gerar novos seres humanos. Associa essa ideia a Deus, uma  mistura
de revolta e admiração. (MOCELIN; SIGLER, 2015)
As suas justificativas  para seu  delírio, pode ser entendido pelo processo de racionalização.

DEFININDO
Racionalização

Processo pelo qual o sujeito procura apresentar um explicação coerente do ponto de vista
lógico, ou aceitável do ponto de vista moral, para uma atitude, uma ação, uma idéia, um
sentimento, etc., cuja os verdadeiros motivos não percebe.
LAPLANCHE; PONTALIS, 1999, P.493.

VOCê SABIA...
Que a racionalização sistematiza o delírio
A paranóia no caso Schreber, segundo Freud, era uma
 defesa contra um desejo homossexual.
Logo em seguida Freud examina conteúdos das perseguições de Schreber e conclui que o   médico que

cuidara do paciente, na primeira doença, Dr. Flechsig, que   era adorado e admirado   no início, passa a ser
odiado. O próprio Schreber o nomeou, na segunda doença,  de   "Assassino de Alma", além de dirigir insultos
recorrentes a pessoa do médico (FREUD, 2002). Pode-se observar que   há uma reversão de amor em ódio,

Freud, assinala que existia um  apego erótico intenso em relação à pessoa do médico, e foi, justamente,  isto
  que fez Schreber desejar se transformar em mulher, como destaca seu pensamento no início da doença “
como seria bom ser mulher e submetida a uma cópula”. (QUINODOZ, 2002)
Outro ponto assinalado   por Freud  em sua análise   refere-se   ao que denominou de Complexo Paterno,

considerando   que a relação de   Flechsig e Deus estaria   fundada em um conflito infantil com seu pai, de
modo que determinou seu  delírio. Freud postula que o pai do Schreber era visto como uma figura severa e
imponente e que, possivelmente,  proibiu a satisfação sexual autoerótica do menino e ameaçou puní-lo pela

castração(MOCELIN; SIGLER, 2015).


O delírio de se transformar mulher, segundo Freud,   é produto do medo de ser castrado por seu pai por
causa da masturbação infantil, que levou o menino Schreber a adotar uma posição homossexual e passiva,
ou seja, uma mistura de submissão e revolta.
A caracterização de paranóia, segundo Freud (2002), está no   fato do paciente ter reagido com delírio
persecutório para se defender contra a fantasia de desejo homossexual, que não conseguiu se manter no seu
  inconsciente. Ou seja, mediante a um moção insustentável o paciente rompe com a realidade e cria um
nova, alinhada ao desejo que a originou.

Na    sequência,   Freud, destaca que   a homossexualidade situa-se   na fase de evolução infantil qualificada
como fase narcísica.
Para Freud, segundo Quinodoz (2002), nos casos patológicos análogos ao caso Schreber, a fase narcísica do
desenvolvimento infantil pode constituir um ponto de fixação ou de regressão, como se fosse um ponto de
fragilidade da personalidade, o que faz com que o paciente retorne a este ponto, e como resultado, temos as
angústias paranóides.
 

IMPORTANTE...
Vou lembrá-lo de dois conceitos importantes...

Narcisismo primário: designa um estado precoce em que a criança investe toda a sua
libido em si mesma. E o Narcisismo secundário: é caracterizado pelo o retorno ao ego da
libido retirada dos seus investimentos objetais.
LAPLANCHE; PONTALIS, 1999, P. 289-290.
Por meio do caso Schreber Freud segue em busca de determinar um mecanismos de defesa específico da
psicose, o que inseriu-se com uma linha pesquisa permanente , de certo modo, forneceu subsídios para a
comprensão dos aspectos da transferência na organização psicótica, principamente no que tange a relação

do presidente Schreber e o Professor  Flechsig.

Para encerrar...
Vale  salientar que os teóricos  contemporâneos a Freud, ampliaram  as concepções de psicose do ponto de

vista psicanalítico, entre eles destaco: Melaine Klein, Jacques Lacan e Wilfred Bion. 
  Destacando Melaine Klein por meio da Psicanálise da Criança apresentou contribuições valiosas sobre o
desenvolvimento e análise dos quadros psicóticos, uma  vez que conseguiu de forma brilhante descrever os
mecanismos de defesa primitivos, a autora acreditava que o estado mentais iniciais ou primitivos eram
análogos aos dos psicóticos.
E você pode entender estes aspectos, estudando a Posição Esquizoparanóide por exemplo postulada por
Klein em sua obra, fica a dica...
Espero que você tenha compreendido um pouco da riqueza deste caso e que seja um convite para leitura na

íntegra do artigo do Freud.

ATIVIDADE FINAL
Qual é base do delírio de Shreber?

A. Místico
B. Sexual

C. Culpa religiosa
D. Sobrecarga de trabalho

Qual mecanismo que pode sistematizar o delírio?

A. Racionalização
B. Formação reativa
C. Conversão
D. Regressão

Que tipo de narcisismo especifico está relacionado com a psicose?

A. Primário
B. Autoerótico
C. Secundário

REFERÊNCIA
FREUD, S. O caso Schreber. Notas Psicanalíticas sobre um Relato autobiográfico de um Caso de Paranóia

(Dementia Paranoides). Trad. José Octavio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro: Imago, 2002, p. 9-72.
MOCELIN, V.L.; SIGLER, R. O caso Schreber.Material didático- EAD. São Paulo: Universidade Nove de Julho.
2015.

QUINODOZ, J.M. Ler Freud. Guia de leitura da obra de S. Freud. Trad. Fatima Murad. Porto Alegre: Artmed,
2007, p. 117- 124.

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