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GEORGES SNYDERS
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CORTESIA
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Feliz na
Un iversidade
ESTUDO A PARTIR DE ALGUMAS BIOGRAFIAS

Tradução:
Antonio de Padua Danesi

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PAZ E TERRA

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© 1994 by Editions Nathan, Paris
Título do original: Heureux à L'Unioersité
(Editions Nathan, Paris)
Preparação: Hélder Garmes
Edição de texto: Rosa Mettifogo
Tradução: Antonio de Padua Dan~i
"",Revisão:Fábiá <i;:. 'VielraMachado ',;
t;",i"f" prodUção"grájtqd:ckãt,i~ Hálb~,
r"'Diagráma&ão: kg~lic~ Nikakí'~
Capa: Cláudio Rosas

Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Snyders, Georges
Feliz na Universidade: estudo a partir de algumas biografias/ Georges
Snyders; tradução Antonio de Padua Danesl. - E se, entretanto, o próprio conhecimento fosse deliciosoi"
Rio de janeiro: Paz e Terra, 1995.

1. Alegria 2. Biografias 3. Universitários -


Atitudes 4. Universitários - Conduta de vida
r. Título.

95-2263 CDD-378.1981

índices para catálogo sistemático


1. Estudantes universitários: atitudes e
comportamento: Ensino superior 378.1981

EDITORA PAZ E TERRAS.A.


Rua do Triunfo, 177
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22431-050 - Rio de janeiro-R]
Te!.: (021) 259-8946

1995
Impresso no Brasil / Printed in Brazü
R. Barthes, LePlaisir du texte,Paris, Seuil, 1973, p. 39.
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I

PREFÁCIO

É insensato pensar em alegria na


Universidade?
Após ter dedicado tantos esforços a procurar quais os requisitos, sob
quais condições, a escola poderia ser para os alunos um lugar de alegria
presente - e não apenas de preparação, sorna de restrições a serem suporta-
das agora com a única esperança de obter mais tarde uma feliz recompensa
-, quero propor aqui as mesmas questões a propósito do curso superior -
digamos, aquele que se segue aos estudos secundários, para simplificar, em
todo caso, a proposição da questão. Termino minha carreira, e de certa
forma, minha vida, interrogando-me sobre a alegria dos mais adiantados,
dos estudantes universitários; na realidade, é talvez este final dos estudos
que me permite fazer justiça ao início; considerar a cultura e a alegria com a
cultura no momento em que ela atinge seu florescimento institucional per-
mite, talvez, apreender melhor a alegria de discípulos ainda balbuciando.
No fundo, o caminho mais fecundo teria sido, talvez, o de considerar as
alegrias dos pequenos brotos a partir daquelas dos grandes vultos.
A primeira vista a questão da alegria, e particularmente da
alegria cultural na Universidade, pode parecer desprovida de fun-
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damento: a condição de estudante universitário dura pouco tempo, Pelo menos essas dificuldades me fazem tomar consciência de
o estudante passa na Universidade poucas horas por semana, muito que a Universidade não é o colégio, o discurso sobre a alegria no
poucas semanas durante o ano; ser estudante universitário costuma curso superior não pode ser a imitação dos precedentes sobre a
ser visto como um simples período de transição, mais como prepara- alegria no colegial. Naturalmente as alegrias e as não-alegrias, so-
ção para a vida profissional do que como um tempo de vida estável.' bretudo em suas relações com a cultura, mantêm, quando se passa
A alegria não teria muita coisa a ver com isso. do colégio para a Universidade, elementos de permanência - mas
Acrescentemos que os múltiplos incidentes, burlescos ou mes- sob condições específicas: a tarefa do estudante universitário é pro-
mo rudes, que entremeiam a vida na sala de aula e não raro aca- duzir ele próprio, trabalhar para seu próprio progresso, para seu
bam, apesar de tudo, por alegrá-Ia, ou pelo menos lhe dar vida, auto-aperfeiçoamento, tal como o aluno do colégio, mas de maneira
quase não têm seu equivalente no curso superior. mais determinada, mais consciente - e em relação muito mais próxi-
Objetar-se-à também que a questão da alegria na Universidade ma, de um lado, com o futuro profissional e, de outro, com o conjun-
quase não se apresenta, pois a Universidade não está no centro das to dos expedientes da vida, doravante ao seu alcance.
preocupações e das obrigações do estudante universitário, como o co- O tema da alegria presente, a alegria do estudante durante os
légio para o secundarista: muito melhor que este último, o estudante anos em que está na Universidade, a alegria na relação com a Uni-
universitário sabe organizar pessoalmente o seu trabalho; pode ir por si versidade, é e continua sendo, para mim, o tema capital.
mesmo ao encontro dos eventos e também das obras essenciais; sabe Quero valorizar o presente do estudante universitário - que ele
discutir com os colegas, escutá-los, trocar argumentos, Eis por que, em não seja vivido como simples passagem, muito menos como sensabo-
larga medida, o estudante universitário pode encontrar a cultura de que ria, enfadonha necessidade que se justificaria unicamente pela obriga-
tem necessidade sem a ajuda constante da instituição. ção de pensar no futuro, na preparação profissional; a época da fa-
Por fim, aproveitando-se de uma vida muito mais aberta para culdade não pode ser reduzida a vários anos fazendo ante-sala: o
o exterior que a do colegial, ele se forma em grande medida a estudante seria uma "larva recém-nascida à espera do momento de
partir das relações e das atividades independentes da autoridade metamorfosear-se em brilhante inseto de cinqüenta anos"."
educatíva: ao lado da "vida" - a vida amorosa, política, religiosa e
também a vida profissional, na qual com freqüência ele já está en- A Universidade vivida como alegria presente
volvido -, os escassos momentos passados na Universidade cor-
rem o risco de fazer uma triste figura; os alunos do colégio dedi- Por certo não ignoro a rudeza do ofício de estudante - mais
cam-se a explorar o amor, a ação; os estudantes universitários se duro e mais angustiante que muitos outros ofícios de jovens - e
instalam amiúde no amor, na ação; e, desde logo, não é na Univer- esmiuçarei a partir do capítulo seguinte as "não-alegrias" do estu-
sidade que se vão apresentar os seus problemas de alegria? dante universitário: aliás elas são bem conhecidas e freqüenternen-
Certo, essas objeções me embaraçam, mas isso não me afasta te proclamadas. .
de minha empreitada; é à alegria no curso superior que quero con- Tampouco ignoro - longe de mim querer pô-lo de lado,
sagrar este trabalho. O resultado me mostrará de maneira assaz su- negá-lo - o papel da faculdade como preparação do estudante
ficiente se laborei em erro. para o seu futuro: obter um título, formar-se numa profissão e tam-
Pois, apesar de tudo, para muitos jovens esses poucos anos bém adestrar-se para a vida pessoal e social de adulto. Há uma
de Universidade constituem um período crucial, e a expectativa e relação evidente entre a tenacidade na prossecução dos estudos
depois a descoberta dessa cultura, desses ensinamentos, desses co- superiores e a ambição de êxito social.
legas marcaram uma das reviravoltas decisivas de sua vida - e Meu propósito não é, em absoluto, opor uma cultura geral, desin-
não raro um período de alegria. teressada, gratuita, que encontraria seu fim em si mesma, à preparação
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profissional, mas sim tentar pensar uma relação válida entre o pre- mercados - e que conseguem manter um setor de alegria, alegria
sente e o futuro do estudante na esperança de que nenhum dos dois fora dos estudos e também alegria aguardada, esperada, sentida nos
termos seja sacrificado ao outro; a especialização profissional, nos estudos.
estudos superiores, é decerto uma exigência social (é necessário en- Assim como a sociedade em crise produz, nãoobstante, fil-
caminhar-se para uma dada carreira), mas pode ser também uma mes notáveis, que são admirados por pessoas profundamente in-
alegria presente: primeiro, evidentemente, na medida em que se quietas com seu próprio destino, assim a Universidade pode ofere-
gosta do que se escolheu; e, mais geralmente, porque na idade estu- cer o admirável aos estudantes, mesmo que eles estejam às voltas
dantil há muitas vezes alegria em abarcar menos para dominar mais: com a precariedade de seu destino.
enfim, porque pode haver alegria em sair em busca de seu destino,
com confiança no futuro e no seu futuro. Não fiz pesquisa de campo
Manter um equilíbrio entre as duas funções da Universidade:
levar a "boas" situações, evitar, pelo menos, o desemprego; dar ale- Não me dediquei a pesquisas de campo, não procurei pois
gria, uma alegria específica que os jovens têm bem menos chance ocupar-me de alegrias vividas de maneira real, direta ou atual; de
de conhecer fora da faculdade. um lado, a extrema dificuldade em elaborar uma dispositivo estatís-
Meu sonho é que a Universidade seja vivida ao mesmo tempo tico convincente; de outro, as explicações dadas de improviso pe-
como formação profissional e como alegria presente. Na verdade, los estudantes em carne e osso me pareceram quase sempre de-
porém, dado que todo mundo se preocupa com o futuro dos estu- cepcionantes, visto que os elementos acidentais, ocasionais, se
dantes e dos vínculos Universidade-empresa, proponho-me apon- mesclam de maneira inextricáve1 às reações profundas.
tar o bastão em outro sentido: a alegria presente. Quanto à função Romances que põem em cena estudantes em suas relações
preparatória, não falarei dela; nada direi do desemprego dos estu- com seus estudos e sua cultura universitária, não logrei descobri-
dantes, da extrema dificuldade de escolher um filão que tenha los:os estudantes de Balzac, Victor Hugo, Flaubert, quase não os
chances de desembocar num emprego, e num emprego interessan- vemos estudar: e na, literatura mais recente não logrei encontrar o
te, nem mesmo de sua alegria quando encontram um; temas capi- objeto de meu estudo. Enquanto tantos e tantos romances, e tam-
tais, todos o sabemos, mas não é esse o meu assunto. bé11,1.novelas e poesias, giram em torno da infância, sua magia, .
Meu problema é, pois, o da alegria dos estudantes universitá- seus mitos, as esperanças que ela suscita -e a escola primária e
rios. Como as alegrias podem libertar-se das dificuldades, das não- secundária encontra aí, apesar de tudo, o seu lugar -, por que me
alegrias que formam a trama mais visível da vida dos estudantes? pareceram tão raros os escritores que apresentam os jovens capazes
Em que condições as não-alegrias, sem nunca desaparecer, de achar alegria em suas relações com os estudos universitários?
podem ser compensadas, superadas nas alegrias, superar-se em Foi nas biografias que encontrei o essencial e mesmo a quase
alegrias? Que fazer para que os elementos de alegria se fortaleçam, totalidade de minha documentação, seja em autobiografias, seja em
para que a alegria venha a emergir e a prevalecer sobre a não-ale- biografias redigidas por terceiros. Procurei pois aí, e por vezes en-
gria? Uma ascensão para a alegria. contrei, exemplos individuais de alegria estudantil.
De fato, é a alegria cultural dos estudantes que com mais fre- Não sem dificuldade: numerosíssimos são os adultos que decla-
qüência me irá preocupar; alegrias, na medida do possível, advín- ram não ter conhecido nenhuma alegria em seus estudos superiores,
das do estudo, do conhecimento, da pesquisa e também do rela- mas tão-somente enfado e deformação. A verdadeira vida e até mesmo
cionamento com os professores e colegas. a verdadeira preparação para a vida não teriam acontecido ali.
Todo o meu trabalho supõe que os estudantes não se deixam Em muitas biografias, os estudos superiores são evocados nu-
absorver completamente pela angústia dos exames, da seleção, dos mas poucas linhas, sem comentários, sem perspectiva sobre o sig-
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12 Feliz na Universidade

Isto não impede que tomar biografias como documento de


nificado que puderam adquirir nesse momento da vida da pessoa.
base suscite problemas difíceis: em primeiro lugar, trata-se de
Isso dificultou a minha tarefa, mais aleatória ainda que o estudo dos
exemplos: um exemplo não é uma prova, mas antes um tema de
livros dedicados à infância.
reflexão: devo pois me contentar em pôr em evidência casos sufi-
Fui forçado a constatar que muitos adultos, mesmo entre os que
cientemente típicos em que a cultura universitária, a vida universi-
ocupam posições eminentes - políticos, jornalistas, artistas e criado-
tária produzem alegria; o problema que se apresenta então é o de
res -, e até muitos escritores, sem falar dos industriais e dos homens
ressaltar, fazer sentir o valor específico.
de negócios, se formaram a partir de um frágil aporte das instituições
Além disso, não trato da vida estudantil de nossos dias, na Univer-
universitárias: muitas vezes eles começaram cedo demais sua vida
sidade "rnassificada'' - e avento, sem poder explícítâ-la, a hipótese de
profissional, educaram-se mais ou menos no trabalho, ouvindo alguns
que os problemas de alegria não foram muito modificados pelas trans-
veteranos prestigiosos, sob a direção de certos "patronos", ou então
formações contemporâneas do curso superior. Quero crer que o essen-
nas leituras e nas discussões, por impregnação contínua no dia-a-dia:
cial das alegrias essenciais permaneceu suficientemente semelhante.
em suma, mais por experiências diretas da vida que através desse
longo desvio que são os estudos. Às vezes receei ter concentrado Pelo que me arrisco a trazer água para o moinho do conservantismo:
minha pesquisa em casos quase de exceção. como as. biografias que eu menciono são consagradas aos melhores, e
como esses melhores triunfaram na vida, alguns gostariam de concluir
daí que a Universidade, tal como ela é, cumpre bem o seu papel.
A verdade retrospectiva de uma biografia: Na verdade, eu gostaria de verificar por qual renovação da
que é isso? Universidade tais sucessos, infelizmente excepcionais, poderão tor-
nar-se a sorte comum.
O grau de veracidade é evidentemente impossível de determi- E sobretudo não posso tratar, por isso mesmo, senão de casos
nar: em geral a autobiografia é redigida várias dezenas de anos após privilegiados, dos homens de importância, visto como SÓ os homens
a ocorrência dos fatos juvenis por ela narrados - e por isso abun- que triunfaram brilhantemente publicam sua biografia ou recebem a
dam as deformações, conscientes ou não, voluntárias ou não; quanto homenagem de uma biografia publicada: ponho em cena somente
às biografias, quase sempre elas tomam por base, em se tratando de os "grandes homens" e, mais ainda, de um modo freqüentemente
evocar o período universitário de seus heróis e os sentimentos dessa idealizado. As biografias não contam a história do joão-ninguém.
fase, fragmentos de confidências ou de escritos autobiográficos. Mas
Será este o mais elitista (e também o mais passadista) dos meus
eu ousaria dizer que a dose de fidelidade me importa pouco. Foi livros? Será que não vou abandonar à sua triste sina essa massa enor-
aquilo mesmo que o jovem estudante sentiu no momento em que me de estudantes de hoje que se debatem em meio a dificuldades e
estava na Universidade? Meu problema não é esse: o que procuro é o
fracassos? Facilmente se poderá censurar-me o ter escolhido uma so-
que se pode esperar em matéria de alegria, no melhor dos casos, nas
lução facilitada e uma companhia um tanto agradável demais, passan-
condições mais favoráveis, dos estudos e da vida na Universidade -
do o meu tempo com os mais bem-sucedidos - em vez de me de-
e esse melhor dos casos pode ser que já tenha existido tal e qual e
bruçar sobre a sorte dos necessitados.
que tenha sido relatado fielmente pelo autor, ou pode ser um ideal
Na verdade, meu sonho, minha aposta consiste em tomar um
embelezado ulteriormente; direi então que cabe a nós, agora, refletir
ponto de partida nessas alegrias "elítistas" e "passa distas" a fim de
sobre ele, contribuir para criá-Io precisamente a partir de exemplos
inoculá-Ias em todos hoje - sem dúvida sob formas renovadas.
biograficamente relatados; em suma, procuro saber que concurso de
Ousarei afirmar que é mais ou menos como na tragédia clássica,
circunstâncias leva a sentir a instituição, a cultura, o ensino, os cole-
onde os reis e.as princesas postas em cena representam, significam
gas como fatores de alegria; é por isso que nem mesmo a idealiza-
todo mundo, mas com uma intensidade e pureza mais radiosas?
ção, pela memória ou pela imaginação, me preocupa.
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Não esquecer de ir também alegria que apresento aqui são os frutos raros de colheitas pouco
abundantes. Como as não-alegrias superam tão de longe as alegrias,
dos melhores para os menos bons
também desse ponto de vista é a renovação da Universidade que
Estou persuadido de que a reflexão pedagógica pode ajudar- está na ordem do dia.
me na luta contra os fracassos sem que eu proceda a um exame Será que vão considerar esses casos, cruelmente isolados, os
aprofundado dos casos mais brilhantes de sucesso; certo, a princí- melhores êxitos, as mais intensas alegrias estudantis, a fim de pro-
pio as necessidades da prática me levaram a fixar a atenção nos curar nelas os materiais de uma renovação tal que a alegria na fa-
dramas do fracasso e muitas vezes também nos problemas dos êxi- culdade se torne o destino quase habitual do estudante?
tos medianos, mas a pedagogia de massa não terá também muito a Uma renovação da Universidade no sentido da alegria presente
aprender com os melhores? se faz necessária porque nela, atualmente, os felizes são raros; tal re-
Na televisão ou no cinema, quer se trate de esporte, de música novação é possível porque, apesar de tudo, existem exemplos.
popular ou de espetáculos, é quase sempre a melhor qualidade, os O que implica que os professores, a instituição universitária
campeões, que nos é apresentada -pelo menos no gênero conside- como um todo clamem, proclamem e compreendam que a Univer-
rado. Por que ela ocuparia um lugar tão reduzido em pedagogia? sidade, além de seu papel inelutável de preparação dos jovens
Espera-se salvar os "maus" alunos concentrando sobre eles para uma vida profissional bastante próxima, para uma vida plena-
toda a reflexão. Não seria bom, em certos momentos, que os me- mente adulta bastante próxima, tenha a vocação de ser durante es-
lhores entrassem em cena? ses poucos anos um lugar destinado à alegria cultural.
É também incitando os que perderam pé a olhar para os mais Se o ensino superior tem tanta dificuldade em propiciar alegria e
elevados, a tomar em consideração suas alegrias, que os ajudare- foi, através dos séculos, lugar de contestação violenta e mesmo de
mos a sair das confusões e da desorientação em que eles tantas revoltas, as causas disso são obviamente múltiplas: evocar-se-ão a ru-
vezes mergulharam. Se os que triunfaram e encontraram a alegria deza das seleções, a presença de elementos "heterogêneos", muitas
contassem o seu segredo, muitos não gostariam de inspirar-se ne- vezes mais inquietos, mais tensos, que conseguiram apesar de tudo
les e experimentar também essas alegrias culturais presentes - e encontrar ali o seu lugar; acrescentar-se-á que os universitários são
que poderiam deixar de ser um mito? de uma idade e uma força suscetíveis de levâ-los a sentir as defi-
Os carros de que nos servimos todos os dias melhoraram a partir ciências do sistema com mais acuidade e a protestar mais violenta-
das façanhas de vanguarda realizadas por uns poucos pioneiros. No mente do que os secundaristas.
esporte, colocam-se os melhores nas melhores posições - e os cam- Mas aqui eu gostaria de dizer sobretudo que os estudantes univer-
peões se justificam notadamente na medida em que seus desempenhos sitários se encontram numa época de sua vida em que as contradições
e seu estilo ajudam até mesmo os .símples amadores a avançar. O pro- e os problemas que os afetam diretamente assumem quase sempre
gresso pedagógico não terá tanto a aprender com aqueles que triunfa- uma intensidade lancinante. Será que se pode dizer com propriedade
ram exemplarmente, e sobretudo com alegria, quanto o progresso es- que a cultura que lhes é apresentada, o modo de vida que lhes é pro-
portivo geral com aqueles que bateram os recordes? posto se preocupam em atender às suas expectativas existenciais?
Muito mais ainda que o colégio, a Universidade precisa justifi-
A renovação da Universidade na ordem do dia car-se em relação à alegria, provar que é capaz de suscitá-Ia, de
colocar a alegria da cultura não só em sua relação com o conheci-
Já disse e repito: mesmo nas biografias, autobiografias e me- mento e a compreensão mas também como maneira de ser e de
mórias que consultei, encontrei cem vezes mais confissões de não- levar uma vida que deve ser escolhida agora; senão (salvo talvez
alegrias na faculdade que confissões de alegrias; as evocações de no que concerne estritamente à preparação profissional) ela corre
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o risco de ser devorada por outras instituições de formação e mesmo são obstáculos para o espírito, as aventuras se reduzem a avatares da
de lazeres elaborados, mais facilmente acessíveis, mais empenhadas consciência e esta chega a bom termo desde que tenha sabido digerir
em atrair. certo número de antinomias do pensamento; mas a guerra, a miséria,
Os estudantes têm o direito, o dever de exigir um ensino de a opressão, a crueldade não encontram seu lugar nessas lutas, nesses
alegria - e por isso mesmo se é levado a caminhar muito longe jogos, porque extrapolariam os limites tacitamente admitidos.
com eles na exploração das não-alegrias. "Diz ele que todas as ma- Atração por uma satisfação edu1corada que pretende apazi-
nhãs se põe a estudar cheio de esperança e que todas as noites guar todos os conflitos na unção. Sartre4 traçou o retrato caricatural
pára desesperado't.' do grande "patrono" da faculdade de medicina que se proclama
Alegria de sentir aproximar-se da ousadia das obras geniais; mais avançado que todos os "socialistas" renovadores da socieda-
tristeza face à distância que resta percorrer. de; recebe calorosamente em sua casa estudantes "de boa família"
às voltas com a tentação revolucionária: "Depois de algumas con-
versas, a ovelha desgarrada compreendia enfim o papel admirável
Reflexões preliminares sobre a alegria da elite ... voltava para o redil esclarecida, arrependida".

O primeiro avanço, talvez, em direção à alegria, a dupla tenta- Ousar a alegria


ção a vencer: de um lado contentar-se com o que é, pregar o con-
formismo em relação ao que se passa no mundo, fechando os Contra essas múltiplas seduções, tendo-as sempre presentes
olhos, tanto quanto possível, para a miséria, as opressões; de ou- no que encerram de fascinante e de falso, empenhar-se em dar
tro, admitir a infelicidade do mundo, o absurdo, o fracasso como lugar à alegria: ousar a alegria, aderir à alegria, defender a alegria.
dados irredutíveis; o impasse: não se pode esperar outra coisa, não se Ter confiança na alegria é também um dever para com o pró-
pode fazer de outra maneira. Esforçar-me-ei por não me entregar aos ximo, pois preciso de minha alegria para ficar disponível aos ou-
sentimentos mais cômodos, quer idílicos, quer desanima dores. tros - e gostaria de poder convencê-I os a participar da alegria,
Existem muitas alegrias suspeitas: alegrias por ignorância mais porque ela é aspiração a unir, a comunicar, a partilhar, a desfrutar
ou menos voluntária do que poderia vir perturbá-Ias; mesmo o es- em comum.
tudo, a tenacidade no estudo pode ser apenas uma tática para limi- É uma luta - e uma luta exigente, quase como uma criação;
tar o horizonte pessoal, recalcar outros desejos (sexuais ...). Mas não podemos deixar-nos levar pela alegria; quando o fazemos,
cuidado com o momento em que o edifício desaba! quando nos deixamos arrastar "morro abaixo", o que aparece é a
Os riscos sempre ameaçadores da alegria: é que não mais não-alegria; o que está ao alcance imediato é o ficar descontente,
compreendemos, não mais sentimos, nem em nós nem à nossa desesperado, decepcionado consigo mesmo e com o mundo, sentir
volta, a influência do infortúnio, da vergonha. a própria impotência.
Uma alegria que se furta às provações da não-alegria, que se "Não tenho mais medo da alegria, estou pronto para ela, pro-
fecha à angústia, às aflições, corre o risco de desembocar apenas longuei demais o tempo em que era seduzido pelo meu deserto't.?
nas vagas delícias da evasão: sobrepor a este mundo um outro É muito pouco dizer que a alegria só é alcança da mediante o
mundo, o mundo do Belo, tão atraente, tão harmonioso que se esforço; ela inclui sempre esse esforço que a faz prevalecer sobre a
perderá a vontade de confrontar-se com o cotidiano - e muito não-alegria.
menos se tentará fazê-lo penetrar no cotidiano. Não ceder à vertigem do sofrimento como único valor reden-
O drama de uma certa alegria universitária é o de ignorar O dra- tor, que envolveria o risco de fazer perder a alegria. O sofrimento
ma: isso acaba sempre bem, demasiado facilmente bem; os riscos Só não é mais sincero, maisautêntico que a alegria; não favorece me-
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li
:1 lhor O auto-aprofundamento: a alegria não é uma máscara que es- Buscar a alegria, empenhar-se com vistas à alegria é também
conde a dor, ela possui uma positividade fundamental. sentir a angústia, por certo em Sua aspereza, mas igualmente em
Ainda que não seja o único valor, a alegria é valor: "Foi na sua força criadora, que nos impede de estagnar numa dada etapa.
alegria, e não na dor, que o homem encontrou o seu espírito"." A Experimentar o sentimento de culpa; deveríamos ser punidos, pu-
vida é vocação para a alegria. "Assim como o morango tem gosto nir-nos pelo que deixamos acontecer e por muito daquilo em que
de morango, assim a vida tem gosto de felicidade" (Alain), Ah, ela no fundo participamos, através do que vivemos ao mesmo tempo
tem também, ela tem sempre muitos outros gostos, e nem por um nossa humilhação e um sobressalto que tenta livrar-se dela.
instante olvidarei o atroz. Mas meu esforço gostaria de conduzir a Desejo de alegria e embriaguez do fracasso: o deão da facul-
vida até esse "gosto" que recusa comprazer-sena dor, que não se dade diz a um estudante relapso que se deixa pouco a pouco so-
detém na dor - e que descobre como superá-Ia. çobrar: "Não perca o seu ano ... não o perca ... não dê a essa parte
A alegria que eu procuro não é uma alegria religiosa, ainda obscura de fraqueza e covardia que existe em cada um de nós a
que não a exclua; ela é, antes de tudo, desta terra, não exige o satisfação de tornar-se um fracassado=.l"
apelo a uma transcendência, é usufruída neste mundo. Sem chegar ao ponto de sustentar que o extremo da alegria
Não espero um êxtase que arrebataria o ser inteiro e dele ba- não se atinge sem que dela participe o extremo da dor, pelo menos
niria a tristeza; não se trata de estar contente, de repousar num quero tomar consciência de que a ascensão para a alegria exige que
estado de satisfação, de recusar-se a sofrer, a errar. Mas aspiro a se encontre a força de se olhar de frente essa mesma dor.
momentos, a intervalos, a episódios, a etapas de alegria, "qual machado A alegria é um esforço voltado para a alegria, e dela não direi
que quebra em nós o mar gelado"." Minha ambição é que, apesar de jamais que está fadada ao fracasso, mas não direi tampouco que
tudo, e aqui particularmente, na vida do estudante universitário, as ale- ela pode tornar-se plena, pura luz. As não-alegrias acarretam mon-
grias consigam desprender-se da não-alegria e superá-Ia. tões de inquietudes, de decepções. Vou tentar dizer, nas páginas
E então a alegria que conseguiu superar a não-alegria é transfor- seguintes, como alegrias e não-alegrias fazem bloco em ásperas
mada, elaborada, lastrada pelo peso de não-alegria que ela encerra, que contradições que açoitam duramente a população estudantil, obje-
ela transporta consigo: "A arte é uma ferida que culmina em luz"." to deste trabalho. Todavia, não reterei senão os exemplos nos
quais prevalece a alegria.

Como dois combatentes corpo a corpo


Alegria do esporte, alegria da contemplação
É essa mescla de alegria e não-alegria que eu gostaria de ten-
tar apreender. o pintor Nicolas de Stael exclama diante das telas de Velás-
Hegel não separa a alegria da "aflição", da "luta dura, infini- quez: "Que alegria! Sólida, calma, inabalavelmente enraizada";
ta,,9 que o espírito trava consigo mesmo. Há sempre pelo menos diante do oceano: "Que alegria! Que ordem!"; e de um jogo de
uma parte de sentimentos negativos, portanto, em última análise tristes futebol: "Uma tonelada de músculos adeja em pleno auto-esqueci-
· ,,11
men t o... que a Iegna .
- a inveja, a vaidade, o ciúme, o desejo de dominar -, nos motivos
que nos levam à ação, mesmo à ação que redunda em alegria. As alegrias da natureza, da ação e da arte já não se apresen-
Simpatizar com a tristeza do mundo, identificar-se com a tris- tam separadas; raros são os escritos que desdobram um leque tão
teza do mundo, ouvir em si mesmo o seu grito desolado - "essa amplo; e eu gostaria muito de inspirar-me nelas.
tristeza majestosa que constitui todo o prazer da tragédia", declara A força viva que nos arrasta para a alegria, a força de atração
Racine a propósito do amor impossível de Tito e Berenice. E, ape- da alegria cairiam no absurdo se não atingissem de maneira palpá-
sar de tudo, há prazer no teatro. vel momentos em que se realizam. E como se tratará agora dos
20 Feliz na Universidade

PRIMEIRA PARTE
estudantes, chamo de progressista uma cultura que traz à luz as não-
alegrias e que, sem pretender eliminá-Ias, deixe perceber, abra, pro-
ponha vias de superação.

Notas
1. P. Bourdieu, ].C. Passeron, Les Hérüiers, Editions de Mínuít, 1964, p. 86. "Uma
condição que se define como provisória e transitória só pode tirar sua seriedade
da condição profissional para a qual ela prepara; noutros termos, o presente aqui
não tem realidade senão por procuração ou antecipação."
2. P. Nízan, Ia Conspirauon, Club français du livre, 1965, p. 25.
3. Carta de B. Russell a propósito de Wittgenstein in Mac Guines, Seuíl, 1991, p. 131.
4. J. P. Sartre, Ia Nausee, Gallimard, p. 127.
5. A. Frénaud, Source entiêre, 1952, retomado em Il ny a pas de paradis, Galli-
rnard, 1967, p. 52.
o estudante e a alegria
6. F. Bachelard, Ia psycbanatyse du feu, Gallimard, 1949, p. 34.
7. F. Kafka, "Lettre à O. Pollack", Correspondance 1902-1924, Gallimard, 1965, p. 19.
8. Braque, por Leymarie, Skira, 1961, p. 15.
9. G. W. F. Hegel, Pbilosopbie de l'bistoire, Vrin, 1978, p. 58.
10. Ph. Labro, L 'Étudiant étranger, Gallimard, 1988, p. 142.
11. N. de Stael, Lettres à René Cbar, abril de 1952 e outubro de 1954, Editions du
Temps, 1968.
:r
:1

1,111

1. ALEGRIAS E NÃO-ALEGRIAS
DO ESTUDANlE

A rudeza do ofício de estudante

Não ignoro a, importância da formação contínua nem a extrema


diversidade das situações dentro da Universidade. Entretanto, no que se
segue considerarei de preferência o estudante "clássico": ele começou
seus estudos superiores ao sair do curso secundário, ainda não tem
encargo de família. Irei supor que dispõe, para o estudo, de todo o seu
tempo - ou pelo menos do essencial de seu tempo. O dinheiro lhe
vem da família, de bolsas, de abonos. Sua tarefa consiste em se formar,
e não ainda em ganhar a própria subsistência. Gostaria que ele se per-
suadisse de que ser universitário é uma profissão de tempo integral, e
que dura vários anos; penso que mesmo os seus lazeres, suas férias,
pelo menos em parte, mantêm uma relação direta com seus estudos,
por vias diferentes: temporadas, estágios, atividades culturais.
Seu modo de vida pode ser menos fragmentado, ele é menos
dilacerado entre obrigações, entre preocupações não raro contraditó-
rias, como quando o pai de família (e com mais razão a mãe) deve se
preocupar com sua profissão, sua família e, suplementarmente, com
24 Feliz na Universidade Alegrias e não-alegrias do estudante 25

seu próprio progresso cultural: o tempo do estudante é "um tempo Obsessão do emprego: mesmo quando se passa no exame,
protegido", escreve o jovem Freud ao seu amigo, ele também estu- conseguír-se-á um emprego? Risco de carreiras não-valorizadas, de
dante de medicína.' E eis aí uma das causas que pode dar ao uni- desemprego. Se se estuda, é quase sempre com os olhos fitos, cra-
versitário a alegria de progredir. vados no exame e no risco da profissão errada. Que lugar resta
A fisionomia desse universitário clássico é evidentemente mar- para a alegria do saber, para o desabrochar da personalidade?
Quase sempre a totalidade do sistema parece feita menos para
cada pela ambigüidade: ora é visto ainda como um colegial, viven-
ajudar o estudante a ir até o fim de seus desejos, a concretizar o melhor
do artificialmente, com o dinheiro de outrem, num meio artificial
de suas possibilidades, do que para levá-Ia a limitar suas ambições, a
- e, ignorando as dificuldades da verdadeira vida, instalado con-
renunciar; e sabe-se bem que esse efeito "trinchante", ora brusco, ora
fortavelmente, à distância, a salvo; ora será visto como o protótipo
em etapas múltiplas, se exerce de maneira muito diferenciada segundo
daquilo que os jovens podem tornar-se quando são sustentados
as origens dos estudantes - e em maior desfavor dos desfavorecídos.
pelo patrimônio cultural e, por outro lado, quando estão a salvo de
certo número de urgências e agressões.
Alegrias múltiplas
o surdo bramido das queixas estudantis
E agora partamos em busca das alegrias, em busca dos que as
Sempre manter em segundo plano: as queixas, os protestos, as conheceram. Por que não nós, por que não todos?
revoltas dos estudantes - e também dos professores; não apenas as
contestações de 68 discutiram interminavelmente a esse respeito,
como ao longo de toda a história das universidades se seguem as Alegrias intermediárias
suas pegadas - o que não impede que permaneçam atuais e reais.
Em primeiro lugar, gostaria de chamar de alegrias intermediárias
Essas queixas entraram hoje no domínio público, tão conhecidas,
as alegrias que podem ser significativas para o estudante, e até mes-
tão repisadas que não me parece útil retomá-Ias em seus detalhes; gos- mo, às vezes, muito consideráveis, mas que não me parecem ter uma
taria simplesmente de testemunhar que não me esqueço delas. relação específica, direta, com a vida e a cultura estudantis; encontra-
Os programas não correspondem ao que poderia interessar aos mos o equivalente dela em muitos outros modos de atividade.
estudantes - e aliás raramente no que lhes seria útil; os exames, os Não pretendo descrevê-Ias, mas simplesmente citar algumas
concursos são demasiado difíceis, bizarramente difíceis, e se está mal delas, para mostrar que não lhes subestimo o valor. Tive de limitar
preparado para eles; estafa, fadiga, estudos embrutecedores, sobrecar- meu campo de pesquisa.
ga de tarefas; exames ansiógenos, angústia do diploma a obter; no Alegria de progredir, de sentir que se está progredindo, de se
sentido forte do termo, uma sucessão de "provas" - cujo sentido e superar, de compreender melhor, de alcançar realizações cada vez
finalidade muitas vezes permanecem sibilinos. mais difíceis, cada vez mais pessoais.
Fracassos, reorientação, rejeição para fora daquilo que se havia Alegria do esforço e sobretudo, evidentemente, do esforço
escolhido; o objetivo passa a ser o de manter-se contra a avalancha bem-sucedido: conseguir os resultados almejados, chegar ao objeti-
das seleções, o que obriga a viver em situação de constante ameaça, vo que se fixou; assegurar-se também de que os desejos, as aspira-
para não dizer de julgamento; os estudos vividos como uma sucessão ções são consagradas pelos fatos e não se dissipam em miragens.
de eliminações, de condenações. E no período estudantil isso é ainda Preparar-se eficazmente para um futuro que parece atraente;
mais angustiante porque os fracassos estão próximos; não é como no o que se faz agora tornará a ser levado em conta mais tarde - e
primeiro grau, quando ainda se tinham muitos anos pela frente. testemunha-se assim a capacidade de pensar a longo prazo.
." .. "

26 Feliz na Universidade Alegrias e não-alegrias do estudante 27

Estar no caminho do êxito social, de uma promoção social; gas: "Abordei essa nova etapa [a Universidade] como se se tratasse
prestígio: começa-se a ser reconhecido, considerado, "classificado" de uma festa da inteligência. A perspectiva de estudar assuntos apaí-
no duplo sentido do termo; falar de igual para igual, ser tratado de xonantes com professores competentes me rejubilava. Imaginava
igual para igual, saber fazer-se escutar; em suma, chegar e conti- que ia conhecer alunos brilhantes dos quais eu seria a ardorosa êmu-
nuar pertencendo aos círculos "de bem". la".5 A universidade à qual ela espera aderir, à qual sonha aderir,
O problema que essas alegrias me colocam é que, além das fi- não se limita aos trabalhos e exercícios: "Um lugar onde vararia
nalidades diretamente profissionais dirigidas para o futuro (e prometi noites discutindo coisas sérias [...] onde a inteligência seria estimu-
a mim mesmo não falar delas e consagrar este trabalho unicamente às lada: pelo movimento das idéias".6
alegrias presentes do universitário), elas podem ou constituir um sim- Indissociável dessas esperanças é o sonho de identificação com
ples prolongamento dos sucessos, classificações e boas notas escola- um mestre, a ponto de se esperar disso até mesmo uma conversão da
res ou favorecer um avanço profundo da personalidade; tomar as ma- existência. "Eu vinha para buscar uma maneira de viver e adotaria
térias ensinadas como oportunidade para tirar boas notas ou, por com entusiasmo um modelo entre esses homens prestigiosos".
compreensão e realização, acercar-se das grandes obras. Nesse caso, O propósito daquela que se tomará Raíssa Maritain é esperar da
vamos encontrá-Ias, realçadas, nas páginas seguintes. universidade. nem mais nem menos que a salvação --' que logo se mu-
dará em salvação religiosa. De início ela se inscreve na Sorbonne em
Alegrias da expectativa ciências, só depois é que irá para a filosofia: anseia por professores que
a guiem para "uma visão ordenada do universo, eles porão todas
Parece-me natural evocar aqui as alegrias da expectativa. as coisas no seu lugar, após o que saberei, também eu, qual é o
Muitos são os estudantes (refiro-me, naturalmente, aos ex-es- meu lugar no mundo [...] [procuro] o que me parece necessário
tu dantes) que evocaram com emoção as alegrias da expectativa: para que a vida humana não seja uma coisa absurda e cruel [...]
imaginar o que vai ser essa etapa inédita, lançar-se em alguma coi- tenho necessidade da alegria da inteligência, da luz da certeza"?
sa que se pressente como importante, diríamos até, para alguns, Esperança, pressentimento de novo vôo, quaisquer que tenham
alguma coisa de grandioso. sido as descobertas da idade escolar.
Chega-se com um projeto profissional preciso e imenso ao Inseparáveis das grandes aspirações são os grandes. medos:
mesmo tempo; é o caso de Laing ao ingressar na universidade: "Eu dissipar a juventude, não saber tirar partido das condições favorá-
queria tornar-me escritor. Ou melhor, estava convencido de que o veis que se ofereciam. "Compreendia o desastre que seria para
era e de que era meu dever, absolutamente, tornar-me o escritor mim, aos trinta ou quarenta anos, rever o passado e reprovar em
que eu era".2 No fim, ele irá para a medicina. meus vinte anos sua indolência ... frivolidade ... falta de sagacidade". 8
Outros se preparam simplesmente, se é lícito dízê-lo, para a totali- Haverá, é certo, muitas decepções; esse lugar almejado é tão má-
dade do conhecimento: "As portas de ouro [da universidade] abriam-se gico que será muito difícil manter-se tal e qual, mesmo entre os mais
diante de mim; iam ensinar-me a verdade em seus aspectos essenciaís'v' ardorosos. Mas, migalhas de maravilhoso, isso também pode ser muito
Não simplesmente as verdades dos cursos, senão a verdade belo - e essa alegria iniciáticavale a pena ser vivida.
da vida: é ali que se vai "refletir sobre os problemas mais graves e Com muito mais realismo, modéstia, humor - pois que acabou
mais cruéis que afetam o destino do homem, sob a direção dos encontrando mais ainda do que esperava -, uma historiadora contem-
mestres mais eminentes, na companhia dos condiscípulos selecio- porânea evocou as alegrias de sua expectativa da faculdade, de seu
4
nados dentre os melhores do país". ingresso na faculdade: "A alunazinha da [escola] Bossuet era humilde e
Alguns englobam em sua expectativa, em seu sonho, todos os respeitosa, compenetrada de sua dignidade, ávida de preencher suas
aspectos da vida universitária - conhecimento, professores, cole- lacunas e estava deslumbrada por chegar a todas essas riquezas [os
Alegrias e não-alegrias do estudante 29
28 Feliz na Universidade

Onde finda a liberdade, e onde principia a determinação?


cursos). Saboreava as bibliografias íntermínáveís como se degustam
Daí os perigos e as inquietudes, pois as instâncias orientadoras,
por antecipação as promessas de um cardápío"," ou mesmo fiscalizadoras, da Universidade sabem muito bem acordar
quando os exames e os concursos se aproximam, inexoráveís.

A liberdade e a escolha Miséria da alegria de escolher


Risco de ter que optar "com desconto"; até que ponto houve de
Chego enfim ao que deveria constituir o essencial deste capítulo.
fato uma decisão ou apenas a conseqüência das dificuldades e dos
A Universidade prolonga o colégio, quase sem interrupção,
fracassos no secundário, que excluíam tais e tais caminhos? Opção ou
pelo menos para aqueles que eu chamo de estudantes clássicos. E,
jogo das limitações econômicas ("não me posso permitir estudos tão
no entanto, para a maioria deles é uma nova etapa, ou mesmo
longos, tão caros"), opção ou ação mais ou menos consciente dos
uma nova vida, que vai começar: pode-se esperar dela uma inten-
"hábitos" do meio ambiente, para não falar da classe social?
sidade de existência até então desconhecida. Muitos estudantes acreditaram seguir seus gostos pessoais e
Duas primeiras ocasiões de alegria parecem dificilmente con-
na verdade são prisioneiros de seu passado. Muitos deles, aliás, se
testáveis, aliás são conhecidas de todos, bastaria quase mencioná-
inscrevem a reboque dos encontros, das modas do momento, as
Ias: liberdade e escolha. quais estão longe de ser inocentes. Primeira escolha ambiciosa - e
Devo dizer, antes de mais nada, que elas se chocam com obs-
logo se deve fazer o desconto ...
táculos, consideráveis. O estudante escolheu, mas, volvido certo lapso de tempo, será
que tal escolha continua a lhe parecer válida em relação ao seu futuro
A liberdade acorrentada e ao mercado, em correspondência com suas expectativas, suas as-
pirações presentes, sua personalidade - agora mais afirmadas?
Quando o estudante pode utilizar à sua maneira grande parte
de seu tempo, há um forte risco de que a angústia se insinue.
Michelle Perrot compara com humor uma aula na Sorbonne à
Abertura
representação de um espetáculo: "Cada aula era como uma peça
Mas é tempo de ver a coisa do lado positivo, ou antes, de
de teatro; havia no palco o ator principal, com seus bons e maus
conquistar o aspecto positivo dessas situações. Não' esqueçamos
dias, a platéia mais ou menos cheia" .10 que partimos em busca, não dos tormentos, mas das alegrias - o
E o estudante está lá como espectador, tão livre como um que é mais árduo, mais incerto, porém muito mais importante.
espectador, mas igualmente entregue a si mesmo. Deixemos de lado, por ora, os cursos preparatórios e os nrn.
É aqui que aparece a ambigüidade da situação: até que ponto Para o estudante clássico, é igualmente certo que se abre uma ou-
essa autonomia é dada a um pesquisador, até que ponto ela é absten- tra vida, "com a rédea no pescoço". Ele já não precisa se dar conta
ção por parte da Universidade, silêncio, abandono, recusa? A compara- de seus fatos e gestos, já não se acha sob tutela, circunscrito, en-
ção teatral deixa entrever que o estudante corre o risco de não ser mais cerrado, hora após hora, dia após dia, submetido a autoridades de
amparado pelos professores do que um simples particular que vai assis- inspeção ou mesmo de punição. Que estudante se faz "passar uma
tir a uma representação. A Universidade lança os estudos, as pesquisas compostura" por seu estudo ou falta de estudo?
mais ambiciosas - e depois, com demasiada freqüência, se omite A face mais visível dessa liberdade é, sem dúvida, o emprego
quando se trata de fortalecer uma vontade ainda hesitante, de assegurar do tempo; não apenas as horas obrigatórias são relativamente pou-
urna trajetória que ainda procura seus pontos de referência.
Alegrias e não-alegrias do estudante 31
30 Feliz na Universidade

co numerosas como ainda fica subentendido que a obrigação é so- quase sempre canalizado, refreado talvez pelos horários conjuntos
bretudo moral: nenhuma instância está encarregada de verificar as da família e da escola, e também, apesar de tudo, por sua juventude,
presenças, de anotar e repreender as ausências - pelo menos na o universitário vive um período heterogêneo, de uma riqueza hete-
Universidade que continuo a chamar de clássica. rogênea: os estudos e tudo o mais, um apelo difuso de fora e para
Mais um pouco e se chegaria a dizer que o estudante faz o que fora, o amor e por vezes as tentações, as experiências na política, os
lhe apetece, quando lhe apetece, se lhe apetece. Em relação aos se- encontros múltiplos, às vezes com homens importantes, às vezes
cundaristas que eles deixaram de ser, e também com respeito aos com o joão-ninguém, que também possui os seus valores.
jovens da sua idade que trabalham, como os estudantes universitários Há, decerto, o "risco" de que o estudante procure a alegria
não se sentiriam seres livres? Gostam de proclamá-lo, por vezes quase fora da Universidade: gozar sua juventude, seus amores ou mesmo
parecem ter necessidade de afirmá-Io e de se convencerem disso. a cultura, mas longe dos recintos da faculdade. Porém a Universi-
Essa liberdade, depois, eles não mais a conhecerão; muitas vezes dade pode igualmente atrair sua liberdade por uma iniciação cultural
terão saudade dela, ela lhes deixará uma recordação idílica, idealizada. que principiará em experiências variadas, sem dúvida um pouco con-
Certamente, muitos terão que tomar consciência das ciladas des- fusas, mas suscetíveis de se depurarem progressivamente.
sa liberdade. Mas há aqui, pode haver uma positividade fundamental. O estudante começará talvez a superar as angústias da liber-
Primeiro, essa pode ser a ocasião de uma tomada de responsabilida- dade com vistas à alegria na medida em que, desde sua entrada na
des, de um vôo: a alegria de assumir tanto seu próprio destino a faculdade, ele encontrará satisfação em enveredar por novos cami-
longo prazo quanto, no dia-a-dia, a organização de seu trabalho, de nhos - não algumas trilhas já batidas, como no colégio -, mas pri-
sua assiduidade, de suas assiduidades diferenciadas; decidir, habituar- meiro apreciará certa multiplicidade das propostas culturais pressenti-
se a decidir, quando mais não seja nas intermináveis bibliografias pro- das, os "avanço" que lhe dirigem os diversos especialistas.
postas pelos professores. Enfim, ter decisões a tomar. Fruir, abordar, mover-se feliz numa superabundância que
O ideal subjacente é um certo tipo de estudante que logo en- deve começar por ser desordenada. Logo virá a escolha, vou dizê-
contra alegria ao tomar a iniciativa em seus esforços - e sobretu- Ia num instante.
do em suas pesquisas: o estudante-pesquisador, como que fazendo Esse primeiro período supõe estudantes que não vivem cons-
eco ao estatuto dos professores universitários que especifica serem tantemente mergulhados no medo, no terror dos exames. Mais que
eles professores-pesquisadores. Alguns progredirão rapidamente no isso: penso num estudante que encontra alegria seja em explorar
livre domíníc de si mesmos, para o que os modos de escolarização essas possibilidades culturais, seja em enfrentar a dificuldade dos
no colégio podem tê-I os ajudado poderosamente. exames. E esse estudante ideal chegaria mesmo a juntar num todo
Para ficar num exemplo simples, pode-se abordar Platão de coerente as contribuições do exterior e as da faculdade: apreciar
cem maneiras: pelos textos ou pelos comentários; pelas passagens
uma peça de teatro como prolongamento daquilo que a faculdade
menos difíceis mas que podem não ser as mais caracte rístícas: pelo
disse a respeito dela, e amar o amor como prolongamento do que
que se aproxima da experiência vivida ou, ao contrário, pelo que
essa peça mostrou a respeito dele.
nos transporta para um domínio totalmente distinto.
Notar-se-à até que ponto o interesse cultural desempenha um
papel predominante: a alegria que um estudante encontra em fazer Escolhas, não paradas
uma pesquisa com semi-autonomia não é separável da alegria que
ele encontra no próprio conteúdo dessa pesquisa. A escolha, em certo sentido, parece ser o inverso dessa liberdade
Mais globalmente, a liberdade do estudante é a abertura, são que acabo de evocar. Mas, de início, esta constitui uma entrada em
as ocasiões multiplicadas. Enquanto o secundarista permanecia matérias que não pode ser definitiva.
I
I
32 Fel', = Univ='dade ..

Além disso, um primeiro aspecto da escolha oferece uma alegria


Alegrias e não-alegrias do estudante

adquirir uma existência ainda mais forte porque se unirão a desco-


33

evidente: matérias detestadas ou mesmo simplesmente indiferentes, bertas mais válidas; e, reciprocamente, sua positividade se fortalece
não se é obrigado a suportá-Ias; fim da coação que não apenas obri- pouco a pouco a partir daquilo que será construído graças a elas.
gava a estudar disciplinas que não interessavam como ainda inter-
rompia o tempo dedicado a temas que podiam agradar - justo no
momento em que eles iam tornar-se verdadeiramente cativantes. Renovação das condições de trabalho
Assim o estudante pode conhecer a alegria de progredir, de sentir
que está progredindo na exploração de um dado território cultural, evi-
Eu gostaria de retomar uma questão essencial: existem meios
dentemente imenso, mas testemunhando certa homogeneídade, e
de manter os valores reais da autonomia e da escolha na Universi-
pode-se esperar que ele corresponda, apesar de tudo, a uma escolha.
dade sem que tantos estudantes sejam fadados ao abandono, ou
Porém há mais a dizer - e que faz parecer que afinal de
mesmo ao sentimento de rejeição? Pode o conformismo do colégio
contas a escolha não é antinôrnica da liberdade: a escolha na uni-
(que continha muitos aspectos confortáveis, a começar por certa
versidade constitui um compromisso, mas não obriga o estudante a
facilidade de se rebelar contra a disciplina) ceder a outra coisa que
se fechar, a se petrificar numa especialização isolada - e isolante:
não um grande vazio, pelo menos para essa massa de estudantes
certo, ele começou a optar por um domínio, mas numerosas bifur- que não estão prontos para exercer sua liberdade?
cações continuam sendo possíveis, uma multiplicidade de interesses
O que se põe em jogo aqui são essencialmente as estruturas
presentes e futuros a construir lhe está sempre aberta. Ele é, sente-se, da Universidade: para ajudar os estudantes a tirar o melhor partido
tem alegria em sentir-se capaz de evoluir, de estar evoluindo; portanto de si mesmos sem recorrer às coações "escolares", uma condição
mais vivo do que o que já está petrificado, fixado, "pronto". necessária (e que está, aliás, longe de ser suficiente, longe de cons-
Em certo sentido isso vale para todos os jovens; mas, através tituir uma panacéia) é que eles estudem em grupos restritos, onde
de todas as restrições que indiquei, o regime de liberdade e de cada um possa e ouse tomar a palavra, onde cada um sinta que
escolha inerente ao estudante e sobretudo o tipo de tarefa que dele tem um lugar, o seu lugar - e, se ele não comparece, não assiste
se espera podem favorecer a satisfação de se sentir à testa de recursos ou mesmo não participa, há uma falta; grupos estáveis onde o es-
suficientemente vastos sem que sejam excessivamente vagos. tudante se encontre com os mesmos parceiros, colegas e professo-
A alegria da escolha consiste em se dirigir pouco a pouco res, suficientemente pouco numerosos para que trocas reais se fa-
para um "filão" que não seja vivido como. uma restrição, mas como çam possíveis, na confiança que se pode criar por via da
um progresso rumo à elaboração e à eficácia; um aprofundamento, comunidade, onde se pode criar uma comunidade.
não renunciar a levantar problemas essenciais, mas a partir de um É o inverso da aula em anfiteatro, diante de cem pessoas mu-
domínio algo delimitado, onde ele sente que está progredindo para das, onde os professores desfilam, passam; mas não se diz de um
um começo de maestria. pano que ele "passa" quando o que ele tinha de colorido, de ca-
A liberdade e a escolha, na Universidade, não são apenas a racterístico, se perde pouco a pouco?
vacância, pelo menos parcial, momentânea, dos controles e das Renovação das estruturas universitárias, o que exigiria uma
coações; é a tomada de posse de um poder positivo: cabe-me em mutação qualitativa dos orçamentos, das ambições culturais da na-
grande parte descobrir como dar forma a essa porção cultural que ção, da política cultural e portanto da política em seu conjunto.
se vai tornar para mim a expressão privilegiada da cultura. Não direi que nada se fez nesse sentido; creio mesmo que a
Essas duas alegrias, liberdade e escolha, sem dúvida as mais evi- Universidade de hoje assinala nesse ponto certo progresso em rela-
dentes, são portanto já reais e constituem além disso condições para ção à da minha juventude. Não quero ignorar os efeitos positivos
que o estudante possa alcançar as alegrias que se seguirão: elas vão da "massiflcação" do ensino superior - mas nem tampouco .as di-
34 Feliz rua Universidade Alegrias e não-alegrias do estudante 35

ficuldades de funcinamento que daí resultam e o esforço enorme Mas quem ousa ainda hoje falar de abonos de estudos, os quais
que seria necessário (mas não impossível) para superá-Ias. evitariam para o conjunto dos estudantes a necessidade de justapor
Pois, enfim, qual é a autonomia real, positiva, de um estudan- duas profissões - com o risco de um mau desempenho duplo?
te que se vê jogado, segundo os momentos e as matérias, de um Isto supõe uma sociedade que tenha em elevada conta a ex-
ajuntamento para outro, com diferentes professores, diferentes co- tensão dos estudos superiores, o êxito maciço em seus cursos - e
legas, diferentes abordagens das matérias? E a melhor parte do seu um mercado de trabalho que ofereça carreiras suficientemente en-
tempo, assim como a melhor parte do tempo dos professores, continua riquecedoras para justificar, também deste ponto de vista, o tempo
a se passar na solidão infinitamente multiplicada dos anfiteatros. passado na Universidade.

Rumo a uma liberdade mais bem vivida Notas


Os alunos dos cursos preparatórios escapam à liberdade de 1. S. Freud, Lettres de jeunesse, set. 1874, Gallimard, 1990, p. 95.
abandono, mas isso quase sempre ao preço de certa infantilízação, 2. R. D. Laing, Sagesse, deraison.fotte, Seuil, 1986, p. 90.
que continua a impor a jovens de vinte anos esquemas de vigilân- 3. c. G. ]ung, Ma vie, Gallimard, 1966, p. 118.
cia que as famílias não aplicam nem mesmo aos seus filhos cole- 4. A. Memmi, Le Scorpion, 1969, p. 90.
5. M. Mead, Du giure aux ronces, Seuil, 1977, pp. 94-103.
giais; ao preço de uma fixação quase obsessiva nos vestibulares, de 6. M. Mead, lbidem.
uma tensão exasperada motivada pela concorrência; em todos os 7. R. D. Laíng, ibid., p, 92.
casos, é o quinhão dos privilegiados, afinal pouco numerosos. 8. R. Maritain, Les Grandes Amitiés, Seull, 1962, p. 50.
De minha parte, sempre sonhei com uma instituição que unisse 9. M. Perrot, Essai d'Bgo-bistotre, Gallimard, 1987, p. 269.
10. M. Perrot, ibid., p. 269.
as vantagens da Universidade com as dos cursos preparatórios - e
escapasse às suas carências: a autonomia haveria de trazer alegria e
não descambaria para o isolamento, o metódico dos cursos prepara-
tórios se associaria à largueza de espírito das faculdades.
Para dar à escolha do estudante uma realidade mais bem fun-
dada: conselhos de orientação, seguidos da orientação, pontes en-
tre os ensinos, tudo isso é bem conhecido, já um pouco aplicado
- mas muito parcialmente, e desempenhando um papel muito pe-
queno na vida do conjunto dos estudantes. Pois seria preciso ter a
coragem de remontar muito mais além: os fracassos da Universida-
de, as escolhas que se revelam impossíveis, falazes, são quase sem-
pre a seqüela dos insucessos escolares no secundário, resultados
suficientes apenas para passar nos exames finais do colégio. Mas
também as escolhas que o estudante não consegue honrar são com
freqüência o quinhão daqueles que não podem dedicar aos estu-
dos o tempo necessário, diria eu todo o seu tempo - ou pelo
menos todo o seu tempo de estudo. A profissão do estudante de
nível superior é uma profissão de tempo integral.
2. OS COLEGAS E A ALEGRIA

Como transição para as alegrias dos agrupamentos estudantis,


evocarei o ambiente, a familiaridade, a vizinhança constante com
as coisas da cultura - a começar, evidentemente, pelos livros: na
casa do tio onde mora esse estudante vindo do interior, "as paredes
não eram senão fileiras de livros, dos quais cada lombada acabava.
por ter para cada um de nós um sentido familiar, amigável".'
Goethe já descobrira que se podia progredir na Universidade
por uma espécie de simbiose apenas ajustada: "A vida universitária,
mesmo quanto podemos vangloriar-nos de exercer ali uma verda-
deira aplicação, oferece contudo vantagens infinitas porque estam os
constantemente cercados de homens que possuem ou que buscam a
ciência, de sorte que dessa atmosfera tiramos sempre, mesmo sem o
saber, algum alimento". 2 Acrescentarei: e alguma alegria.
Romain Rolland quase nos faria crer no efeito mágico dos
"pardieíros" da École Normale Supérieure. "No campo, quando pe-
netramos num pomar, mesmo vazio, o cheiro logo nos comunica
certa alegria e sonhos de fartura. Aqui, respirava-se o aroma desses
jovens pensamentos, que é um tônico incomparável [...] espécie de
alento psíquico.Y
38 Felizna Universidade Os colegas e a alegria 39

Para onde foram os amigos? fessor dirige a um dentre eles - ou antes, ao outro. A ponto de
Nizan se indignar ante o fato de que "uma odiosa relação de cumpli-
cidade,,4 se estabelece entre os professores e os mais brilhantes dos
Parece-me oportuno evocar primeiro as não-alegrias.
candidatos à faculdade, da qual os menos excelentes são excluí-
Na Universidade, um dos maiores motivos de não-alegria, no to-
cante aos colegas, é muitas vezes a sua pouca existência: evidentemen- dos, se sentem excluídos.
te eles são numerosos, mas a dificuldade está em estabelecer com eles
relações pelo menos um pouco contínuas, aprofundadas, reais - devi-
do ao seu próprio número, à dispersão nos grandes anfiteatros, às dife- Amizade e alteridade
renças de horários entre os cursos e os grupos múltiplos; pesa também
a heterogeneidade das idades, das formações, das origens. Mas a alegria da camaradagem existe - e é nela que quero
Os exemplos de alegria derivada da camaradagem entre cole- insistir agora.
gas são nitidamente mais fáceis de encontrar nos cursos preparató- Em numerosos casos a Universidade é lugar de socialização e
rios e nas grandes escolas do que na faculdade de letras ou de muitas vezes de alegria de socialização, de progresso pela sociali-
direito; a faculdade de medicina (e até certo ponto a faculdade de zação. Resta entender como a socialização, aqui centrada na cultu-
ciências) ocupa uma posição intermediária e dão lugar aos benefí- ra adquirida em comum, se distingue, por exemplo, das relações
cios da camaradagem porque aí os trabalhos a executar em comum coletivas de trabalho em fábrica ou da vida em comum nos lazeres.
são mais numerosos. No colégio, alguns ficaram um pouco à parte, sendo ignora-
Assim, pois, para muitos estudantes as relações com os cole- dos ou mesmo maltratados por seus condiscípulos: "bons alunos",
gas são menos portadoras de alegria na faculdade do que haviam por vezes tímidos, mais dados ao devaneio que à algazarra - e é
sido no colégio; eles sofrem em razão do isolamento, de não esta- precisamente entre eles que se recrutam muitos dos que terão von-
rem englobados em conjuntos vivos; o que pode redundar ou tade de escrever suas memórias,esse gênero de memórias que me
numa espécie de resignação geral à não-alegria, ou na busca de com prazo em citar. Com freqüência eles se sentirão mais à vontade
outras modalidades de alegrias e às vezes até numa propensão na faculdade (ou nos cursos preparatórios), onde muitos lhes com-
maior às alegrias culturais essencialmente individuais. partilham os gostos, as ambições.
Dificuldade de dar consistência a essas relações de camaradagem, O grande número, se por um lado toma os encontros mais ca-
dificuldade freqüente de atribuir consistência a esses colegas: muitos suais, pode, em circunstâncias favoráveis, ensejar ocasiões suplemen-
estudantes, desejosos de progredir, queixam-se de não encontrar ao seu tares de camaradagem, conferir-lhe riqueza e variedade. As escolhas
lado senão seres espectrais, pálidos arrivistas ou, ao contrário, esnobes mútuas têm mais chance de ser bem-sucedidas, ora por similitude,
que estão convencidos de ser tão cultos que estão persuadidos de que ora através do que se necessita em matéria de oposição ou pelo me-
se distinguem de todas as massas, mesmo a de seus congêneres. nos de divergências nas especialidades e nos gostos para apimentar o
Uma segunda e importante causa de não-alegria consiste em relacionamento. O que favorece a amizade é o fato de o ambiente
procurar a concorrência: muito mais que no colégio, os estudantes apresentar uma homogeneidade certa, mitigada porém por diferenças
universitários se sentem como rivais diante de concursos em que o acentuadas: "O contato permanente com pessoas que não pensavam
número dos eleitos é, por definição, limitado; e particularmente como você, das quaís nenhuma pensava como você"."
nos cursos preparatórios, que reúnem as estrelas do secundário. Alegria, pois, de ser membro desses grupos, muito mais vastos,
Rivais ao mesmo tempo em relação ao professor: mesmo os mais animados, mais ricos sem dúvida em recursos do que uma classe.
estudantes de bom nível, com professores a quem não raro esti- Nos modos de alegria da camaradagem eu distinguiria de
mam, chegam a ressentir-se dolorosamente dos elogios que o pro- bom grado dois pólos - e naturalmente se escalonam os casos
40 Feliz na Universidade Os cole~_ e a alegria 41

intermediários: de um lado, as relações pessoais, associações, clu- minha idade que tinham sido as estrelas de seu colégio e dispu-
bes ... são vividos (e declarados) como mais importantes que o apa- nham de luzes das quais eu estava privado. Tinham lido livros cuja
rato pedagógico da faculdade, a ponto de muitas vezes lhe serem existência eu ignorava. Freqüentavam teatros que nos eram interdi-
opostos. Em última instância, a socialização se opera aqui da mesma tos, e concertos que nos eram desconhecidos, dissertavam à vonta-
maneira que em qualquer outro ambiente. de sobre Mozart e Mussorgskí'',"
No outro pólo se desenvolve uma complementaridade feliz
entre a contribuição dos condiscípulos e os propósitos educativos Descobrir os mesmos valores no mesmo momento
da instituição: "O ensino dos colegas completava o dos mestres'j" e
essa cumplicidade engloba a comunidade cultural dos lazeres tanto A socialização, por camaradagem, do estudante universitário se
quanto a dos estudos. Assim o estudante se forma e pode ir ao faz conciliando essencialmente dois tipos de progresso. De um lado,
encontro da alegria através do conjunto de suas condições de vida: desejo de aderir aos outros ou pelo menos de que sua opinião, seus
e os ensinamentos, as relações com os professores e os colegas - gostos, o que ele está descobrindo sejam conhecidos dos demais,
e também o que ele descobre por suas experiências acerca do contem para os demais: a necessidade de "pôr para fora" (Iaurês). O
mundo que se abre à sua frente. que exige clarificar, ordenar o que se sente, expressá-I o da maneira
Na verdade, não raro é ajudando-o a progredir em suas atitu- mais convincente aos colegas - e a si mesmo. E, de outro, um esfor-
des gerais de vida que seus colegas o ajudarão a encontrar a justa ço para tomar consciência, face ao grupo, de sua originalidade: pra-
conduta em relação aos estudos. zer de assegurar-se de seus recursos próprios, de suas tendências pes-
No mais das vezes, o comportamento dos veteranos para com os soais, e ainda aqui são os colegas que ajudam cada qual a se
calouros, particularmente nos colleges ingleses, é evocado como uma enriquecer ao seu modo daquilo que descobriram juntos.
série de trotes. Por contraste, eis aqui um exemplo notável de camara- Os vínculos com alguém que se escolheu, que você escolheu,
dagem a um tempo sutil e eficaz. Vou transcrevê-Io por inteiro: "Os vão ao encontro dessa alegria do ser-comum entre jovens que se
tutores e os fellous residentes tratavam com rara destreza a matéria-pri- acham unidos em algumas opções fundamentais, das quais precisa-
ma chegada a cada ano das escolas públicas. Ensinavam ao arrogante: mente a de estar seguindo os mesmos estudos, de estar descobrin-
'Você não é o tal', e ao inseguro: 'Você pode tomar-se alguma coisa'. do os mesmos valores no mesmo momento. E, diga-se o que se
Faziam aliás tudo isso com espontaneidade, dir-se-ía mesmo com uma disser, esse "enlevo" não é um dado recente:
displicência tal que os rapazes não duvidavam de nada, enquanto pela
primeira vez na vida, talvez, reoebiam uma educação"? Ó júbilo de sentir em nós corações contemporâneos
Ao passar do colégio à vida universitária, notadamente graças E de multiplicar nossos espíritos um pelo outro ...
às contribuições da camaradagem, os horizontes se alargam: entra- Uma vasta esperança comum os·arrebata.9

da em contato com idéias e sentimentos novos, abertura para a


diversidade dos indivíduos e dos grupos. A alegria será alcançada num equilíbrio entre a construção,
Em particular, revisão dos valores e dos gostos artísticos e literá- por parte de cada um, de sua personalidade e o desejo de ser acei-
rios: são quase sempre os colegas mais "cobras", mais envolvidos nas to, acolhido pelo grupo.
controvérsias contemporâneas que convencem o seu amigo de que Mas não idealizemos: não se pode passar em silêncio as cor-
suas opções refletem os hábitos medíocres de um ambiente acanhado rentes de hostilidade, de ódio, que atravessam o meio estudantil -
- e que lhe cabe agora aderir aos nomes valorosos e atuais. Isso pode como os demais.
levar ao pior esnobismo, mas também à alegria iniciática que anima as Será um consolo pensar que, em certos casos, a força de cará-
vanguardas: "Na faculdade de direito, eu estava cercado de rapazes da ter e também a acuidade da cultura podem ajudar a ultrapassar a
42 Feliz na Universidade Os coleg<l~e a alegria 43

não-alegria aponto de se chegar, apesar de tudo, a atitudes positi- seus "pares", alguns pares privilegiados, que o estudante vai buscar
vas? Na Universidade, "estive exposto antes de tudo à idéia de que, confirmação daquilo que ele espera ser, acredita ser - pelo que
como judeu, devia sentir-me como uma pessoa inferior e que não unem os diferentes esforços para superar a não-alegria. Sobretudo
fazia parte da comunídade't.l" nos momentos em que se sente só, em estado de insegurança quan-
Quando se possui a riqueza de pensamento de um Freud, tais to ao seu valor, ele espera de seus amigos não apenas apoio mas
experiências, por penosas que sejam, podem incitar a conquistar méri- algo como uma garantia.
tos novos: afrontando semelhante rudeza, aperceber-se de tais forças: Roger Vailland explica que o período dos exames levou-o a
"A conseqüência foi que me familiarizei com o destino de me encon- ampliar o círculo de suas relações e a entrar em contato com no-
trar na oposição: isso preparou o caminho para certa independência vos colegas: essa ocasião "deu-me o prazer de constatar que eu
de julgamento". Mas quantos outros não foram esmagados ... despertava, aqui e ali, agradáveis simpatias. E isso reveste certa im-
Muitas autobiografias - e notada mente em autores que mais tar- portância moral para mim neste momento". 11
de endossaram posições extremamente sectárias - se empenharam em Na idade estudantil, e dada a condição de universitário, é fre-
desentocar, em denunciar um número enorme de adversários, e em qüente que as idéias influam nas condutas com mais intensidade do
particular agiram de fato como inimigos em relação aos seus antigos que entre as pessoas de idade madura; idéias e condutas suscitam às
colegas - insistem na tolerância, no respeito mútuo que, a crer em vezes, por si sós, a criação de grupos, de coletividades muito mais
suas lembranças, reinavam entre eles em seu tempo de universitários e vivas, atuantes do que em geral o serão no restante da vida; formação
contribuíram para sua alegria: as divergências, os desacordos mais pro- pela sociedade dos pares, apoio pela presença unida dos pares _
fundos não impediam então a cordialidade, nem sequer a amizade. E apoio tanto mais apreciado quanto os estudantes estão longe de ex-
declaram ter-se formado, ter progredido a partir dessas confrontações perimentar o conjunto dos mais velhos como modelos a seguir.
na franqueza, do desejo de compreender e de se compreender, tanto Em Lewis S. Feuer12 encontra-se belíssimo exemplo de uma ami-
mais vivo quanto mais profundas eram as divergências. zade de grupo entre estudantes de Cambridge, que se formou em tomo
Será isso ilusão retrospectiva, desejo de desculpar pelo menos do entusiasmo por uma das descobertas científicas fundamentais, o dar-
essa parte da sua vida? Mas, sobretudo, essas divergências se ba- winismo - e a necessidade que os jovens sentem de fazer bloco para
tiam no plano das idéias, sem repercutir na ação, nas responsabili- defender essa inovação, essa revolução, devida evidentemente a um
dades, no destino vivido: perseguições, declarações. desses mais velhos. "Tínhamos a impressão de navegar triunfalmente
Privilégio do tempo de estudante, quando a amizade pode dar sobre um oceano de vida nova e de possibilidades sem límítes"."
suas alegrias sem ir ao extremo dos problemas da existência, mas É importante assinalar que de um lado da barricada se encon-
também sem estar às voltas com essa carga, essas conseqüências às tram os especialistas e os professores "ponderados", tornados im-
vezes terríveis, às vezes gloriosas. Privilégio, mas também íncom- permeáveis aquilo que não tinham assimilado até então; do outro
pletude, imprecisão temporária, mal suportada por aqueles que um pioneiro genial e um grupo de estudantes apaixonados, que se
exigem ir até o fim dos sentimentos e dos pensamentos. sentem projeta dos para o futuro do conhecimento e vivem assim
um sobressalto de confiança, de júbilo comuns.

Amizade e reconforto
Mais intensamente talvez para o universitário que para as outras
Amizade e desigualdade
pessoas e as outras idades, pois o estudante está entre os mais inquie-
tos dos jovens, encontrar a si mesmo implica confrontar-se com aqueles A alegria da amizade nem sempre exige que se tenha sentido
que o cercam, aqueles que contam para ele: é freqüentemente em a igualdade entre parceiros. O amigo pode ser aquele que superou
44 Feliz na Universidade Os colegas e a alegria 45

tanto o ramerrão da infância quanto as oscilações adolescentes entre um futuro de grandeza. A partir daquilo que se costumou chamar des-
a afirmação e a contestação; ao mesmo tempo que se é seduzido de então de "efeito Pigmalião", a predição, se for feita por alguém que
pela personalidade, sente-se que se pode tomar apoio naquele que tem crédito, aumenta as probabilidades de se concretizar ; não efeito
já alcançou as certezas. mágico, mas aplicação de cada qual em corresponder à imagem (líson-
Assim é que Fitzgerald tem por amigo um estudante (revolu- geíra) que o outro forjou a partir de sua afeição: "Tínhamos tão bem a
cionário) que "dava uma impressão de força e segurança [...] um sensação de ser magnificados por sua imaginação que cada um de nós
grande entusiasmo que despertava nos corações acordes extintos". 14 se esforçava com toda a sinceridade para lhe mostrar apenas a nossa
O encontro ocorre num momento privilegiado: os outros cole- melhor parte. Não queríamos decepcioná-lo".
gas dão a sensação de estarem fechados em rotinas de atitudes e Enquanto na idade estudantil a disciplina imposta pelo adulto tem
de idéias, o próprio interessado sente a si mesmo como desvincu- toda a possibilidade de ser contestada - e mesmo as boas resoluções
lado, quase absorvido pelo ceticismo; o amigo aparece muito exa-
oriundas da parte mais razoável de si mesmo -, é bem possível que a
tamente como o eu ideal, aquele que "encarnava para Amory a
amizade prescreva regras de vida, uma regularidade no esforço e a ale-
terra para a qual esperava dirigir-se".
gria correspondente de progredir. Em sua linguagem um tanto alambi-
Um grupo se orgulha dos sucessos de um de seus membros e
cada, Paul Valéry o diz com muita elegância; em 1890, travou amizade
os sente como favoráveis à união - desde que a distância entre os
com Pierre Louys: "A conseqüência, pará mim, foi a de ser quase que
colegas não se torne grande demais: o favorecido recorreu, apesar
imediatamente obrigado a escrever. Meu novo amigo exigia que eu
de tudo, ao apoio dos outros.
convertesse em dever e como numa prática virtuosa esse prazer que eu
O caso me parece quase edificante demais: a etnóloga Marga-
tinha às vezes sem torná-I o uma penosa obrigação''."
ret Mead conta que em seu grupo de amigas universitárias havia
uma jovem já reconhecida como "poetisa autêntica,,15 e que já tinha Não resisto ao desejo de citar um exemplo que, a bem dizer,
sido editada. A repercussão sobre a vida do círculo é descrita como ocorre na fronteira da faculdade; são estudantes universitários, é
essencial e inteiramente benéfica; essas estudantes são apresenta- certo, mas em atividade política: o modo de alegria da camarada-
das como capazes de superar a rivalidade, o ciúme; não apenas os gem numa reunião de estudantes comunistas: "Felizes de estar jun-
professores são levados a zelar com mais cuidado em suas aulas tos [...] a generosidade de sua causa [...] o prazer da comunidade
como os companheiros empregam "mais rigor em suas escolhas", inteligente, ativa e talvez fecunda [...] um desejo de fraternidade
exigências maiores que se estendem a todos os domínios. reparadora, consoladora, redentora talvez" .18
Continuam sendo colegas - e não um ídolo cercado de suas Enfim; o caso que eu gostaria de considerar como ponto cul-
fãs: ela tem necessidade da proteção das outras, as outras lhe ofere- minante da camaradagem estudantil: é ainda camaradagem, é já
cem sua ajuda, sobretudo para redigir juntas o boletim da faculdade. amor - e a relação entre o mundo dos estudos, a excelência do
A defasagem entre Péguy estudante universitário e seus cole- pensamento e o requinte refletido dos sentimentos explode em sua
gas é reconhecida, aceita, diria eu quase reivindicada: "Perto dele, força criadora: o casal Sartre-Simone de Beauvoir na Sorbonne.
a gente se sentia amadurecer, tornava-se um homem".16 Chega-se então à síntese admirável entre a aproximação das pes-
O amigo que nos domina, por quem gostamos de ser domi- soas e o respeito a cada personalidade: "Quando pretendiam me
nados, uma vez que o sentimos mais forte que nós; e, mais intima- explicar, as outras pessoas me anexavam ao seu mundo, irritavam-
mente sem dúvida que nas relações com um adulto, pode-se espe- me. Sartre, ao contrário, procurava situar-me em meu próprio siste-
rar participar de sua força. ma, compreendia-me à luz dos meus projetos'v'" É assim que ele
De seu lado, Péguy tinha tamanha confiança em seus amigos pode a um só tempo incitá-Ia a evoluir, a progredir, a se metamor-
que atribuía a cada um deles dons notáveis e previa para cada qual fosear - e "preservar o que havia de mais estimável em mim".
46 Feliz na Universidade

Recopio aqui uma frase de Spinoza que, na realidade, encon-


traria o seu lugar em cada passo deste meu trabalho, pois que
abarca a amizade e a legitimidade da cultura e da alegria cultural:
"Também faz parte de minha felicidade o empenhar-me para que
muitos compreendam o que eu compreendo, a fim de que seu en-
tendimento e seus desejos se ponham de acordo com meu enten-
dimento e meus desejos"."
A Universidade é um lugar onde o entendimento entre os ho-
mens é esperado essencialmente a partir de um progresso intelec-
tual capaz de realizar o acordo entre os espíritos. A Universidade é
um lugar eminentemente spinoziano.

3. A JUVENTUDE PASSA,
O ESTUDANTE SE ULTRAPASSA
Notas

1. R. Martin du Gard, Mérnories du lieutenant-colonel de Maurnort, Gallimard, La


Pléiade, 1983, p. 493.
2. Goethe, Poésie et Vérité, Aubier, 1941, p. 232
3. R. Rolland, "Le Cloitre de Ia rue d'Ulm", in Cabiers Romain Rolland, Albin
Michel, 1952, p. 15.
Os estudantes e o conflito de gerações
4. P. Nízan, Ia Conspiration, op. cit.; p. 276.
5. A. Mlquel, L 'Orient d'une ote, Payot, 1990, p. 31.
6. L. S. Senghor, Louis-le-Grand, 1563-1963, Paris, 1963, p. 248.
Cem vezes se ouve os adultos lançarem o descrédito sobre os
7. E.M. Forster, Les plus long des voyages. UGE, 1983, p. 68 . jovens, sobre a geração que os segue e logo vai suplantá-Ias; lamen-
8. ph. Larnour, Le Cadran Solaire, Presses du Languedoc, 1992, p.61. tam-se sobre a decadência que nos ameaça a todos por culpa deles.
9. H. Franck, Ia Danse deuant l'arcbe, N.R.F., 1912, Livre Il, XI. De seu lado, os jovens protestam contra o ciúme dos velhos e seu
10. S. Preud, apresentado por ele mesmo, Gallimard, 1984.
11. R. Vailland, Lettres à sa famille, juin 1928, Gallimard, 1972, p. 141.
empedemimento; reivindicam o seu lugar, seu direito face àqueles
12. L. S. Feuer, Einstein et le conflit desgénératíons, Cornplexe, 1978, p. 272. que se desgastaram e provaram superabundantemente o seu fracasso.
13. O célebre geneticista August Weismann, que contava então apenas 25 anos, É o que se chama de conflito de gerações. Tudo isso é bem
exclama: "O livro de Darwin chegou qual trovoada em céu sereno [.. .] arrebata- conhecido. Os psicólogos mostram, a esse respeito, que o adulto
mento [...] entusiasmo", ibid., p. 281. oscila com muita freqüência entre as tentações de idealizar a juven-
14. E. Scott Fltzgerald, L'Enuers du paradis, Gallímard, 1964, p. 134.
15. M. Mead, nu givre sur les ronces, op. cit., p. 109.
tude e de menosprezá-Ia.
16. J. e J. Tharaud, Notre cber Péguy, Plon, 1926, p. 14. Todos têm saudade de sua juventude, mas só experimenta o
17. P. Valéry por Benolt Peeters, Les Impressions nouvelles, 1989, p. 22. encanto da juventude aquele que se tornou adulto. Quem desejaria
18. A. Leclerc, Origines, Grasset, 1988, p. 133. realmente permanecer na juventude?
19. S. de Beauvoir, Memoires d'une fille rangée, Gallirnard, 1958, p. 339.
20. Spínoza, Traité de Ia reforme de l'entendement, § 14.
Na idade estudantil, o conflito é moeda corrente, quer seja
com os pais, com os professores ou com os mestres.
'".,.-"' :--:' ,," ::
_ .. ...•. :' -- .. -~".

48 Feliz na Universidade A juventude passa, o estudante se ultrapassa 49

Mestres que confiam nos jovens, nos estudantes Mais um século, mais um passo e é Romain Rolland que, longe de
opor-se em bloco aos antigos, exorta os estudantes a prosseguir sua
o que me interessa é precisamente examinar alguns casos em obra, mas também a renová-Ia tomando apoio exatamente nela. Diri-
que o estudante supera o conflito e tira alegria dessa superação: ou gindo-se essencialmente a estudantes de letras, que ele vê ao mesmo
tempo como futuros escritores e futuros dirigentes políticos, ele diz:
os estudantes são apoiados por mestres ou apóiam os mestres. E
"Rapazes, façam de nossos corpos um degrau e sigam avante't.'
aqui eu gostaria de me perguntar em que condições as gerações
A convicção de que os jovens devem ao mesmo tempo retomar o
poderiam apoiar-se umas às outras - em vez de cada qual consi-
que fizemos de menos mal e lhe abrir uma carreira nova: lembremos
derar a outra como indigna - e dizer que os estudantes ocupam
que Romain Rolland é um homem que consagrou, nas mais difíceis
uma situação particularmente propícia para essa colaboração.
circunstâncias, toda a sua vida a opor-se aos nacionalismos belicosos.
A carta de Gargântua ao seu filho Pantagruel brilha como um dos
É duro para os jovens, para os estudantes, ingressar em sua au-
mais formosos testemunhos da confiança de um mestre no valor dos tonomia e originalidade; daí a importância de que sejam tranqüiliza-
estudantes de seu tempo e dos estudos que eles fazem; é fundamental dos quanto ao seu valor. "Momentos há, casos há em que o estudante
considerar que na base disso está a confiança do mestre em toda a sua pode confirmar sua alegria de viver e de buscar pela convicção de
época, no avanço geral e, em particular, intelectual da época. É a Re- que existem pessoas reconhecidas que confiam nele: ele é capaz, jul-
nascença que está em jogo, e é sem dúvida toda uma filosofia da histó- gam-no capaz de realizar, evidentemente em formas novas, imprevisí-
ria que vemos operar aqui. Não resisto ao prazer da citação.' veís, previamente indefíníveis, algo dos projetos e sonhos que susten-
A superação do conflito de gerações só estabelecerá a alegria taram a juventude daqueles que são agora os mais velhos.
do estudante de modo verdadeiramente sólido se se apelar não Mas como dar extensão a esses casos que tive de apresentar
apenas para uma união de indivíduo com indivíduo mas de idade como excepcionais?
com idade, no interior de um movimento global.
Não nos admiraremos de que, num outro momento progressista,
Estudantes que apóiam um mestre brilhante
d'Alembert testemunhe uma confiança semelhante nos estudantes de
que precisa deles
seu tempo; trata-se aqui não mais das belas-letras, mas da adesão às
novas doutrinas geométricas e de dar continuidade às contribuições O conflito de gerações pode ser superado também de um
de Newton e Descartes: "Os jovens, que de ordinário são vistos como modo inverso: quando os estudantes fazem aliança com certos mes-
péssimos juizes, são talvez os melhores, pois, como tudo lhes é igual- tres de grande valor e encontram alegria em participar de sua vitória
mente novo, não têm outro interesse senão o de bem escolher"? O contra a opinião geral dos adultos, reticente ou francamente hostil.
estudante pode aderir ao que há de mais avançado entre as posições Estou pensando em três casos muito diferentes uns dos outros.
dos adultos "de ponta", na medida em que não está comprometido Debussy tem quarenta anos quando da criação de Pelléas et
pelas tomadas de posição anteriores, às quais acreditaria ser uma Mélisande. protesto indignado de uma grande maioria do público;
questão de honra agarrar-se; sua mente está aberta para opiniões no- são jovens, e entre eles sobretudo os estudantes, que impõem a
vas - que são, para ele, suas primeiras opiniões. obra, se reencontram em cada representação e testemunham seu
Assim as esperanças de progresso, quando se passa de uma ardor apaixonado.
geração a outra, não estariam condenadas a soçobrar; os diálogos e Quando Darwin publicou Da origem das espécies.' já não era
uma elaboração recíproca podem nascer desde que o clima de um jovem, mas não encontrou entre os colegas de sua idade senão
conjunto seja favorável a isso; o domínio cultural constitui um ter- desdém ou indignação; ao contrário, muitos estudantes se entusias-
reno de entendimento particularmente sensível. maram por essa nova perspectiva.
50 Feliz na Universidade A il,lY~rlt1ldepassa,-º estudante se ultrapassa 51

Einstein, igualmente, lá pelos quarenta anos, lança os funda- mento um pelo outro dos dois tipos de qualidades - e não renún-
mentos da relatividade generalizada. Foram os jovens físicos, por cia, abandono, empobrecimento. Gostaria de refletir sobre os casos
vezes ainda estudantes, que acolheram, aceitaram, apoiaram esse em que ser estudante pode ajudar o jovem a tornar-se totalmente
pensamento revolucionário. adulto sem se despojar das virtudes da adolescência.
Os mais velhos têm dificuldade em renunciar às idéias de que É verdade que o estudante reivindica os "privilégios contradi-
estão impregnados, às realizações graças às quais eles próprios triunfa- tórios'" da adolescência e do adulto: ao mesmo tempo ele quer
ram. Os jovens não sofrem tais limites, os estudantes se sentem mais tornar-se um adulto indiscutível - tem bastante consciência de
naturalmente no mesmo nível das inovações: alegria de se lançar numa que ainda não o é - e exige, em muitas circunstâncias, ser já trata-
"revolução" cultural que ainda conserva um lado aventuroso, exige cer- do em igualdade de direitos com o adulto.
ta audácia; ocasião, pois, de se afirmar, à qual se mescla talvez um Para o estudante - ainda não inserido na vida profissional -
pouco do prazer pérfido de humilhar as pessoas estabelecidas. que estou considerando, o objetivo é a apropriação do patrimônio
E a história acaba bem: se alguns dentre os que "chegaram lá" se cultural. Ele já não é um adolescente, não é totalmente adulto; não
agarram à sua posição, a maioria aderirá e se juntará à corrente da qual estando ainda incorporado à produção, está preservado de certas
os estudantes foram, por um momento, os principais porta-bandeiras. exigências, pressões, subordinações; estando constantemente con-
Conflito superado, alegria usufruída quando os estudantes, ora apoia- frontado com as grandes obras, tem por tarefa não se mostrar in-
dos, ora apoiando, testemunham um diálogo entre jovens e velhos, digno delas.
não apenas é possível como faz avançar as duas partes.
Mas também aqui só pude enumerar alguns casos particula-
Retrato clássico do adolescente
res. Que fazer para que isto se torne a generalidade? Para que as
gerações diferentes sejam animadas de um mesmo ímpeto, a época Seja censura ou elogio, nada é mais freqüente do que definir o
inteira é que deveria responder a uma grande esperança. adolescente pela contestação, pela recusa, pela revolta. Ora ele aparece
Gosto desta frase do padre Cardonnel: "Só sou compreendido como "idealista": confiança abrupta nas idéias gerais, esperanças gran-
por aqueles que me tomaram a dianteira", sobretudo os jovens, diosas de refazer facilmente este mundo oom o poder de idéias; algu-
que se antecipam no tempo e por vezes no espírito. mas certezas que lhe permitem decidir sobre tudo - e isso numa at-
mosfera de fria intransígêncía. Ora é o quadro inverso: insensíveis,
duvidam de tudo e põem toda a sua esperança no êxito pessoal. Na
Dificuldades e alegrias do estudante verdade, muitos adolescentes vivem uma desconfiança não-definida, in-
ao tornar-se "um verdadeiro adulto" diferenciada em relação ao mundo constituído: aspiração, mas ao mes-
mo tempo medo de participar desse mundo. Apreciam, no mundo, an-
A época do estudante, quer seja efetivamente estudante ou já tes de tudo, o que se transforma, se acha em movimento, porque eles
trabalhador, aparece-me como um período intermediário entre a ado- próprios se sentem em devir. Donde a atração pelo que se apresenta
lescência e o estado de "verdadeiro" adulto - e o problema, alegria e como mudança, mesmo indistinta, pela força vital - ou mesmo pelo
não-alegria simultâneas, é a transição dos valores da adolescência que se apresenta simplesmente como força. O que pode conduzir até à
para os valores de vida e de pensamento característicos do adulto. exaltação belicista, a mais triste das alegrias.
Isso não é fácil para ninguém, para nenhuma categoria. No Ceticismo em relação ao que se aceitava até então, questiona-
entanto, e mais uma .vez a partir de alguns exemplos, gostaria de mento de valores que pareciam estabelecidos, acusação de um
dizer que o estudante universitário se beneficia amiúde de condi- mundo que não raro mais os velhos reconhecem, com sentimento
ções favoráveis para que essa passagem constitua um enriqueci- de culpa, constituir uma herança bem contestável. E é também o
A juventude passa, o estudante se ultrapassa 53
52 Feliz na Universidade

Manter e amadurecer
tempo em que irrompem afirmações novas, tempo da esperança, do
imaginário _ e da esperança de conciliar o imaginário e o real. o adolescente oscila entre momentos de confiança ilimitada
Essa evocação clássica é decerto suscetível de numerosos re- em suas próprias possibilidades e períodos de inércia, de abati-
toques; creio, não obstante, que ela aponta para alguns aspectos mento, quando tudo parece fechar-se diante dele. O adulto arrisca-
importantes. se a não mais trabalhar por seu progresso e a se contentar, valha o
Meu problema é desde logo verificar em que condições a Univer- que valer, com o que ele é.
sidade pode levar o estudante a conservar, na seqüência de sua vida, a Pelo tipo de exigências que ele vive na Universidade, o estu-
positividade dessas revoltas, a fecundidade dessas recusas - exigência dante é talvez a pessoa mais bem situada para manter em sua vida de
de que a cultura, a sociedade não permaneçam rígidas, estáticas -, homem, como um dever, o auto-aperfeiçoamento - purificando-o de
enraizando-os na convicção de que é prolongando o que já foi realiza- excessos que chegam por vezes a uma confusão dos extremos.
do pelos adultos que se terá alguma chance de que o mundo progrida; Posto em contato com as grandes obras e os grandes pensamen-
não haverá mundo miraculosamente novo; é apoiando-se no que já tos maduros, não raro difíceis, não raro sombrios, o estudante participa
existe enquanto esforços e avanços, mesmo parciais, que se poderá demasiadamente das contradições do mundo para conservar intactos
colaborar para a concretização de um progresso. Assim o estudante todos os entusiasmos da adolescência. E no entanto eu gostaria de po-
conserva alguma coisa, muito mesmo, das impaciências, insatisfações, der contar com ele para que mantenha um potencial de alegria na cul-
agitações do adolescente, suas veleidades de cisão, e as insere como tura adulta e a impeça de mergulhar no desespero e no absurdo.
força de renovação no âmago da multidão dos adultos - que pode- Eu diria uma coisa bastante parecida no tocante à responsabilida-
riam tomar-se, se não demasiado pacientes, demasiado satisfeitos. de: muito mais que a um trabalhador da sua idade, concede-se ao estu-
É que a Universidade o terá formado para questionar as causas, dante o direito ao erro - ou melhor, o direito ao erro faz parte de seu
para estabelecer OSfins, para construir as vias de realização. trabalho, já que seu objetivo é investigar, compreender as questões
NumeroSOS são os adolescentes que sonham com uma forma mais difíceis, e ninguém chega a isso num percurso sem erros. A alegria
de vida inteiramente nova, desembaraçada das nossas máculas. de investigar, de investigar a si mesmo, é inseparável da liberdade de se
enganar, de se lançar em pistas (ou mesmo, simplesmente, em leituras)
Utopia, respondem desdenhosamente muitos adultos que já não
que nesse momento, para ele, se revelarão sem saída. O erro não tem
querem, já não podem ver para além do que existe. E o estudante
aqui o mesmo estatuto que num jovem operador de máquina; em
que aprendeu que, ao longo de séculos, o fim da escravidão pas-
suma, concede-se ao estudante certa ligeireza na responsabilidade.
sou por ser o próprio modelo de utopia, poderia convencê-l o a
Mas pouco a pouco, ouso dizê-lo, essa ligeireza começa a lhe
trabalhar para a realização da próxima utopia. pesar - e ele deseja tarefas adultas onde possa comprometer-se
Uma das belezas da adolescência é a de formular ansiosamente
mais seriamente. Sonho que ele introduza na sociedade adulta res-
múltiplas interrogações sobre o próprio valor: nulidade, talento, gê-
ponsabilidades reais e que, não obstante, sejam capazes de subver-
nio? Terei êxito ou redundarei em fracasso? Muitos adultos acabaram
ter as "ponderações" em que ele se bloqueia tão tristemente.
por se habituar de tal modo a si mesmos que correm o risco de não
Amadurecer, não na contracorrente da adolescência, mas no
mais se questionar. O estudante é talvez aquele que está mais bem sentido da adolescência, da bela adolescência; permanecer fiel às
colocado para conservar em sua vida de adulto a vontade, adquirida
aspirações da adolescência e simultaneamente lhes conferir sufi-
na Universidade, de se examinar, se perscrutar e assim se manter em ciente estabilidade, suficiente peso para que possam fecundar as
estado de alerta - e pouco a pouco as perguntas e as respostas que vidas adultas. Tal síntese continua sendo, para todos os jovens,
ele formular sobre sua própria personalidade irão adaptar-se mais eminentemente problemática; eu ousaria dizer que a formação ine-
adequadamente às condições de sua vida.
A juventu<k passa, o estudante se :ul!t'a~ 55
54 Feliz na Universidade

Por exemplo, o cineasta Pasolini ama o adolescente que exis-


rente ao estudante pode, em muitos casos, torná-I O menos inacessí-
te nele "porque constituiu o essencial de [sua] vida até o limiar do
vel, tornar tal alegria menos inacessível.
dia de hoje".'
No entanto, o desenvolvimento natural da idade, junto à análise
A recusa da prudência de si mesmo através dos estudos universitários, não o conduz de
modo algum à esperança de uma maturação da adolescência condu-
Mas não se pode ignorar que alguns estudantes vivem o desespe- cente à vida adulta; pelo contrário, ele quer "matar" esse adolescente
ro desse entendimento consigo mesmo, com sua juventude, numa in- porque carece em demasia da saúde, da força capaz de arrostar o
tensidade tal que ela vai redundar em toda uma vida de dramatização. difícil. Não o experimenta como uma preparação, mas como uma
Kierkegaard, que recusa todas as sínteses e só quer atribuir "corrupção" de sua vida de adulto. Assim, ele não promete a si mes-
valor às descontinuidades, às rupturas, recusa também a síntese en- mo uma síntese entre os tipos de temporalidades, de valores, mas
tre os aspectos sucessivos da vida. Proclama-se ao mesmo tempo uma tensão extrema, o aniquilamento de um período por outro - e
como "o mais miserável de todos [...] achei-me no poder da melan- é sem dúvida essa ameaça constante de ruptura que contribui, no
colia [...] não era propriamente apto para nada [...l para mim não artista, para o patético da obra, mas também para o isolamento e, de
havia consolo em buscar junto de outrem,,6 - e como aquele que
um modo ou de outro, para tantas mortes precoces.
"afronta ousadamente a vida, erguendo a cabeça com altivez quase
Tal como ela existe, impõe-se confessar que a Universidade
temerária", no sentimento afirmado de ser superior a todos.
não leva automaticamente à alegria da reconciliação do estudante
A mesma contradição enuncia-se igualmente na aceitação e
consigo mesmo nem com o seu futuro.
na recusa da vida: "enquanto ser humano, suspirando pela morte;
Universitário, William Shirer se entristece: "Pergunto-me o que
desejando, enquanto espírito, a vida mais longa possível". existe na idade de 21 anos que nos toma tão inseguros [...]vejo-me sem
Por mim, vejo aí a justaposição de um tipo de desespero ca- convicção com respeito a tudo o que constitui uma vida: moral, reli-
racterístico de certa adolescência e da decisão, como adulto, de gião, política; estou desorientado, não tenho certeza de nada". Mil estu-
resistir a ele. Mas o aprofundamento filosófico leva Kierkegaard ao
dantes sentiram ou mesmo escreveram coisas parecidas; o que faz a
choque mais brutal das atitudes contraditórias, o que vai suscitar
originalidade desse testemunho é, mais que a esperança, a convicção
uma vida e uma obra de dilaceramento, onde a incerteza, a angús-
de que uma cultura, uma Universidade que prolongue aquela que ele
tia sem limites acabam por surgir como a significação suprema, aque-
freqüenta e que fosse, não obstante, totalmente diversa, o ajudaria a
la que sustém todas as outras, a começar pela religiosa: é a infmitude
progredir: ela uniria à crítica racional, mas não raro destrutiva, que ele
da angústia religiosa que constitui a garantia de que seu objeto é efe-
assimilou até agora, novas confianças, portadoras, apoiadoras como as
tivamente o infinito, e não um ídolo qualquer. de outrora - e agora, de maneira mais verídica, numa compreensão
Certo, isto é patético e dá lugar a uma das ftlosofias mais como-
aprofundada dos problemas da vida adulta. Devem existir livros que
ventes, mas eu veria aí um testemunho de que quem recusa, embora
"acrescentam certa profundidade, certa amplitude ao que se vive", e
genialmente, que OS valores da adolescência se juntem às configura-
num plano diretamente pessoal eles asseguram "um contato com os
ções adultas, fazendo-se remodelar por valores que eu ousaria cha-
grandes espíritos"; e nosso autor especifica: "grandes espíritos provoca-
mar de tipo universitário (ainda que se elaborem por vezes fora da
dores".8 Assim, um apelo à Universidade capaz de infundir nas críticas
Universidade), pode desembocar numa existência cujo tormento é in-
as esperanças de vida adulta, mais ricas, mais fecundas; nem sonolên-
suportável para a totalidade dos homens comuns. É também próprio
cia, nem devaneio, mas desafios progressistas.
de certos artistas viver intensamente, na idade estudantil, a colisão
entre as idades, a ponto de tirar daí um dos estimulantes de sua obra, Por certo, os adolescentes postos em cena por Thomas Mann
não estão errados ao reivindicar a imaturidade, sua imaturidade,
mas não, infelizmente, de sua vida.
56 Feliz na Universidade
A juventude passa, o estudante se ultrapassa 57

como valor, como "potência":" é dela que brotam renovação, ímpe-


to, capacidade de ir mais longe, ao passo que a maturidade é com Ao mesmo tempo, porém, os valores da Universidade, que ele
assimila muito profundamente, o conduzem a uma metamorfose, a
demasiada freqüência uma regularidade estreita, resignada; e eles
uma maturação daquilo que ele sente, daquilo que viveu até então:
tomarão como referência a Reforma luterana, rústica, ante os re-
relê os clássicos, procede a revisões de valores tanto na pintura
quintes da Igreja católica estabelecida. A experiência, a prudência rei-
vindicada pelo adulto podem descambar para a moderação imóvel. como na literatura; e sobretudo na filosofia, que escolheu como
Talvez - mas, uma vez deflagrado esse abalo intenso da cris- especialidade, ele reconsidera as questões essenciais: o absoluto, o
tandade, foi preciso levar até ao seu desenvolvimento tanto os valor do conhecimento; trata-se de "não mais aceitar as convenções
dogmas quanto as instituições; e é então que ele tem necessidade sociais, as normas instituídas pela mera razão de serem instituídas".
de que os estudantes, os ex-estudantes, introduzam na sociedade É uma busca fundamental: "procurar o caminho", no qual
adulta uma imaturidade que eu ousaria chamar de amadurecida, toda criatura está implicada; isso s6 se pode efetuar "em meio a
elaborada pelos anos passados na Universidade e, portanto, contri- uma espécie de vertigem",12 tal a amplitude dos abalos. Os ensina-
buição do patrimônio cultural - o que seria apenas o poder de mentos tornam-se aquisições a partir das quais o estudante passa
voltar às fontes sem recair na rotina do obsoleto. do adolescente ao adulto, ao jovem adulto - vale dizer, ele não
abandona de forma alguma os desígnios da adolescência, mas
compreende agora que seu problema é integrá-Ios numa existên-
Adolescência e maturidade: valores unidos cia, a fim de que possam servir de arcabouço para a sua existência.
Esses problemas filosóficos são "as primeiras questões a resolver,
Conquanto alguns o apresentem como o eterno adolescente,
para mim que devo viver e orientar voluntariamente minha vida".
é em Roger Vailland que eu buscaria uma das tentativas mais bem-
Os valores da adolescência, longe de desaparecerem, abrem-se
sucedidas para unir os valores da adolescência aos da maturidade
para aquilo que deve permanecer como a aventura da vida adulta,
- por intermédio da Universidade.
alargam-se em direção à vida adulta, enriquecem-se das primícias
Em sua adolescência no colégio, teve ele pela literatura, e parti-
da vida adulta e, ao mesmo tempo, se carregam com o peso da
cularmente pela poesia, uma paixão marcada por tamanha ingenuida-
vida já um pouco adulta; e isso pela mediação das obras-primas e
de que não conseguiu, mais tarde, evocá-Ia senão com ironia e dís- dos pensamentos ensinados.
tanciamento: e, não obstante, ninguém pensará que a tenha
Em verdade, no caso de Roger Vailland, é a sua obra literária,
rebaixado: a poesia devia permitir-lhe ao mesmo tempo "tornar-se
tanto quanto o curso de sua vida, que lhe preencherá as expectativas.
Deus" e adquirir suficiente riqueza e prestígio para deslumbrar suas
Resta constituir uma cultura, instituições universitárias renova-
amiguinhas: "[estávamos então persuadidos de que] eram as nossas
das capazes de criar, para o conjunto dos estudantes, essa unifica-
asas de gigantes que nos impediam de encontrar lugar no volante de ção de si mesmos a que eles aspiram.
um desses Bugatti cujos solavancos nos faziam bater o coração" .10
Hegel, cujos escritos pedagógicos não devemos ignorar, mos-
Universitário (formou-se em filosofia), pode-se dizer que em
tra o adolescente como vivendo de início ambições sem limites,
certo sentido ele manifesta traços típicos da adolescência; contra
grandiosas por vezes, mas que têm muita dificuldade em reconhecer
qualquer projeto restrito de consentir numa "situação", ele afirma
as possibilidades, as condições de realização; o adolescente, a princípio,
sua necessidade de absoluto: "Não posso aceitar o que existe de
corre o risco de viver "a impotência inativa do devaneío"."
forçosamente limitado em todo prazer humano"," as postulações
contraditórias: "aspiro a me desprender de tudo [...] vejo-me abso- Não são apenas razões econômicas evidentes, senão também
as necessidades de seu progresso próprio, que o levam a procurar
lutamente só, debatendo-me sozinho com as minhas idéias", ao passo .
o choque com a realidade e o dirigem para uma profissão, uma
que não cessa um só instante de procurar colegas, amigos, amigas.
função, uma abordagem da vida ativa, portanto ações particulariza-
58 Feliz na Universidade
A juventude passa, o estudante se ultrapassa 59

das. Desse modo ele é arrastado para o efetivo, o eficaz, a determina- necesidade, mesmo no estudante, da cultura para chegar ao ápice da
ção, mas isso é expor-se ao risco da limitação, ou mesmo do circunscri- alegria. Limitar-rue-ei a citar o trocadilho do jovem Mauríac. "Nossos
to: tomar-se um adulto que perdeu o benefício da adolescência. jovens amores não nos enriqueceram e instruíram? Nossas amantes
É com a própria ação da Universidade que Hegel conta para não foram nossos melhores mestres?". 15
que consiga atingir, criar "o todo humano", e que agora será capaz de Há certamente o movimento inverso, a decepção do estudan-
se amarrar solidamente a atos reais. Abertura para o mundo, referên- te em face de uma cultura na qual o fracasso parece ser o destino
cia a uma vida ampla, não mais com a ambição juvenil de se instalar fatal do amor. Universitário, Brice Paraín aspira a livros que contri-
de chofre numa totalidade que então só poderia ser artificial, imagina- buam para o "entendimento"; mas nos romances e tragédias que
da, mas compreendendo e querendo o alargamento das ações e dos lhe dão para estudar "um homem e uma mulher não podiam viver
conhecimentos particulares até o ponto em que eles encontram e po- juntos sem ficar fartos um do outro L .. J vontades desejosas de se
nham em jogo o conjunto da vida em nós, das vidas em nós. entender, sem o conseguir". 16
Hegel traz aqui um caso exemplar de pensamento dialético:
Deve-se deduzir daí que carecemos terrivelmente de obras
os dois termos contraditórios ( globalidade sonhadora - particula-
que ajudem a exaltar as alegrias de amar _ ou que as narrativas
ridade eficaz) são mantidos na síntese (o todo humano), mas assu-
dos fracassos, bem meditadas pelo leitor, podem exercer uma in-
mem cada qual, por sua coexistência, um sentido mais elevado - fluência salutar sobre sua vida?
para não dizer que são sublimados. E essa síntese, que estabelece
As profecias patéticas de Michelet induzem o estudante a unir
a síntese entre as idades, é a missão da Universidade.
seu movimento em prol do "amor individual,,17 com o esforço para
A cultura universitária surge aqui como uma maneira de "se
construir eficazmente a "Cidade Nova"; alargar seu coração a ponto
encontrar", no duplo sentido de se descobrir, se explorar - e de
de amar num mesmo movimento essa mulher e o futuro que se
se salvar.
está a criar para ela ... para todos: ser amado por tal mulher tanto
Nessa busca de si mesmo pelo estudante, e no esforço para se
chegar aos valores da vida adulta Sem sacrificar os da adolescência, porque se é o que se é como porque se co-participa do heroísmo
do espírito novo.
espero fortemente que os estudos universitários desempenhem um pa-
pel, mas evidentemente eles constituem apenas um aspecto da vida do Rílke, sobretudo, reconceitua a "volúpia carnal'!" como uma
estudante. Por isso aprecio imensamente esta dupla frase de Hélêne das modalidades da experiência e do conhecimento do universo,
Deutsch: "Os estudos de medicina ajudaram-me sem dúvida alguma a uma tensão que alcança o "esplendor" quando o homem é capaz
fortalecer minha identidade"," no entanto, essa cultura não se fecha de uma "concentração de,.todo o ser para suas horas mais eleva-
sobre si mesma: nela as relações com o exterior, com os outros, se das" - e a cultura é uma das forças essenciais que lutam contra a
nossa dispersão.
fundem sem discordância: "E meu amor por L., nessa época, teve
uma influência estabilizadora". O amor não está ligado ao abandono, ao confuso, ao inacaba-
do, mas sim "à tarefa suprema, ao trabalho para o qual qualquer
outro trabalho não passa de preparação", e é por isso que a vonta-
de de cultura participa desse impulso, visto que se trata de "fazer
Amor e cultura de si mesmo um mundo para o amor e o benefício de outrem".
Mais ainda: os fracassos do amor, as decepções, as tristezas podem
É chegado talvez o momento, não de falar do amor em geral, adquirir um sentido positivo se conservamos a força de não nos
mas de evocar alguns exemplos em que o estudante, em nome de abandonarmos a ele; ou melhor, a força do amor nos força a não
sua cultura, encontra mais alegria no amor, pois a eu ltura favorece nos abandonarmos: "Fomos despojados da nossa personagem cos-
a alegria do amor - sem ousar pretender que o amor sempre tem tumeira; estamos de pé em plena passagem, ali onde qualquer in-
60 Feliz na Universidade
A juventude passa, o estudante se ultrapassa 61

terrupção nos é interdita".19 E, apesar de tudo, não deixa de ser uma


As mulheres e as moças aspiraram a esse louvor e maná celeste de boa doutrina"
ajuda o ter freqüentado, ainda que através dos livros, tantos outros (Rabelaís, Pantagruel; Cap. VIII, "Carta de Gargântua a seu filho Pantagruel").
tipos além da "nossa personagem costumeira". 2. D'Alembert, Discours prélfminaire de l'Encyc/opédie, Vrin, 2a parte, p. 11.
A cultura secundando o estudante no requinte do amor: não 3. R. Rolland, Preface à "La nouvelle journée", último volume de fean-Cbristopbe;
P. Ollendorff, 1912.
consigo discernir muito bem se acho a caricatura ou a delicadeza
4. C. L. S. Feuer, Einstein et Ie conflit des génerations, op. cit., p. 97.
suprema disso quando Giraudoux coloca em cena um estudante de 5. C. Léví-Strauss, Tristes Tropiques, Plon, 1955, p. 46.
biologia que opõe o amor vulgar das criaturas vulgares, isto é, dos 6. S. Kierkegaard, Point de vue, in Hohlenberg, Albin Michel, 1960, p. 57.
seres humanos, ao "amor das criaturas (entenda-se: as plantas] que 7. P. P. Pasollini, Lettres à un arni, presentées par N. Naldini, Gallímard, 1991, p.
33.
se comunicam entre si, não por gritos, mas por lianas; não por
apertos de mão, mas por misturas de sombras'v"
8: W. Shirer, Un temoin aa xx: siécle, stack, 1981, p. 158 e 162
9. T. Mann, Le Dr Paustus, Albin Michel, 1950, Cap. XIV.
Não prosseguirei nesse tema difícil senão no intuito de cha- 10. R. Vailland, Le Regardfroid, VI, Grasset, 1963, p. 122.
mar a atenção para certas semelhanças entre o esforço cultural e o 11. Ibid~, Lettres à sa famille, op. cito (fevereiro 1919).
amor: "Pensar, ordenar seus pensamentos é uma coisa deliciosa; é 12. Ibid. (junho 1928).
a conversa a dois do amor";21 entre a criação cultural e o amor 13. Hegel, Textes pédagogiques, Discour de 1813, Vrin, 1978, p. 122.
14. H. Deutsch, Autobiographie, Mercure de France, 1986, p. 121.
paterno: "Ver uma idéia que desponta no campo das abstrações 15. F. Mauriac, Lefeune Homme, La Pléiade, 1979, tomo 2, p. 694.
humanas ... que cresce como uma criança, chega à puberdade, faz- 16. B. Parain, De fil en aiguille, Gallimard, 1960, p. 135.
se lentamente viril"; entre a criação cultural e o amor: após sua 17. E. Míchelet, L'Étudiant, Seuil, 1970, tOa lição.
primeira composição musical, Robert Schumann escreve a sua mãe: 18. R. M. Rllke, Lettre à un jeune poête, 16 de julho de 1903 e 14 de maio de
1904, Grasset, 1939.
"Se soubesses o que são as alegrias, as primeiras do compositor: é 19. Ibid., 12 de agosto de 1904.
exatamente equiparável ao estado de esposo". 20. J. Giraudoux, fuuene au pays des bommes, Grasset, 1950, p. 33.
Talvez seja bom lembrar de passagem que as salas mistas em 21. Taine, Correspondance, Hachette, 1902, tomo 1, p. 236.
nossos colégios é coisa recente - e era portanto somente a idade 22. M. Debré, Mémoires, Albin Micbel, tomo 1, p. 70.

estudantil que descobria uma vida institucional em companhia do


outro sexo. O jovem Michel Debré não esconde sua alegria - e
certo embaraço: "Os rapazes muito jovens que ainda éramos senta-
vam-se nos bancos ao lado das garotas: cada um queria brilhar aos
olhos delas; eram pouco numerosas e, por isso mesmo, contavam
ao mesmo tempo menos e mais". 22

Notas
1. "A luz e a dignidade foram, em meu tempo, dedicaclas às letras e vejo aí tal
emenda [melhoramento] que hoje eu dificilmente seria recebido na primeira clas-
se dos pequenos escrevinha dores, leul que em minha idade viril era, não sem
razão, reputado o mais erudito do referido século.
Todo o mundo está cheio de eruditos, de preceptores muito doutos, de bibliote-
cas muito amplas [...1 vejo bandidos, verdugos, os aventureiros, os palafreneiros
de hoje mais doutos que os doutores e pregadores de meu tempo [.. ,J
~

PRIMEIRA CONTRADIÇÃO:
FRAQUEZA E FORÇA
ANTE A TAREFA CULTURAL

Muitos estudantes esperavam da cultura que esta os fizesse


viver "nas alturas"; mas descobrem, de um lado, a amplidão imen-
sa, desesperadora, do campo cultural - e, de outro, sua própria
insuficiência em face dos grandes: como esperar atingir o nível de-
les, sonhar prolongá-l os de certa forma, mesmo a mais modesta,
por suas próprias pesquisas, para não dizer criações?
E no entanto alguns conseguem superar tais obstáculos e ex-
pressaram suas alegrias culturais.

Fraquezas do estudante

o estudante fica confuso quando descobre a infin.dade do


território por onde adentrou: no colégio, o aluno só conseguira
aperceber-se das noções recortadas do programa e aprender unica-
mente os conhecimentos necessários para passar nos exames. O
estudante universitário, por pouco que tome consciência de seu
papel, encontra-se como que perdido num domínio sumamente
Primeira contradição 67
66 Feliz na Universidade

vasto, sumamente copioso; ora, a instituição lhe deixa (talvez fosse essenciais - terei ocasião de voltar ao assunto mais detidamente.
melhor dizer: lhe impõe) uma liberdade quase obrigatória de percor- No entanto, é preciso dizer aqui até que ponto os riscos de não-ale-
rê-Ia em caminhos múltiplos e não mais itinerários balizados: é convi- gria se introduzem.
dado a recuar, a avançar; a escolher ele próprio seu ângulo de ata- Quando Colette Audry, universitária, assistia a aulas onde se
que, entre dez que lhe são propostos. Tudo isso o deixa confuso. evocavam obras-primas, ao mesmo tempo ela admirava mas tinha
Ao mesmo tempo (e é uma segunda causa de mal-estar), o de "reconhecer nossa vocação própria, que era a do estágio ínfe-
estudante toma consciência do caráter forçosamente superficial, por- rior".' Ela se acreditava "séria" e mesmo, em certo domínio, "com-
que ainda global, geral, de sua trajetória; decepção por não poder petente", mas não podia reivindicar a "genialídade". Viver na com-
aprofundar nada, por se sentir longe de dominar qualquer assunto. panhia dos maiores e saber-se excluído deles - é-se obrigado a
E, no conjunto de sua vida, quer dizer, fora da faculdade, en- tomar cuidado, é-se de boa estatura ... mediana; insuficiência, desâ-
contramos muitas vezes o estudante desamparado ante o número, nimo, desespero talvez.
a heterogeneidade dos "canais" culturais, desde os livros difíceis, Para um estudante universitário, o diálogo com o gênio é apesar
tornados agora menos inabordáveis, até os filmes de vanguarda e de tudo terrivelmente desigual: a cada visita ao Louvre, um candidato
as discussões travadas por colegas já mais bem informados - ao à École Normale Supérieure se pergunta, misturando alegria e lnquíe-
passo que o colégio filtrava, peneirava, guiava. tude, se conseguirá alcandorar-se ao nível da obra-prima: "Era ele,
Imensidade da tarefa cultural - diante das quais o estudante Rembrandt, que me olhava; e, olhado, era eu que lhe sustentava o
se sente fraco. Não sou digno da meta que ambiciono, das grandes olhar. Era a mim que Rembrandt avaliava, julgava'v'
obras, dos grandes homens com quem pretendo conviver. Quanto aos que se tomarão efetivamente "grandes", eles se per-
Risco de se sentir perdido, apagado, insignificante; sentimento e guntam, quando ainda não passam de estudantes, se sua ambição
experiências exacerbados dos próprios limites; fragilidade. Lançando- cultural tem mesmo alguma razão de ser. Assim Manuel de Falla es-
me nos estudos superiores, não estarei iludido quanto a minhas pró- creve a um amigo: "Minha vocação [de compositor] fez-se tão forte
prias forças? Não terei escolhido um caminho ambicioso demais? Não que até tenho medo dela, pois as ilusões que ela despertava em mim
estar o jovem à altura das grandes obras que se propõe é mais prosai- estavam muito acima daquilo de que me julgava capaz de fazer".3
camente não estar à altura dos exames que se terá de fazer. Uma dupla interrogação persegue, de maneira mais ou menos
Donde, tantas vezes, uma série de tentativas empreendidas e depois consciente, boa parte dos estudantes. Tenho a ambição de chegar
abandonadas, de ensaios caóticos e hesitantes. Como são numerosos os ao mais difícil: não mais os primeiros rudimentos pueris e hones-
estudantes que vão viver esses anos numa dúvida constante, ao mesmo tos, as iniciações aproximativas, mas sim as verdadeiras ciências. O
tempo sobre seu valor e sobre a sua possibilidade de sucesso! saber é uma luta pelo saber: estarei à altura de travar essa luta? Sou
Ainda não fiz nada; sou quando muito um amontoado de capaz de chegar a alguma coisa de válido e que justifique esses lon-
possibilidades, e que será feito delas? Os sucessos escolares do se- gos anos de estudo, de esforço - válido tanto do ponto de vista de
cundário, aos quais alguns se empenham em agarrar-se, não garan- meu futuro profissional como de meu progresso pessoal?
tem de modo algum que irão continuar no curso superior. Pensar Conseguirei amar verdadeiramente essa cultura e aderir às'
em todos os que fracassam, desabam, vegetam ... grandes conquistas culturais, situar-me no nível delas? Lograrei um
dia realizar por minha vez algo que ressoe ao menos como eco das
Quando um mediano se acha na presença de um grande grandes obras, dos pensamentos que admiro?
Não sou simplesmente um honesto cidadão mediano, perdido
o encontro com os grandes feitos humanos, o face-a-face no meio desses difíceis esplendores - e será que no fundo sim-
com a obra-prima são alegrias, são sem dúvida as alegrias culturais plesmente imito colegas mais capazes? "Ele sofria ao pensar que
Primeira contradição 69
68 Feliz na Universidade

jamais seria outra coisa além de tímido conviva no banquete da cul- Não querer tudo imediatamente
tura universal".4
É essa alta consciência das exigências da cultura e, portanto, A amplitude do campo cultural e a dificuldade extrema de
o medo de não alcançá-Ia, essa indagação sobre si mesmo, tentan- conseguir dominar os problemas podem deixar de ser angústia
do não se deixar inebriar pelo extremo da ambição nem descam- para o estudante desde que ele consinta nessa noção de aprofun-
bar para uma resignação medíocre, a inquietude ao mesmo tempo damente progressivo: ele vai admitir e até justificar uma certa apro-
quanto ao próprio valor e ao sentido que os estudos podem dar à ximação ilusória do começo dos estudos como uma primeira vista
própria vida, que constituem aquilo que ousarei chamar de o trági- panorâmica, uma primeira vista de olhos das vias de acesso possí-
veis; começar por perceber os grandes conjuntos, obviamente im-
co da existência estudantil.
precisos, mas impressionantes por sua própria dimensão: "Eu traça-
O dignus est intrare não pode ser apenas cômico.
Pensando evidentemente nos estudantes de medicina, Fran- va para mim mesmo, passo a passo, um mapa do saber, aprendia a
çois jacob evoca essa imbricação entre a alegria que dá coragem e situar os autores uns entre os outros'v'
a não-alegria, tentação permanente de recuo: "No primeiro ano, O ofício de estudante é um dos mais espinhosos porque nele
cada estudante se achava prensado entre duas atitudes: de um progredir é obrigatório - e nos domínios mais complexos. Dele só
lado, a timidez que a idade e a ignorância impunham; do outro, a podem tirar alegria os que ousam o difícil, os que gostam de des-
audácia propiciada pelo desejo de aprender. Vivia-se assim num bravar o difícil, os que têm, de certo modo, necessidade de con-
espaço angustiante'v' quistas difíceis.
O difícil me lança desafios; apesar de tudo, em grande parte
depende de mim chegar lá, é preciso que eu consiga dar a justifi-
cação daquilo que valho, daquilo que posso. Uma violência feita a
Alguns se superam si mesmo para se superar, ir mais longe do que se acreditava ca-
paz; provar e provar a si mesmo que, nas grandes ocasiões, se irá
até o fim das próprias forças, a despeito de todos os medos e de
Alguns estudantes chegam a uma superação da contradição, a todas as veleidades de abandono. Devolvendo ao termo escolar
uma vitória sobre a não-alegria. Como o conseguem? Que progres- toda a sua força, jacquard, universitário, exclama: "Atiro-me à tare-
so podem trazer ao conjunto dos demais? fa como uma toupeira que cava o seu túnel".8
Em particular, quase se diria, do ponto de vista da ética de
vida: não deixar escapar. Alegria de se convencer (e de convencer
Primeira via: a alegria do difícil os seus próximos, freqüentemente cépticos) de que se é capaz de
concentrar todos os esforços, portanto de renunciar durante certo
tempo a tais e tais desejos, tais e tais tentações, de sacrificá-Ias,
Para os estudantes mais "atiçados", a dificuldade torna-se um
mesmo aqueles que, em geral, eram mais caros: um tempo de pri-
estímulo. No começo de seus estudos médicos, Broca escreve a
vações, um período de ascese; as mais rudes provações supercom-
sua mãe: "Quanto mais vou lá, mais me apercebo da imensidade
pensadas pelas mais intensas alegrias.
dos estudos médicos. Parece-me que é impossível chegar ao fim e
que a vida de um homem não pode bastar [para isso]. Longe de Estou, pois, à altura de me prescrever um modo de vida re-
me desanimar, isso só fez, ao contrário, excitar-me ao trabalho".6 grado, de fixar normas e de segui-Ias. Assim fazendo, torno-me
Eis estudantes capazes de descobrir a imensidade da tarefa mais firmemente senhor de mim, um melhor senhor de mim. O
sem ficarem consternados: sentem-se, pelo contrário, estimulados. ideal é um autogoverno que saiba combinar os tempos de tenací-
70 Feliz na Universidade Primeira contradição 71

dade, de furores obstinados - e um equilíbrio corretamente tempe- das questões do internato, imaginando sem cessar novas apresentações,
.rado de vida, podendo cada um desses dois momentos tornar-se atalhos sensacionais, uma expressão teatral da patologia. Em sua boca
causa de uma alegria; e sua combinação, muito mais ainda. as palavras atingiam o horror, juntavam-se à grande tradição dos clíni-
cos do século XIX e dos museus Dupuytren das feiras"."
E, no entanto, as alegrias do exame difícil são bem reais: pri-
Nós também temos nossos recordes
meiro, é freqüentemente um bom meio de acabar com as vagas
Em verdade, vivemos uma época que admira ao extremo inquietudes que nos assoberbavam : há agora uma data, um prazo,
aqueles que desafiam os obstáculos e até se expõem aos perigos em geral um programa; vai-se enfim saber onde se está.
_ por exemplo, nas competições esportivas e em certas atividades E, sobretudo, é o momento de pôr em jogo todos os seus
de lazer, desde os pilotos de ensaios até os alpinistas e navegadores. recursos, sentir ao mesmo tempo que se dispõe de recursos e que
Admira-se o audacioso quando ele acumula "a seu bel-prazer " as cir- se é capaz de convocá-Ios.
cunstâncias mais aptas a ímpedi-lo de vencer, a tornar-lhe a vitória mais Mais um passo; as dificuldades do exame, a necessidade de rever,
difícil, mais arriscada: navegar à vela sozinho e sem escala. de lembrar, de ter presentes no espírito tantas e tantas noções, isso
As coisas deveriam ocorrer diferentemente no domínio do pode converter-se na ocasião de uma tomada de consciência global na
simples intelectual? Quanto mais árduo é o esporte, mais ele agra- matéria considerada; é o próprio conhecimento que adquire um novo
da a alguns; os momentos de dificuldade no estudo podem agradar relevo: "Como deve ser útil, ou mesmo exaltante, fazer desfilar diante
a alguns outros - e, milagrel, talvez aos mesmos. de si todas as disciplinas da ciência que se estuda e, de uma vez por
Atleta candidato a um recorde esportivo e candidato atleta de todas, ter delas verdadeiramente uma visão de conjunto"."
um concurso de admissão: mesmo combate, mesmo medo, mesmo Todos nós já tivemos a experiência graças à qual, retomando
prazer. Sonho com um estado de espírito - digamos, para começar, em bloco um largo conjunto de questões que a princípio foram
nos espectadores de televisão - nos quais a competição dos espíri- estudadas passo a passo, surgem, luminosas, abordagens novas,
tos adquirisse a mesma popularidade dos sucessos esportivos. oposições, complementaridades: mas essa visão panorâmica, será
Em.suma: tomar o termo prova no conjunto de suas acepções ... que de fato a atingimos em ocasiões outras que não os exames?
elogiosas.
Segunda via: a obra-prima; continuidade e ruptura
Há uma alegria dos exames?
Gostaria agora de ampliar muito mais a abordagem da alegria,
o momento crucial do difícil são os exames e os concursos, e separando os elementos de continuidade que sustêm a cultura.
estes têm má reputação em se tratando de alegria. A cultura me parece fundar-se, em todos os níveis, no tema
Evidentemente eles comportam uma parte de sofrimento, e da continuidade e da ruptura, na dialética continuidade-ruptura, e
durante muito tempo uma rude lembrança de sofrimento - mes- é assim que quero manter tanto a obra-prima quanto uma via,
mo quando se teve êxito; quando muito se dirá esforço, habilidade aberta para todos, de chegar à obra-prima; manter tanto a alegria
de manejar rapidamente as noções, montagem de automatismos; o ter- da obra-prima quanto a alegria da acessibilidade.
mo alegria dificilmente é admitido aqui. O ápice da aventura educativa e da alegria cultural, eu o si-
Sem dúvida considera-se excepcional o desempenho de um tuarei na relação com a obra-prima. As obras-primas são a razão de
candidato que se compraz em transformar a preparação para o inter- ser, a essência da cultura e, portanto, do ensino; o Mestre por ex-
nato num tipo de representação dramática: "Ele caminhava através de celência é aquele que ajuda a ter acesso à obra-prima. A escola, a
seu quarto, elevando inconscientemente a voz, tomado pelo lirismo Universidade: o lugar onde o jovem pode conhecer a alegria da
72 Feliz na Universidade Primeira contradição 73

conversa a dois com Victor Hugo, Einstein - quero dizer, natural- O acesso à cultura é difícil - e por vezes se chega ao deses-
mente, com as suas obras. pero, porque as grandes obras, os grandes pensamentos estão em
Quero afirmar que as obras-primas existem - e é essencial ruptura com o nosso nível habitual de reflexão, de sensibilidade.
estender esse termo às grandes descobertas científicas, aos grandes Todavia, muitos estudantes podem chegar à cultura e dela ti-
pensamentos, às grandes realizações técnicas e sociais; não cir- rar alegria, porquanto a cultura está também em continuidade com
cunscrevê-Ias às artes e às belas-letras. nossa vida e nossas idéias.
Recuso fundamentalmente a opinião corrente segundo a qual É essa continuidade facilitadora que eu gostaria agora de ten-
tudo é válido, cada qual tem o direito de ter seu gosto em arte e tar apreender.
em literatura - como, por exemplo, na culinária ou na moda; que Em certo sentido, ela se estende ao conjunto da existência: o
as escolhas das pessoas cultas não são mais legítimas que as das prisioneiro da caverna platônica, uma vez libertado, vai tomar
incultas e que se trataria meramente de condicionamento de classe. apoio na continuidade; ele não pode olhar de chofre para a luz,
Discursos esses, aliás, que não se ousa fazer em se tratando de mas progressivamente vai considerar as sombras, os reflexos na
atividade científica. água... lenta aprendizagem que conduz a uma alegria mais forte
Existem obras propriamente geniais, produzidas por criadores que as ilusões primeiras: "Ele se congratularia consigo mesmo pela
geniais; não apenas as obras-primas de outrora, mas novas obras- felicidade da mudança'i.P
primas a cada geração, para os jovens de cada geração.
É essa convicção que importa suscitar nos estudantes: instigar- Continuidade na ação
lhes a confiança, persuadi-los de que são capazes de estabelecer a
comunicação com essas realizações essenciais. É essencial pensar nos gênios da ação, em particular da ação polí-
Não apenas as obras-primas de outrora, mas novas obras-pri- tica. Há grandes homens de ação, assim como há gênios artísticos; nem
mas a cada geração. todas as iniciativas se equivalem, não mais que todos as pinturas.
Certo, não se chega sem dificuldade a gozar do brilho dos Não mais, porém, que o grande artista, não é o grande ho-
maiores; isso é a recompensa de um esforço; luta contra as tenta- mem de ação uma criatura isolada que escaparia a qualquer in-
ções da facilidade e dos níveis médios; mas quem sai vitorioso des- fluência, a qualquer vínculo com os outros. Ao contrário: as inicia-
sa luta, ou melhor, nos momentos em que saio vitorioso dessa luta, tivas novas que ele toma só se encarnarão nos fatos na medida em
sinto que essa obra-prima dá alegria porque responde à minha exi- que "respondam a possibilidades novas".14 Num primeiro momen-
gência profunda, a uma esperança, uma aspiração que se inscre- to, elas terão sido vividas pelo menos como inquietudes, questões,
vem no essencial de mim mesmo. problemas suscetíveis de solução próxima por numerosas pessoas,
Alegria e como que uma espécie de reconhecimento: a sensação que estão assim preparadas para assimilá-Ias e pô-Ias em execução.
de que é mesmo para mim, para atender à minha necessidade, que Há, primeiro, um período de fermentação intelectual e social, com
essa obra foi criada: "Ver sua luz e aquecer-me aos seus raios".l1 tudo o que esse termo implica de efervescência, expectativa e con-
"O que se faz depende do que se é; o que se é depende do fusão.
que se crê e, em grande parte, do que se admíra"." Grandes homens de ação criando e propondo temas inovadores
Trata-se de ajudar o estudante a chegar às admirações que o - mas aptos a serem retomados por grandes conjuntos de seus con-
marcarão - e que também o conduzirão, o sustentarão; encontro cidadãos: é isso o que permite a ação coletiva, o avanço democrático.
com os criadores que se revelam mais intensamente em ressonância Surge assim, no domínio da edução política dos cidadãos, o
com ele mesmo; o estudante reencontra neles exatamente aquilo que duplo caráter da relação pedagógica bem-sucedida: é o grande ho-
pressentia, mas chegado agora a uma elaboração mais convincente. mem que dá às massas impulsos decisivos, mas só consegue fazê-lo
74 Feliz na Universidade Primeira contradição 75

conduzindo ao seu pleno desenvolvimento virtudes que já estavam Continuidade na literatura


em relação direta com a vida dos homens aos quais se dirige.
E eis por que sua ousadia é ao mesmo tempo condutora e "A poesia é a tentativa de representar essas coisas ou essa
frutuosa. Ruptura, inovação, continuidade. coisa que os gritos, as lágrimas, as carícias, os beijos, os suspiros
tentam obscuramente exprimir" (Paul Valéry): são emoções que já
Continuidade nas idéias cientificas eram profundamente sentidas mas que não se conseguia enunciar;
a literatura as eleva até à linguagem, ao estilo - e, sem que o fio
Uma citação da autobiografia de Darwin parece-me muito esdare- se tenha rompido, elas assumem um valor outro, um alcance outro
cedora: "Tentei explicar a pessoas competentes o que eu entendia por para o próprio indivíduo que as profere.
seleção natural, mas fracassei; no entanto havia fatos inumeráveis e Um exemplo me parece adquirir alcance simbólico porque
bem estabelecidos armazenados nas mentes dos naturalistas, fatos que une a continuidade da vivência e de sua expressão estética elabo-
estavam prontos para ocupar o lugar que lhes cabia tão logo qualquer rada à continuidade dos eruditos e dos "simples": estudante, Ghé-
teoria que pudesse ajustar-se a eles fosse suficientemente explícada'v''' henno sente que se afasta dos seus, artesãos pobres e que freqüen-
Entende-se assim, por um exemplo notável, a díalética conti- taram muito pouco a escola; deplora que já não poderia viver
nuidade-ruptura: foi necessária uma ruptura, uma teoria nova e ge- agradavelmente com eles. Vai escolher uma obra literária que ele
nial, o que eu chamo de uma obra-prima - e a princípio difícil de ama, estima, e à qual sua mãe e sua tia terão diretamente acesso _
admitir e compreender. e ao mesmo tempo a relação humana vai reatar-se entre eles em
Mas logo ela se torna acessível, porque traz satisfação ao que já sua plenitude.
era o requisito da ciência nessa etapa; ela a desenvolve, palia as insufi- Durante suas férias em Fougêres, ele lhes lê La Mêre et l'en-
ciências que impediam de tomar forma os conhecimentos esparsos. fant, de Charles-Louis Philippe: "As duas choravam [...1 não com-
Ao mesmo tempo há e não há um abismo entre o cientista e preendiam que com o que viviam todos os dias se pudesse fazer
aqueles a quem ele se dirige, porque o inovador pertence profunda- algo tão belo. Viam sua vida como nunca a haviam visto antes"." A
mente à sua época, retoma as questões que estão em fase de elabora- alegria de Ghéhenno estudante provém, ao mesmo tempo, da ale-
ção em sua época e respondem às ocasiões criadoras da época. gria que ele proporciona aos seus próximos e da experiência da
Uma prova disso é que, às vezes mesmo sem que eles o sai- cultura como meio de passagem, já que ela se torna o porta-voz
bam, as descobertas dos cientistas obedecem a certas coincidên- dos que não têm voz, dos que não puderam tomar a palavra.
cias, pois são os avanços que o estado atingido pelos conhecimen- É isso o que torna possível e estimulante uma ligação entre
tos tornaria possíveis e desejáveis; retomando uma metáfora da aqueles que têm a oportunidade de chegar à cultura erudita e
qual muito se tem abusado, eu diria que eles são os catalisadores aqueles cuja cultura é o reflexo direto de seu modo de vida. O
das forças que se emaranham ao seu redor. escritor exprime o que tantos outros sentem, vivem, sonham. E
Continuidades, pois; mas isso não impede que a ruptura se com isso infunde uma força, uma precisão, uma visão de conjunto
manifeste nos mal-entendidos, tão freqüentes entre os criadores e o e um influxo sobre a totalidade de sua vida.
público, mesmo o dos especialistas: a cultura, em muitos casos, A partir daí se pode dar à pedagogia - aqui a pedagogia do
adianta-se à sua época, pois que dá às aspirações ainda confusas e curso superior - todo O lugar a que ela faz jus, ao mesmo tempo
dispersas uma elaboração nova em que, pelo menos durante um para que os estudantes compreendam e se sintam alvo de interesse.
certo tempo, muitos não conseguem se reconhecer. Um dos papéis essenciais dos professores é o de estabelecer
Notemos que, em numerosos casos, os universitários estiveram itinerários de continuidade, percorrendo as etapas de um real enca-
entre os primeiros a acolher com alegria as inovações culturais. minhamento - e de fazer sentir as alegrias sucessivas de tal per-
76 Feliz na Universidade Primeira contradição 77

curso. A continuidade não existe como uma coisa dentro das coisas: Continuidade entre os homens
é a ação pedagógica que tem por tarefa tomá-Ia perceptível. É próprio
do professor preparar esses degraus intermediários: tarefa capital por- Continuidade, enfim, entre a obra a estudar, a obra-prima a
que em nenhum domínio a natureza (do estudante) dá saltos. estudar e o conjunto das vidas humanas, dos acontecimentos vivi-
Ao preço de certa crueza, a continuidade será estabelecida dos pelos homens. O estudante, chegado ao ponto de sentir Sha-
entre Racine e um jovem candidato à École Normale Supérieure. kespeare como "a expressão mais vigorosa, o testemunho espiritual
"Compreendia eu enfim que Racine não escrevera para alimentar de toda uma geração"." não se trata em absoluto de retomar as
os nossos programas. O amor que ele cantava em versos era o fórmulas habituais e de situar a obra em sua época, senão de
mesmo que impelia homens enfurecidos a matar suas amantes em apreendê-Ia como o atestado apaixonado dos sentimentos e pensa-
hotéis suspeitos de Pígalle"." mentos de um' momento da humanidade, alçados a uma espécie
No estilo mais florido, a alegria da continuidade será evocada de incandescência.
como capaz de lenir todos os sofrimentos, de tal modo o objetivo Atinge-se aqui um dos modos principais da alegria cultural: a
entrevisto é adivinhado como fascinante: "Para me levar mais lon- grande obra não é, pois, nem separada da massa, a começar pela
ge, meu professor mostrava-me, desde os primeiros passos, os ci- massa dos estudantes, nem inabordável - ela se relaciona com as
mos mais altos do cálculo diferencial. Seduzido por esse engodo, preocupações que nos agitam.
arrastado em direção a esses grandes desconhecidos, eu avançava Continuidade propriamente pedagógica: ele tem necessidade
sem fadiga. Como uma criança: mostram-lhe os alvos cumes da de um professor que tome possível a trajetória; continuidade as-
Jungfrau, ela já acredita tocá-Ios com a mão e não presta atenção cendente: a vivência da experiência peculiar a cada um contém
aos seixos da estrada". 18 suficiente realidade e valor para servir de ponto de apoio às obras
Continuidade pedagógica ousadamente criada entre um domí- e às ações culturais; ainda aqui é preciso que a obra-prima nos
nio no qual o estudante já se encontra à vontade e regiões que ele ajude a apreender ou a exaltar sua essência, sua verdade, sua no-
pressente como altamente válidas, mas que lhe parecem por ora breza, sua poesia.
fora de seu alcance; no entanto ele tem consciência de se aproxi- E o gênio existe, e o gênio não é um super-homem enclausura-
mar delas e de tirar dali alguma alegria: "Eu não era então capaz do no empíreo, o que tomaria vãos os estudos, que nada mais são
de filosofia pura [está cursando ciências políticas]. Mas esse outro que a esperança de acercar-se dele, de encontrá-lo, enfim.
modo da filosofia que é a história me foi aberto. A história foi o fio As relações entre ele e nós não se dão num sentido único:"O
que me ligou, nos anos de debandada, às coisas elevadas. [Um pro- gênio tem necessidade de um povo que sua chama anima, ilumina,
fessor de história de quem ele gostou profundamente] mo havia pos- aquece, abrasa como uma alma".22
to nas mãos. Graças a ele, não ousei deixá-lo totalmente't.V Assim, da alegria da continuidade não se há de separar a ale-
Uma das linhas mais costumeiras da continuidade é ajudar o gria da ruptura, visto que o papel da continuidade é o de conduzir
jovem a atingir o que há de mais consumado num gênero para até à ruptura, à obra-prima, ao genial sentido e apreciado como tal,
chegar a um gênero mais difícil: da música popular à ópera. ultrapassando de muito longe os encontros banais. Não se trata de
Ou seja, não se separarão com demasiada precipitação, com modo algum, em nome da continuidade, de renunciar à obra-prima.
demasiada brusquidão, os prazeres da cultura consagrada, em pri- Hegel evocou magistralmente esse duplo movimento; de um
meiro lugar o prazer do texto, dos outros prazeres nos quais o lado, atingir certos momentos privilegiados: "Deixar seu eu caseiro [...]
1 \1

I!
"
estudante às vezes está mais envolvido, com o que eles têm ao ser alçado para fora da esfera das reações primeiras", edificar um
li, mesmo tempo de real e de efêmero: "Uma iguaria, um jardim, um muro que me separa do eu de todos os dias; mas, de maneira com-

I encontro, uma voz, um momento". 20 plementar, contra a tentação de se renegar, o sonho de se tomar total-
78 Feliz na Universidade Primeira contradição 79

mente diverso do que se é, "ter um desprendimento amigável em própria, e portanto seu caminho para dirigir-se a..., e eis por que ele
relação a si mesmo L ..J reencontros consigo mesmo",23 um eu-mes- encontra nisso uma alegria legítima.
mo, agora, que terá atravessado vitoriosamente pelo menos algumas E, quanto aos professores, digamos que a imensa maioria de
das etapas da cultura. suas produções se inscreverá entre as realizações medianas: mas o
A obra-prima não é uma simples réplica da vida de todos os mundo tem necessidade de muitas realizações medianas para que
dias; anima-a de um "vôo" magistral e, portanto, pode comunicar surjam algumas grandes obras. Além disso as realizações medianas,
- pelo que nossas limitações habituais, nossas tristezas habituais na perspectiva da continuidade, podem ser as etapas de que o es-
tendem a ser superadas. tudante precisa, as ajudas transitórias, à altura de sua capacidade.

Vale a pena levantar mais uma vez a questão do elitismo?


Conclusão muito provisória
É certo que todas as minhas considerações de que as obras-
Por mais que eu multiplique as vias de abordagem, os aces- primas desempenham um papel primordial correm um risco de elí-
sos, as consolações, ainda assim é bem duro para os estudantes e tismo - o que me desolaria. Risco de adotar uma atitude aristocrá-
para os professores ter como função costejar a imensidade - e tica: o gênio é muito raro, mesmo os que apreciam o gênio são
redescobrir-se tão pequenos. raros; a cultura seria o privilégio de uns poucos eleitos. Daí a pensar
Como sair desse impasse? Não decretando que a noção de que ela é, em suas mãos, um dos instrumentos de sua superioridade
obra-prima é ilusória e fingir que todas as obras testemunham a social e logo uma arma de dominação, há apenas um passo.
mesma força de criatividade. É verdade que a cultura sempre está exposta ao elitísmo; é
Ao mesmo tempo resignar-se a não ser uma dessas - e en- preciso que ela se resolva a sustentar um esforço difícil para tor-
contrar sua alegria em dar e em fazer dar alguns passos em direção nar-se encontro, disponibilidade para os outros: criar uma comuni-
a elas. Certo, não conseguiremos viver em pé de igualdade com a dade real, afetiva e intelectual.
obra-prima, colocar-nos em seu nível: oh, não digo compor uma O tema da continuidade, do qual mostrei sobretudo que pode
por nossa conta, mas sim apreendê-Ia em sua plenitude, tal como fundar a acessibilidade da cultura ao estudante, quer ser ao mesmo
seu criador a instaurou - e no entanto não renunciaremos ao es- tempo a base teórica da difusão da cultura para a maioria: isso
forço com vistas à sua grandeza. Pois podemos ter a experiência de equivale a afirmar o vínculo entre os pensamentos e os sentimen-
que ela não nos esmaga mas, ao contrário, nos associa ao seu esplen- tos de tudo em cada um, as correntes de vida e de paixão que
dor e nos impele para a alegria de um convívio ativo, propagador. arrastam largos conjuntos de homens - e as grandes obras nas
Brunschig "não se punha no nível dos maiores, mas povoava quais culminam os ideais de uma época.
sua vida pelo comércio com eles".24 Os gostos, as opções culturais das "massas" assumem formas di-
É uma alegria áspera, difícil de suportar: sentir a marcha, sim- ferentes das apresentadas pela cultura universitária, o que confunde
plesmente a marcha, para o eminente como muito mais estimulan- amiúde os professores e pode mascarar OS aspectos comparáveis; e,

I
te do que ficar parado na planície - para não dizer no pântano: no entanto, o cinema, a música popular vão de um extremo ao outro
"É bom mostrar o inacessível; em seguida não mais se consegue da escala dos gostos, e os professores poderão tomar como tarefa
dar nada de barato". 25 separar as continuidades - sem com isso omitir as rupturas.
O que o estudante cria, descobre, é muito pouca coisa com- Não há fatalidade alguma no fato de um estudante culto se
I parado aos grandes - e ele deve sabê-lo; mas deve também saber
que esta é sua maneira única e insubstituível de existir, sua marca
isolar em si mesmo ou em seu pequeno cenâculo; ao contrário, sua
cultura pode tornar-se um caminho que o fará ir ao encontro da
:li,
80 Feliz na Universidade Primeira contradição 81

existência de seus contemporâneos. E, inversamente, essa afinidade


entre as culturas permite esperar que aquilo que tenta o estudante,
Notas
aquilo que ele pensa, possa ter repercussão sobre a vida dos outros.
1. C. Audry, Ia Statue, Gallimard, 1983, p. 174.
Neste trabalho, ponho em cena os estudantes universitários, 2. J. Maugüe, Les Dents agacées, Buchet-Chastel, 1982, p.37.
vale dizer, aqueles para quem a alegria cultural pode, por vocação, 3. Manuel de Palia por R. Manuel, Éditions d'Aujourd'hui, 1977, p. 19.
tornar-se a mais viva possível; minha esperança é penetrar-lhe o 4. J. Joyce, Dedalus, Gallimard, col. Folio, 1943, p. 263.
segredo e estendê-lo a todos; não quero renunciar nem à obra-pri- 5. F. jacob, Ia Statue interteure, Gallimard, 1990, p. 110.
6. P. Broca, Lettre à sa mêre, citado em F. Schlller, Broca: explorateur du ceroeau,
ma, nem à confiança nas massas. Odile jacob, 1990, p. 35.
Se as obras-primas atingem apenas um público muito restrito, 7. R. Marjolin, Le Traoaü d'une ote, Laffont, 1986, p.31.
as causas disso são evidentemente múltiplas: o estado da sociedade 8. A. Jacquard, Idées vécues, Flammarion, 1989, p. 29.
impede que muitos caminhem em direção à cultura; eles não al- 9. Aragon, Les Beaux Quattters, Gallimard, 1983, p. 219.
10. Nietzsche, carta de 6 de abril de 1867 em Lettres de jeunesse, Chrlstian Bourgois,
cançaram o nível de estudos suficiente; estão por demais assober-
1981.
bados de fadigas, de preocupações; submetidos a tarefas que, mes- 11. Idem, Lettre à Wagner, em Georges Walz, Ia Vw de Nietzscbe d'apres sa
mo depois de terminadas, não deixam o espírito suficientemente correspondance, 1932.
disponível. Além do mais, a pedagogia, no sentido mais lato do 12. Cocteau par Borgal, Le Centurion, 1969, p. 147.
termo, isto é, a "arte" de fazer com que todos experimentem os 13. Platão, Ia République, tomo VII, 516 c.
14. jaurês, L'Armée nouoelle, Union Générale d'Éditions, 1969, p. 366.
valores essenciais, ainda está em busca de seus fundamentos. E,
15. L. S. Feuer, op. ctt.; p. 105.
principalmente, as obras-primas por vezes apresentadas, apesar de 16. J. Ghéhenno, Cbangerla vie, Grasset, 1961, p. 20l.
tudo, raramente são as que podem afetar as massas, interessá-Ias. 17. P. Guth, Ce que je crois du nafj, Grasset, 1982, p. 92.
Algumas as repelem, outras as deixam indiferentes. A extensão da 18. E. Quinet, Histoire de mes idées, Gersser-Baíllêre, 1878, 4a parte, § VII.
cultura só pode tornar-se alegria cultural ao preço de uma renova- 19. A. Besançon, Une génération, jullíard, 1987, p. 167.
20. R. Barthes, Le Plaisir du texte, Seuil, 1973, p. 93.
ção da cultura e das opções culturais.
21. S. Zweig, Ia Confusion des sentiments, Stock, 1980, p. 32.
Não se porá em prática da noite para o dia uma cultura pro- 22. V. Hugo, Odes et Ballades, III, 8.
gressista, capaz de inserir-se no âmago da vida de cada um. Mas 23. Hegel, Textes pédagogiques, Discours de 1809, op. ctt., p. 85.
desde já podem ser aceitas, amadas, grandes obras em que as mas- 24. R. Aron, Mémoires, Julliard, 1983, p. 39.
25. E. Canetti, Histoire d'une vie, Librairie Générale Française, 1985, p. 250.
sas reencontram ao mesmo tempo um eco de suas preocupações
individuais e coletivas e as vias, ora já reais, ora pressentidas, de
uma auto-superação entrevista. E também as que podem servir de
armas contra a atmosfera insidiosa do ceticismo, resignação tempe-
rada por algumas caridades individuais e que representa o que há
de mais inassimilável à alegria.
Existem duas fontes do avanço democrático: a vida das mas-
sas e a ação dos grandes criadores. Para estabelecer o vínculo entre
as duas, conto com os professores dentro e fora da Instituição.

\,
SEGUNDA CONTRADIÇÃO:
A CULTURA E A VIDA

Decepções

Muitos estudantes esperam da cultura uma alegria que esteja


em contato direto com a vida, que contribua para melhorar a vida,
a dos outros e a sua; atingir o real, tentar explicar os homens de
carne e osso, seus trabalhos, suas dores, seus sucessos; muitos es-
tudantes esperaram que a cultura do curso superior escapasse ao
livresco, ao escolar, e se voltasse para a realidade.
Eles temem, recusam e no entanto sentem como ameaça a
imagem do intelectual perdido em seus pensamentos, excluído dos
acontecimentos contemporâneos, separado daqueles que os vivem
- e portanto obrigado a renunciar a qualquer influência vigorosa.
Mas, decepções: muitas vezes apresenta-se ao estudante uma
infinidade de detalhes áridos, descarnados; pesquisas, erudição
que não encontra relação com o que interessa aos jovens de hoje,
com os problemas que os aguardam.
Não irá a cultura encerrá-Io num setor estreito, mesquinho, fictí-
cio, que só existe nos textos abstrusos da faculdade, um universo de
84 Feliz na Universidade
Segunda contl'aciição 85

papéis e de ideologias, prolongando indefinidamente ° universo as-


fora" - por excesso de estudos, porque não teria exercido outra
séptico da escola? Uma infantilização contínua, em relação à qual alguns
profissão senão a de secundarista e universitário que talvez não o
se perguntam se não será também o quinhão de seus professores. seja: "Precisava curar-me de não ter vida sufícíentev>
"Contemplação" que não redundaria jamais numa ação e que
Mas, por um paradoxo notável que mostra até que ponto a
envolve inclusive o risco de inspirar desprezo pelo conjunto das
intelectualidade adere à pele do intelectual, é pensando nos livros
pessoas que agem e trabalham. Como confiar numa cultura que
que pensa em escrever que ele receia ter existido em demasia nos
não é orientada, guiada pela vida - e por um impulso para a vida?
alfarrábios e não o bastante numa história capaz de sustentar, de
Chega-se ao sublime ou fica-se no irrisório dessa evocação de nutrir os escritos projetados.
um santuário dos estudos. A sala onde se desenrolam as aulas de
grego para o exame de ingresso no curso superior: "Era um lugar
onde já não existiam nem família nem pátria; ou antes, já não havia
senão a pátria dos textos impressos - e quanto a família, somente a Em busca das conciliações
de seus editores [...J um asilo extraordinariamente estanque contra entre a cultura e a vida
tudo o que podia ocorrer de desagradável na superfície do globo".'
Muitos estudantes sentem seu modo de vida como distanciado
da vida: eles não "trabalham", não contribuem para a produção Necessidades recíprocas
comum; visam apenas à sua própria promoção - e isso passando
vários anos em meio a preocu pações que parecem às vezes estra- Na verdade, estou convencido de que a cultura pode atuar
nhamente artificiais. sobre a vida, mudar a vida e não apenas "compreender", com o
Jovem por vezes favorecido, sentindo às vezes pesar e remor- terrível equívoco do termo - ao mesmo tempo dominar mas tam-
so pelo fato de seus estudos serem, ao fim e ao cabo, pagos pelo bém aceitar, submeter-se. Em muitos casos, isso me parece implicar
trabalho "real" e vivo de tantos outros; mas também jovem que tem uma renovação da cultura, seja diretamente, no que ela é, seja nas
muita dificuldade em se fazer reconhecer, em não se sentir excluí- interpretações que dela serão dadas; ela não pode fundir-se com a
do: repetem-lhe tantas vezes que seus esforços culturais são vãos, vida sem fazer aliança com o conjunto das formas de vida. Não
sem vínculo com o real, pairando acima da vida ou descambando bastará, pois, continuar estudando numa aquisição gradual, num enri-
para um nível muito abaixo dela. quecimento gradual. O que se deve tentar prever são as crises da cultu-
ra existente e das mutações em direção a formas novas da cultura.
Em termos pitorescos, Joyce fala de sua angústia pelo fato de a
cultura, sua cultura, se desenvolver fora de todas as preocupações Se pode, se deve haver união entre a cultura e a vida, é por-
importantes da existência: ele se vê obrigado a se perguntar se suas que a vida tem tanta necessidade da cultura quanto a cultura o tem
tentativas para refletir sobre uma filosofia estética suscitam realmente da vida. Por mais que a vida se beneficie da presença, do caráter
irrefutável de suas contribuições, ela corre o risco de encerrar no
mais estima em seus contemporâneos do que o "sutil e curioso voca-
bulário da ciência heráldica ou da falcoaría't.' conformismo a infinidade de incidentes cotidianos, a rotina dos en-
contros banais. É o recurso à cultura do histórico, à cultura do uni-
Em vez de ser o período de entusiasmo que eu espero, o tem-
versal e do grandioso que pode dar à vida suas dimensões de en-
po de estudante não estaria condenado a oscilar entre a contest-
vergadura. Ao simplesmente vivido "os livros acrescentam
ação e satisfações insatisfatórias que mal ultrapassariam o nebuloso
profundidade, amplídão, graças ao contato com os grandes espíri-
- na falta de vínculos sólidos com a realidade?
tos provocadores do presente e do passado:',"
Quando estudante na École Normale Supérieure, Brice Param
O teórico da cultura trabalha não apenas para ajudar a romper a
confessa: "Eu tinha medo de estragar a minha vida, de ficar de
inércia de tantos momentos da vida mas também para dar um sig-
Segunda contradição 87
86 Feliz na Universidade

nificado mais intenso, porque mais global, aos acontecimentos dos Cultura e vida profissional
quais se participa.
Cultura e vida: cada uma contém uma parte do real, uma posse Não é de modo algum fatal que o progresso pessoal do estudante
real do real, e lança um apelo para a outra, exigência de ser completa- o isole dos outros homens ou da vida efetiva desses mesmos homens.
da, enriquecída pela outra. Cada uma tem necessidade da outra. Por- Em última análise, poder-se-ia dizer que a cultura de sua indi-
tanto uma alegria (será preciso dizer: uma dupla alegria?) é possível. vidualidade constitui, para o estudante, uma forma de se capacitar,
Em suma, a tarefa e ao mesmo tempo a alegria da "minha" em seguida, a agir com os outros e para os outros; os estudos
cultura é superar "a idéia deprimente do divórcio irreparável entre como desvio necessário para entregar-se à ação com mais eficácia
a ação e o sonho". 5 - mesmo que seja um momento que comporte aspectos de egoís-
Na existência do estudante universitário, a relação da cultura mo e de irrealidade - será largamente compensado pela energia
com a vida pode se estabelecer de múltiplas formas. Num certo finalmente aplicada. Assim, o estudante pode tornar-se a testemu-
número de casos simples, a cultura do estudante se une diretamen- nha, ou antes, o agente de um acordo entre o auto-aperfeiçoamen-
te à sua vida: o que ele aprende da história contemporânea e o to e as tarefas comuns a assegurar - e pode-se esperar que en-
que descobre da vida política, o que ele estuda em literatura e o contrará certa alegria em cada um dos dois papéis.
que experimenta nas relações humanas podem unir-se e entreajudar- Juntam-se a isso duas espécies de dificuldades - que não são
se no seio de uma existência bem conduzida. Mas o risco é que essas impossibilidades, senão precauções a tomar, ou melhor, reformas a
convergências se limitem a umas poucas ocasiões privilegiadas. promover. Primeiro a separação de dois momentos, um momento
Por vezes alguns grandes textos, em particular os poéticos, de cultura "pura" e um momento de cultura que se aplica à vida,
vão servir de transição ao estudante para que este passe do mundo pode ser perigosa e restringir as alegrias: a cultura "pura" deixa o
cultural escolar para as experiências reais: a princípio os grandes estudante nessa atmosfera de irrealidade que ele sente amiúde
amores são vividos por procuração ... nos poetas. O imaginário de como empobrecedora - e não está provado que ela seja capaz,
uma cultura requintada, apoiada nos conhecimentos hauridos na em seguida, de se adaptar à vida; não será talvez disso que os
escola, torna-se via de acesso para aquilo que o jovem vai tornar- "vivos" terão necessidade, e será que um estudante formado dessa
se - ele mesmo, pouco a pouco capaz de experimentar. maneira estará preparado, encontrará realmente satisfação em pôr
Inversamente, para compreender e encontrar alegria em Marx os seus conhecimentos a serviço, à disposição dos outros?
ou em Freud, é quase imprescindível que o estudante lhes relacio- Daí o interesse de numerosas tentativas atuais para que, em
ne as afirmações com momentos e experiências que tiver efetiva- todo o curso dos estudos, teoria e prática, aprofundamento cultural
mente vivido - ou que tiver pressentido serem vividos por outros e trabalho efetivo avancem par a par.
ao seu redor; assim o livro adquire presença. Mas surge então a dificuldade complementar: não se conten-
Em si mesmas, certas formas de cultura, de aprendizagem da tar com uma coexistência e nem mesmo com um equilíbrio entre
cultura, poderiam parecer isoladas da vida: por exemplo, o estudo os dois componentes, mas chegar a uma verdadeira união em que
maciço de piano. Mas certos estudantes são capazes de tirar daí um e outro adquirem seu valor e seu peso.
um impulso total que os impele ao encontro dos outros, à partici- Em certo sentido, toda formação profissional constitui um es-
pação em suas vidas - e antes de tudo em suas dificuldades. O forço para unir um saber com a inserção na vida. Há porém a ten-
jovem Liszt estuda piano "como um condenado, quatro a cinco ho- tação de só tomar da cultura aquilo que se adaptar à realidade
ras de exercícios por dia".6 Mas, longe de se enclausurar em seu cotidiana, os elementos imediatamente utilizáveis para a vida pro-
gabinete de música, ele dedica o resto de seu tempo a explorar os fissional, ora os exames, ora e sobretudo a profissão; em certo sen-
hospitais, as tavernas, os asilos de alienados, as prisões ... tido, os estudantes estão quase sempre satisfeitos, na medida em
88 Feliz na Universidade Segunda contradição 89

que o ensino é experimentado como favorável à projeção do jovem ponto de que não sejam somente objetos de estudo, mas "as primei-
no adulto trabalhador que ele logo haverá de ser. Mas, a um prazo ras questões a resolver para mim, que devo viver e orientar volunta-
mais longo, os riscos me parecem consideráveis. riamente a minha vida","

Uma abertura para o mundo Alguns casos favoráveis

Não se pode querer - na esperança de evitar as ulteriores dificul- Para certos universitários, o vínculo entre cultura universitária
dades de adaptação transformar a Universidade em puro e simples ór- e vida profissional se conquista a partir de novas formas de cultura
gão de preparação profissional. A Universidade tem por tarefa, por rnis- e da orientação para atividades profissionais de um tipo novo.
são, abrir a cultura do estudante para a vida, não somente em nível É "na exaltação" que Alain Touraine descobre o livro de G. Fried-
corrente, cotidiano, de um e do outro, mas também na altura do mais mann datado de 1948, Les Problêmes bumains du machinisme in-
elaborado, do que há de mais importante nas realizações e esperanças dustriel. Entusiasmado, ele se emprega numa fábrica e numa mina,
dos homens - e é aí que a cultura há de ter o seu lugar. Sem dúvida figura compósita de quase-operário e de sociólogo-pesquisador. Ao
alguma, a Universidade deve preparar os estudantes para a vida; mas mesmo tempo ele se compraz em aventurar-se bem longe do mundo
para que serve a vida a não ser para se assumir e, ousaria dizer, usu- escolar, no âmago do trabalho operário e dos problemas sociais - e
fruir um trabalho culto (e os sociólogos do trabalho mostraram que toda a sua formação universitária está lá: a cultura literária se lança num
essa cultura, sob sua forma técnica e sob sua forma relacional, podia se lirismo, aliás muito perspicaz, da siderurgia dos altos-fornos, enquanto
introduzir também nas tarefas ditas humildes), de ócios cultos, de amo- os conhecimentos amealhados a respeito da sociedade lhe fazem
res cultos - na esperança os conduzir ainda mais adiante? pressentir a obra a realizar coletivamente para efetuar a reconstrução,
Segue-se que essa reconciliação entre a cultura e a vida e os e sobre bases mais humanas; simultaneamente, não direi priorítaria-
sucessos que o estudante pode tirar daí não são dados a constatar, mente, a construção de si mesmo: o que Rimbaud buscava no deser-
senão objetivos a atingir, a afirmar sem cessar; e também o fortale- to, ele busca seu equivalente em Billancourt - e a continuação da
cimento, uma pela outra, das duas alegrias correspondentes. Para história, de sua história pelo menos, testemunha o seu êxito."
cada estudante este é um problema a resolver e que, paradoxal- Na verdade, é pela categoria dos estudantes de medicina que o
mente, não pode deixar de suscitar certas angústias. enriquecimento recíproco da teoria e da prática se vê instituído mais
Primeiro, a grandeza cultural pode aparecer-lhe como soleni- minuciosamente, desde a data mais recuada - o que não quer dizer
dade tomada de empréstimo, portanto uma alegria de segunda não haja melhoramentos a introduzir (cf. revolta do estudante).
mão; por exemplo, a gente assiste a uma bela representação tea- É quase desde o princípio de seus estudos que o futuro médico
tral, mas em seguida não vai voltar a ser o mesmo joão-ninguém? se acha associado a suas tarefas, toma parte de atividades reais. Em
Daí que um esforço da parte do estudante seja indispensável particular, desde os primeiros contatos com a prática hospitalar ele se
para juntar a cultura à vida, a ponto de a cultura o ajudar a modifi- confronta a um só tempo com a alegria grave da responsabilidade e
car a si mesmo - e, assim modificado, ele participará de uma vida com alegrias técnicas características de sua profissão.
geral que pode esperar modificar. Não apenas um modo de ver, Há quem insista na perícia assim adquirida: a alegria de Gé-
mas um modo de fazer. rard Mendel estudante deriva diretamente da técnica, ou antes, da
Roger Vailland traça um panorama do que ele estudou em fi- simplicidade técnica: o exame clínico, no leito do enfermo, utili-
losofia, sobre um modo teórico, nos livros e nos cursos; a tarefa zando-se apenas as mãos, os olhos, os ouvidos, o olfato - e al-
que ele se propõe e que ao mesmo tempo lhe suscita um proble- gunsinstrumentos imediatos, como o estetoscópio, pesquisar os
ma é a de conseguir incorporar essas aquisições, personalizá-Ias a sintomas da doença pondo em alerta os sentidos, a memória, algo
90 Feliz na Universidade Segunda contradição 91

do gênero da intuição, do faro: "Grande é o prazer de descobrir o res, pois tal é o caminho para que o estudante se impregne da ener-
que não é imediatamente visível, de fazer aparecer a ordem dos sin- gia destas, de seu senso prático. Encontrará aí "a lição da coragem e
tomas sob a aparente desordem da enfermídade"? - faculdade de da paciência, os milagres do heroísmo obscuro, o infinito da vontade
compreender que, infelizmente, não é em absoluto coextensíva à no infinito dos males"; a cultura do estudante tem necessidade de ser
faculdade de curar. animada, vivificada por uma vontade de participação nas inquietu-
Outros são mais sensíveis ao aspecto global da situação: às vezes des dessas vidas incertas, em equilíbrio sempre instável entre a pre-
o hospital será comparado a um teatro, sentido como o mais patético cariedade, o perigo e o sofrimento.
dos teatros: "O ritual minucioso da cena" em que os atores desempe- Mas também o saber dos livros dará provas de seu valor ao se
nham, sem fioritura inútil, um papel cuidadosamente definido: "a eco- mostrar capaz de inserir-se na vida das massas e de participar de seus
nomia de palavras [...1a precisão e a eficácia dos gestos"; tudo regulado combates contra as múltiplas formas de opressão. Porque as expe-
como num palco e onde a dramatização se reúne à realidade: "Há duas riências de vida das massas pedem para ser esclarecidas, interpre-
situações de expectativa igualmente excitantes: quando se ergue uma tadas pelos conhecimentos formalizados - e, antes de mais nada,
cortina de teatro e quando se abre uma barríga"." a respeito daqueles que mais rudemente padecem das coações e
É .também comparável a um estádio, ou mesmo a um ringue: "O das limitações e correm o risco de serem esmagados por elas, a
lado esportivo, a luta simultaneamente contra o tempo e contra o mal". ponto de não mais distinguirem entre as linhas de força e os pro-
Para certos estudantes, o hospital surgirá como um templo: "A sala gressos possíveis.
de operação exercia sobre nós o atrativo do santuário". Uma espécie de O estudante, acredita Michelet, é especialmente apto para
fascínio por esse lugar onde as vestes, as atitudes, os próprios senti- inaugurar tais reencontros - e isto a partir de sua própria situação
mentos já não são do mundo cotidiano: a máscara do cirurgião cria-lhe econômica. Michelet considera que por mais que o estudante per-
um outro rosto, suscita uma criatura outra que contém algo de sagrado. tença a uma família rica, ele não é ainda totalmente um rico, visto
Assim, sob formas diversas, bem cedo os estudantes de medi- que no mais das vezes deve receber dinheiro de seus pais, depen-
cina vivem a repercussão das considerações abstratas sobre o ser de de seus pais. Daí se poder pensar, esperar que ele terá menos
humano. Alegria, portanto, de dar vida à cultura unindo-a a uma dificuldade para ver e agir mais alto do que os interesses de sua
atividade profissional. classe, para sofrer com os que sofrem.
Mas também alegria de dar vida à cultura unindo-a à atividade Mais que os mais velhos, ele conserva assim uma disponibili-
profissional daqueles que não se beneficiaram da cultura. dade de atitudes: mais que os jovens trabalhadores de sua idade,
ele pode, por essa cultura mesma que é a sua função, consolidar e
mostrar os acessos de revolta e de febre nos quais irrompem os
Michelet e o estudante como mediador
desejos de justiça, o sonho de uma sociedade purificada; ele dis-
Ninguém, creio eu, sonhou mais pateticamente com um re- põe dos conhecimentos e dos instrumentos de pensar que o aju-
conforto mútuo do homem dos livros e do homem formado, forja- dam a compreender, no passado, as tentativas que mais ou menos
do nas experiências da vida - mais explicitamente, aqui, do estu- triunfaram ou malograram - a distinguir as reações diferentes dos
dante e das multidões de operários e camponeses. Num estilo sem diferentes grupos sociais.
dúvida um tanto antiquado, sob uma perspectiva que parecerá de- A partir daí chega Michelet à convicção de que se pode apli-
masiado idílica aos que se apegam unicamente à cotidianeidade, car a totalidade dos conhecimentos teóricos adquiridos e das expe-
sua inspiração continua sendo salurar.r' riências práticas dos estudantes com vistas à elevação, para todos, da
De um lado o desejo de eficácia, de superar certas facilidades condição humana. O estudante surge como o mais qualificado para
do livresco por um esforço de coabitação com as massas popula- unir a cultura e a vida, sua cultura e a vida da multidão.
92 Feliz na Universidade
Segunda contradição 93

Terminemos com uma alegria, mais simples porém mais pitores-


Cumpre não menosprezar a extrema dificuldade da Universi-
ca, da relação entre a cultura e a vida. Quando ele era estudante de
dade para abordar os problemas da atualidade e convertê-los em
etnografia, um dos amigos de Louis Dumont contou-lhe que, ao viajar alegria para os estudantes.
na plataforma de um ônibus, descobrira que a relação que experi-
Em primeiro lugar, mesmo o conhecimento dos professores é
mentou entre seus vizinhos e ele se transformara para melhor desde
ainda incompleto; é prudente, é possível lançar os estudantes nas
que passara a assistir às aulas do sociólogo Marcel Mauss.12
controvérsias e nas querelas a partir de bases tão pouco seguras?
Quem pode prometer ser objetivo quando se trata daquilo que es-
tamos vivendo?
o atual Além disso a Universidade teme sentir, teme que os estudan-
tes sintam o mundo atual como caótico, ou mesmo repelente, de-
Para o estudante, a relação entre a cultura e a vida não se salentador, onde estão os verdadeiros criadores de hoje, mesclados
separa da relação entre a cultura e a atualidade. ainda à multidão dos fanfarrões? Que valor histórico assumirá um
dado acontecimento - logo não será soterrado por outro que, no
momento, passou quase despercebido?
Atração do passado
Numerosos esforços e tentativas foram efetuados, e o mundo
Certo, o passado não pode deixar de desempenhar um papel chegou ao ponto em que está; qual a esperança de que um estudante
significativo nos estudos superiores: em qualquer domínio, e não ape- consiga desenredar essas meadas? Isso rião é de hoje: em que época
nas para as artes e as letras, a cultura tem um componente histórico; o presente deixou de revestir um aspecto de confusão constemadora?
recolher, transmitir a herança. Nesse sentido, cada estudante tem "três A Antigüidade clássica, pelo menos tal qual é exposta no iní-
mil anos de idade".13 Não se pode desconhecer nem certos aspectos cio dos estudos superiores e já no colégio, surge quase sempre
de eternidade da cultura nem a alegria do expatriamento, do dístan- como um hino à grandeza e ao gênio do homem; procura-se pôr
ciamento: descobrir a multiplicidade das tradições, dos modos de em evidência uma imutabilidade do homem, o que nele escapa
vida, apreender as perspectivas que os tomam respeitáveis, válidos; tanto aos acasos dos lugares como às modificações dos séculos.
em suma, acolher O passado em si mesmo, por ele mesmo, inserir-se Mas, para reconhecer seus próprios sentimentos, suas próprias
numa linhagem e captar-lhe o valor próprio; quem sabe encontrar aí inquietações nesse homem "em si", impõe-se que os estudantes
certa segurança. Trata-se aí de forças de alegria muito reais, mas que- cheguem a transposições engenhosas, ou mesmo acrobáticas, ao
ro considerar esse aspecto como suficientemente conhecido - e é preço de inumeráveis comentários: a alegria sairá daí sã e salva?
pelo outro pólo que quero me interessar; o atual, o estudante, no
conjunto da sua cultura e da sua formação, vivendo o vínculo do Descobrir os recursos do atual
passado com a atualidade e o futuro, porque o passado ajuda a viver
o presente e a participar dos esforços que preparam o futuro. Alegria da atualidade, em primeiro lugar, naquilo que os tex-
Digamos de início que a Universidade se interessa muito mais pe- tos contemporâneos, o movimento das idéias da época têm en-
las línguas mortas que pelos poetas vivos - a tentação da Universida- quanto valor de despertar, de choque; alegria do estudante de che-
de de afastar-se de sua própria época e instalar os estudantes em algum gar aos problemas, às sensibilidades que estão em ligação direta
lugar à margem das interrogações, das paixões contemporâneas. com sua vida; há, apesar de tudo, muito mais chance de que o
Na verdade, muito menos que o colégio, a Universidade não estudante se sinta envolvido, se reconheça a si mesmo naquilo que
é passadista; todavia, parece-me indispensável insistir nas alegrias e é evocado; ele encontra aí muita coisa que aborda sua história pes-
no sentido da atualidade na cultura a adquirir. soal, ligada à situação global em que ele é levado a viver; é aí que
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94 Feliz na Universidade segunda contradição 95

ele responde às questões nas quais todos estarnos implicados; o que assegurar-lhes pontos de referência, nos quais se possam fiar para
ele pressentia, espreitava. A atualidade exala calor e por isso mesmo não errar a torto e a direito.
compreensão, calor extremamente favorável à compreensão. A ciência atual, e ao mesmo tempo a ciência em devir, em
Quando o estudo se volta para realidades atuais, emoções co- construção: eis o que se deve ensinar se se quer conduzir os estu-
muns, desejos comuns têm a oportunidade de se revelar: daí o re- dantes para as alegrias da pesquisa e da descoberta.
conforto de pertencer a uma dada geração espiritual, de não estar Por um paradoxo evidente, ensinar a ciência atual, portanto em
I
sozinho em suas tentativas; uma cultura capaz de dar ao estudante suas hesitações atuais, é inseparável de ensinar as incertezas, os erros
confiança não apenas em si mesmo mas também em agrupamentos e os sucessos do passado - numa palavra, a história da ciência.
de seus contemporâneos. Da qual Néel espera não apenas conhecimentos mas uma ati-
Alegria, enfim, de participar dos movimentos atuais de reno- tude de confiança entre os jovens pesquisadores quando estes
vação: o que desponta, o que está aparecendo, as provas em via compreenderem que seus predecessores tiveram, também eles, di-
de se edificarem, o que começa, mas só começa a se afirmar; vamos ficuldades, de um lado para abrir o seu caminho, de outro para
contribuir para consolidá-l o; somos construtores entre os construtores. fazer triunfar seu ponto de vista inovador.
Preparar-se para gerar, para criar o novo, um mundo novo: o nosso. Os passos em falso do passado, Néel pensa que não é possí-
É uma aventura a viver, e não uma peça já representada. vel expô-los nos livros - isso só pode ser feito no domínio de
Por que não acreditar em Guizot, felicitando-se pelo sucesso uma aula falada e viva, modificável à vontade; desse modo ele é
de seu curso de história na Sorbonne de 1828 a 1830 e que tratava levado a atribuir caracteres e mesmo objetivos muito diferentes ao
do período contemporâneo: os estudantes tomaram "um vivo inte- ensino oral e ao ensino impresso, porque suas relações com a
resse: as idéias que eu desenvolvia ligavam-se, sem a ele se sujei- atualidade são diferentes.
tar, ao estado geral de seu espírito, de sorte que tinham em seu Descobrir, redescobrir sem cessar a riqueza do atual. Um exem-
favor ao mesmo tempo o atrativo da simpatia e o da novidade. plo bem diverso e no entanto convergente, a revolução impressionis-
Eles se sentiam, não lançados em vias retrógradas, mas reapruma- ta na pintura: "O que necessitamos é a nota especial do indivíduo
dos e impelidos para a frente"." moderno, em seu vestuário, no meio de seus hábitos sociais, em sua
Propor aos estudantes idéias de sua época; não apenas as que casa ou na rua. Os aspectos das coisas e das pessoas têm mil manei-
foram atraentes, perturbadoras ou discutidas outrora, senão tam- ras de ser imprevistas na realidade".16Captar a beleza do nosso tem-
bém as que atuam sobre os homens de hoje, as que fazem agir os po, as fisionomias múltiplas que nele pululam e o modo como se
homens de hoje. conciliam com a multiplicidade dos ambientes de vida, dos modos de
vida - exatamente aquilo que os estudantes estão vivendo.
Particularmente nas ciências, os estudantes reclamam o atual,
os assuntos atualmente em evolução e em discussão: uma primeira
alegria consiste então em perceber que a ciência se mexe, avança, A Universidade para estabelecer os vínculos entre os tempos
vive; "Até ali a matemática sempre nos aparecera sob a forma de
teorias modeladas, acabadas, deflnírívas"." Donde uma segunda Pode-se indagar se uma das tarefas da Universidade não é fa-
alegria, em virtude da qual ele é levado a acreditar que terá um zer os estudantes compreenderem que os fatos, movimentos, cor-
papel, limitado embora, nesse avanço: "Dizíamos então que talvez rentes, mudanças atuais são seus aspectos de desordem e de acaso,
nos fosse possível participar modestamente da tarefa, que esta não remetendo a significados fundamentais: aprender a distingui-I os, a
era da alçada exclusiva dos gênios". Evidentemente, diante de ligá-los entre si; alguns incidentes preparam os grandes saltos: por
questões ainda controvertidas, os estudantes se sentem "desorienta- exemplo, isso ocorreu com vários episódios da vida colonial. Estes
dos"; torna-se então ainda mais importante o papel do professor de merecem que nos interessemos por eles.
96 Feliz na Universidade Segunda contradição 97

Sentir os vínculos entre os tempos - e a alegria desses víncu- Numerosos são os jovens, e notadamente os universitários,
los: fazer existir a unidade passado-presente e portanto futuro. O que encontraram primeiro a alegria em obras, não direi necessaria-
passado, as obras do passado, o estudo das origens estão aí para mente contemporâneas, mas não muito afastadas deles no tempo e
nos ajudar a captar melhor o presente, a viver melhor o nosso pre- que põem em cena pessoas e problemas não muito estranhos a
sente, os problemas que se "presentam". eles mesmos. Em seguida, foi aos poucos que eles conseguiram,
Aos dezoito anos, Lavisse decide consagrar-se à história: tem não raro com a ajuda dos professores, ser verdadeiramente tocados
como a revelação que, afinal de contas, nosso passado histórico é (e não simplesmente divertidos, interessados) pelo mais distante:
muito breve - e por isso mesmo a compreensão do passado não para encontrar visões de vida tão diferentes da sua, foí-lhes neces-
é curiosidade indiferente, mas (ouso aqui parodiar uma fórmula sário fazer um grande esforço ao mesmo tempo de atualização e
publicitária) ontem já é hoje: "Não se precisaria de mais que uns de expatriamento, quase sempre tomando impulso a partir de ad-
vinte octogenários para chegar ao tempo em que Jesus Cristo veio mirações que já tinham contraído pelo próximo.
ao mundo".17
O passado estudado não apenas por si mesmo mas para se Dificuldades e importância das confrontações temporais
entender o presente e preparar o futuro é também a tarefa que a
geografia se propõe - o que permite a Louis Papy declarar: "Para Não nos enganemos: essa transposição do passado para o
mim, o geógrafo é um historiador"." Porque a geografia consiste presente só se faz num concurso de circunstâncias favoráveis.
também em compreender como as atividades das massas humanas Por exemplo, determinadas obras, determinados quadros anti-
se inscreveram nas paisagens e as transformaram, humanizaram. gos já não chamavam a atenção do público. E, num dado momen-
De onde se pode concluir que, apesar das aparências, as coi- to, começa-se a olhá-Ias "com a experiência própria do seu desper-
sas não se instalaram há tanto tempo, nem de maneira tão definiti- tar" porque se descobre nelas aquilo de que "nossa experiência tem
va: há efetivamente um futuro, e este pode ser novo - renovação; necessidade" nesse exato momento; 21semelhante redescoberta é ela
as transformações são a regra da história, não há motivo, enquanto própria fruto de um real convívio com as obras de arte.
tais, para temê-Ias; ao mesmo tempo isso significa que a humanida- Assim os estudantes podem vir a considerar as grandes obras do
de, em seu desenvolvimento, possui uma unidade; cabe-nos pois passado não como santas múmias, mas como "presenças" amigas.
aproveitar, prolongar os ensaios, os esboços de progresso que já se Forma-se aqui um círculo vicioso, mas de alcance exemplar: o
anunciam. Não estamos reduzidos a imaginar utopias de felicidade. passado ilumina o presente e, não obstante, é essencialmente a
Em suma, a atualidade, enquanto saída da história, é para nós uma partir do presente que se capta o passado: o passado adquire senti-
garantia contra o abandono. do na proporção daquilo que o estudante tiver experimentado em
E, reciprocamente, das obras do passado muitas vezes o estu- sua época, nos engajamentos contemporâneos que o animam, nas
dante consegue tirar. alegria dando-lhes um sentido em relação ao adesões às causas de envergadura "histórica".
seu presente; retomá-Ias nas questões que elas propõem, nas an- Iluminar o atual pelo passado não é apenas conduzir à con-
gústias evocadas. Aqui a ajuda dos professores pode mostrar-se vicção, à segurança de que o atual é compreensível, válido, digno
particularmente útil: "Ver Enéias como a imagem antecipada de um de ser estudado; é, afinal de contas, valorizar a ação no atual. Agu-
fugitivo... erradio... ao deus-dará... obrigado a fundar de novo ... lhon o expõe de forma extremamente lúcida a propósito de seu
malfadado e apesar de tudo vencedor't.i" ex-professor do curso preparatório, Hours: "Ele fazia de bom grado
Bellessort, professor de cursinho, "reencontrava os homens da um paralelo entre um fato geral [e eu acrescentarei: um fato, por-
Convenção nos de Tácito, as notações de Proust num verso de Virgí- tanto, que age atualmente] e um fato histórico do programa; o pa-
lia descrevendo o marfim que se faz róseo ao lado da púrpura'v" ralelo tendia a estabelecer a idéia de que a história é, em suma, a
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política de ontem, e a política, a história de amanhã. Logo, de que a 4. W. Shirer, Un Témoin du xx' siêcle, op. cit., p. 158.
5. A. Breton, Les vases comunicarus, Cahiers libres, 1932, p. 171.
política é coisa séria".22 Desse tema global, Agulhon vai tirar conse-
6. Martineau sobre Lizst, Lettre à un ami élêue,Tallandier, 1986, p. 26.
qüências que surpreenderão mais de um leitor: "A esse respeito, 7. R. Vailland, Lettres à sa famille, op. cit., dezembro de 1926.
creio que sua influência era, mais ainda do que ele poderia pensar 8. A. Touraine, Un désir d'histoire, stock, 1977, pp. 44-45.
ou desejar, favorável à esquerda. Não é, com efeito, a esquerda 9. G. Mendel, Enquête par un psycbanalyste sur lui-même, Stock, 1981, p. 135.
que leva a política a sério, a ponto de querer que ela seja uma 10. F. jacob, La Statue tnterieure, op. cit., p. 102.
11. J. Michelet, L'Étudiant, op. cit., 3a e 4a lições.
coisa moral, uma coisa de princípio? E não é, ao contrário, um 12. L. Dumont sobre M. Mauss in L 'Are, n" 48, p. 23.
traço muito difundido na direita o considerar a política apenas 13. J. Guéhenno, La Foi dif./icile, Grasset, 1957, p. 78.
como uma espécie de doença vergonhosa ou de mal necessário". 14. F. Guízot, Mémories pour seruir l'bistoire du temps présent, Michel Lévy fréres,
O passado, o conhecimento do passado como tendendo para 1858, p. 337.
15. L. Néel no jubilé de Gaston Julia.
o presente, suporte, talvez aposta em direção ao presente. Por que 16. L. E. Duranty, La Nouve!le Peinture, publicado em 1876, L'Échoppe, 1988.
isso é tão difícil de realizar? 17. E. Lavísse, Souvenirs, Ca1mann-Lévy, 1912, p. 282.
Uma cultura que toma seus pontos de apoio no atual: isso 18. L. Papy in Hérodote, janeiro de 1981.
supõe uma sociedade que ousa olhar para si mesma, tal qual ela é, 19. J. Guitton, Écrire comme on se souuient, p. 112.
20. A. Bellessort, LeCollêge et le monde, Gallimard, 1941, p. 37.
que ousa ensinar a si mesma ou, antes, que se renova, se sente em
21. E. Canetti, Histoire d'une ote, op. cit., p. 133.
via de se renovar a ponto de ousá-lo. 22. M. Agulhon, Essai d'Bgo-btstoire, Gallimard, 1987, p. 14.
E também um estilo de vida do estudante que se mantenha a 23. Saint-John Perse, Discours de Stockholm, Gallimam, La Pléiade, 1972, p. 446.
essa altura.
Seríamos facilmente levados a pensar que Saint-john Perse
aproveita-se de uma época privilegiada quando evoca "o gosto de
viver neste tempo novo, pois grande e nova é a hora em que tudo
se renova'v" Mas é sempre o momento, a ocasião de preparar a
renovação. "E a quem cederíamos a honra do nosso tempo?"
Cada época apareceu aos contemporâneos ou como catastró-
fica ou como desesperadamente cinzenta. A glória dos poetas é a
de nos lembrarem que nossa era não se desmereceu e de nos inci-
tar a desenvolver todos os méritos de que ela é portadora.
No horizonte, evidentemente, o futuro é uma cultura que sus-
cita o sentido e a alegria mais aptos a preparar para a esperança, e
não para o medo do futuro: formar homens capazes de evoluir no
mundo de amanhã, de organizá-lo ou mesmo de afrontá-lo em si-
tuações originais, imprevistas, imprevisíveis.

Notas
1. P. Gadenne, süoe, publicado em 1942, Seuíl, 1971, p. 20.
2. J. )oyce, Dedalus, op. cit., p. 263.
3. B. Parain, De fi/ en aiguitle, op. cit., p. 139.
TERCEIRA CONTRADIÇÃO:
ALUNOS E PROFESSORES

Este é tema mais conhecido, cem vezes proclamado, cem vezes


vivido assim por uns como por outros. O importante aqui é procurar
saídas. Gostaria contudo de evocar uma vez mais alguns dos bloqueios.

Mal-estar dos professores

o professor acredita ser de seu dever dirigir, guiar, orientar; o


estudante pensa que chegou o momento de assegurar uma larga
zona de autonomia, de originalidade.
A isso se juntam várias dificuldades específicas. De um lado,
por parte dos professores. Como todo mundo, o professor de fa-
culdade envelhece; mas isso pode assumir aspectos particulares: as
gerações de estudantes, de seus estudantes, tomam-se-lhe cada vez
mais estranhas, chocam-no cada vez mais. Ao mesmo tempo que
acusa "a baixa do nível", o professor sente que não está no diapa-
são, pode ficar inseguro diante dos alunos.
Às vezes tomou-se amargo, mesmo que tenha começado por um
período de entusiasmo; renunciou a muitas ambições, restringiu-se; e
102 Feliz na Universidade
Terceira contradição 103

se, porventura, encontra no aluno a imagem de seus sonhos de prin- além, evidentemente, dos resultados dos exames, ele teme o julga-
cipiante, será sempre com alegria?
mento do professor, a despeito de todas as ocasiões em que o decla-
No início, aliás, ele estava às voltas com a contradição de sua ra indigno de discípulos como ele.
função: dominar em nome do saber e da necessidade de guiar - mas Não será ele visto como o fracalhão, não vai ser englobado nes-
também estar em pé de igualdade com os alunos, aberto para seus se vasto conjunto de alunos aos quais se repete que açambarcam, nos
projetos; numa palavra, o paradoxo de um interesse desinteressado. anfiteatros, lugares usurpados? E o pior seria que o professor acabasse
O impasse: "Quando não temos relação com os alunos, so- por convencer o aluno de sua incapacidade e o desiludisse.
mos um robô sem alma. Quando a temos, é paternalísmov' Quanto mais eminente e admirado é o professor, tanto mais
Haverá um tipo de alunos que procura um vínculo positivo, forte será a influência que exerce - daí alguns alunos temerem
ativo, com o professor - e outros que dele só esperam discrição, que sua verdadeira personalidade, que estão justamente descobrin-
reserva, distanciamento e transmissão de conhecimentos? do, seja absorvida pela ascendência do outro, encerrado em seu
Escapará ele a uma segunda contradição? De um lado, sua pro- doutrinamento. Todos vão entrar no mesmo molde. Entre aprovar,
dução própria: o professor espera participar na elaboração da ciência admitir, inspirar-se, imitar, copiar... muitos estudantes temem que
que se faz; de outro, espera transmitir nas aulas uma ciência já pron- as transmissões sejam insensíveis.
ta; de um lado, o que ele espera ser sua contribuição pessoal; de Podemos perceber essa mesma dificuldade sob outro ângulo:
outro, tornar-se eco do que outros já disseram sobre o assunto. Não é o aluno visa a um ideal de autonomia - convencer-se por si mes-
apenas que o tempo seja limitado e não se possa fazer tudo; trata-se mo da validade do que lhe é proposto, pensar por si mesmo. Em
de duas direções de esforços que não se conciliam facilmente. fatos, isto significa participar da investigação - e ser capaz de ori-
Naturalmente, como todo professor, o de faculdade prefere os ginalidade: encontrar por si mesmo, criar algo de excepcional. Seu
melhores alunos. desejo profundo é reinvindicar uma personalidade própria, ser re-
Mas logo se arrisca a entrar em concorrência com eles: no principio conhecido em sua personalidade.
o bom aluno inova, mas ainda no interior das grades do mestre, de seu Por um paradoxo apenas aparente, o apoio que tal aluno es-
modo geral de interpretação. Pouco a pouco ele vai questionar outros pera do professor é que este o ajude a liberar sua originalidade, a
temas que não os que o mestre previra, e vai romper as próprias grades. lhe revelar todos os recursos de que é capaz.
De início ele tinha por ambição igualar o seu mestre; vem o momento Na realidade, porém, na Universidade ele vai ser guiado, ava-
em que sonha ultrapassá-lo, retificâ-lo, desmentí-lo. E, mais prosaica- liado, sancionado por instituições e por professores, submetido às
mente, suplantá-Ia: a Universidade é, corre o risco de ser o lugar de exigências ao mesmo tempo rudes e infantis do exame; e muitos
concorrência entre as gerações, as que sobem e as que se empenham não estão em absoluto persuadidos de que é assim que sua indivi-
em permanecer, em manter a direção oficial ou efetiva das equipes de dualidade vai se desenvolver. Ora, desses exames depende sua car-
pesquisas, dos laboratórios. E o medo de serem descartados pelos alu- reira universitária, talvez a totalidade de sua carreira.
nos, por seus ex-alunos, não contribui para serenar os professores. Isto posto, o que me interessa é evocar uma diversidade de
exemplos como tentativas para encontrar saídas - sem dissimular
Perturbação dos alunos que as contradições não desaparecem, mas coabitam com as tenta-
tivas feitas para superá-Ias.
Da parte dos alunos, as dificuldades são igualmente múltiplas: por
exemplo, sem retomar de novo a oposição autoridade-liberdade, dire- o poder de se exteriorizar
mos simplesmente que o aluno, sendo embora com freqüência um agen-
Obviamente, dias há em que o professor universitário preferiria
te de recusa, de contestação, é apesar de tudo um ente de fraqueza:
não ter de deixar seus próprios trabalhos.
104 Feliz na Universidade
Terceira contradição 105

Mas há os bons casos em que ele se alegra em lecionar - a lavra arrastar) mas, da mesma forma, são eles que com freqüência o
ponto de dar aos alunos a impressão de expor exatamente, naquela arrastam, chegando por vezes a fazê-lo extravasar.
hora, o assunto que mais lhe interessa. Ele gostaria de tratá-Ia mesmo Muitos são os professores que reconheceram a ação benfazeja
que isso não estivesse inscrito, prescrito nos programas. que seus alunos exerceram sobre eles: "Se nos arriscamos a imobi-
E pode-se esperar que essa alegria será comunicativa quando lizarmo-nos, os jovens nos oferecem o espetáculo de sua flexibili-
os alunos sentirem no professor uma harmonia entre o pesquisador dade: se nos arriscamos a cristalizar-nos em nossos métodos, de
e o "comunicador". transformá-los em dogmas, os jovens nos lembram a necessidade
De um lado o professor pode considerar a aula como ocasião do movimento; suas críticas prontas são uma advertência para que
favorável para elaborar uma concepção de conjunto dos problemas, nos mantenhamos em forma. Mesmo as suas ironias nos obrigam a
enquanto ele, o especialista, sempre corre o risco de se deixar fasci- corrigir nossas manias". 4
nar por um dado pormenor: incitação a construir um encadeamento O professor, os alunos: uma criatividade ocorre quando cada
global das idéias e de formular seu próprio pensamento, apresentando- uma das partes está sozinha; sensação de participar de um progresso
o em modos de expressão claros, logicamente encadeado. por uma ação coletiva, desde que se crie um ritmo, uma vibração
De maneira mais geral, o professor, pelo menos o professor "orquestral"; põem-se então em movimento não apenas a compreen-
ideal, é um homem que não gosta de guardar para si o que sabe, são mas quase uma comunidade em busca de sua coesão.
o que descobre: "Se eu não tivesse sido professor, creio que a car- Ousaríamos dizer do professor o que Antonin Artaud diz do
reira que mais me conviria teria sido a de ator: é maravilhoso po- ator - "um atleta afetivo"?
der se exteríorizar"." Quando um professor sabe externar sua emo- O professor só pode esperar atingir o seu público na medida
ção diante da grandeza da mensagem cultural, quando é capaz em que ele próprio é atingido por esse público; ele o percebe en-
também de confessar seus momentos de hesitação, ou mesmo de quanto desejo ativo e se sente enriquecido por ele.
desânimo, os alunos podem achá-Ia distante, "pairando nas altu- Estamos em pleno idílio e conto de fadas. Mas, e se houvesse
ras", e ao mesmo tempo próximo. algo de real nesse sonho! Não existem, com efeito, momentos em
que a personalidade mediana, medíocre, dos professores é como
Quando preparamos uma aula, mesmo que às vezes alguns se
que substituída pela "magnanimidade" daquilo que eles introdu-
exercitem em pronunciá-Ia em voz alta, as frases que dizemos em
zem? E isso pode tornar-se contagioso até para os alunos ...
nosso quarto não assumem a forma, a força sensíveis que atingirão
Quero terminar com uma nota otimista, com estas reflexões,
- talvez - na frente dos alunos, nos casos felizes em que nossas
consagradas ao papel do professor no acesso à alegria: evocação
evocações são por eles compartidas. O professor tem necessidade
do riso de Bachelard durante algumas de suas aulas; não "conces-
de um público para que seu pensamento e até mesmo, excepcio-
sões destinadas a garantir alegre popularidade junto a um público
nalmente, sua emoção se tornem explícitos também para ele mesmo.
jovem, [mas sim] essa graça profunda, divina ... a abordagem do
absoluto assinala-se pelo risO".5
Um entusiasmo recíproco

E, de maneira complementar, a alegria dos alunos em sentir que


Coragem dos alunos
são importantes ao mesmo tempo como interlocutores diretos e como Falemos inicialmente daqueles que se destinam ao magistério.
presença humana: o professor "precisava do nosso entusiasmo para tê- Quem ousaria ainda hoje aventar a idéia de que eles dão prova de
10 ele próprio, de nossa juventudade para os seus ímpetos de juventu- coragem? A idéia em moda é que eles querem permanecer crian-
de".3 Os alunos são arrastados pelo professor (no duplo sentido da pa- ças, presos a uma escola da qual, por isso mesmo, nunca terão
106 Feliz na Universidade Terceira contradição 107

saído; não precisarão assumir nem as incertezas nem os riscos das duzir ardor e entusiasmo nesse mundo universitário dedicado ao
funções "adultas": continuarão escondidos em suas tocas. mesmo tempo ao conhecimento e à formação dos indivíduos?
Na realidade, a profissão de professor é uma daquelas em que
nunca se alcança segurança alguma. Nem em relação aos colegiais o professor é uma pessoa
ou universitários: quaisquer que sejam a idade e a experiência do
professor, elas podem sempre escapar-nos, por estratégias que vão Na Universidade, o professor poderia afigurar-se menos ne-
do fechamento hostil à algazarra, passando, na Universidade, pela cessário - ele parece desempenhar um papel menos central que
deserção; quanto mais o professor envelhece, mais os alunos po- na escola de primeiro e segundo grau: as funções de vigilância di-
dem afastar-se dele. Nem em relação à matéria ensinada nem aos minuem, os alunos são bem mais capazes de recorrer a livros ou
métodos, aos problemas abordados: a defasagem vai crescendo en- mesmo aos textos mimeografados e de fazer suas próprias sínteses.
tre o que aparece como evidente, significativo, interessante para o Será uma alegria essencial para muitos estudantes encontrar-
adulto, para o adulto que envelhece - e as preocupações, os pon-
se diante de uma pessoa - uma pessoa que realiza, nos melhores
tos de vista, as reivindicações de seus alunos.
casos, a união de uma competência, de um conjunto de convicções
É preciso ter coragem para enfrentar o duelo, e muito mais
e de uma experiência de vida, em suma, um avanço de vida: eis aí
ainda para esperar levá-I O a uma conciliação, a um acordo.
o que pode constituir a fonte de sua autoridade. No caso mais fa-
Mas cumpre também falar da coragem do aluno em geral.
vorável, os alunos serão sensíveis a um sopro, a um brilho - não
Por certo, muitos (e entre os próprios interessados) conside-
ram a vida do estudante demasiado regrada, demasiado regular, ouso dizer a uma radiância.
monótona, cômoda - ainda que os exames não o sejam. Ela pode Alegria desenvolvida por um ensino verbal e personalizado; a
desagradar a certos temperamentos, sobretudo depois de períodos comparação entre a profissão de ator e a de professor ganha aqui todo
dramáticos como o da Resistência. o seu sentido: "A palavra viva e o contato pessoal não são substituíveis
Diante disso, cumpre lembrar que a vida do estudante consti- pela leitura, assim como uma peça teatral lida não substitui uma peça
tui, em sua essência, uma verdadeira aventura intelectual: afrontar de teatro representada"? Em ambos os casos, há a interpretação: um
os problemas mais difíceis, posicíonar-se em relação a teses com- indivíduo se envolve profundamente, presença física que se prolonga
plexas e elaboradas, questionar, abandonar caminhos que pare- em presença individual e individualizante. A palavra e as atitudes po-
ciam consolidados - em suma, tentar abrir novas pistas; por mais dem modular-se: nem sempre graves, às vezes ligeiras e rápidas, ousan-
que nos preparemos com mínúcia, não podemos prever em que, do mesmo a meia-voz nos instantes de extremo silêncio.
até que ponto nos engajamos. E essa cultura, por pouco que seja Mesmo que cada aluno não possa conversar individualmente
assumida com gravidade, não pode deixar de se inserir na vida do com o professor, uma espécie de comunicação. pode se esboçar
mundo, participar da vida do mundo e de seus sobressaltos; assim com um professor, mas não com um mímeõgrafo.
ela se lastra com um peso não apenas de seriedade mas também de Na alegria (possível) dos primeiros contatos do estudante com a
trágico - a partir do que se trata de conquistar exatamente a alegria. instituição, as pessoas dos professores ocupam um lugar privilegiado -
e gosto desta frase do jovem Levinas ao chegar à Universidade: "Quatro
professores de filosofia reuniam, aos meus olhos ingênuos, ou melhor,
Por que professores universitários? perspicazes, todas as virtudes da Universidade'Y
Entreguemo-nos ao prazer de esperar que a primeira impressão é
"A arte mais importante do mestre é a de fazer brotar a alegria que é a boa; a novidade, o choque inicial põem em plena luz a físiono-
no estudo e no conhecimento"." Haverá mesmo um modo de intro- mia dos professores e suas atitudes, um pouco fora do comum. Em
108 Feliz na Universidade Terceira contradição 109

seguida virão palavras professorais - que, evidentemente, não terão podem incessantemente alimentar - mesmo que creiam reagir a isso
todas o mesmo vôo. mediante um bloco de dogmatismo. Esperávamos de nossos professo-
Antes de tudo, evítar-se-á opor a alegria das relações individuais res, deplora Brice Parain, não somente que nos fornecessem "matéria
e o progresso quanto às matérias ensinadas, aos conteúdos culturais. para raciocínios" ou mesmo que "nos ensinassem a raciocinar", mas
André Miguel diz muito bem que foi "na relação pessoal" entre o que "tomassem o cuidado de primeiro nos convencer de que é possível
professor e o aluno que ele avançou na compreensão dos assuntos raciocinar corretamente; de que há uma verdade superior, não somente
tratados; as duas alegrias são chamadas a se reforçar uma à outra." em beleza mas em eficácia, às opíníões"."
Segue-se, uma vez mais, que essa relação pedagógica é basi-
camente diferente das relações puramente afetivas, das outras rela-
Ensinar a aprender, ensinar a desaprender
ções afetivas: ela comporta uma dose quase igual de apego ou
mesmo de admiração, certo modo de se "enraizar" na pessoa do
Numa primeira etapa, o professor pode trazer alegria ao aluno
mestre, de "acender" ao seu contato - e desprendimento, com
simplesmente ajudando-o a estudar, formando-o para o estudo: en-
algo de estrito que pode ir até à frieza, já que se trata, em todos os sinar a manejar os instrumentos intelectuais, adquirir as técnicas de
sentidos do termo, de progredir numa "disciplina" e portanto de trabalho necessárias; saber-fazer, saber-fazer-bem; as disciplinas de
endossar exigências rudes; por outro lado, a relação não é, não
trabalho, ou mesmo a disciplina da vida.
deve resvalar para o dueto: ela é, por essência, plural.
É interessante constatar que preceitos que nos foram freqüen-
temente apresentados como inovações quase revolucionácias já se
Alguns retratos encontram no século XIX - por exemplo, sob a pena de Claude
Bernard: "Não é preciso querer ensinar aos jovens; é preciso ensi-
Dentre cem outros, gosto de evocar algumas figuras de pro- nar-lhes a aprender, sobretudo é preciso lançar neles os germes da
fessores enquanto individualidades marcantes. ciência, e não os frutos".14Mas, se recentemente essas fórmulas pu-
O solene: era fácil ridicularizá-Io, mas ele se empenhava, por deram parecer novas, não será porque ainda não havíamos conse-
sua própria atitude, em evocar a grandeza da mudança cultural: guido transferi-Ias para os fatos?
"Toda a sua pessoa tinha algo de oficial: fraque preto, colete bran- Isso complica a tarefa de conduzir o estudante ao rigor com
co e gravata preta; parecia que estava se apresentando perante o respeito a si mesmo: saber criticar a si mesmo e saber tirar partido
público como perante um juiz difícil, quase temível" .10 das críticas de que se é objeto; o professor coloca o aluno no cen-
]ules ValIês, implacável para com todos os demais professores, tro da dialética alegria/não-alegria quando se empenha em torná-I o
mostra-se sensível ao entusiasmo que anima as aulas de MicheIet no difícil para com ele mesmo, mostrando-se exigente notadamente
College de France: "Algumas vezes, quando ele falava, tinha lampejos quanto às suas primeiras criações, às suas primeiras descobertas,
que me passavam pela fronte como um calor de braseíro''." nas quais por vezes se compraz.
Um homem capaz de captar a clareza a fim de dirigi-Ia ao aluno. Num grau ulterior, um dos papéis do professor é levar o alu-
Alguns professores personificam o fervor da boa desordem; Max no a reconhecer que há fatos, doutrinas que lhe contradizem as
Brod, .apresentando seu professor de sociologia, Alfred Weber, diz: "A opiniões, que ultrapassam de longe aquilo que ele percebera até
ciência na sua forma apaixonada; de pé atrás de sua cadeira de conferen- então, aquilo a que se agarrava - e o tornam caduco.
cista, lançando suas idéias ao acaso, numa impaciência devoradora''." As vias- da continuidade são feitas para desembocar, apesar de
A tarefa. precípua do mestre é talvez a de afirmar, atestar que a tudo, em rupturas com o passado, os gostos e hábitos do meio, os
cultura existe. Ajudar os alunos a superar um vago ceticismo que a vida hábitos e gostos próprios - a ponto de desalojá-Ia de si mesmo,
corrente, as idéias correntes, o encontro de cem discursos heterogêneos de obrigá-Ia quase a renunciar a si mesmo.
110 Feliz na Universidade
Terceira contradição 111

Fase de não-alegria, mas para fazê-lo atingir a alegria de per- diosa mecânica do que ter de resolver problemas - que além do
ceber o que há de maior naquilo em que acreditara e, em certo mais estão aqui diretamente às voltas com seres vivos.
sentido, naquilo que ele fora anteriormente.
Alegria na história quando o professor faz sentir que O passado
É assim que o jovem Freud vive suas relações com seu mestre nem se dissolve no intemporal nem se reduz a mera variante do pre-
de então, Charcot, numa mescla de esperança e desespero: "Char- sente - por exemplo, um texto de Sêneca sobre o estoicismo: quando
cot [",1 está a demolir minhas concepções e minhas idéias L.J ele o professor o situa em relação à cultura e à sociedade (escravagista) da
me esgota e, quando o deixo, já não tenho vontade alguma de me época, pode fazê-lo sentir ao mesmo tempo a distância - esse pensa-
consagrar aos meus próprios trabalhos, tão insignificantes; [no fim] mento já não pode ser aplicado tal e qual - e a proximidade - a
O grão produzirá algum fruto? Ignoro-o". 15 relação dominador-dominado se metamorfoseou, mas não desapare-
ceu. Fora da intervenção professoral, o estudante poderia ficar indiferente
a considerações que ele poderia rejeitar como eternas (mas então por
Quando os sucessos escolaresassumem dimensão humana
i I que ir buscá-Ias tão longe) ou sem relação com o que ele próprio vive.
Sucessos pura e simplesmente escolares poderiam passar por Amar-se-á um professor que souber - por exemplo, em his-
sucessos técnicos e, portanto, não dar lugar senão a alegrias par- tória - apoiar-se em, elementos precisos, minuciosos, severos, ri-
ciais, não atingindo os problemas globais do estudante: na realida- gorosos, cientificamente estabelecidos, mas também mostrar aos
de eles podem ser levados até um ponto em que repercutem muito alunos os fatos fundamentais, os aspectos gerais, uma síntese que
profundamente em sua sensibilidade e em sua luta contra a não- englobe os pormenores e abranja as questões levantadas pelos alu-
alegria; desde que professor e aluno sejam, juntos, capazes de des- nos; evocar os grandes problemas da história, isto é, em última análi-
dobrá-Ios em toda a sua amplitude. se, as lutas e as trocas entre as diferentes formas de civilização.
Por exemplo, a dissertação em três partes passa por ser o tipo Um professor que procede regularmente, degrau por degrau,
do exercício factício e vão, esquema passível de aplicar-se a qualquer levando em conta cada momento dos desempenhos de que os alu-
enunciado: "tendência e intendência" sugere certo folclore estudantil nos são capazes, mas também que sabe às vezes tornar presente a
- e chega-se com freqüência a conciliar tudo com qualquer coisa. evolução geral, global da matéria a estudar, na intuição necessaria-
mente ainda impresa, no limite do compreensível, do conjunto dos
O professor ajudará o aluno a sentir que, nas duas primeiras
objetivos: "O mundo inteiro Se revelava".17
partes, vai-se "mostrar como compreender as razões pelas quais
Outro exemplo de exercício escolar por excelência: a tradu-
alguém disse alguma coisa ou Se comportou de determinada ma-
ção, e mais ainda das línguas mortas. O jovem Guitton experimen-
neira":16 trata-se, pois, de captar e valorizar a diversidade dos pon-
ta um grande progresso estético quando aprende a traduzir o verso
tos de vista, de provar que cada um tem a sua razão de ser, e não
i! de justífícá-los todos no mesmo nível, mas ao menos não teimar
de Virgílio "Ponto nox incubuit atrd' não mais insossamente: "A
I
I noite negra se deitou" mas, numa dramatízação autêntica: "E sobre
em aniquilá-I os em benefício de uma só idéia, tirânica.
o Oceano, negra, a noite se deitou".18
A terceira parte visa a "reintegrar o problema levantado num
Este conjunto de regras, notadamente nas gramáticas estrangei-
conjunto mais vasto de outros problemas": a cultura de uma unida-
ras: à primeira vista, isso parece constituir outros tantos obstáculos, ali
de - ou melhor, o estudante é aquele que tem por tarefa forjar de
colocados de propósito para fazer os alunos tropeçarem - quando
sua cultura uma unidade rica e complexa.
muito um jogo em que os "bons alunos" vão ganhar, porque foram
Uma aula de história, questões de história: uma enumeração a adestrados para respeitar as prescrições, por arbitrárias que sejam,
engolir e depois a descartar? Não, se o professor soube transformar Sem discuti-Ias. Um professor poderá conduzir o aluno à alegria de
cada assunto num "problema"; e nada está mais longe de uma te- sentir a textura das línguas como significativa de uma determinada
~~--- -,-------------"""""",......""""' -_
....••..•.... .......•.•...••............,

112 Feliz na Universidade


Terceira contradição 113

visão do mundo; riqueza dessa pluralidade que enseja a ocasião de tripas". A explicação de um texto é feita para aumentar a alegria e
responder a diferentes desejos de expressão. para chegar a ela.21
O futuro poeta admira-se de que o latim possa "contrair numa
palavra ou numa estrutura densa o que o francês só lograria exprimir oprofessor como intérprete
desatando-o". E essa "contração" ele a experimenta como favorável a
uma proximidade, uma intimidade entre os interlocutores.'" Gostaria de comparar o professor a um intérprete, de dizer que
Que se diga "Eo Romam" ("Vou a Roma") sem preposição lhe ele é um intérprete, e isto significa que sua função é tomar a obra o
arranca exclamações entusiastas: "Que transitividade magnífica! mais acessível, o mais presente possível - e que em seguida sua
Que aderência substancial do movimento à sua meta!" tarefa é desaparecer, no limite extremo de se fazer esquecer, para
deixar todo o lugar ao sábio ou ao poeta de que foi o porta-voz.
Grego antigo e vida bretã Comparação com um intérprete musical, um instrumentista: gosto
muito dessas palavras de Nadia Boulanger ao pianista Cortot, que lhe
confiava suas inquietações quanto à qualidade de sua execução: "Não
A alegria que o aluno encontra nesse tipo de estudo, ou mes-
sei dizer se esta noite você tocou bem ou menos bem, sei apenas que
mo de exercício estritamente escolar, une-se às alegrias e tristezas
os Prelúdios de Chopin nunca me pareceram tão líndos"."
de sua história pessoal.
No entanto, por mais que não passe de um intérprete, o pro-
É um Breton extremamente ligado à sua Bretanha e a toda a
fessor adquire algo da grandeza daqueles que ele apresenta, que
vida marinha que se sente "exilado" no curso preparatório do
ele representa. "Quando os professores chegavam diante dos alu-
Louis-le-Grand: o melhor antídoto para sua tristeza, ele o vai en-
nos, deixavam de ser criaturas comuns, com suas preocupações
contrar nos textos de Homero e em seus esforços para traduzir
cotidianas; eles nos abriam as portas de um outro universo: sua
uma língua que desafia qualquer tradução; desse modo ele chega
verdadeira vida parecia ser esse outro universo, e seu verdadeiro
progressivamente a apreciá-I o sem precisar de passar pela versão.
eu essa voz que nos fazia percebê-I o". 23 Daí a vontade dos alunos
"Quando eu traduzia Homero, inoessantemente suas alusões mari-
de serem dignos daquele que eles pressentiam assim.
nhas me faziam desanimar: o mar de reflexos borra-de-vinho ... o mar
Em suma, para tirar alegria dos exercícios e das obras essenciais,
de estradas inúmeras... [Em certos casos] o sabor da palavra grega era
que não podem deixar de ser de difícil aoesso - e isso em todos os
insubstituível: o mar poluphlosboios, pacote de fragor. Eu me repetia a
domínios -, o aluno tem neoessidade de que um caminho tenha sido
palavra, passava-a pela língua e pelos dentes, contemplava as paisa-
desbravado entre o que ele já sabe, sente, aquilo de que tem necessida-
gens sonoras que as sílabas faziam surgir. Para mim, era evidente que
de para sua própria busca, e as novas contribuições. Ou seja, ele tem
Homero encerrara em poluphlosboios os choques, os entrechoques, os
necessidade de um outro, "um monitor fiel e vigilante", exatamente
rolamentos e as quedas das praias açoitadas pelas grandes vagas"."
para dar vazão ao seu pensamento pessoal, pois em muitos casos este
Conquanto o lugar-comum seja dizer que um belo texto se basta
não nos ensina como tirar partido dele mesmo. O professor pode ser
a si mesmo e que a intervenção professoral só consegue dessecá-Io,
esse mediador, e não um estorvo, muito menos um obstáculo.
servindo o professor de barreira entre o autor e o aluno, eis um aluno
que nos mostra seu professor dando a uma passagem de Racíne um
rigor, uma aspereza e também uma vida que os alunos não suspeita-
riam: ele substitui determinados termos na história da língua francesa, Valorização dos alunos
ousa ressuscitar a força, o sabor das palavras antes que elas se vissem
desgastadas pelo uso. Roxana diz a Bajazet: "Sinto que vos amo"; O professor pode ser, portanto, aquele que valoriza - e não
deve-se compreender aqui que sentir significava desejar "com suas aquele que deprecia. Gostaria de tentar apreender as condutas de
~

114 Feliz na Universidade Terceira contradição 115

alguns professores que conseguem dar aos seus alunos essa dose de brado" por ter dito coisas tão fortes. A despeito de certas aparências
segurança de que eles têm, na verdade, necessidade. e bravatas, o aluno, diante de tarefas quase ilimitadas (basta pensar
Ser "reconhecido" pelo professor, reconhecido como plausível; os nas bibliografias "propostas" no início do ano em certas disciplinas),
alunos avançam rumo à alegria quando sentem que o professor tem tem necessidade de se sentir tranqüilizado quanto ao seu valor, às
confiança neles, em suas possibilidades de progredir; toma interesse suas capacidades.
por eles - e sabe situar-se em seu nível intelectual e existencial, sem Manter a segurança de um jovem pesquisador e convencê-I o de
que isso seja um rebaixamento condescendente. Vai ajudá-los a não que ele é capaz de realizar tarefas difíceis, como dar seguimento à
perder pé durante esses anos em que as dificuldades e as causas de obra prestigiosa de um de seus antecessores. Quando aluno da École
não-alegria são, apesar de tudo, muito numerosas. Norrnale Supérieure, Hadamard admira a princípio a obra de Poinca-
E é assim que os alunos podem chegar à alegria de confiar ré, mas sente-se esmagado por ela a ponto de não ousar sequer tocâ-
Ia. Foi necessária a intervenção e o apoio de Paínlevé para persuadi-
em si mesmos, de aumentar sua autoconfiança.
10 de que continuar Poincaré não estava acima das forças humanas,
Ruskin: na Universidade ele encontra um professor "que se
acima de suas forças.26O professor intervirá por vezes mediante in-
mostrou aberto ao que havia de melhor em mim e cego ao que
centivos, cumprimentos - mesmo que exagerados ou ao menos pre-
havia de pior. Foi então que os mais belos vôos de meu coração e
maturos em relação aos resultados obtidos: soprar uma pequena bra-
minhas mais formosas qualidades intelectuais se alçaram à maior
sa para que o fogo se ateie.
perfeição de que eu era capaz"."
Isso não significa que o professor renuncie a criticar, muito
Procurar em cada produção dos alunos as qualidades positi-
pelo contrário; mas suas apreciações remeterão menos a uma in-
vas - e não apenas as falhas e os defeitos, o que pode aumentar
competência que barraria o caminho do que a insuficiências que o
sua confusão. aluno pode superar; e elas não deixarão de dar o devido valor
Exemplo típico: um aluno "descobre", pensa ter descoberto ...
também ao lado positivo, aos méritos ora em desenvolvimento.
uma coisa que na verdade é bem conhecida; alguns professores
Menos ainda se trata de permanecer no nível do imediato e
podem ao mesmo tempo dizer ao aluno que isso já era coisa sabi-
de renunciar ao difícil, sob a condição de que o professor não o
da e lhe explicar todo o interesse e as conseqüências do que ele
faça aparecer como esmagador, descomedido: "A sensação da difi-
"descobriu"; de modo que o aluno pode ficar, não mortificado, mas
culdade", diz um ex-aluno de Michel Alexandre, "acompanhava-se,
feliz por ter ido numa direção que já deu provas de fecundidade.
não de abatimento, de humilhação, mas de exaltação't "
Mais comumente, e em escala mais humilde, quando sente
que o professor confia nele, o aluno pode revelar-se, do ponto de Da valorização técnica à valorização humana
vista técnico, mais capaz do que pensava, do que receava ser.
Em Sêvres, no curso de matemática, uma aluna era chamada ao Essa confiança e essa infusão de confiança técnicas apóiam-se
quadro: "E o milagre ocorria: a aluna, que pensava ser uma nulidade numa confiança de homem a homem. Um professor acolhe cada estu-
ou quase, calculava, falava, escrevia, como impelida por uma força dante como sendo uma pessoa autêntica, qualificada. "Ele não despre-
exterior, mas com a impressão de que tirava tudo de si mesma". 25 zava seu auditório. Éramos jovens e não sabíamos grande coisa. Ele nos
Na verdade o milagre é uma presença, uma dupla concentra- falava, porém, como se fôssemos capazes de nos situar no mesmo pla-
ção, uma atenção constante e benevolente que o aluno sente em no que ele. Concedia a mesma dignidade ao seu interlocutor, fosse ele
seu professor, a qualidade de um olhar, talvez também esses sinais um homem notório ou um jovem interno. Ouvia nossas primeiras elu-
discretos, mal perceptíveis, de aprovação ou de reticência. cubrações teóricas, não raro demasiado ambiciosas para os meios de
De igual modo, alguns professores conseguem "retomar" a ex- que dispúnhamos na época, e as discutia com a mesma seriedade que as
posição de um aluno de tal maneira que ele próprio fica "assom- discutiriase houvessem recebido uma consagração oficia1".~
:1"1

116 Feliz na Universidade


Terceira contradi.ção 11 7

Confiança que é ao mesmo tempo inquietude desde logo ino-


"Boulez, por essa época, punha todas as garras de fora; era
culada, pois que visa a atiçar no discípulo um desejo de inovar que
mordaz, agressivo, irritante às vezes: sua pele devia fazer-lhe mal.
não se extinguirá. E isso não sem perigo: as biografias falam ape-
Quando se é obrigado a dormir consigo mesmo, e tal é o destino
nas de personagens que venceram, mas quantos não se perderam,
do artista, é normal que se sintam a um só tempo os gritos de
desencaminhados pelas exigências que um mestre lhes impunha e pavor do filho e as dores da mãe.,,32
que retomaram temerariamente por conta dele? Matisse diz de seu
De fato Boulez, como todo mundo, dormirá com a assistência
mestre Gustave Moreau que pôs seus alunos "não num caminho,
de um outro, terá necessidade da assistência de um outro para dor-
mas fora dos caminhos". Alguns souberam abrir seu próprio cami-
mir, mas projetando sobre ele os medos e as dores que ele sente a
nho, muitos erraram em terreno inculto. propósito de si mesmo.
No próprio trabalho, o mestre consegue criar uma atmosfera
Uma vez tornado célebre e adulto, confessará ao seu ex-mes-
extraordinariamente segura de paridade no esforço. Um violinista,
tre quanto lhe deve ter sido insuportável na época em que não se
discípulo de Enesco, lembra-se de sua juventude: "Ele estava com
suportava a si mesmo, em que estava "procurarando a si mesmo
você; a travessia, nós a fazíamos a dois,,?9 A tal ponto que o aluno
nas contradições e na obscuridade, na dificuldade e no ressenti-
chega por vezes à ilusão de uma inversão das responsabilidades:
mento".33 O mestre teve a coragem de ficar do lado da juventude,
"Quando ele estudava com você, era ele que o acompanhava ao pia-
de tomar o partido desse monstro, até mesmo e sobretudo quando
no". Traduzindo: o aluno quase tem a sensação de que é ele que
como paga a "ingratidão e a injustiça, a má acolhida e a rebelião".
conduz o jogo - e o mestre não passa de um acompanhante.
É quando o discípulo tiver entrado, finalmente, na posse de
O que não impede de forma alguma que permaneça sempre
sua personalidade própria, é então que ele compreenderá o quanto
subjacente a imagem do mestre em seu desempenho: "Enesco sem-
tinha necessidade, desde o início, de que o seu valor, na verdade
pre será para mim o modelo segundo o qual eu julgo os outros -
ainda pouco efetivo, fosse reconhecido, afirmado, exaltado.
e os acho, como acho a mim mesmo, particularmente falhos".30

A roda da valorização gira com as idades


Valorização aceita} reconhecida
Dois grandes lógicos: RusseIl teve como aluno Wittgenstein. E
A propósito de seu mestre DuIlin, diz Jean Vílar: "Nosso amor
chega o momento em que é o discípulo que se põe a criticar aspera-
[por ele] era calmo, sem chicana, sem frase, operoso't." Este último
mente o que o seu mestre está escrevendo: este fica "verdadeiramen-
termo, aqui, soa verdadeiramente belíssimo: expressa a união da
te furioso", ainda mais porque confessa não ter "entendido nada de
amizade e de um trabalho em comum.
sua objeção", pois o que seu aluno está fundando é um outro modo
Mas o mestre só conduz os discípulos à alegria ao preço de de raciocinar, e "não posso avançar senão no meu camínhov."
sua própria dor - de que eles eram ainda tão pouco dignos: "O
Porém a confiança prevalece sobre o rancor: "É a jovem gera-
que ele nos transmitiu, criou-o de sua própria carne, diante de nós
ção que bate à porta; devo ceder-lhe o meu lugar quando puder,
e para nós, alunos desajeitados e tímidos".
senão me converterei no seu pesadelo". Ainda aqui o que há é só
resignação, mas Russell sabe avançar cada vez mais rumo à alegria
Valorização tumultuosa} esperada e rechaçada ao mes- e ao senso do encadeamento das gerações: "Ele me torna menos
mo tempo ansioso quanto à minha vida porque sinto que fará a obra que eu
devia fazer,e a fará melhor".
Exemplo de atrações e rejeições simultâneas: o compositor
O discípulo retoma a tarefa no ponto em que o mestre, cansa-
Messiaen e seu discípulo Boulez.
do, teve de interrompê-Ia; para ele, é uma base de partida, o mo-
118 Feliz na Universidade Terceira contradição .119

mento de experimentar seus recursos ainda intactos. "Ele começa Freud, aluno de Charcot em Paris, fica entusiasmado pela li-
com forças novas no ponto a que só cheguei no final da primavera berdade das relações e por uma acolhida que a todos iguala. Mas,
de minhas capacidades intelectuais". sobretudo, "quantos o ousavam podiam intervir na discussão" e
Um mestre, no fim da vida, valorizando seu discípulo tão sin- muito mais: "Nenhuma observação passava despercebida", daí por
ceramente que se rejubila de vê-lo levar sua obra mais longe do que, finalmente, "os mais tímidos conseguiam tomar uma parte ati-
que ele próprio o fizera, ainda que ao preço de uma mudança de va nos trabalhosv.V
direção. Estarei enganado ao presumir que a vida inteira ele soube
valorizar todos os seus discípulos?
! Uma realidade de trocas e de relações vividas
As críticas feitas por um aluno podem adquirir tanto peso quan-
Os alunos podem ser ativos to seus momentos de aprovação. Russell a propósito de Wittgenstein:
"É o aluno ideal: mostra uma admiração apaixonada ao mesmo passo
Na confluência da valorização do aluno pelo professor e do que exprime desacordos vigorosos e íntelígentes'V"
desejo de cultura peculiar ao aluno, ambição deste de ser conside- Às vezes o diálogo será entre o professor e os alunos, às ve-
rado como sujeito verdadeiro e não como receptáculo a ser preen- zes o professor provocará um diálogo do aluno consigo mesmo,
chido com as palavras do mestre ou as frases de um livro; oferecer ficando este último aparentemente silencioso. Interesse e atividade
aos alunos a alegria de serem ativos, de se saberem ativos. "A voz dos alunos quando é numa realidade de trocas e de relações vivi-
[do professor) vibrava com o belo desejo de pensar que ela se apli- das que se desenrola a aula.
cava em buscar em nós".35 Um público que espera, que vem para Um degrau suplementar: não somente o professor pede a
receber mas também para participar, contribuir, dar. seus alunos para intervir senão que já os trata "como colaborado-
O ensino é uma ação - e que provoca, suscita uma reação. res, e não como futuros colaboradores; ele exigia uma participação
Não se trata apenas de "seguir", na acepção usualmente escolar do imediata em seus trabalhos, a ajuda deles em suas pesquísasv." A
termo, mas, se a compreendemos realmente, de chegar quase a satisfação do aluno consiste aqui em se saber comprometido com
ultrapassar o pensamento que se expõe. Num dado momento, per- o professor (sem esquecer os colegas) em tarefas comuns, reais e
de-se o fio da meada, mas só para melhor encontrá-lo em seguida, já o seu tanto inovadoras.
o que implica que nesse meio tempo se acreditou nele e se con- Isso pode ocorrer num grau muito elevado de científícidade:
fiou em todo o seu movimento. "Tinha a sensação embriagadora de que, aluno, eu participava da
A tentação contra a qual sempre se deve lutar é a de conside- corrente viva, da construção orgânica de uma doutrina que, a ser
rar o ensino, não como uma atividade comum ao professor e ao correta, dava um sentido legítimo a tudo quanto eu pensava e a
aluno, mas como o produto de apenas uma das duas partes; co- tudo quanto eu fazia"."
nhecemos a pretensão de concentrar toda a atividade no lado dos Mas tais contentamentos são possíveis também no nível das
estudantes e de reduzir o mestre a um papel de "regulador", mas tarefas mais comezinhas. Por exemplo, o geógrafo Baulig e seus
isso não é uma razão para se passar ao extremo oposto. alunos de licenciatura: ele Ihes guia as atividades remetendo-Ihes
Antes de mais nada os questionamentos, as objeções e as crí- folhas do mapa geológico da França; ao mesmo tempo abre diante
ticas, ou mesmo as sugestões. "Ele amava apaixonadamente a dis- deles um campo de possibilidades: "Façam cortes; tentem encon-
cussão, incentivava mesmo a nossa contestação; o essencial não trar problemas interessantes; procurem resolvê-I os", e lhes propõe,
era que o seguíssemos, mas aue vivificássemos a psiquiatria por assim, um inquérito coletivo em que "parece querer de cada um
meio de nossas controvérsías.f tanto quanto se pode aprender com ele".41
120 Feliz na Universidade Terceira contradição 121

II Em todos os domínios o professor preparou, elaborou, combi- Nos melhores casos, o pensamento do professor toma forma à
1il nou o trabalho mais do que parece à primeira vista, mas está no medida que se vai enunciando, a forma que convém a essa aula e
poder dos alunos optar entre as pistas, explorar determinado itine- a esses alunos: Ferdinand de Saussure "parecia nunca trazer para a
II1 rário - ou esperar que a última palavra saia da boca do mestre: sala de aula uma verdade já pronta; preparava cuidadosamente
1:: "Descobríamos com você, ao mesmo tempo que você, as soluções tudo o que tinha a dizer, mas só dava a suas idéias um aspecto
I
I I' dos problemas os mais difíceis, ao passo que sua maíêutica tudo definitivo à proporção que falava" ,44 guiando-se ao mesmo tempo
MllrII
fizera para no-Ias sugerir"." pelas atitudes, pela atmosfera geral de compreensão e interesse do
I Atividade, participação dos alunos - e que abre mais de uma auditório - e pelas reações e perguntas desse ou daquele aluno.
Ir!i!;1

perspectiva essencial: o professor levará em conta as contribuições Sem dúvida há exagero dec1amatório quando Michelet decla-
I dos alunos porque elas constituem os dados elementares, pontos
11

I ra: "Sempre tive o cuidado de nunca ensinar senão o que eu não


de referência, pontos de referência deles; é necessário que se te- sabia"; ele queria garantir que tudo se elaborasse naquela ocasião,
nha discutido com eles ao mesmo tempo os limites e os fundamen- para aqueles alunos, com aqueles alunos.
45

tos, pelo menos aparente, daquilo que eles sentem, se se quer abrir Seja como for, a aula pode tornar-se assim um pensamento
uma chance de favorecer a sua superação. em formação que continua a se criar diante dos alunos, ou antes,
com os alunos. Atividade, adequação - é então o frescor, e não o
Aulas que não se deve engolir mofo, o amarelecido - o cheiro bom do frescor.

A aula da faculdade suscita de forma crucial o problema da


ação-recepção. Por um lado, quando o professor chega à classe
Pesquisar com quem pesquisa
com uma aula já preparada, já pronta, há fortes probabilidades de Há mais: a formação dos alunos na pesquisa pelo contato
convencer pela precisão e pela estrutura cuidadosamente arranja-
com um pensamento que se apresenta em pesquisa.
da; porém o aluno, simples ouvinte, que esperança há de que sinta
Freud, aluno de Charcot, de quem já dissemos como aprecia-
que essa aula se dirige a ele, se adapta a ele, foi feita para ele?
va a liberdade de relações com seu mestre, exclama com admira-
Pode senti-Ia como um apelo à sua atividade - e que há lugar
para a sua atividade? ção: "Podia-se acompanhar a trajetória de seu pensamento'T"
Por exemplo, um professor que, em certos momentos, mani-
Por outro lado, a aula que o professor gostaria de construir a
partir das múltiplas sugestões dos alunos: grandes são os riscos de festa sua indecisão diante de uma dada dificuldade - de modo
permanecer próximo, de estagnar nas idéias já conhecidas, de se que os alunos possam ver como ele progride; diz suas dúvidas,
perder nas distrações. seus escrúpulos, suas hesitações sobre o próprio assunto que está
A arte do professor, quero dizer, dos melhores, é sem dúvida expondo; e também as falsas pistas em que incorreu. Torna-se ma-
a de alcançar um equilíbrio entre a justeza do pensamento que se nifesto, assim, o modo como ele trava o combate para dominar os
trata de atingir e sua adaptação a um papel dinâmico dos alunos. problemas; os alunos descobrem o pensamento enquanto aventura
47
De maneira mais ou menos voluntária, mais ou menos conscien- intelectual e podem resolver participar dela.
te, Croiset apresentava uma tradução e comentários nos quais subsis- Alain, diziam os seus discípulos, é um homem de quem se vê que
tia algo de impreciso, algo de obscuro; em seguida eram as insatisfa- investiga para si mesmo ao mesmo tempo que para seus alunos; eis
ções, as reticências dos alunos, suas sugestões que o levavam e ao por que eles elogiaram tanto suas virtudes formadoras - e se admira-
mesmo tempo o ajudavam a ir mais longe, a explicitar mais claramen- ram de que suas aulas pudessem revelar os autores em sua novidade
te, até elaborar um texto que comportasse a adesão gera1.43 irradiante, ainda que fosse a enésima vez que tratasse do assunto.
122 Feliz na Universidade Terceiracontradição 123

De maneira mais patética, "essa voz que não cessava de se reto- Certamente já se tratou muito disso na escola, mas a maturidade mais
mar, como se meditasse no interior de seu próprio movimento", diz segura dos alunos, a concentração num único domínio, as margens de
Foucault a propósito de Hyppolite. "Um homem que, incansavel- tempo de que eles podem dispor, pelo menos nos casos propícios, são
mente, pergunta e se pergunta f ... J uma força de interrogação, de capazes de favorecer consideravelmente as suas realizações.
questionamento, de renovação't " O aluno fica feliz quando se lhe abre o domínio da pesquisa:
Os alunos já não se sentem esmagados por enunciados definítí- depois de tantos e tantos exercícios escolares, chegar a uma expressão
vos; podem viver o pensamento como uma progressão muito lenta, pessoal; ao mesmo tempo tomar consciência da própria individualida-
uma conquista - com momentos de interrupção ou mesmo de derro- de, afirmá-Ia, empregá-Ia; seus próprios critérios, suas maneiras de pen-
ta. As idéias expostas não são conclusões nas quais o aluno pode deter- sar e de sentir: refletir sobre uma dada questão é ao mesmo tempo
se tranqüilamente, mas perspectivas abertas para novas interrogações. E refletir sobre si mesmo, investigar a si mesmo e começar a descobrir a
sobretudo, quando o aluno percebe assim a trajetória de um pensa- si mesmo. Primícias de originalidade, ora de um indivíduo, ora de um
mento que se constrói, ele coincide com esse movimento de "edifica- grupo criativo. Esta pode ser a ocasião de uma comunidade entre profes-
ção", vai realizá-lo quase com o professor, simplesmente logo depois sores e alunos, através das diferenças de idades e de níveis de formação;
dele - mas por que não, pouco depois, por sua própria conta? não raro se abrirá assim uma via entre a instituição cultural e o mundo.
Louis Néel chega a considerar o ensino oral como um gênero Equivale isso dizer que todas as dificuldades se desvanecem?
distinto: os livros visariam a "uma forma ordenada, lógica, rigorosa Há, em primeiro lugar, o risco de que o impulso para a originalida-
e completa'Y" quanto às lições orais, elas insistiriam nos "procedi- de do aluno e os temas de pesquisa propostos pela Universidade
mentos mentais dos dou tos", aproveitando assim seu caráter vivo e não se encontrem de maneira adequada, pois muitas vezes tam-
o contato direto com o aluno. bém as pesquisas são tarefas impostas, delimitadas.
Numa palavra, alegria quando os alunos têm a sensação de Sob o belo título de pesquisas, não raro os alunos têm medo de
que, na aula, o professor assume, conserva a atitude da pesquisa, o serem condenados a imitar, reproduzir, copiar, repetir temas já batidos
ímpeto, a vibração da pesquisa - e os associa a ela. Ele sabe in- - no momento mesmo em que se esforçam por afirmar a novidade.
vestigar, sente alegria em investigar e consegue fazer que seus alu- Inversamente, tentação do aluno de imaginar que, bruscamen-
nos se unam a essa alegria. te, ele vai se libertar e revelar segredos até então invíolados: tenta-
ção de tomar por achado pessoal qualquer idéia que lhe atravesse
Alegrias) riscos e tentações da pesquisa a mente: bastaria não invocar explicitamente os modelos para lhes
escapar, enquanto na realidade eles continuam, e muitas vezes de
Daí advém que desde o ingresso na Universidade, desde o nível maneira caótica, a comandar os pensamentos noviços. Tentação do
da aula, o ensino é inseparável da pesquisa; a cultura não se transmi- aluno de atribuir um valor maior ao seus próprios escritos que aos
te como um dom, e muito menos como uma mercadoria; o esforço de Victor Hugo porque foi ele quem os escreveu.
do aluno para se apropriar da cultura já existente comporta uma ativi- É talvez aqui que podemos tentar refletir sobre as relações
dade na qual ele retoma a atividade que edifícou essa cultura. entre as influências professorais e o desenvolvimento da originali-
Chega o momento em que o aluno é convidado a prolongar a dade do aluno.
cultura existente por uma produção pessoal, original. E esse esfor-
ço pode ser exigido já no primeiro ano, e é também o objeto de
estudos especializados. Influenciar
Dentro das fronteiras da Universidade, é a pesquisa pessoal e a
formação na pesquisa que constituem o caminho para a originalidade A dificuldade está em pensar a relação entre a influência dos
- e esta é a marca própria do ensino superior, é o seu ensino. professores e a originalidade, o desejo de originalidade, dos alunos.
124 Feliz na Universidade Terceira contradição 125

o professor se propõe como objetivo único, constante, quase da lucidez, as sentenças, as palavras de ordem muitas vezes entusiás-
obsessivo, arrastar (para não dizer: empurrar) os alunos na direção ticas mas não raro - infelizmente - desdenhosas dos fundamentos
'i, lllli que é a dele: risco de esclarecer apenas uma parte dos problemas, racionais; alegrias suspeitas. Finalmente, não creio que se possa "en-
llll:
li'l de passar em silêncio as dificuldades inerentes à sua própria esco- sinar a aprender" no vazio, e creio que os conteúdos não se introdu-
I:!
lha e os valores contidos nas posições diferentes, a fim de fazer zem sub-repticíamente - podem ser tanto mais perigosos quanto
,1,1
triunfar mais facilmente o seu ponto de vista; risco de se chocar menos claramente houverem sido enunciados.
com uma parte de seus alunos, de se afastar deles, mesmo que Entre uma parcialidade evidentemente condenável e os riscos
""li
haja outros a quem entusiasme. Não se aproveitará ele indevida- de esterilidade, a via é estreita. Gostaria de falar de precauções
mente de sua situação privilegiada, de sua autoridade e de seus contra as influências abusivas.
conhecimentos para impor a jovens ainda inseguros opiniões que,
Em primeiro lugar, à pluralidade de professores, de orientações
apesar de tudo, estão longe de ser evidentes para todo mundo?
diferentes e de igual valor, de igual ascendente.
Enfim, influenciar por esse modo não é retardar, frear o desenvol-
I1I Em seguida, esforços constantes de cada professor para justifi-
vimento da originalidade, da personalidade entre os alunos - ir
li car as posições que ele não partilha, fazer sentir que elas não care-
contra a sua alegria?

I
cem de fundamentos, simpatizar mesmo com elas, pelo menos du-
rante o tempo em que as expõe - se bem que, em última
Coagir instância, não sejam elas que ele acabe pondo no primeiro plano.
É essencial que o aluno se convença de que o professor res-
Os antídotos são múltiplos, mas suscitam múltiplos proble- peita as convicções que não são as suas e sinta que tem o direito
mas: apresentar imparcialmente as diferentes escolhas possíveis; de divergir dele. Um passo mais: o professor que não apenas admi-
ater-se aos enunciados admitidos pela quase unanimidade dos es- te como também acolhe os alunos diferentes dele - mas lhes faz
pecialistas; manter suas escolhas próprias no domínio privado e sentir que ele sente, como por procuração, as idéias ou mesmos as
procurar desenvolver em cada .im dos alunos os instrumentos inte- paixões que os animam. Poder-se-ia dizer, talvez, que o aluno não tem
lectuais, à força de raciocinar, de julgar, de interrogar, de modo medo de não estar de acordo com seu professor quando o professor
que ele possa por si mesmo questionar, desmistificar, não se deixar
não tem medo dos alunos que não estão de acordo com ele.
enganar pelas aparências nem ceder aos arroubos; numa palavra,
desenvolver o espírito crítico - ensinar a aprender.
Tenho certeza de que há aí um esforço essencial ao qual todos Liberar
os professores devem se circunscrever. Mas ele encontra os seus limi-
tes. Primeiro, qualquer que seja a sua boa vontade, duvido muito que Alegria do estudante quando percebe que o objetivo do profes-
um professor consiga apresentar cada uma das opções com tanta for- sor é ajudá-Io a tomar uma consciência mais lúcida daquilo que ele é,
ça persuasiva, consagrando a cada uma argumentos sólidos. dar-lhe os meios de ser mais ele mesmo, de descobrir mais profunda-
E, se ele se atém ao que não constitui problema, o risco é o mente ele mesmo; penetrando as exigências daquilo que ele quer ser,
de permanecer na frieza, deixando de lado o que apaixona, emo- quer se trate de progredir, por exemplo, na crença ou no ateísmo.
ciona; o espírito crítico ameaça então descambar para um simples Em suma, um componente primordial da ação do professor: res-
cepticismo, ou mesmo uma negação generalizada: mais uma vez, o peitar a personalidade do aluno, guiá-lo em seu próprio caminho; o
inverso da alegria. aluno progride sem que haja repetição obrigatória da palavra do mes-
Estudantes desligados da ação, da esperança - ou que irão tre, sem que lhe seja escondida a complexidade dos problemas nem a
buscar fora da Universidade, e do esforço da Universidade em prol diversidade das respostas trazidas por outros, igualmente competentes.
126 Feliz na Universidade Terceira contradição 127

Pode-se não influenciar? pode deixar de esperar que, através de diferenças e divergências,
uma comunidade profunda de intenções, de projetos e, sobretudo de
Isso posto, e impõe-se absolutamente sustentá-lo, é todavia níveis, se estabeleça entre eles - exatamente como na amizade.
indispensável esclarecer também os demais aspectos desse proble- Um ex-aluno de Guitton lhe diz: "Suas aulas não eram aulas, eram
ma, inextricavelmente angustiante, da influência. caminhos"." Belo elogio: não se tratava de imobilizar os alunos na con-
Cumpre não esquecer que o problema apresenta-se diferente- templação imposta de idéias fixas, definitivas, mas de abrir perspectivas
mente na Universidade, onde os estudantes já têm certo poder de a suas evoluções próprias. Daí não ser possível que Guitton haja explo-
resistência e de discernimento - e na escola de primeiro grau, rado com seus alunos todas as vias (de pensamento) existentes, consti-
diante de crianças muito mais maleáveis. tuindo a escolha e portanto a exclusão uma das formas essenciais da
Eu formularia a dificuldade assim: ajudar o crente ou o ateu a influência; tampouco me parece possível que tenha tratado com a mes-
viver mais plenamente a atitude que escolheu, sem dúvida; mas, ma convicção, o mesmo entusiasmo, da via atéia e .da via católica, a
diante de um jovem racista, o papel do professor será o de torná-Io qual ele jamais escondeu ser a sua.
um melhor racista, um racista mais convicto? Na realidade a exigên- Quer a influência seja sujeição, sugestão, quer seja intenção deli-
cia, o apelo dos alunos comportam dois aspectos complementares - berada, carismo pessoal ou ligação afetiva, as diferenças são enormes;
e a conciliação não é fácil: de um lado, que sua personalidade seja mas a influência sempre está presente, talvez tanto mais forte quanto
respeitada; de outro, que sejam ajudados a formar sua personalidade. menos provocante, menos ostensiva - não ouso dizer: mais bem dissi-
Porque o estudante (pelo menos se continuo a me ater ao meu mulada. É preciso inteirar-se de que todos os professores universitários
postulado de base, o estudante de 19-20 anos ao sair do colégio) é decer- importantes foram apaixonados, parciais, e pesaram fortemente sobre a
to uma personalidade que recusa que se lhe imponha tudo quanto seja formação de seus discípulos ~ ainda que, mais tarde, muitos tenham
sentido como contributo heterogêneo - mas em busca de si mesma, na escolhido uma direção diferente, ou mesmo oposta, mas que nunca
encruzilhada de diferentes caminhos que se apresentam para o seu devir. deixa de ter relação com os primeiros momentos vividos na Universida-
O estudante está em busca da verdade dele mesmo, e o paradoxo funda- de: a fé, que começou por sofrer profundas influências atéias, não é a
dor do ensino é que o aluno tem necessidade de outrem, da ação intensa mesma que não precisou superá-Ias, a se questionar sobre este mundo
de outrem para se revelar a si mesmo, dar forma a sua própria originali- - e quero sustentar que ela é realmente enriquecida por ter precisado
dade, dominar aquilo que até então apenas pressentira em si. Ao mesmo sustentar objetivos, obstáculos.
tempo ele não pode esperar escapar às influências, aos ascendentes - e
isso não seria uniformemente desejável. Quando copiar leva a criar

Não influenciar ou acreditar que não se influencia? Aqui, como nos outros capítulos, o que mais me interessa são os
casos bem-sucedidos: exemplos em que as influências profundas de
Temo, confesso-o, o professor que cede à ilusão de não in- um mestre e o desenvolvimento da personalidade, da originalidade do
fluenciar; que afirma que o ideal seria não influir. aluno, longe de se oporem, se unem e se fortalecem mutuamente.
Tem razão Gaston Berger ao afirmar que o ensino, "como a Escolho dois casos extremos nos quais a influência assume
amízade'v'" exige um sacrifício difícil: não procurar no outro um uma forma quase tirânica, já que se trata, para o discípulo, de co-
duplo de si mesmo, não querer fazer do outro um duplo de si piar o mestre, ou antes (estamos no campo da pintura), de copiar
mesmo; é sob uma forma muito diferente, adaptada à sua persona- obras de mestres.
lidade, sua idade, suas experiências próprias que o discípulo enten- Quando Rodin cursava a escola de desenho, o professor fazia-
derá os temas caros ao seu mestre. No entanto o mestre espera, não o observar minuciosamente determinado molde, determinada gra-
128 Feliz na Universidade Terceira contradição 129

vura célebre; depois escondia o exemplo, e muitos dias depois os gar, transformando-os, às vezes até subvertendo-os, de acordo com
alunos deviam retomá-lo de memória: era assim que se desenvol- sua própria individualidade, os problemas que ele se coloca, as
viam, a partir da obra de um outro, uma expressão e uma interpreta- questões e as aquisições que lhe inspira a época em que vive.
ção pessoais - e alguns alunos construíam uma transposição real- Em particular, estabelecer relações novas entre temas já exis-
mente original. 52 tentes, transpor para um terreno novos temas que ainda nele não
Aos 21 anos Édouard Manet efetua cópias da Vênus de Ticíano; tinham sido aplicados - o que leva a modulá-I os, a transformá-Ias
Georges Bataille analisa a relação entre a obra e a cópia e conclui que e, nos casos mais favoráveis, a propor novos temas; e isso poden-
"é precisamente na medida em que falta ali a suavidade irreal e perdida do chegar a posições de recusa.
da figura divina" - características do Mestre italiano - que surge "a O aluno pode conhecer a alegria da originalidade; não está nem
maneira de Manet, impetuosa, precipitada".53 Em vez de um universo condenado a repetir nem destinado a criar ex nihilo. Parece-me esplêndi-
mitológico, teológico, é "o mundo das criaturas prosaicas, submetidas à da a maneira como Malebranche se posiciona: "Devo a M. Descartes ou à
pobreza de sua condição". Manet quis ser influenciado pelo quadro de sua maneira de filosofar os sentimentos que oponho aos seus e a ousadia
Ticiano, visto que o copiou - e ao mesmo tempo encontrou nele o de retomá-Io".54Devemos admirar-nos de que a mesma palavra signifique
material de que precisava para afirmar sua expressão própria. "inspirar-se"e "adotar um partido contrário" ?
Esses casos extremos podem talvez esclarecer-nos sobre os
problemas da influência no nível médio. Há decerto, para o aluno,
uma primeira alegria, um primeiro patamar de alegria quando ele
Tirar partido das idéias divergentes
escreve do modo que deseja, quando pesquisa do jeito que sente
A influência do professor é a união da cultura já elaborada, da
necessidade de fazê-lo; uma vez aceita, desejada a influência, esta
qual ele é o representante, e da acolhida criticamente amigável das
favorecerá o progresso da originalidade do aluno, se conseguir fazê-
tentativas do aluno. O erro seria opor a cultura como conjunto de
10 tomar consciência do que existe de válido em suas primeiras tenta- obras, de resultados já obtidos, à cultura como pesquisa nova, tare-
tivas, mas também do que nelas existe de ilusório, de indeterminado. fa do aluno: a primeira não é a negação, mas uma das vias para a
consecução da segunda.
Entrar na posse dos êxitos anteriores Assim os estudos, os hábitos, os métodos empregados para os
estudos - em suma, as ações professorais - não estão fatalmente
o tesouro cultural edificado pelo conjunto dos predecessores: vinculados a uma natureza que Ihes seria oposta, que eles "desnatura-
como um fundo comum de idéias e sentimentos ao qual se tem riam" e tomariam miserável. É, muito pelo contrário, uma segunda na-
acesso graças aos professores - e também aos livros, aos colegas, tureza que eles vão ajudar a desabrochar - e que será mais pessoal e
à experiência pessoal. Esse imenso conjunto de influências não é o portanto, ao fim e ao cabo, mais natural que a primeira.
contrário da originalidade, ma~ uma condição necessária para que Professores que afirmam, que ousam afirmar, não buscam conten-
esta se desenvolva; ser o que se é não é afastar-se dos outros de tar a gregos e troianos, nem refugiar-se em compromissos cautelosos.
modo sistemático nem puramente fantasista. Influência que será às vezes perigosa, mas extraordinariamen-
A alegria da originalidade consiste em entrar na posse dos êxitos te salutar se lograr persuadir o aluno de que há coisas verdadeiras e
anteriores, incorporá-I os, interiorizá-los, mas também em não aceitá- essenciais, de que a condição de aluno consiste em procurá-Ias, mes-
Ias tais e quais - e às vezes em contrariá-Ias, entrar em conflito com mo que no final das contas elas devam divergir das do professor.
eles. Em seu esforço em prol da originalidade, deve o aluno reviver É interessante notar que certos alunos, certo tipo de alunos,
por conta própria aquilo que, em seus predecessores e contemporâ- apreciam um professor que, explicitamente, desenvolve um curso
neos, constitui as questões mais vibrantes; empenhar-se em prolon- muito orientado: sentem-se bastante seguros para poder tirar parti-
130 Feliz na Universidade Terceira contradição 131

do do choque de idéias importantes e ao mesmo tempo divergentes. consciência de poder atingir. E os maiores, uma vez chegados à ple-
Na Sorbonne as exposições de história de Georges Lefebvre conver- na posse de si mesmos, reconheceram o que deviam a essa ajuda, a
gem todas para uma certa interpretação da Revolução Francesa; um essa díreção."
ex-aluno afirma: "Éramos numerosos os que nos sentíamos reconhe- Aqui, o papel do mestre é ao mesmo tempo canalizar uma for-
cidos por nos tratarem como ouvintes bem-formados, capazes de ça, de certo modo superabundante, para lhe evitar expor-se simulta-
confrontar os resultados de sua reflexão com os da nossa".55 neamente às tentações contraditórias e alargá-Ia para que ele não se
feche nesses êxitos que se tornam subitamente próximos e acessíveis.
Parece-me admirável o paralelo entre a ajuda de que tiveram
Interlúdio: OS excepcionais necessidade o jovem Boulez e o jovem Kandinsky a partir dos defei-
tos que eles próprios reconhecem em seus talentos ainda verdes.
Hesitei em escrever este capítulo porque as biografias me Boulez, a propósito de uma obra de Webern que ele ouviu então,
conduziram incessantemente a alunos de grande valor, e meu pos- diz: "Quando se tem dezenove, vinte anos, é-se uma ave de rapina,
tulado de base foi o de tomá-I os como casos típicos, capazes de pega-se imediatamente o que convém, de um modo pardal, muito par-
pôr em foco os problemas gerais da Universidade. cial, e descarta-se o que não convém; [não se pode então] absorvê-Io
E, no entanto, não resisto ao desejo de consagrar um desen- enquanto objeto total; não se percebe todo o seu alcance'v"
volvimento especial à "excepcionalidade" (ainda que já tenha evoca- E Kandinsky: "Tinha eu o incômodo defeito de não conseguir
do alguns deles sob ângulos diferentes) - e isso, naturalmente, na terminar um quadro. Meu professor me disse que eu trabalhava
esperança de traçar linhas de convergência com os casos medianos. demasiado nervosamente, que colhia o que era interessante desde
o primeiro momento e o estragava retardando por um tempo de-
Existem alunos geniais masiado longo a parte árida do trabalho". O que determinou o jo-
vem artista a elaborar enfim o "trabalho sério,,5ge a ultrapassar a
o aluno genial, fadado ao gênio: seria de crer que aqui o fase dos ensaios multiplicados e abandonados tão depressa que
papel do mestre é bastante secundário; tanto melhor se tal aluno mal chegavam a tomar forma.
encontrar um mestre digno dele; mas de qualquer modo ele já es- O mestre aparece aqui como aquele que vai conduzir à estabili-
tava predestinado a tornar-se o que se tornou. É nesse sentido que dade, à firmeza, ao autodomínio. Diriam alguns que a coisa é bem
de início eu me disporia a ler estas linhas de Braque: "Nunca tive a diferente - o contrário de seu papel habitual, com os alunos habi-
idéia de tornar-me pintor, não mais que de respirar'Y'' não preci- tuais que se deve antes estimular ou mesmo despertar, persuadir acer-
sou fixar-se na pintura como um fim, uma escolha dentre outras ca do interesse, da grandeza da arte ou do conhecimento.
possíveis; e os recursos de sua pintura ele os encontrou de certo Será mesmo? Desde que o estudante se lançou na pesquisa,
modo em sua própria personalidade nascente. desde que começou a saborear a alegria da pesquisa, não corre ele
Mas isso não significa de forma alguma que ele não tenha o risco dos excessos desordenados ou das fixações exclusivas em
precisado deixar-se levar nas asas da vocação: "[Eu me] fiz dia após determinado detalhe? - e o papel do professor não seria sem rela-
dia", e essa lenta maturação não se desenrola sem o apoio dos ção com o de Messiaen ou o do professor de Kandinsky.
grandes mestres. Entre os grandes - ou melhor, entre os futuros grandes - e
Em sua mocidade, na idade estudantil, os grandes homens, seu mestre se estabelece uma espécie de diálogo vital, e é toda a
quero dizer, os futuros grandes homens, têm necessidade - uma personalidade do discípulo que se vê transfornada por ele.
necessidade vital -, para progredir, de mestres; mestres que se O jovem Rilke admira a tal ponto Rodin que se torna seu secre-
situam no nível que eles mesmos querem atingir, que eles têm tário e também seu aluno, embora seus domínios sejam diferentes.
132 Feliz na Universidade Terceira contradição 133

Rilke a Rodin: "Toda a minha vida mudou desde que sei que o se- vigor de uma personalidade que lhes infunde uma força extraordiná-
nhor é meu mestre"; e, para além de mil conselhos e indicações téc- ria. "O belo nome de Mestre exige a um só tempo grande autoridade
nicas, ele não cessa de lhe perguntar: "Como se deve viver?".60 científica e grande autoridade moral, intensa irradiação espiritual."
Bruno Walter, que iria tornar-se um dos maiores maestros de Dessas aulas: um fundo incessantemente sustentado onde, no entan-
sua época, escolhe como mestre, aos dezoito anos, o compositor to, ainda vão culminar alguns momentos excepcionais: "por um ins-
Mahler: não se trata simplesmente de determinados conhecimentos tante, uma flecha de fogo".64
do ofício, mas desvela-se a sensação de entrar num mundo outro e Raíssa Maritain insiste na extrema acuidade pela qual a concen-
a convicção de tornar-se outro: "Ele penetrou com violência irresis- tração dos ouvintes do College de France respondia ao caráter impe-
tível no universo do jovem músico que eu era e subverteu total- cável das exposições: "A palavra eloqüente de Bergson mantinha-nos
mente a idéia que eu fazia da existência".61 em suspenso. A distração era impossível. Nem por um instante nossa
A ação educativa de um grande violinista sobre o seu futuro atenção se desviava, jamais se rompia o fio precioso do discurso". E
igual não é menos global; ela é interiorizada a ponto de se unir à sua ela atribui as panes, as "ausências" habituais dos auditórios menos à
personalidade, de tornar-se parte integrante de sua vida, não destruin- fraqueza dos participantes que às lacunas do discurso que lhes era
do-a, mas promovendo-lhe o crescimento - e as alegrias do estudan- proposto: "Se há esmorecimentos na atenção passiva do ouvinte, sem
te já não podem ser repartidas, umas proviriam dele mesmo, as ou- dúvida também os há na necessidade do texto ouvido".65
tras das contribuições de outrem. Falando de seu mestre Enesco, É no caso desses "excepcionais" que aparece da maneira mais
Yehudi Menuhin diz: "Hoje sua influência sobre mim fundiu-se, por luminosa a força da ação do mestre sobre o discípulo - e que é o
assim dizer, na concepção que eu tenho das próprias obras" .62 contrário do conformismo, da submissão; Schõnberg, evocando seu
Essa transfiguração da vida inteira é o estabelecimento do dis- discípulo Alban Berg, fala da felicidade de ter podido "guiar essa
cípulo na grandeza. Por certo ele o havia desde sempre pressenti- natureza superdotada até onde ela devia ir: ao mais maravilhoso de-
do, entrevisto: ela vai tornar-se agora seu ambiente de vida, o am- senvolvimento de sua originalidade, à mais cabal tndependêncía'V"
biente comum de vida do mestre e do discípulo. Ter-se-á notado, evidentemente, a aliança entre as palavras guiare
"Um reino mais elevado parecia abrir-se diante de mim".63 Para independência.
além do compositor, um homem que vive o mundo com uma paixão, Assim pois um aluno, já distinguido por suas qualidades, seu
uma plenitude excepcionais: "Nunca eu encontrara um ser humano entusiasmo e sua convicção, fadado a uma carreira brilhante, tem
que comunicasse tamanha impressão de força"; uma personalidade por mestre um criador prestigioso, genial; os dois vivem uma rela-
admirável no conjunto de sua vida e que quer fazer desabrochar não ção única, contínua, pessoal.
somente o domínio específico da arte como também a vida cotidiana,
a vida de todo mundo: "Um homem contra quem a mediocridade Pedagogia dos comuns, pedagogia dos excepcionais
nada podia, que não conhecia um só instante de mediocridade", ele
não suporta que, diante de uma arte que canta o esplendor, a existên- Meu problema é o seguinte: estamos fora da pedagogia ou, ao
cia (nem a dos ouvintes nem a do artista) permaneça medíocre. contrário, estamos no caso típico, representativo, exemplar da peda-
gogia? A relação pedagógica levada ao extremo, impelida à íncandes-
Existem professores geniais cêncía - ou uma situação já pronta, íntransponível para o que ocorre
numa Universidade habitual? Noutras palavras: que relação existe en-
Cíngir-me-ei a um exemplo: Bergson. Discípulo assíduo de tre o aluno mediano diante do professor universitário honesto e esses
seu curso no Collêge de France, o historiador Isaac se maravilha de diálogos entre OS grandes? Pode-se pôr em equilíbrio as aulas presti-
que os conhecimentos mais sublimes sejam levados até ali pelo giosas que acabamos de evocar e o que ocorre, dia após dia, nas
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134 Feliz na Universidade Terceira contradição 135

nossas faculdades? Quem dentre nós ousaria esboçar o menor para- são um ensinamento; suas ações, exemplos a seguir", escreve Berg a
lelo entre a adoração mística dos discípulos de Bergson e os tesouros propósito de seu mestre schônberg."
de engenhosidade que ele precisou despender em suas próprias au- Sócrates, embora se dirigisse freqüentemente a um pequeno nú-
las para tentar preencher as lacunas na atenção de seu público? E mero de jovens seletos, notáveis por seus dons e por seu entusiasmo,
esse público esperava mesmo outra coisa que não uma preparação que dispunham de todo o seu tempo, dialogava também com a gente
eficaz para um exame, que lhe serviria para ... ? comum, em particular com o jovem escravo do Menon, a fim de mos-
A tentação é afirmar que a pedagogia do gênio nada tem a trar que também ele podia chegar à verdade, a mesma.
ver com a pedagogia mediana, que nada existe de comum entre E eu pensaria de bom grado que é conversando com essa
professores e alunos de gênio e professores e alunos comuns. "elite" que Sócrates desenvolveu o método que lhe permitiu guiar
Colette Audry percebe um "salto verdadeiramente pascaliano" o ignorante até uma verdade que ele sabia não possuir.
entre "a erudição conscienciosa, o sólido saber de um bom professor No século XIX, com freqüência se quis partir do patológico,
e a cultura prodigiosa de um Mestre; o modesto devotamento do pe- ou pelo menos dos indivíduos a braços com grandes dificuldades,
dagogo e a paixão inspirada do descobridor de novas terras".67 para entender melhor as pessoas normais e suas realizações. Gos-
Pois bem, não quero ceder a essa tentação, ainda mais por- taria de me instalar nos escalões mais elevados para compreender
que não creio muito em saltos pascalianos e digo que medianos e o que se passa alhures e ajudar o conjunto a progredir.
excepcionais têm, podem ter, devem ter fontes de alegria comuns. Alegria e tormentos dos alunos que se tornarão extremamente
Não digamos "ter", mas antes "tender para ...''. talentosos, ou mesmo geniais, diante de professores de gênio: mo-
delo desesperadamente inacessível para a massa dos professores e
Kant soube mostrar que é em sua essência, por sua própria
dos alunos. Mas e se conseguíssemos fazer um deles aparecer qual
natureza, que o gênio encerra um componente pedagógíco.t" Evi-
um clarão em nossas aulas ordinárias da faculdade ...
dentemente, o gênio se caracteriza pela originalidade, mas nem to-
Renovação da Universidade, dos conteúdos culturais e das re-
das as originalidades (não importa o que pensem certos psicólogos
lações humanas: talvez seja igualmente examinando a pegadogia
do "pensamento divergente") se equivalem, pode haver modos de
dos grandes que ela se tornará uma realidade.
originalidade que são pura e simplesmente absurdos e outros que
não têm como interesse senão suscitar uma surpresa momentânea.
Além do mais, Kant considera que uf!la produção é genial na me- E se houvesse uma esperança de unir essas duas pedagogias
dida em que é "exemplar", vale dizer, passível de ser proposta aos
outros não apenas como "padrão, regra de apreciação" mas ao Por exemplo, as rebeliões do jovem artista criador contra seu
mesmo tempo como "modelo" destinado a servir de ponto de par- mestre: não é simplesmente um problema do indivíduo; este teme
tida para novas produções; o que em última análise significa que que o mestre não consiga moldá-lo à sua própria imagem, aprovei-
ela pode adquirir valor pedagógico. tando o fato de ele ser ainda inexperiente e maleável; mais tarde
Parece-me ver surgir essa ponte que procuro tão ansiosamente ele lhe agradecerá se tiver a sensação de que sua personalidade
entre o gênio e o utilizador, aqui o estudante comum, visto afirmar- nascente foi preservada, respeitada, desenvolvida - por vezes,
se que é próprio da obra-prima chamar cada um a admirá-Ia, jun- mesmo através da violência dos choques.
tar-se a ela, prolongá-Ia. Suas rebeliões são em geral merios ostensivas, menos teatrais
A linguagem, por sua vez, abre vias de reflexão: o termo mes- (afora os momentos excepcionais que todos conhecemos). Mas
tre, pelo qual é comum denominar os criadores - e diz-se tam- esta é mais uma razão para que lhes seja dado o ensejo de se
bém que eles "fazem escola" (no sentido de que se fala da escola exprimirem, de serem valorizadas, reconhecidas em seu valor - e
de Rubens) - não deve ser tomado levianamente: "Suas palavras de certa forma aceitas, sob benefício de inventário.
136 Felizna Universidade Terceiracontradição 137

E não seria esse um dos papéis do professor "mediano" ? Indivi- exigências culturais, esperanças de alegrias culturais que não são
dualidades ainda hesitantes, caóticas, correm o risco de interromper muito diferentes das dos "grandes", só que permanecem ocultas, ve-
com demasiada rapidez o seu vôo se não se arranjam, para elas ladas, e a tarefa do professor mediano é levar seus estudantes media-
também, lugares onde possam confrontar-se com o professor, con- nos até aquilo que para os grandes constituía quase um ponto de
frontar-se consigo mesmas através do professor, condição das re- partida: a consciência de que estão à procura de razões para viver e
conciliações futuras. de que as culturas os podem ajudar nessa busca.
Os alunos geniais são levados à cultura, e mais difícil, por Os grandes, em sua mocidade, aspiram a travar relações pessoais
uma impetuosidade total. Aos vinte anos, Valéry descobre Mallar- e contínuas com um mestre - e esse mestre, querem poder escolhê-lo,
mé: "Deslumbramento ... ruptura de minhas ligações com meus ído- em relação com o que são eles mesmos e o que ele representa.
los dessa idade... Experimentei a progressão fulminante de uma Muitas vezes é após um período de perarnbulação que o discí-
conquista espiritual decisiva". 70 pulo encontra finalmente o gênio, o mestre que será o seu mestre; o
Nossos alunos, em sua totalidade, é de nós que eles esperam caminho é quase sempre complexo: Rilke será um admirador tão fer-
voroso de Rodin que quererá ser seu secretário para melhor ser seu
o salto para a cultura; seu desejo de cultura é muito mais tímido
discípulo - conquanto num domínio totalmente diverso. Uma paixão
que o 'dos grandes; não ousam confiar-se a ele, nem sequer rnani-
comum ao mestre e ao discípulo por uma arte, um conhecimento, os
festá-lo, pois no fundo temem não conseguir realizá-lo.
une de um só golpe e suscitará comunidade, amizade.
Se pensássemos com suficiente força e segurança que a gran-
E nós, e nossos desventurados alunos, amontoados, a quem
deza, alguma coisa da grandeza é transponível...
não escolhemos, que não nos escolheram? Dír-se-â que esses dois
tipos de situação não guardam semelhança alguma. E, no entanto,
Como se deve viver? nesse anfiteatro abarrotado, se lhes consigo revelar, por exemplo,
um autor, um filósofo que vai desempenhar um papel em sua vida,
Para além não somente das técnicas mas também das próprias ter-se-á criado um vínculo que não deixa de se relacionar com
realizações, Rilke dirige explicitamente a Rodin, a quem considera aqueles que acabo de evocar - salvo que o grande homem com
seu mestre, a pergunta: como se deve viver? quem contrairão amizade não sou eu, é, digamos, Baudelaire; mas
E então me apercebo, eu, professor mediano, de que meus alu- é apesar disso um pouco de mim, pois sem a minha intercessão
nos medianos, quando me pedem explicitamente que lhes ensine Baudelaire não se teria aproximado deles.
uma dada matéria, não cessam de me interrogar de maneira tácita: Entre mim e eles não houve um casamento de amor, de esco-
como se deve viver? lha - mas uma união de conveniência e de necessidade. Não exis-
Pedem-me, por exemplo, que lhes ensine as regras da versão tem no mundo muitas pessoas que lograram construir sua vida a
inglesa, mas o que de fato vai tocá-los (além do bom êxito no exame) partir de um casamento de conveniência?
é apreender a especificidade de uma língua, de uma cultura, de um Os gênios escrevem, por assim dizer, em belas letras maiúscu-
país: que há de mais notável na história, na cultura inglesa, de mais las o que os alunos e os professores medianos garatujam; daí que
original na língua inglesa? E como podem suas iniciativas de estudan- seja tão difícil decifrá-Ios e lançar mão deles - mas, quando nos
tes franceses alcançar o nível literário, artístico, das obras estrangeiras? reportamos ao texto caligrafado, somos fortemente sustentados -
É necessária uma pedagogia na qual as regras da versão não sejam e aqui eu gostaria que isso fosse profundamente compreendido em
separadas dos sucessos e das dificuldades da cultura correspondente; toda a complexidade de suas significações.
aí reside, talvez, um dos aspectos da renovação. Como falam os ingle-
ses? Como vivem? Quais são suas grandes obras? E a confrontação
com as nossas, que é que nos pode trazer de essencial? No fundo,
138 Feliz na Universidade
Terceira contradição 139

Notas 43. Croiset, ín Revue internationale de l'enseignement, 1930.


44. Meillet sobre F. de Saussure, depois do Cours de Linguistique générale.
45. Michelet, "Le Banquet", tomo 16, Oeuvres complêtes; Flammarion, 1980, p. 655.
1. R. Mede, Derriêre Ia ottre, Gallimard, 1970, P: 72. 46. Freud, "Lettre de Paris", op. cito
2. Langeuin par P. Bíquard, Seghers, 1969, p. 108. 47. Hellens, Documents secrets, Albín Michel, 1958, p. 30.
3. S. Sweig, La Confusion des sentiments, op. cit., p. 54 48. M. Foucault, in Revue de Métapbysique et de Morale, 1969, p. 131.
4. F. Leliêvre, Une beure avec Paul Hazard. 49. L. Néel no "[ubilé de julia", op. cit., p. 41.
5. M. Toumier; Le Vent Paraclet; Gallimard, 1977, p. 149. 50. "Hommage à G. Berger", in Prospectives, n. 7, p. 69.
6. A. Einstein, Comment je vois le monde, Flammarion, 1963, p. 29. 51. Guitton, Un siêcle, une oie, op. cü.; p. 108.
7. S. Doubrovsky in Les Professeurs, pourquot faire?, Seuil, 1970, p. 52. 52. Rodin par P. Daix, Calmann-Lévy, 1988, p. 23.
8. E. Lévinas, Qui êtes-vous?, Lyon Manufacture, 1987, p. 70. 53. Manetpar G. Bataiile, Sidra, 1983, p. 30.
9. A. Míquel, L'Orient d'une oie, op. ctt., p. 22. 54. Malebranche, Recbercbe de Ia vérité, tomo VI, 2a parte, Capo IX.
10. Pasteur, evocando as aulas de J. B. Dumas no discurso de recepção de seu 55. Ph. Wolff, "Hommage à Georges Lefebvre, in Annales d'bistoire de Ia Réuolu-
sucessor na Academia Francesa. tion française, janeiro de 1960.
11.]. Vallês, Le Bacbelier; Editeurs français réunis, 1953, Capo VI, p. 85. 56. Braque par Leymarie, op. cit.; p. 105.
12. M. Brod, Une vie combatioe, Gallimard, 1964, p. 250. 57. P. Boulez, Points de repêre, p. 554.
13. B. Paraín, op. ctt., p. 71. 58. P. Boulez, Par volonté et par basard, Seuil, 1975, p. 9.
14. C. Bernard, Cabiers de notes 1850-1860, Gallimard, 1965, p. 127. 59. W. Kankinsky, Regards sur tepasse, Hermann, 1976, p. 122.
15. Preud, "Lettre de Paris (24 de novembro de 1885), in Correspondances 1873 60. R. M. Rilke, Lettres Rodin; Émile Paul, 1931, carta de 1Q de agosto de 1902.
à

-1939, Gallimard, 1966. 61. B. Walter, Gustaue Mabler; Le Livre de Poche, 1979, p. 46. .
16. A. Míquel, L'Orientd'unevie, op. eu; p. 23. 62. Y. Menuhin, Autobiograpbie, op. eu; p. 80.
17. R. Blanchard, Ma jeunesse à l'ornbre de Péguy, Fayard, 1961, p. 197. 63. B. Walter, Tbême et variation, Lauzanne Foetisch, 1952, p. 162.
18. Ghitton, op. cit.; p. 75. 64. J. Isaac, Expériences de vie, op. cit., 1959, p. 268.
19. Y. Bonnefoy, L'Arriêre-pays, Skyra, 1972, pp. 107-108. 65. R. Maritain, Les Grandes Amitiés, op. cit., p. 95.
20. Y. Queffelec, Un Breton bien tranquille, Stock, 1978, p. 119. 66. Schônberg na primeira apresentação de Wozzeck.
21. A. Míquel, L'Orient d'une uie, op. cü., p. 23. 67. C. Audry, Ia Statue, op. cit., p. 174.
22. N. Boulanger, Bntrettens avec Bruno Monsaingeon; Van de Velde, 1981, p. 97. 68. Kant, Critique du jugement, tomo Il, § 46.
23. "Un étudiant", in Hommage à Claude Fatsaru, Les Belles Lettres, 1991, p. 9. 69. A. Berg, ÉCrits, Christian Bourgois, 1985, p. 205.
24. Ruskin, Les Sources de Wandel, Le Temps singulier, 1981, p. 292. 70. P. Valéry, VariétéI, "Lettre sur Mallarmé", N.R.F., 1934.
25. L. Félix no Jubileu de Émile Picard, Gauthier Villars, 1939.
26. Hadamard: seu elogio in E'Enseignement rnatbématique, 1968.
27. En souoenir de Micbel Alexandre, Mercure de Prance, 1956, p. XV.
28. A. Green, Hommage à Henri Ey, Privat, 1977, p. 645.
29. J. Gidis, L 'Âme et Ia corde, Laffont, 1980, p. 83.
30. Y. Menuhín, Autobiograpbte, Seuil, 1977, p. 80.
31. Jean Vilarpar C. Roy, Seghers, 1968, p. 45.
32. ].L. Barrault no livro de A. Golea, Rencontre avec Boulez, jullíard, 1958, p. 65.
33. D. Jameu:x, Boulez, Fayard Sacam, 1984, p. 26.
34. MacGuinness, op. ctt., pp. 135 e 214.
35. A. Leclerc, Origines, op. cit., p. 122.
36. A. Green, Hommage à Henri Ey, op. cit., p. 645.
37. S. Freud, "Lettre de Paris (24 novembre 1885)", in Correspondance, op. cito
38. MacGuiness, op. cit., p. 108.
39. "Sur Focillon", Françoise Henry, in Gazette des Beaux-Arts; 1944, tomo lI.
40. Ernst Von Salomon, Le Questionnaire, Gallimard, 1982, p. 171.
41. ln Bulletin de Ia faculté des Lettres de Strasbourg, 1965.
42. Hommage à Carcopino par W. Seston, Les Belles Lettres, 1977, p. 262.
QUARTA CONTRADIÇÃO:
EM MARCHA RUMO ÀS UNIDADES

A crueldade do mundo

A contradição cultural que me parece dominar todas as de-


mais é que o estudante está no direito de esperar da cultura, de
suas aquisições culturais, de seus esforços com vistas à cultura, um
excedente de alegria - e com muita freqüência a cultura aparece
como aquilo que nos mergulha na não-alegria, tal como a vida,
pior que a vida.
O momento infinitamente doloroso, tantas vezes característico
da época estudantil, em que a cultura torna mais presentes a cruel-
dade do mundo, a miséria dos homens; opressões, explorações,
divisões ... um número monstruoso de famintos diante de uma pe-
quena minoria que encontra seu luxo no esbanjamento. Haverá,
em toda a Terra, um só momento livre de guerra?
E em relação a si mesmo a cultura é a descoberta de sua fraque-
za, de suas limitações; a violência interior, as discordâncias que o dila-
ceram e, em resposta a elas, a angústia. "Vaidade" em todos os senti-
dos da palavra, entre os quais o de ciúme, inveja, medo dos outros.
142 Feliz na Universidade Quarta contradição 143

Será verdade que não se pode chegar a comunicações sinceras? Tal é, com freqüência, o ponto de vista dos privilegiados do sucesso
Cada um está essencialmente murado em si mesmo - e um si- cultural e do êxito social, que repetem aos estudantes que a inutilidade e
mesmo do qual não se pode sequer apreender os segredos. o caos são os conceitos últimos a decifrar no mundo. Não será de temer-
Lanços inteiros de ideologias tranqüilizadoras, gradualmente se que essa desesperança, assim propagada, sirva de meio para impedir a
assimiladas durante a adolescência e por vezes a muito custo, de- ação e manter na resignação os mais mal aquinhoados?
sabam, e o estudante descobre a incerteza da ciência, a fragilidade Não é meu propósito insistir nessa evocação - e suporei que
das teorias; confusão à medida que aparece o campo imenso de esses temas sejam conhecidos em seu conjunto. Meu projeto é in-
doutrinas que se confrontam e se contradizem. verso: como, a partir dessas não-alegrias, os estudantes consegui-
Um amor que pensava poder propagar-se gradualmente por toda ram chegar à alegria, podem chegar à alegria?
a humanidade, a esperança de respeitar cada homem enquanto ho-
mem, que resta de tudo isso? "Os homens não vivem como um homem
deveria viver".l Descobrir a cultura "superior" é talvez, antes de tudo,
Os riscos do niilismo
começar a ouvir dentro de si todas as misérias do mundo.
Não obstante, quero ainda evocar duas das fontes mais rudes
de não-alegria.
Culpados? Cúmplices? De um lado, quando o estudante entra em contato com a di-
versidade das culturas, das doutrinas, das posições, não corre ele o
À medida que progride na cultura, que descobre as desigualda- risco de cair no desencanto do cinismo? Se existem tantos valores
des e as servidões, muitas vezes o estudante se perguntará se não diferentes, opostos, não será porque nenhum deles é válido? Como
ficou do lado dos cúmplices e dos privilegiados tanto por seu modo escapar ao desalento diante da sucessão das civilizações que nas-
de vida atual como pelo futuro "brilhante" que o fazem reverberar: a cem, crescem e declinam a ponto de que a impressão primeira é a
famosa elite. Isso nem sempre é fácil de suportar, e nem todos o de se terem elas desvanecido por inteiro, sem deixar atrás de si
conseguem. senão os escombros? A história como uma série de catástrofes.
E a própria cultura: assistir a um concerto de Mozart, no momento E, para tomar um caso particular, o estudante de medicina se
em que tanta gente tem fome, luta, não será um meio de esquecer, de vê confrontado com a experiência direta, imediata, irrefutável do
liquidar o pensamento do infortúnio dos outros - um ópio? sofrimento e da morte: os pedidos desesperados dos que sofrem, o
Que tempos são esses em que
absurdo da morte que ceifa alguns no momento em que tinham
Falar das árvores é quase um crime um papel a desempenhar e em que tanto mereciam viver.
Porque assim se passam em silêncio tantos horrores?2 Piedade, interrogação dolorosa sobre o pouco de eficácia das in-
tervenções humanas: as primeiras vezes em que ele participa de uma
Por vezes a gente chega a se perguntar se a maior parte da cultura operação: "a morte esperava... zombando do cirurgião, rompendo as
que o estudante descobre não o mergulha na infelicidade, a infelicidade suturas, ridicularizando-lhe a habilidade, humilhando-lhe a altivez.' O
de tomar-se adulto, a exploração, para não dizer o desempacotamento, precário poder do médico e a dificuldade extrema em lançar mão dos
de um mundo sujo, absurdo e que parece condenado à sujeira, ao diversos recursos existentes sem que eles se oponham uns aos outros,
absurdo. Tantas correntes culturais que não vêem, não querem ver se- mas, ao contrário, fazendo com que consigam se reforçar.
não os fracassos públicos e privados, as decadências, os naufrágios. Apesar de minha tentação constante de apaziguar, ou mesmo de
Ideologias do desespero, culturas do desespero, cultivo do desespero: idealizar, o que estou procurando não é uma cultura cor-de-rosa.
o desespero seria o que há de mais autêntico em nós, a alegria Bem sei que o pensamento é como uma queimadura, que a
seria apenas uma máscara. cultura não existe sem violência, conflito, afrontamento: a cons-
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144 Feliz na Universidade Quarta contradição 145

ciência dilacerada pela vergonha, pela angústia. Em certo sentido, o É pouco dizer que sensibilidade e emoção se unem ao racio-
desespero suscitado pelo acesso à cultura é constitutivo; ele forma nal; na verdade, cada um dos dois elementos realça o outro. A
como que a nota fundamental, espécie de baixo fundamental da nos- mais elevada alegria estética é sem dúvida a união da emoção com
sa reflexão e da nossa vida. Longe de mim querer negá-lo. o saber; quando escuta o Prelúdio de Lobengrin, Baudelaire excla-
Mas será esta a única nota? Procuro avidamente quais pers- ma: "É então que concebo plenamente a idéia de um êxtase feito
pectivas compensadoras, reparadoras, rumo à alegria, a cultura - de volúpia e conhecimento".6
e especialmente uma cultura universitária, portanto muito elabora- A estética é apenas um dos domínios - talvez o mais ilumi-
da - pode abrir. nador, aliás - em que os estudantes tiram alegria da união entre
E se essas escapadas parecem bastante numerosas, não se tor- conhecer e sentir, em vez de sofrer com o seu esquartejamento.
naria possível uma outra relação com o saber, já agora em esboço Mas uma aula de história pode também tornar-se "uma verda-
para alguns, a fim de se criar um horizonte válido para todos? deira emoção da íntelígêncía".' Para Max Brod, a alegria da aula de
Minha tarefa no momento é considerar, sondar dores que o sociologia é comparável "ao prazer que se retira de um excelente
estudante está à altura de superar à medida que penetra mais a concerto, de uma representação teatral de primeira ordem ... uma
fundo na cultura. embriaguez ... uma fascinação"."
Nas aulas de Vidal de Ia Blache, Jules Isaac admira a união
entre "um sábio geógrafo" e "um grande artista [...] um grande poe-
o homem unido a si mesmo ta da geografia"." Síntese de uma obra de cientista - respondendo
ao desejo de cientificidade dos estudantes, propiciando garantias
de conhecimento - e de uma produção de escritor, ou mesmo de
Alguns estudantes conseguem escapar à dístorção do homem
poeta, que visa ressuscitar esse universo, esse algum lugar que ele
prensado entre as diferentes capacidades de seu ser; as fraturas no
invoca.
interior de nós mesmos, que nos levanta contra nós mesmos, nos
tornam hostis a nós mesmos, nos tornam infelizes porque já não
sabemos em que parte de nós mesmos confiar; avançar no cami- Superar as divergências entre vista panorâmica e deta-
nho da alegria do homem unido a si mesmo. lhes minuciosos, entre ver e saber

Superar as divergências: a oposição entre a razão e a Essa harmonia entre razão e afetividade, entre conhecer e
sentir, alguns estudantes podem alcançá-Ia em seu próprio traba-
afetiuidade
lho: não uma cisão infeliz entre o ardor que emana dos grandes
Primeiro na arte: "Urge encontrar uma explicação, porque se escritos e a coação "escolar" de escrutar esses elementos, essas va-
acha belo o que é belo ... saber a fundo por que as maçãs de Van riantes, as sutilezas gramaticais e lingüísticas de cada frase.
Gogh parecem esplêndídas"." Mas sim a unidade de dois enfoques, portanto de dois componen-
A sensibilidade e o racional não estão condenados a opor-se um tes da personalidade: de um lado, a admiração justificada dos textos
ao outro - e o indivíduo seria sempre incompleto e infeliz se fosse exige as interpretações mais precisas possíveis; e sobretudo, inversa-
obrigado a optar ou por um ou por outro. É sob sua forma mais elabo- mente, os pormenores filológicos e gramaticais não podem literalmente
rada que a razão pode unir-se à emoção; Seurat, aos 21 anos, admiran- ser compreendidos se não os apreendemos como via de aceso a um
do uma cabeça pintada por Delacroix: "É a aplicação mais estrita dos texto cujo valor se entrevê e que nos preparamos para apreciar: "Pri-
princípios científicos vistos através de uma personalidade't ' meiro o entusiasmo, depois a aplicação laboriosa; é imprescindível que
146 Feliz na Universidade
Quarta contradição 147

você tenha sentido a poesia viver e respirar em seu coração para É interessante notar que já Goethe considerava que "os estu-
que possamos começar a fazer a sua anatomía"." dantes de medicina são os únicos que põem ardor em conversar
Admírar-se-á Evariste Galois unindo dois modos de enfoque sobre sua ciência ... mesmo fora das aulas".13 A causa principal dis-
do conhecimento com demasiada freqüência considerados como so lhe parecia ser que "a medicina se ocupa do homem por intei-
contraditórios: é preciso fazer com que "o raciocínio se torne [para ro", e é por isso que ela "ocupa o homem por inteiro". Integralida-
os alunos] uma segunda memória". de do invidivíduo para o psiquiatra e também, num modo
É sem dúvida sobre um modo paralelo que a percepção se une totalmente diverso, para o cirurgião e, em última análise, para qual-
ao pensamento: "Eu concebia a Planura, vista cem vezes no trajeto quer médico, especialista ou generalista.
de Orléans [onde ele mora entãol"." A elaboração geográfica, os Desde suas primeiras sessões hospitalares, desde as primeiras
estudos de geografia têm esse efeito de criar uma continuidade en- operações a que assiste, Françoís .Iacob se convence de que "esse cor-
tre a experiência sensível corrente (ver uma paisagem) e a explica- po, podia-se abri-Io... reparar peças, demonstrar alguns dos seus meca-
ção conceptual (compreender a paisagem); assim a imediaticidade nismos", pelo que adquire confiança no valor das intervenções huma-
perceptiva pode não se opor à compreensão, chamada às vezes nas: "A sala de operação, que fábrica de esperança!,,14_ esperança que
desdenhosamente de abstrata, um patamar intermediário que con- não impedirá de perceber os limites e as zonas da ineficácia.
siste em descrever; nem a cotidianidade da visão é digna da ciên-
cia - o homem "qualquer" não é o contrário do cientista -, nem o
uso habitual é dito equivalente à ciência; o estudo traz um enriqueci- Superar as divergências entre razão e vontade
mento, é um enriquecimento: a passagem do sensível ao conceito - e
De Bachelard, o que mais se conhece é a reconciliação entre
a alegria provém do fato de as comparações, aproximações, contrastes,
a razão e a sensibilidade: "Satisfação racional [...] os valores do sen-
globalizações nascerem então em grande número.
timento racional [...] a doçura da razão" - e o ponto culminante é
chegar ao "sentimento de ter razão, em sua ambivalência de doçu-
Superar as divergências entre sensibilidade e ação, ra e autoridade" .15
apreensão total e eficâcia parcial Sob a condição de ter bem presente ao espírito que cada êxi-
to é uma etapa, ao mesmo tempo feliz e inquieta, rumo a novos
Um esforço se faz necessário, mas não é de modo algum im- resultados: a alegria alcança da não é um repouso, um sucesso defi-
possível, para que o aluno chegue a uma união entre sua afetivida- nitivo e completo, mas é ao mesmo tempo satisfação quanto a um
de e seu poder de ação: as primeiras emoções do estudante de determinado ponto e inquietação abrindo-se num dado setor.
medicina tenderiam a paralisá-lo ou pelo menos a lhe perturbar os Mas da mesma forma ele deixa clara a possibilidade, ou antes,
gestos; essa é uma fase que ele deve conseguir superar a fim de a necessidade de uma síntese entre a razão e a vontade: não cessa-
unir a simpatia para com o enfermo ao sangue-frio necessário para va de advertir os estudantes de que a busca da verdade ou pelo
ajudá-Io: "Aprendi como é difícil conservar uma sensibilidade ao menos a marcha rumo ao mais verdadeiro não se cumpria senão
sofrimento sem perder a eficácia", diz um grande psíquíatra." Essa numa "vigilância de si para si e de si para o mundo [...] uma vonta-
harmonização entre o sentir e o agir é um dos resultados mais no- de de reerguímenrov" - nunca se deixando levar pela espontanei-
táveis desse tipo de estudos. Na verdade, o esforço de Laing vai dade, abandonando-se aos impulsos primeiros. Daí um esforço
consistir em colocar sua sensibilidade a serviço de sua eficácia, em rude sobre si mesmo, seus hábitos e as representações correntes,
fazer dela a inesgotável matéria-prima de sua eficácia: é participan- incrustadas em nós e que sempre encerram o risco de nos fechar
do o mais profundamente possível dos problemas do doente que em sua rigidez". "Há uma severidade, uma violência, uma certa
ele consegue ajudá-Ios. perversidade da razão".17 Porém a reconciliação é sempre possível:
148 Feliz na Universidade Quarta contradição 149

alegria do erro reconhecido e superado, se o estudante tem a força mesmo que está livre de qualquer infiltração racista? Toda uma dire-
moral de manter "a luminosa vontade de razão".18 ção da cultura insiste em nossa solidão e em nosso distanciamento
dos outros, tende a apresentá-I os como irremediáveis - e portanto a
Uma palavra mais sobre o corpo, o amor nos fechar na não-alegria.
Mais uma vez, o que me interessa é a outra vertente: até que
Medo cem vezes renascido de uma oposição entre a cultura, ponto os estudos universitários podem ajudar os alunos a superar
obra do intelecto, e a vida do corpo e mais particularmente essa o isolamento e abri-Ios para a alegria de sentir, de viver unidos aos
vida do corpo que é ao mesmo tempo vida da afetividade: o amor. homens?
Alguns estudantes souberam superar esse conflito: a cultura se Estar unido aos homens, sem se confundir num magma em que
une à vida dando ao corpo o seu lugar - o corpo sadio da educa- se perderiam as diversidades, as variedades individuais, as variedades
ção física, claro, mas também o corpo sexuado. A alegria não pode de grupos e de tempos: ligar a riqueza própria de cada um aos diferen-
ser completa se o corpo, o corpo emotivo, não participa dela: "O tes recursos que os outros constituem, unir-se em suas próprias diferen-
entusiasmo que Chartier me inspirava, eu não despendia senão ças, em vez de senti-Ias como motivos de oposição.
uma parte dele a serviço das idéias puras; o resto despertava apeti-
tes e paixões adormecidas. Entre os rapazes, tudo é em conjun-
União pela mediação da arte
to".19 Quando ouvimos estudantes dizerem: "O amor é o instante
em que temos o sentimento de nossa força, em que nos confirma- Nos estudos literários, compreender e amar um autor do pas-
mos um ao outro",2° sentimos que então, necessariamente, a cultu- sado é reconstituir o círculo cultural que foi o dele e que já não é
ra tem sua parte nele: já não receamos que a cultura se reduza a o nosso, e no entanto ele conserva para nós um valor, porque po-
uma reflexão abstrata, incorpórea, ante uma força que se apresen- demos encontrâ-lo em pensamento e emoção - sem ceder à ilu-
taria como descontrolada, instinto que escapa à elaboração assim são de eliminar as diferenças. Podemos viver aí uma experiência
do pensamento como da vontade. Entre os estudantes, já não é crucial de "simpatia".
preciso temer que a acumulação divirja da cultura se ela consistir
O homem unido aos homens pela arte e, portanto, pelos estu-
em se lançar um ao outro "desafios cada vez mais violentos" e em
dos estéticos: meu problema é que essa união não se efetue unicamen-
se constituírem "tão inesgotáveis mutuamente que cada um nunca te na comunhão de dor, mas nos conduza à alegria compartida.
acabará de descobrir o outro". Encontro um magnífico exemplo disso em Romain Rolland.21
Cultura: não ornamento supérfluo nem bagagem simplesmente
jean-Christophe diante de Hamlet: primeiro Hamlet aparece como
utilitária, mas enriquecimento dessa viagem rumo às regiões que con-
"um requisitório formidável contra a vida"; mas uma extraordinária
tinuam sendo as mais enigmáticas para os jovens, as mais atraentes.
inversão do pró para o contra, dos infortúnios para a alegria, tira
da obra uma visão infinitamente exaltadora: "Há tamanha força de
vida [nesse drama] que a tristeza se converte em alegria e o amar-
o homem unido aos homens . bria"
gor me na .22
Para perceber o sentido profundo dessa reviravolta, é bom in-
Será que não devemos confessar que, espontaneamente, so- dagar qual interpretação e, portanto, qual professor são capazes de
mos desconfiados em face dos outros, e tanto mais quanto temos a valorizar o potencial de alegria de obras que, à primeira vista, pa-
impressão de uma diferença maior (em seus modos de vida, em reciam acabrunhantes.Relacionar-se-á a elucidação estética de R.
seu aspecto; mesclam-se suspeitas, temores e um mal-estar funda- Rolland com o conjunto de sua vida e de suas atividades: ele en-
mental de dificuldade para comunicar)? Quem ousaria dizer de si carnou, para toda uma geração, a participação apaixonada e dolo-
Quarta contradição 151
150 Feliz na Universidade

termo a um isolamento demasiado freqüente, seja em si mesmo, seja


rosa em todas as crises, em todas as causas progressistas, num esfor- na companhia exclusiva de seus pares.
ço incessante para se elevar "acima da batalha", superar as calúnias Por exemplo, os estudos de geografia procuram realizar uma
insensatas dos adversários em guerra; a existência se desdobrava síntese entre refletir e participar da existência comum: para com-
nele e em suas aulas com tal calor que os homens, os povos deixa- preender, cumpre também observar como as pessoas vivem, interro-
vam de ser incompreensíveis uns aos outros e irreconciliáveis - e a gá-Ias, empenhar-se em fazê-Ias contar sua vida do dia-a-dia; o que
esperança superava o abatimento. só é possível e frutuoso se o estudante tomar interesse por seus pro-
As obras de Miguel Ângelo são quase sempre dolorosas; mas blemas e dedicar-lhe atenção, além de mostrar maior abertura para
a dor se supera quando ela se torna uma obra e se dirige a todos; seus sentimentos e atlvídades.f O geógrafo está no meio dos homens
o que Canetti, estudante, admira em Miguel Ângelo é "uma forma - e pode avançar então no caminho que permite superar as oposi-
de sofrimento que, em vez de se consumir em sua própria chama,
ções desalentadoras entre o indivíduo e as massas, entre o indivíduo
se transforma em algo diferente, algo duradouro e que estava ali
pensante (ousaria eu dizer: ele mesmo?) e as massas que viveriam
para os outros".23 A emoção estética se desprende da não-alegria
apenas banalidades, que poderiam submergi-I o em suas banalidades:
quando constitui como que um ponto de apoio sólido que nos aju-
não será esse, no início, o pecadilho do estudante?
da a sair de nossa clausura: um vínculo se estabelece, direto, pelo
"Sentimos o surdo prolongamento das emoções daqueles que
qual nos sentimos vivificados. não conhecemos,,:26 o estudo da história vai dar a palavra, devolver
a presença a tantos de nossos predecessores, escutar todas essas
União do individual com o social vozes, não apenas as grandes vozes heróicas, mas também aquelas
que se exprimiram por vezes no mero cotidiano e por vezes atra-
Os estudos médicos são cada vez mais levados a tomar em con- vés dos movimentos de massa: isto é reconhecer mérito, quase
sideração não apenas a realidade individual e corporal mas também prestar homenagem a esses milhões que não atingiram a notorieda-
as grandes causalidades coletivas que se exercem sobre nós - e elas de - e apesar disso não viveram em vão: eles criaram, todos eles,
nos preparam para agir tanto sobre umas como sobre outras. o fundamental. O que nos pode dar, também a nós, a esperança de
Laing acabou optando pela medicina porque nela existe "um que a nossa existência não terá sido vã, principalmente quando cada
material realmente físico" e porque, ao mesmo tempo, estará "a um de nós renuncia a se considerar como caso único e sente o quan-
braços com realidades de fato sociais".24 O estudante aprende a to de seu valor está ligado ao valor dos outros.
não separar um corpo, um indivíduo curável pelos cuidados médi- Os estudos de história: não me limitar a visões fragmentadas, fugir
cos e uma sociedade que se abandonaria ao seu destino fatal, irra- à tentação de recolher-me em mim mesmo, invocando pormenores ou
cional. Unidade, comunidade dos sofrimentos - e dos cuidados. casos particulares que eu privilegio porque me afetam diretamente. Não
Trata-se de restituir seu lugar no seio da coletividade ao indi- ser, tampouco, esmagado pelo peso do passado a ponto de renunciar a
víduo que sofre, suportando ao extremo em seu corpo e em sua inflectí-Io ou de sentir dissolverem-se nele as individualidades, as parti-
mente as dificuldades em que também se debatem os seus contem- cularidades. Mas captar a amplidão de uma história coletiva e tentar
porâneos; ajudá-lo a procurar uma saída para seu mal-estar é quase encontrar o meu lugar, o meu papel nesse desenvolvimento de conjunto.
sempre modificar seus vínculos com os outros, ajudá-lo pelo me-
nos a tomar uma consciência mais lúcida do problema. Ao se pre-
parar para essa tarefa, o estudante se capacita, por sua própria União da homogeneidade com a diversidade
conta, para superar as tristes estreitezas do individualismo.
O esforço e a alegria de captar a diversidade dos povos, mo-
Essenciais são os estudos universitários que colocam o estu-
dos de vida, países longínquos ou tempos remotos; e temos neces-
dante em contato com as massas e que lhe dão a alegria de pôr
152 Feliz na Universidade Quarta contradição 153

sidade da cultura para lhes fazer justiça,apreendê-los em suas quali- uma vez em desabrochar à luz do sol, em refazer comigo, para mim, as
dades profundas, não ficar na aparência primeira que redundaria fa- obras de sua existência primeira.30
cilmente no absurdo; e é por essas confrontações múltiplas que se
tornará evidente que em toda parte há sentido, sentidos.
O estudante pode então sentir-se ao largo e não mais fechado
numa única tradição que se dá como a única [ustíficada, mas de o homem unido ao mundo
onde tira ela esse direito, e que sorte reserva às demais?
Superar o "ouropel do exotísmo'v" pois a aceitação dessa multi- Depois de haver tentado vedar o sofrimento do homem dividido
plicidade é inseparáveI de uma indagação sobre a homogeneidade: es- contra si mesmo e do homem separado dos outros homens, podem
ses momentos, esses aspectos estão separados uns dos outros por abis- os estudos universitários fazer alguma coisa para apaziguar os confli-
mos - ou pode-se falar de uma humanidade una e múltipla, adquirir tos que opõem o homem ao mundo - e a dor que daí advém?
confiança numa humanidade una e múltipla? O mesmo se diga dos
estudos que valorizam a unidade sempre diferenciada dos homens:
será motivo de pesar ou de deslumbramento que o universal revista Todos os caminhos levam ao mundo
tantas formas particulares e tão variadas? Unir a alegria de participar
daquilo que reúne os homens à alegria complementar de reconhecer Os estudos de geografia, ao mesmo tempo que unem o ho-
suas distinções, chegar a esse "sentimento de que a humanidade inteira mem aos homens, contribuem para unir o homem ao mundo. Tais
é que é o homem verdadeiro e que o homem só pode ser feliz se tiver estudos revelam o homem em seu duplo caráter: "Um mundo vivo,
a coragem de se reconhecer como um elemento do todo". 28 O que não ao mesmo tempo fora da escala humana e acessível, hostil e Intí-
quer dizer: perder-se no todo, ser apenas uma peça num mecanismo mo"." Na verdade, é sobretudo o segundo aspecto que os nossos
estudantes de geografia vão valorizar.
gigantesco que nos esmaga: busco uma cultura que dê vida intensa à
sociedade, à união comunicativa, sem levar o indivíduo a abdicar. Os No momento em que estréia no alpinismo geográfico, Dresch
estudos universitários não fazem milagres, mas podem abrir essas vias. sente não apenas a alegria de estar em contato com os fatos con-
Elas convergem então para a poesia. Quem sente como sua cretos como também um vínculo estético, afetivo, quase amoroso
própria a história de toda a civilização, quem a assume como sofri- com o mundo físico: "Eu admirava formas, planos, cores, florestas,
mento, mas também como esperança: rochedos e neve, ventos e nuvens". Ama ao mesmo tempo a rela-
ção sentida com as rochas diversas, a atividade física necessária
E o que pertenceu à humanidade inteira para chegar até elas, gosto esportivo levado quase à audácia, ao
Quero gozá-lo em meu foro íntimo. risco - e a atividade intelectual de compreender o que vê.32
Captar em meu espírito as coisas mais sublimes e as mais rasteiras, Ao que corresponde uma multiplicidade de abordagens meto-
Cingir em meu coração suas alegrias e suas dores, dológicas: "Recorrer tanto à pedologia como à demografia, tanto à
Expandir assim meu próprio eu até os limites do seu.29 ciência dos climas como à economia, tanto à botânica como à his-
tória dos costumes e das instituições"; e em cada caso se trata de
Ou, mais modestamente, com, apesar de tudo, menos patéti- "empregar os métodos e os questionamentos específicos [das dife-
co, os devaneios histórico-literários de Michelet: rentes díscípltnasl't"
Convergência: as diferentes apreensões do real concorrem,
E assim ia eu [...] amando, revívendo os povos, ressuscitando-os, devolven- convergem, realizam síntese; pode-se atingir coerências, sentidos
do-lhes, com a vida, o amor de viver e a juventude, de sorte que, reaquecí- - isso testemunha que o mundo não é incompreensível, pois nele
dos durante um momento por minha simpatia, eles se compraziam mais o homem não é um estrangeiro.
154 Feliz na Universidade Quarta contradição 155

E essa convergência vamos reencontrá-Ia naturalmente no estudo atuar nele com segurança, superando o caos costumeiro das idéias e
do mundo social: desde seu ingresso nos estudos superiores, o que dos acontecimentos: "O mundo se reafirmava aos meus olhos, e eu
atrai o estudante é o fato de que "em qualquer atividade humana se ousava seguir avante".36Esse mundo matemático se liga diretamente à
acham indissoluvelmente imbricados o que pertence ao material e o existência humana pela via da beleza: "A emoção estética que se sente
que não lhe pertence, o que é da natureza e o que é da cultura; a quando, das fórmulas algébricas escritas no quadro-negro, se vê brotar
sociedade forma um todo, e por isso deve ser considerada globalmente a realidade física e a vida".
no seio daquilo que a cerca e na totalidade de seus componentes'V' Na aplicação da álgebra à geometria, o êxito matemático apa-
O mundo físico, o mundo social: conseguir apreendê-los como rece como signo de um progresso ao mesmo tempo estético e lite-
totalidades e como complementares, eis o que, a um só tempo, conduz rário: eliminar tudo o que é inútil, supérfluo, "para conseguir ex-
à inteligibilidade e pode orientar para a alegria - alegria que Míchelle pressar o absoluto com o menor número de termos possível"; a
Perrot especifica assim quando evoca as aulas de Labrousse: "O estudo totalidade do homem em harmonia com a totalidade do mundo.
das ideologias não se separava do contexto econômico e sodaI".35 Um século depois, outro escritor não-matemático, evocando
Aqui, porém, ousarei colocar uma questão: para ir até o fim de as alegrias que conheceu no curso de matemática, reencontra te-
si mesmo, esse esforço cultural não exige que esse todo se ordene mas, acentos semelhantes; alegria de chegar a uma precisão que
em relação a um elemento dominante que lhe assegure uma ancora- expulsa as incertezas da vida corrente; quando a geometria analíti-
gem primeira no âmago do real? Fico um pouco decepcionado quan- ca substitui uma curva por uma equação algébrica, "o racional"
do Duby me parece resignar-se ao "ínextricâvel emaranhado de de- prevalece sobre o meramente visto, que é sempre apenas o aproxi-
terminações inumeráveis em relação às quais é inútil indagar qual madamente visto.37 Podemos ter pretensões à exatidão em nossas
delas prevalece sobre a outra". Meu sonho é que todos esses emara- relações com o universo.
nhados aparentes se desenredem, apesar de tudo, em sua relação
com um componente primordial que se enraíza na atividade fabril e
social dos homens, segundo os diversos modos de produção - e Afísica une o homem a um mundo mais seguro
encontram seu sentido em relação a eles; então o marxismo não esta-
A não-alegria que é amiúde uma das bases da vocação cientí-
ria tão morto como todos estão dizendo ... Mas permaneçamos sere-
fica: uma sensação de insegurança - o mundo não é irracional e,
nos e depositemos nossas esperanças nesse " humanismo enobreci-
pior, o irracional não renasce depois de cada descoberta?
do" pelos conhecimentos que nosso autor nos propõe.
Para mim, o exemplo típico: ensinaram a todos nós que a ter-
ra gira, mas então somos incessantemente joguetes do erro, esta-
A matemática une o homem ao mundo mos mergulhados no absurdo; não podemos confiar nem na evi-
Edgar Quinet é bastante ignorado em nossos dias; no entanto ele dência dos sentidos, nem nos dados da observação corrente, nem
me parece uma testemunha notável quando expõe o modo como seus mesmo na clareza pessoal da nossa razão - que nos afirmam, to-
estudos o conduziram à admiração da matemática - e à confiança na dos eles, a imobilidade das coisas.
matemática para criar um vínculo entre o homem e o mundo. Talvez um dos primeiros sentimentos suscitados pelos estudos
O que o impressiona à medida que avança no estudo da matemá- científicos superiores seja o da ambivalência: "O mundo é enigma
tica é evidentemente, antes de mais nada, a convicção de certeza, de e no entanto parcialmente acessível às nossas observações e à nos-
rigor; verdades inabaláveis, indubitáveis; as mesmas em toda parte e sa cornpreensão'v"
para todos; donde as metáforas habituais de claridade, luz, pureza. A Einstein sente o mundo físico vivido, em primeiro lugar sim-
partir da matemática, é o mundo inteiro que ele espera captar, um plesmente vivido, como algo de "turbilhonante", sempre ameaçado
mundo bastante definido e sólido para que se possa cornpreendê-lo e de dispersão, na iminêncía de "voar em estilhaços". O que a cíên-
r: 156 Feliz na Universidade Quarta contradição 157
:1

cia introduz nessa imagem à primeira vista desesperadamente fugaz Um grupo de estudantes de Cambridge se entusiasma pelas
do mundo é a "firmeza" e o "aprumo"; o mundo físico se consolida, descobertas de Darwin:44 apreender o lugar do homem entre os
cobra coerência, estabilidade e, por isso mesmo, sentido.39 seres vivos, orgulho do homem que se elevou na escala dos seres;
Por outras vias, o físico Niels Bohr está, também ele, em busca esperança e ambição de progredir ainda mais, e por nossas pró-
de uma "visão de conjunto que abarque a vida em seus múltiplos prias forças; progressão da espécie e progressão no plano da vida
aspectos [...] e evoque a totalidade da nossa sítuação"." pessoal. Para tanto, é preciso afrontar o maior número possível de
Trata-se, em ambos os casos, de superar a não-alegria das ci- experiências; não se deixar encerrar nos costumes nem nos hábitos
sões entre o homem e o mundo, de superar uma sensação difusa fixos que bloqueiam a evolução.
de incoerência. Ainda aqui, a alegria sentida advém tanto dos próprios resul-
A síntese almejada por Einstein é global, ao mesmo tempo tados científicos como da síntese que se estabelece entre dois do-
humana e objetual: na vida corrente, o indivíduo, os indivíduos en- mínios: o da moral e o da ciência.
tre si estão fadados ao esmigalhamento, como os objetos do mun-
do físico; não se ultrapassa o particular, o simples ponto de vista
Escolhos
do privado: "Um mundo puramente pessoal [...] o círculo estreito e
circunscrito da experiência pessoal [...] uma existência dominada Mas também aqui a alegria deve continuar a lutar contra as
por sentimentos, desejos, esperanças primárias". não-alegrias, a superar não-alegrias correspondentes: o homem não
Na medida em que o mundo é compreendido por um pensa- está, por conseguinte, colocado como centro de um universo cria-
mento científico, Einsteín está persuadido de que se opera uma do para ele e para serví-lo; suas origens se perdem na baixeza; o
abertura para o "extrapessoal", transcendendo-se a disseminação, macaco que está em nós nunca se deixa esquecer.
ao mesmo tempo o próprio indivíduo e as relações entre indiví- E uma não-alegria poderia desmoralizar, bloquear, mas o cientis-
duos adquirem consistência. Não que a descoberta física se trans- ta é talvez aquele a quem essa não-alegria estimula e encoraja: "Uma
ponha automaticamente para o plano moral, nem que a visão cien-
dúvida horrível me invade e eu me pergunto se as convicções do
tífica se confunda com a organização social, mas uma direção de
homem, que proveio de animais dotados de uma mente de ordem
esforço comum (e de alegria) é assim culturalmente indicada e se
inferior, têm algum valor e se se pode confiar nelas um mínimo que
estende a todos os domínios.41
seja. Alguém teria confiança nas convicções de um macaco, admitin-
A cultura "consolida" o mundo e a vida: a relação é notável
do-se que haja convicções em semelhantes mentes?" 4{í
em Cézanne quando ele declara: "Aproximo-me com o mesmo ím-
peto, com a mesma fé de tudo o que se dispersa" - dispersão do
real antes que nele intervenha o homem." o homem unido ao mundo pela alegria estética
O pensamento científico (trata-se, aqui, de física teórica) dá
alegria porque deixa entrever, ou melhor, permite edificar um Na idade estudantil, julien Green é acabrunhado por "tudo quanto
mundo "de uma harmonia e de uma simplicidade que transcendem havia de medíocre e de feio na [sua] vida"; nele, incessantemente, "a
os problemas e as contradições do humanor" - e por mais abstra- carne e o pecado vêm ensombrar a alma".47Vive na sensação de estar
ta que possa ser ela permite ao próprio ser humano perceber que condenado à solidão, abandonado por Deus e pelos homens.
aí pode haver algo que está além das contradições. A música entra em ressonância com tudo o que ele sente em
O pensamento biológico nos diz que não apenas o mundo não si de frágil, de débil - mas ele vai combater, transformar tais ca-
nos é fundamentalmente hostil como é o teatro e também o meio de racterísticas em seus contrários; o isolamento se esbate e começa a
nossa elevação. luzir uma possibilidade de comunhão com a humanidade.
158 Feliz na Universidade Quarta contradição 159

o que nos impressiona aqui é que a música repercute nele das principais forças de ruptura, de renovação e, sobretudo, de acu-
como uma afirmação de que ele caminhava "para um mundo lumino- sação. Eles obrigam os mais velhos a encarar de frente o mundo que
so [...] Pela primeira vez eu me sentia unido ao mundo, redimido talvez lhes estão legando.
com o mundo". A música é como felicidade presente e promessa de A alegria da cultura, para o estudante, são ao mesmo tempo obras
salvação, fluindo rumo a uma ventura possível para todos. dignas de serem amadas, resultados e experiências a compreender, a
Ou seja, a alegria estética pode não ser evasão, não é evasão, interpretar, talvez a prolongar; uma personalidade a formar - e ações
senão caminho para a redes coberta dos outros, dos "próximos" de de envergadura das quais ele participou simultaneamente.
quem incessantemente nos distanciamos na indiferença, na rotina Daí que a alegria cultural seja inseparável de uma inter-rota-
_ e também reabertura para o mundo, estreitamento extraordina- ção sobre a própria cultura, e portanto sobre a sociedade para a
riamente poderoso dos laços com o mundo: presença no mundo e qual se contribui: pode a cultura, que é efetivamente o domínio
presença do mundo. próprio do estudante, desempenhar um papel de destaque na luta
Assim, tanto a ciência como a arte podem conduzir o estudan- contra a injustiça? E qual cultura, ao preço de qual renovação?
te a um mundo digno de ser amado - e que ele é capaz de amar, Como pode ela ultrapassar o dado sem se perder no sonho e al-
que não nos opõe uma hostilidade definitiva. É sem dúvida por- cançar enfim uma "verdade prática?,,50 Seria necessário ao menos
que, assim na ciência como na arte, o mundo adquire unidade, sua que ela não encerrasse na fatalidade do fracasso, nem na nostalgia
unidade com o homem pode ser sensível e emocionante. da não-cultura, a inocência inculta, mas se harmonizassem nela
Em outros casos, esse vínculo do mundo com o homem assume mesma conhecimento, ação e esperança - e que ela própria se
um aspecto essencialmente patético, de comiseração: nos quadros de .harmonizasse com as demais forças sociais que trazem conheci-
Chagall eu leio o quanto o mundo tem piedade do homem. mento, ação e esperança.

Sensibilidade política
o estudante e a alegria política
É freqüente que o jovem estudante tenha sentimentos políticos;
Por certo, muitos são os estudantes que encontram satisfação muitas vezes ele se dá conta de que ainda não os domina de maneira
em aceitar a sociedade estabelecida, em aprová-Ia ou resignar-se a efetiva. Classicamente, são sentimentos de revolta; a revolta, em mui-
ela. Claro está que a Universidade sabe utilizar cem meios para tos casos, faz parte desse movimento global pelo qual tantos estudan-
manter os estudantes na moderação, na prudência do conservantis- tes partem em busca de si mesmos, na dificuldade de existir.
mo. Saboreemos a frase de Guizot em sua encantadora meia-tinta: Após uma infância não raro paciente, dócil, chega o momento
"Procurávamos animar os estudantes sem aglrá-los''." do distanciamento, da indiferença, do desprezo, da contestação e
Mas muitos vivem na alegria infinitamente dolorosa de insur- mesmo do ódio em relação a mentalidades e a modos de vida que
gir-se contra as opressões, as guerras, as fomes - e se esforçam parecem agora acanhados, mesquinhos ou mesmo escandalosos. E,
por entrever, imaginar outra coisa, participar na sua construção. "É naturalmente, a instituição de ensino é um dos alvos privilegiados.
preciso buscar uma saída, uma brecha na muralha; é preciso ver Isso prova que a transmissão cultural, mesmo que eu queira sus-
brilhar um pontinho de luz".49 Mostrar que a ordem, a desordem tentar que ela é fundamentalmente alegria, que pode tornar-se
existente não é natural, imutável, eterna; o mundo pode ser trans- abertamente alegria, não se desenvolve num modo fácil e aprazí-
formado, pede para ser transformado. vel, mas na dor das oposições.
Com freqüência, em muitos países, no curso da história, fo- Necessidade de se afirmar, de testar as próprias forças, um
ram os jovens, e em particular os estudantes, que constituíram uma passo rumo à independência - ehá uma alegria do revoltado em
160 Feliz na Universidade Quarta contradição 161

se sentir, em se acreditar mais forte ou em todo caso mais justificado avante. Para onde? A resposta é evidente e característica de todos os
do que aquilo a que se opõe. ultraconservantismos e, depois, de todos os fascismos: para a guerra.
Essas resistências são preciosas, podem suscitar empenhos A guerra como "ideal estético de energia e força [...] a guerra!
criadores nos jovens, assim incitados a construir, por seu turno, a palavra readquiriu um súbito prestígio ['..J os jovens a carregam
algo que atenda a suas expectativas; eles vão tomar consciência de de toda a beleza pela qual estão apaixonados e de que a vida coti-
suas forças e começar a empregá-Ias. diana os priva". 53
A intransigência - tantas vezes ridicularizada - dos jovens, a E é desse modo que o sentimento revolucionário dos jovens
recusa dos compromissos, não será na verdade a exigência daque- pode perder-se no orgulho da força bruta.
les que, segundo eles, são fiéis até o fim às intenções, aos valores Assim, durante muito tempo - e sobretudo no estudante - a
que propõem, fiéis a si mesmos? insubmissão é prenhe de ambigüidades e lhe é muito difícil intro-
Não se pode dissimular, todavia, o que essas efervescências duzir aí uma luz suficiente. "De acordo com as circunstâncias, a
têm quase sempre de confuso. Elas podem descambar facilmente revolta pode conduzir à legião estrangeira, ao gangsterismo, ao ci-
para o conformismo da rebelião, simétrico termo a termo ao con- nema ou ao extremismo político".S4 Pode também apaziguar-se fi-
formismo da submissão. nalmente em tranqüilo conservantismo.
Há também a tentação de certos estudantes de se lançar na
Meu problema agora é averiguar como a cultura pode ajudar
política, de um lado ou de outro, simplesmente para ter a impres-
a elucidar, a tornar eficaz e "feliz" uma rebelião nascida em parte,
são de se emancipar da família, como uma jovem que se decide
entre os estudantes, da oposição dolorosa a essa mesma cultura.
bruscamente por um casamento qualquer. 51
Portanto, é freqüente que o jovem estudante tenha sentimen-
São por demais conhecidos aqueles que insinuam que é bom
tos políticos, com tudo o que o termo sentimento implica de vee-
ser rebelde e exagerado aos vinte anos para poder em seguida fa-
zer concessões, muitas concessões, e tornar-se honestamente "mo- mência mas também de imprecisão.
derado" ao envelhecer; criar-se-iam assim conformistas satisfeitos Quando está na École Norrnale da rue d'Ulm, Raymond Aron
- o que está muito longe de visar à alegria. se sente impregnado de um "vago socialismo", constituído essen-
O mais grave: o número de jovens, muitos dos quais estudantes, cialmente por "meus sentimentos: horror à guerra [...] hostilidade
que se deixaram atrair por... aqueles que aderiram ao culto da força para com as potências e os proprietários" ---...:eele confessa: "Eu
pela força. Vittorini evocou os primeiros estudantes fascistas na Itália: justificava mais ou menos mal, por razões, meus sentímentosv.P
certo, eles querem persuadir-se de que representam a liberdade con- H. G.Wells, também ele, vive apríncípío sentimentos políticos, e
tra os privilégios, o dinheiro, as sociedades anônimas, mas antes de reconhece que eles têm "algo de duvidoso, de furtivo".56Sente-se revolu-
tudo são levados por uma espécie de furor de lutar contra a multidão, cionário, em revolta contra as idéias de Deus e de Rei, experimenta como
à medida que percebem que ela se deixa impressionar. "A arrogância dor todas as vidas "estragadas" porque vítimas de usos tradicionais, não-
estridente" não tarda a ocupar o lugar de todo valor. 52 justificados. Mas admite que existe uma natureza imutável das coisas e
Por certo L'Iinquête, num momento famoso de Agathon sobre a que daí o direito de propriedade decorre definítivamente.
juventude, é antiga e pode parecer completamente antiquada - pelo O que prevalece de início em André Chamson é a condena-
menos em sua terminologia; ela continua a parecer-me o breviário do ção da ordem estabelecida, a esperança da queda deste mundo,
desvio para o belicismo das aspirações de jovens que se querem revo- "em relação ao qual só conseguíramos encontrar o ódio". 57 Mas
lucionários; faz-se aí a apologia de uma vitalidade que se bastaria a si tanto em seu pensamento como nas expressões que ele emprega se
mesma, de uma ação que não exige comentário, não se questiona, mesclam a nostalgia de um progresso e como que a previsão catastró-
confia-se no instinto e só tem uma palavra de ordem: ir sempre fica do fim das coisas: "Sentíamos que estava chegando uma época de
162 Feliz na Universidade Quarta contradição 163

penúria e de pobreza, que já não poderia ser um reagrupamento das necrotério os "clientes" defuntos de seu serviço, "a velha Marthe ou
forças humanas, mas um aniquilamento sem esperança". o pequeno Roger, aos quais mentíramos para reconfortá-los, de
Até mesmo Gramsci, que se tornará um grande dirigente polí- quem havíamos segurado a mão e respeitado o pudor".60
tico: no princípio, diz-nos Togliatti, que foi seu condiscípulo na Daí que alguns estudantes sejam como que arrastados a uma
Universidade de Turim, ele era socialista "mais por esse instinto de revolta contra os hábitos sociais, as negligências, as indiferenças
rebelião próprio do sardo e por esse sentimento humanitário habi- .simplesmente, "puramente" humanas.
tual num jovem intelectual de província,,58 do que por um pensa- Indignação contra maneiras de agir que não se preocupam
mento e uma ação elaborados. Ele mistura, sem ver nisso nenhum com a dignidade humana do doente, mas sabem muito bem pôr
problema, Marx, o positivismo e Spencer. em evidência o mandarim: "As apresentações de doentes, a multi-
jaures, jovem estudante, ao mesmo tempo que é movido por dão de médicos, enfermeiras, estagiários em torno de um paciente
um lancinante sentimento de revolta em virtude da situação do isolado, perdido, exposto a todos os olhares, malaxado, manipula-
proletariado, ainda não supera a estupefação desolada quando do, enquanto perorava interminavelmente o patrão".61
constata que o descontentamento do povo não consegue tomar Revolta contra uma espécie de nomendatura burocrática das
forma e muito menos constituir-se em posições ou ações concretas; doenças, que pode abalar o calor e mesmo a seriedade das relações
fica desarvorado ante o fato de os mais explorados permanecerem médico-doente: "Passadas as incertezas liminares do diagnóstico, o coi-
isolados, aceitarem, continuarem ligados à ordem estabelecida não tado do paciente recebia sua etiqueta [tuberculose] e deixava de ser
apenas nos fatos mas até em seu pensamento. Mais tarde ele resu- 'interessante'. Nada podíamos fazer por ele, e dali a algumas semanas
mirá assim sua perplexidade inicial: "Eles não se revoltavam contra a só lhe restava morrer, assistido por nossos cuidados irrisórios".62
realidade porque se confundiam com ela".59Ausência de recuo, de Revolta do estudante contra a maneira pela qual os cadáveres
perspectiva global, de esperança de que as coisas poderiam ser dife- são retalhados pela dissecção, sem nada que lembre o respeito devi-
rentes. jaures é tomado por uma espécie de "pavor social". do ao morto, numa homenagem. prestada aos mortos. Mas também
revolta contra ele próprio, que sé torna progressivamente insensível a
esses procedimentos de desprezo: "A inquietude e a recusa se exau-
Esforço cultural epolítico
riam pouco a pouco. O interesse e a curiosidade prevalecíarnv.f
Chega o momento do esforço cultural, da alegria cultural ----, Essas revoltas são não-alegrias, vividas desde a aprendizagem do
este é o próprio ofício do "meu" estudante. Trata-se agora de com- ofício; mas também vontade de não permanecer nisso.Reivindicaçõ-
preender como, em certo número de casos, cultura e alegria vão se es, .a vontade de fazê-Ias frutificar, a convicção de que não se pode
estender ao domínio político. obter ou mesmo arrancar progressos; e também uma promessa do
estudante a si mesmo de transformar a atividade médica, e particular-
mente o hospital, no sentido de uma consideração maior para com o
Estudantes de medicina homem-doente; como um enobrecimento da atividade do estudante
se ele logra conciliar o rigor médico com a dignidade do doentes,
Meus primeiros exemplos podem afigurar-se um tanto parado- esses restos de vida e de decência aos quais o paciente se agarra,
xais, porquanto os estudantes de medicina passam quase sempre por pudor de seu corpo assim como de seus sonhos.
ser uma corporação conservadora, elitista e, como se costuma dizer,
"apolítica". Mas parece-me particularmente interessante perceber Como passar para a esquerda
como diferentes tipos de revoltas se encadeiam uns nos outros.
Em primeiro lugar, revolta metafísica contra a morte, quando Passo agora a casos mais gerais. Por uma parcialidade que
ela transforma em pacotes de carne que se vai cortar e dissecar no talvez me seja perdoada porque o confesso candidamente, vou
164 Feliz na Universidade Q\l:l~J:ºlltradição 165

considerar apenas alguns exemplos em que os sentimentos políticos 10 desses parasitas. Chamson chega a uma confiança global neste
iniciais evoluíram para atitudes "de esquerda". mundo, do qual recusa as injustiças e somente as injustiças.
Há, pois, em muitos estudantes um aprofundamento da políti- Para alguns estudantes, o que se afigura necessário para pro-
ca para além das emoções primeiras; unir a força do pensamento gredir na ação política é uma visão global do mundo contemporâ-
aos movimentos de generosidade e de negação. O estudante pode neo, isto é, uma filosofia. R. Marjolin, na altura de 1932, desdobra
alcançar uma alegria da consciência e da ação políticas - que são . uma grande atividade no partido socialista. "Tinha certeza de que
afirmadas pela cultura. não se pode pensar a política e encontrar uma resposta para as
É meditando sobre A República, de Platão, que Wells conse- múltiplas questões que se apresentam ao cidadão sem uma forma-
gue dar coerência a suas aspirações políticas; ele descobre ali a ção filosófica sólida".67 Assim, ele vive "o parentesco entre a políti-
concepção de uma sociedade em que o individualismo pode ser ca e a filosofia", entregando-se à sua "paixão pela filosofia" ao
circunscrito pelo interesse comum sem se opor a ele. A partir daí mesmo passo que se torna um militante político.
ele compreende que se pode escapar "da prisão da aceitação social
e da submissão". Já não estão lá os devaneios repassados por te- Os líderes de amanhã
mas contraditórios, mas "afirmação aberta".
Confirmações freqüentes das aspirações morais pelos temas Gostaria agora de tentar compreender como os futuros líderes
políticos. políticos aprofundaram suas convicões, suas determinações, duran-
Jean Maugüe aprende de Marx que não é admissivel "colocar te o tempo de estudantes.
na mesma linha as despesas de fabricação dos chapéus e as despe- Gramsci vai tornar-se definitivamente socialista mercê de uma
sas da manutenção de um hornern'j" alegria de apreender, de res- dupla formação: por um lado, esforço teórico que lhe faz com-
preender que as idéias podem tornar-se forças, e as idéias revolu-
gatar a dignidade do homem: "Um homem não está mais à venda
cionárias forças revolucionárias, na medida em que conseguem
que a beleza de uma mulher ou o saber de um estudante".
elucidar as contradições efetivamente operantes num dado mo-
De um modo bastante diferente, há que decifrar e sentir mui-
mento, numa dada socíedade."
to fortemente uma convergência entre as reivindicações da moral
Por outro lado, a experiência concreta de organizar eleições
tradicional, incluindo a moral cristã, e os grandes temas levantados
em condições difíceis ou mesmo perigosas; Gramsci percebe como
pelos socialistas, exploração, alienação, que levou Labrousse, estu- as massas camponesas, que, por si sós, não tinham alcançado
dante, ao socialismo: "A noção de mais-valia é o aspecto econômi- transformações sociais significativas, se transformam em sua partici-
co, científico desse problema de moral corrente que o direito colo- pação nesse esforço organizado, concertado - e ele passa a con-
ca para o produto integral do trabalho".65 Mais ainda, é o socialismo fiar na capacidade de desenvolvimento político dessas massas.
que suscita a confiança das massas em si mesmas e a confiança dos Desse modo ele se prepara para ser o "novo intelectual", ca-
intelectuais nas massas: "Ele se coloca à disposição da imensa maioria paz a um só tempo de renovar o senso comum, purificando-o de
dos homens grandes processos coletivos", e é isso o que nutre a es- seus aspectos díspares, heterogêneos, e de insuflar no conhecimen-
perança de uma "luta sincronizada". to elaborado a robustez, a força de resistência, uma lucidez no co-
É igualmente a partir de uma análise cultural da moral (e tam- tidiano sem a qual o povo não teria resistido - e, por si sós, os
bém da religião) que Chamson se persuade de que a salvação não intelectuais não o conseguem facilmente.
deve ser esperada do "nascimento de um mundo integralmente Como tantos outros, Nizan começa por uma revolta indiferencia-
novo"; suas reflexões o levam a pensar que "o absurdo e a injustiça da contra o mundo e a recusa global das condições em que viveu -
são estranhos ao mundo'j'" daí que seja possível, dia após dia, livrá- facilidade, tranqüilidade, conforto e bem-estar assegurados.
166 Feliz na Universidade Quarta contradição 167

o progresso de sua reflexão política passará pela descoberta das jaurês então lhe explica que não era esse, para os estudantes,
relações de entrelaçamento que unem de maneira inexorável o indiví- o único setor a ocupar: eles devem também conhecer e divulgar o
duo e o mundo no qual ele vai tentar viver. Nizan compreende e socialismo - e não por meras brochuras de vulgarização, simplifi-
mostra que aquilo que acreditamos ser "inquietude privada" é muitas cadas quase à falsificação; elas afirmam constantemente que a
vezes, na realidade, o eco em nós das "desordens da época".69 Quan- substituição do capitalismo pelo socialismo será o produto de uma
do chega ao ponto de sentir em si mesmo, em sua vida própria, em evolução "inelutável". Nada melhor que isso para desviar do socia-
sua vida "interior", a mordedura do mundo em sofrimento, ele se de- lismo os jovens estudantes, ao mesmo tempo ávidos de ação e do-
cide a lutar nessa escala, nas dimensões das massas. tados de suficiente lucidez intelectual para pressentir a falsidade
O bloqueio mais difícil de superar, e que ele só dominará ao desse fatalismo.
preço de uma rude educação política assim nos livros como na jaurês atribui aos estudantes um papel essencial no combate
vida, na vida dos mais explorados: encontrar as fontes da esperan- político; eu ousaria dizer que seu discurso de 1906 permanece
ça, "liberar as forças já em ação por trás dos grandes restos putrefa- mais que nunca atual;74 ao mesmo tempo que traça as linhas de
tos",1° descobrir onde estão os camaradas, os companheiros de ação, ele resgata a alegria dessa ação: jaures situa lado a lado "o
luta. Eles já existem, e no sofrimento; trata-se de ir ao seu encontro esforço prodigioso de uma elite proletária" e "o dos homens de
e de fazer convergirem experiências oriundas, umas das jornadas alta cultura"; juntos, "eles conseguiram, através dos séculos, pensar
de trabalho excessivamente longas, excessivamente espinhosas, ou- numa forma melhor de sociedade e se obstinaram em querer reali-
tras das árduas tentativas de proceder à reflexão dialética. zá-Ia". Alguns sucessos, muitos fracassos - dos quais uma das
De maneira muito parecida, Sartre, estudante universitário, causas essenciais, para jaurês, é que a massa dos homens, dadas
tem necessidade da cultura menos para descobrir "a multidão suas condições de existência, o pouco preparo para a rudeza dos
imensa dos sub-homens" do que para chegar à convicção de que combates e as repercussões dos fracassos, descambaram para uma
eles estão "conscientes de sua sub-humanidade''." Essa multidão terrível desconfiança em relação a si mesmos: "A maioria dos ho-
não é, por conseguinte, apenas objeto de opressão, destinada a ser mens acredita-se incapaz e indigna de uma ordem superior" - se
entregue à opressão, mas já sujeito coletivo de uma luta diária con- bem que por momentos, mas somente por momentos, eles tenham
tra a opressão. travado combates heróicos com o fito de instaurá-Ia.
E é então que eles descobrem, na vida mas também nos li- Eis por que, entre os dois, os. estudantes têm uma ação de
vros, as esperanças, as possibilidades, já incluídas em todas as exis- primeiro plano a conduzir: não apenas que ajudem o povo a entre-
tências, à primeira vista irrisórias, de que muitos estudantes resol- ver, acima da ordem social presente, a possibilidade de uma socie-
veram aderir a suas lutas. dade outra, mas também que se aproveitem das qualidades, dos
Penso mais remotamente em Os miseráveis e no operário' hábitos desenvolvidos pela Universidade. Desse modo eles assegu-
Feuilly, que "aprendera a história com a finalidade expressa de se ram,para si mesmos e para o povo, "uma firmeza, uma continuida-
indignar com conhecimento de causa".72 de de pensamento que é ao mesmo tempo continuidade de digni-
Penso sobretudo em jaures e no papel que ele atribui aos jo- dade e de força" - enquanto o risco é sempre o de que aos
vens intelectuais. Testemunha-o este extraordinário diálogo travado impulsos de generosidade sucedam na nação épocas de esmoreci-
com Marcel Prenant, então estudante socialista, no princípio do ano mento, períodos de resignação, de inércia.
de 1914: Confesso-o novamente: escolhi alguns casos privilegiados.
"- Vocês trabalham para os Estudantes Socialistas?" Mas através deles eu gostaria de evocar uma cultura universitária
"- Claro que trabalhamos. Na semana passada conseguimos que ajuda os estudantes a não se satisfazerem coma "ordem" exis-
administrar uma correção aos militantes monarquístasv.P tente, a confiarem em que certas ações são possíveis - e também,
168 Feliz na Universidade Quarta contradição 169

para alguns, a passarem de atitudes revoltadas (e sabemos como elas mento operário uma simpatia sem hagiografia; fazia deles, em última
são fugazes) a posições deveras progressistas. Não se indispor com análise, objetos dignos de história, de uma história calorosa e livre,
todo mundo, responsabilizar todo mundo, pôr todo mundo no mes- • . " 76
compreensiva mas rigorosa .
mo saco, os métodos e as técnicas de reflexão e de observação, que Terceiro exemplo: um estudante tunisiano, Habib Attia, fala
constituem seu "ofício", não os levam a se interrogar sobre as causas do curso de geografia de ]ean Dresch na Universidade de Túnis em
múltiplas que resultam em guerras, fome, opres-sões? Que podemos 1953. Até então a geografia lhe parecera terrivelmente determinista:
fazer, que devemos fazer? o clima, a terra ingrata, a falta de iniciativa dos homens convergiam
Sonho com uma Universidade que contribua para aquilo que para condenar seu país - e, por conseqüência, para fazer a colo-
o espírito de reivindicação elabora, despojando-se aos poucos da- nização aparecer como salvadora. ]ean Dresch não apenas mostra
quilo que era de fato insegurança agressiva, concentração dos estu- o preço que os progressos técnicos da colonização custou para o
dantes em suas próprias crises. A Universidade pode ajudar os es-
conjunto da população como, sobretudo, critica diretamente os es-
tudantes a passar do ilimitado ideal ao reconhecimento daquilo
teriótipos fatalistas e os "complexos de inferioridade" sussurrados,
que, num dado momento, num dado país, pode progredir, está
inculcados nos "indígenas" por todo o ambiente ideológico - não
progredindo ou mesmo sendo subvertido.
raro também, infelizmente, pela escola. A partir da geografia, esta é
Os estudos superiores constituem um terreno de observações
uma visão nova sobre seu país, sobre eles próprios, sobre a ação a
privilegiadas: até que ponto os estudantes podem fundar suas ale-
exercer dali por diante.
grias pessoais fora das alegrias dos outros? Que laços estabelecer
entre seu êxito próprio e o desenvolvimento das diferentes comu-
nidades a que eles pertencem? o itinerário de Simone de Beauvoir
O itinerário intelectual e também a personalidade de Simone
Papel de alguns professores
de Beauvoir encarnam de maneira notável uma vida estudantil em
Nesse enriquecimento da consciência, ao lado do papel geral que a não-alegria, sempre renascente, ameaçadora, é apesar de
dos estudos universitários, gosto de citar a ação mais direta de al- tudo transcendida por uma cultura que sabe não se contentar com
guns professores, indicando que ela se exerceu de maneira muito o absurdo - ainda que a princípio ele tenha sido lançado como
diferente segundo os períodos. um apelo.
Édouard Depreux (futuro ministro socialista) prepara em 1917 O angelismo pôde manter-se, de qualquer forma, durante sua
uma licenciatura de filosofia; seus professores não fizeram a menor escolaridade secundária; mas quando a cultura da faculdade é
propaganda em favor do socialismo, mal falaram a esse respeito, abordada, então se revelam o atroz, a violência, uma fundamental
mas Depreux considera que eles lhe ensinaram a desconfiar das miséria do corpo e das mentes.
idéias feitas, a começar por aquelas de nosso próprio meio, e também A prudente e ambiciosa aluna sente o mundo desabar: em
a "nunca admitir a refutação de uma doutrina que eu não tivesse ou- que se convertem essa missão de salvação metafísica dos homens
vido expor em toda a sua força" - e acrescenta: "Compreende-se pelos livros, por "seus" livros, à qual até então ela se sentia chama-
que os conservadores desconfiem do ensino da filosofia,,?5 da, e um público antecipadamente respeitoso que aguarda avida-
Na geração seguinte, Michelle Perrot mostra como esse pro- mente que ela lhe distribua a boa palavra? Quimeras? "Sentia em
fessor de história a quem ele muito amará, Labrousse, ajuda seus mim forças capazes de soerguer a Terra e não encontrava uma só
alunos a elaborar seu pensamento político sem incorrer em nenhu- pedrinha para rernover't." A humanidade não sente nenhuma ne-
ma propaganda: "Ele difundia para o socialismo e para o movi- cessidade nem dela nem de sua obra.
,,-

170 Feliz na Universidade Quarta contradição 171

Um imenso pendor para a alegria, apesar de tudo, da qual 7. M. Rébérioux, "Hommage à Georges Lefebvre", in Anna/es bistoriques de Ia
Révolution jrançaise, janeiro de 1960.
uma condição primeira é desenvolver em si mesma a força neces- 8. M. Brod, Une vie combatioe, op. cit., p. 250.
sária para renunciar ao paraíso da infância. 9. J. Isaac, Expérlences d'une uie, op. cit., p. 268.
As alegrias que ela vai viver como universitária (e as contri- 10. S. Zweig, Ia Confusion des sentimerus, op. cii., p. 37.
buições culturais não podem ser dissociadas, aqui, de alguns cole- 11. R. Blanchard, Ma jeunesse à l'ombre de Péguy, op. cit., p. 197.
gas que lhos revelaram) visam de chofre ao supremo: a bem dizer, 12. R. Laing, Sagesse, déraison,jolie, op. cit., p. 114.
13. Goethe, Poésie et Vérité, 2a parte, tomo IX, op. cit., p. 240.
não se escapa a um idealismo algo declamatório; ela sente que faz 14. F. Jacob, Ia Statue intérieure, op. cit., p. 102.
causa comum com esse areópago "onde comungavam através do 15. G. Bachelard, Ia Formation de l'esprit scientifique, Vrin, 1969, p. 247.
espaço e dos séculos todos os espíritos interessados na verdade. Eu 16. G. Bachelard, Psycbanalyse du feu, op. cit., p. 165.
também participo do esforço que a humanidade envida para saber, 17. G. Bachelard, Iautréamont, op. cit., p. 92.
18. G. Bachelard, Ia Formation de l'esprit scieruifique, op. cit., p. 247.
compreender, exprimir-se: estava engajada numa grande empresa co-
19. J. Prévost, Dix-buittême année, Gallímard, 1929, p. 73
letiva [...] participava de uma grande epopéia espírítual"." 20. V. Braun, Ia Vw sans consrairue de Kast, Editeurs français réunis, 1978, p. 80.
Evidente é aqui a ênfase, irônica aliás: essa ambição de alegria, 21. R. Ro11and foi durante multo tempo professor de história na Sorbonne.
em certo sentido, é uma posição que ela não mais abandonará - 22. R. Rolland, jean-Christophe, tomo 4, "Ia Révolte", op. cit., p. 122.
mas é justamente a partir daí que ela vai descobrir e redescobrir, de 23. E. Canetti, Histoire d'une jeunesse, A. Michel, 1980, p. 344.
24. R. Laing, sagesse, déraison,jolie, op. cit., p. 91.
maneira atabalhoada (e periodicamente esquecer), que nem todos os 25. G. Duby, Essals d'Égo-histoire, e P. George, in Hérodote, janeiro de 1981.
grandes se dão a mão ou balizam o mesmo caminho, que os homens 26. Miche1et, Discours d'ouoerture (1834).
só têm necessidades espirituais e que nem todos os progressos estão 27. L. S. Senghor, Louis-le-Grand 1563-1963, op. cit.
contidos nos livros. A cultura suplanta a cultura, ela se concretiza nos 28. Goethe, Poésie et Vérité, op. ctt., 2a parte, tomo IV.
29. Goethe, Faust, verso 1770 e seguintes.
movimentos reais, tarefas limitadas mas reais - ou antes, reais por-
30. J. Miche1et, op. cit., "Le Banquet", tomo 16, p. 655.
que limitadas, e não obstante vivificadas por essas visões de conjunto, 31. J. Dresch, in Hérodote, janeiro de 1981.
esses propósitos globalmente humanos a que ela continua, com toda 32. Cf. G. Duby, que começou pela geografia: "Para entender, era mister palmilhar os
a razão, a atribuir tanto valor. campos, as estradas, os povoados (...] abrir os olhos, sentir, palpar (...1 ao ar livre".
33. Duby, Essais d'Égo-histoire, op. cit., p. 112.
Avanços são possíveis, avanços parciais e que ao mesmo tem-
34. Ibidem.
po levem em conta a totalidade das fomes: fome de alimento, fome 35. M. Perrot, Essais d'Égo-histoire, op. cit., p. 276.
de sexualidade e fome de amor. Trata-se então de confortar uma 36. E. Quinet, Histoire de mes idées, op. cit., 4a parte, § 7.
pela outra a alegria do panorama filosófico e a do "possibilismo" 37. J. Benda, jeunesse d'un c/erc, Galllmard, 1968, p. 74.
inerente à ação. E a palavra decisiva vai ser dita: "Descobri que é 38. A. Eínsteln, Auto-portrait, lnter édltlons, 1980, p. 11.
39. A. Einstein, Commentje vois le monde, op. cit., p. 140.
possível ser inteligente e interessar-se por política".
40. N. Bohr, Ia Pbysique atomique et Ia connaissance bumaine, Gauthier-Villars,
1961, p. 119.
41. A. Einstein, Auto-portrait, op. cito
Notas 42. Cézanne par Gasquet, Bernheim jeune, 1926, p. 130.
43. Yukawa, L'Ittnémire iruellectuel d'un pbysicten japonais; Belin, 1980, p. 89.
1. P. Nízan, Aden-Arabie. Maspero, 1960, p. 62. 44. Feuer, Einstein et /e conflit des genérations, op. cit., p. 157.
2. B. Brecht, "Poême à ceux qui viendront aprês nous", Poêrnes, tomo IV, Arche, 45. M. Prenant, in Ia Pensée, janeiro de 1946.
1966, p. 137. 46. Carta de Darwin, 1881, in Ia Pensée, ibid.
3. C. Barnard, Une uie, Presses de Ia Cité, 1970, p. 89. 47. J. Green, jeunes Années, Seuil, 1992, p. 123.
4. N. de Stael, Lettre à sa mêre (30 de novembro de 1936), op. cit 48. Guízot, Mémoirespourseroirà /'histoire du tempsprésent, op. cü., tomo 1, p. 337.
5. Perruchot, Ia Vw de Seurat, Hachette, 1966, p. 27. 49. E. T. A. Hoffmann, Kreisteriana, sur un jugement de Saccbini; Gal1imard, 1949.
6. Baudelaire, Ricbard Wagneret Tannbâuser; Gallimard, La Pléiade, p. 1214. 50. Lautréamont, "Poésies Il'', i11Oeuvres completes, José Corti, p. 377.
1 72 Feliz na Universidade

51. J. Grenier, Essai sur l'esprit d'ortbodoxie.


52. E. Vittorini, L'Ceület rouge, Gallimard, 1980, p. 281.
53. Agathon, Lesfeunes Cens d'aujourd'hui, Plon-Nourrit, 1913, p. 31.
54. J. Silone, Sortie de secours, DeI Luca, 1966, p. 164.
55. R. Aron, Mémoires, op, cit., p. 42.
56. H. G. Wells, Une tentative d'autoõtographte, Gallimard, 1936, p. 115.
57. A. Chamson, Ia Réoolution de dix-neuf; P. Hartmann, 1930, p. 36.
58. G. Fiori, Vie de Gramsci, Fayard, 1970, p. 172.
59. jaurês, L'Armée nouoelle, op. cu., p. 305.
60. Debray-Ritzen, L'Usure de l'âme, Albin Michel, 1980, p. 269.
61. F. jacob, Ia Statue intérieure, op. cit., p. 110, e Jean Bernard, C'est de l'bomme
qu'ü s'agit, Odile Jacob, 1988, p. 74.
62. Debray-Ritzer, op. eu; p. 26.
63. F. jacob, op. cit., p. 107.
64. J. Maugüe, op. cit., p. 67.
65. E. Labrousse, in Actes de Ia recbercbe en sciences sociales, abril-junho de 1980.
66. A. Chamson, op. cit., p. 88.
PERSPEC11VAS
67. R. Marjolin, Le Trauail d'une uie, op. cit., p. 26.
68. Y. Fiori, Vie de Gramsci, op. cit., pp. 172 e 192.
69. P. Nízan, Aden-Arabie, op. cit., p. 61.
70. P. Nizan, ibid., p. 65.
71. J. P. Sartre, Critique de Ia raison dialectique, Gallimard, 1960, p. 23.
72. V. Hugo, LesMisérables, m, IV, 1.
73. M. Prenant, in Ia Pensée, janeiro de 1946. o progresso
74. J. jaurês, "Discours parlementaire du 10 mai 1906", in Antbologie, présentée
par Madeleine Rébérioux, Editions Sociales, 1959.
75. É. Depreux, Souuenirs d'un militant, Fayard, 1972, p. 16. A alegria cultural capital, coroamento de todas as outras, é
76. M. Perrot, op. cito talvez também pedra angular sem a qual as demais podem não se
77. S. de Beauvoir, Mémoiresd'unejeunefi/le rangée, op. ctt., p. 225. manter. É a convicção culturalmente racional de que, apesar de to-
78. Ibid., p. 285. das as aparências em contrário - dirão alguns: de todas as evidên-
cias -, um progresso humano está ocorrendo na evolução históri-
ca da humanidade. Daí que não seja simples devaneio de nossa
parte querer capacitar-nos a participar desse progresso.
Aqui, quero evocar essa questão unicamente sob uma forma
restrita: 'entre os estudantes e em relação à cultura dos estudantes.
Esse tema do progresso é talvez o mais característico da luta - o
entrelaçamento alegria/não-alegria no pensamento estudantil - e
do esforço de alguns modos de cultura para superar a não-alegria.
Como neófito na reflexão histórica, jean Prévost sente a um
só tempo "medo da Revolução [...] vontade desesperada da Revolu-
ção". O que ele explicita assim: "Eu pensava que a Revolução seria
uma ec1osão de felicidade; contava que ela seria um castigo'" -
expiação, contudo, na qual ele deposita suas esperanças de fecun-
dar a vida. Magnífico exemplo de pensamento dialético, onde o trági-
1 74 Feliz na Universidade Perspectivas 175

co desempenha um papel motor, comportando ao mesmo tempo das".3 Mas também são os mais explorados que esperam mais in-
abertura, perspectiva. tensamente o progresso, que podem tornar-se os mais lúcidos em
Desde a faculdade, jean Bruhat quis ser historiador (e, mais percebê-lo e os mais decididos a combater. Esta é uma das razões
tarde, ele escreverá a história do movimento operário e revolucio- pelas quais se encontram tão poucos testemunhos na "grande" lite-
nário, com as premissas de sua vida intelectual mostrando já a dire- ratura; é preciso procurar também em outras plagas.
ção dessa cultura que será a sua) porque estava convencido de Todos os dias temos de nos perguntar: é o começo do fim ou o
que existe uma "marcha da humanidade" - e .o historiador é começo de um começo? A idéia do progresso não é uma idéia dentre
aquele que pode intensificar a consciência dessa marcha. outras: é a base mesma de uma concepção do mundo - ou não é.
Não, em absoluto, um progresso simples, retilíneo, automati-
camente garantido; é bem verdade que as civilizações são mortais, Uma última vez, os estudantes,
mas sua existência não terá sido inútil, nem tampouco seu desapa- o elitismo e a luta contra o elitismo
recimento: cada uma delas deixa "uma espécie de húmus no qual
se enraízam novas civllízações''," A história trágica,' os homens se o elitismo estudantil, a diferença, ou antes, o abismo entre a
extraviando, retrocedendo, perdendo-se em diversões horríveis - porcentagem de estudantes oriundos da classe operária e os que
e apesar de tudo a escravidão se tornou inadmissível. são filhos de altos funcionários e o papel reprodutor da Universí-
De minha parte, acrescentarei o seguinte. dade foram cem vezes estudados - e não voltarei ao assunto.
Cada época apresenta uma dificuldade, uma contradição que, A não ser para citar um texto em que aparece de maneira
então, pode conduzir a uma etapa nova e mais positiva (por exem- saborosamente ingênua o modo como os "herdeiros" são prepara-
plo, em nossos dias, o estatuto da mulher, a descolonízação). Ou- dos para ingressar na Universidade pelo fato, desde o início, de
tros problemas, no mesmo período, não progridem (a guerra). O estarem persuadidos de que essa é sua destinação quase natural e
avanço desemboca não na serenidade, mas em problemas novos. de que qualquer outro caminho os manteria num estado infantil:
A situação aparece primeiro como desequilíbrio em relação ao es- acode-nos a famosa expressão "o povo-criança" porque ele não
tado de coisas anteriormente estabelecido; mas, na realidade, é fez, dos estudos, senão o estritamente necessário.
num nível mais elevado que agora se fazem as indagações: por "Tinha eu dezessete anos; estava noivo, impaciente por entrar
exemplo, que fazer ante as separações cada vez mais numerosas e num mundo para o qual me preparara a vida inteira: a Universida-
mais tentadoras entre os casais - a partir do momento em que a de L .. l No meio intelectual de meus pais, era tão imprescindível
dignidade reconhecida da mulher lhe abre carreiras profissionais? fazer estudos superiores quanto aprender a ler. Eu sempre soubera
Descoberta do caráter contrastante, contraditório da história. que os faria e me regozijava com isso. Aos meus olhos, não entrar
Transmutação da dor em esperança - e a dor subsiste no na Universidade era nunca tornar-se adulto"."
âmago da esperança; essa alquimia é, não descoberta, mas avivada Gostaria simplesmente de indicar dois temas, suscetíveis, ape-
na iniciação para a cultura superior. sar de tudo, de modular a noção de elitismo estudantil.
Quero voltar ainda um instante às reflexões, às indignações Em primeiro lugar, a sociologia, embora contribua muito para a
de Nizan referentes à sua própria juventude: através do entrelaça- compreensão dos problemas globais, não é detenninista e muito me-
mento alegria-dor, percebe-se o papel motor da cultura para- pre- nos fatalista - e desde o século XIX, muito mais claramente ainda do
servar o tema do progresso: esforçar-se por atingir a escala históri- que hoje, uma parte não desprezível dos estudantes provém apesar
ca, ou mesmo mundial, a fim de abalar o otimismo fácil, de de tudo de meios pouco favorecidos financeiramente e só consegue
superar o pessimismo evidente; encontrar professores capazes de prosseguir seus estudos a poder de expedientes e de pequenos traba-
"olhar mais longe que os naufrágios [...] as decadências compara- lhos complementares; o drama é que, mesmo quando não se vive um
1 76 Feliz na Universidade Perspectivas 177

período de desemprego generalizado, são precisamente esses que elitista da cultura e da democratização da cultura são possíveis nesse
terão mais dificuldades em obter, quando saírem da Universidade, os regime social, dadas as condições de vida, de trabalho, de família,
postos correspondentes aos seus diplomas. das classes "laboriosas"? A boa vontade cultural surge desde então
O que dá margem à reflexão é ouvir jaures denunciar essa como um engodo caso não se inscreva enquanto momento de uma
situação em 1893: "Há também um proletariado intelectual. Há jo- vontade política de conjunto: "Recusar qualquer consentimento ao
vens, de toda a pequena burguesia ou da burguesia pobre, que só regime estabelecido e esperança ardente de substituí-lo por relações
fazem seus estudos à força de privações e que, terminados os estu- sociais superiores".
dos, obtidos os diplomas, não têm diante de si senão uma carreira Que é feito, hoje, de tudo isso? Até que ponto, notadamente,
incerta e míserável'V Note-se que se trata tanto de jovens médicos as múltiplas realizações da "formação permanente" trouxeram repa-
ou químicos quanto de futuros juristas. .ração aos que não foram "estudantes clássicos"?
Diante disso, alguns estudantes sofrem por pertencer a uma Sonhar-se-á, esperar-se-á a reconciliação entre as duas cultu-
minoria privilegiada. Os outros jovens da sua idade são vítimas de ras: a da Universidade e a que alguns adquiriram a duras penas, no
um destino e sobretudo se preparam para um futuro muito menos exercício espinhoso de um ofício.
invejável. Correm o risco de ter muito mais dificuldade para levar Aqui é um antigo pastor cujo pai bem cedo o tirou da escola
ao pleno desenvolvimento suas qualidades de sensibilidade e inte- primária para que fosse guardar o rebanho. Pouco a pouco ele se
ligência. Quem, qual instituição se preocupa em empregá-Ios? Daí foi instruindo, apesar de tudo, e agora está para ingressar na facul-
seus sentimentos de culpa e um desejo de reparação. jaurês mostra dade, mas tem medo e procura se tranqüilizar dizendo com seus
os estudantes socialistas empenhados em colocar ao serviço dos botões: "Mostre-lhes que os pastores, que só souberam exprimir-se
outros aquilo que eles mesmos adquiriram, conquistaram, com- com seus músculos, sabem também fazer ouvir sua voz até no
preenderam - e não haveria aqui senão uma compensação, um mundo da cultura"." Seu desejo é reunir numa só pessoa a expe-
esforço em prol de menos injustiça: "Pagaremos assim uma peque- riência do pastor e o conhecimento dos livros, um corpo formado
na parte da dívida que. contraímos para com os trabalhadores [por- para as tarefas e os perigos da vida de pastor - e uma mente que
que nós] nada seríamos se hão tivéssemos usado do produto de aprendeu a manejar os conceitos.
seu trabalho que nossa classe lhes roubou". É preciso confessar que os êxitos desse tipo ainda são raros;
Estudante da Ecole Normale Supêrieure, Cogniot quer enfren- cumpre perguntar até que ponto esta é uma ocasião, ou antes, uma
tar esta situação ainda mais complexa e contraditória; enquanto jo- necessidade de a cultura universitária - quando ela é assim apre-
vem intelectual comunista, ele se propõe difundir essa cultura que sentada a jovens oriundos de ofícios. - se renovar em suas aborda-
ele ama junto aos que dela estão mais afastados: "Pretendia eu, eu, gens, em seus conteúdos, nas escolhas operadas.
um privilegiado, não reservar só para mim as delícias [da cultural, Falo da cultura, da alegria cultural na escola, na Universidade,
mas fazer com que, em todas as ordens da vida, os homens pudes- porque são lugares especializados nessa tarefa. Mas espero que a
sem usufruí-Ia".6 alegria cultural, em seguida, vá se difundir e desempenhar um papel
I
II Mas logo compreende. que o entusiasmo comunicativo não dominante em toda a vida, em todas as vidas. A Universidade não é
il basta: uma reflexão de conjunto se impõe, tanto para elucidar as nem o único lugar de cultura nem, para os que a freqüentam, o ter-
1·1

!I
dificuldades de acesso da classe operária a este ou àquele aspecto minus do impulso cultural: espero que ela dê um impulso, um movi-
da cultura quanto para sondar o interesse que ela pode ter nisso. mento que não se amortecerá - muito pelo contrário.
Donde o segundo tema; interrogando-se sobre os múltiplos Eis por que o meu problema é cada vez menos "pedagógico":
empecilhos encontrados na difusão dos conhecimentos, ele acaba ele visa cada vez mais à alegria cultural em todos os lugares, em
propondo uma questão fundamental: a luta contra o monopólio todas as idades.
1 78 Feliz na Universidade

Notas BIBliOGRAFIA
1. J. Prévost, Dix-buitiême année, op. cit., p. 140.
2. J. Bruhat, 11 n'est jamais trop tard, Albin Michel, 1983, p. 34.
3. P. Nízan, Aden-Arabie I, op. cit., p. 56.
4. M. Mead, Du Givre sur les ronces, op. cit., p. 92.
5. J. jaurês, Oeuvres cboisies, Rieder, p. 141.
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sUMÁRIo

Prefácio, 7
• É insensato pensar em alegria na Universidade?, 7
A Universidade vivida como alegria presente
Não fiz pesquisa de campo
A verdade retrospectiva de uma biografia: que é isso?
Não esquecer de ir também dos melhores para os menos bons
A renovação da Universidade na ordem do dia
• Reflexões preliminares sobre a alegria, 16
Ousar a alegria
Como dois combatentes corpo a corpo
Alegria do esporte, alegria da contemplação

PRIMEIRA PARTE

O estudante e a alegria

1. Alegrias e não-alegrias do estudante, 23


• A rudeza do ofício de estudante, 23
O surdo bramido das queixas estudantis
• Alegrias múltiplas, 25
Alegrias intermediárias
Alegrias da expectativa
• A liberdade e a escolha, 28
A liberdade acorrentada
Miséria da alegria de escolher
Abertura
Escolhas, não paradas
186 Feliz na Universidade Sumário 187

• Renovação das condições de trabalho, 33 Nós também temos nossos recordes


Rumo a uma liberdade mais bem vivida Há uma alegria dos exames?
Segunda via: a obra-prima; continuidade e ruptura, 71
2. Os colegas e a alegria, 37 Continuidade na ação
Continuidade nas idéias científicas
• Para onde foram os amigos?, 38
Continuidade na literatura
e Amizade e alteridade, 39 Continuidade entre os homens
Descobrir os mesmos valores no mesmo momento
• Conclusão muito provisória, 78
Amizade e reconforto
Vale a pena levantar mais uma vez a questão do elitismo?
• Amizade e desigualdade, 43
Segunda contradição: a cultura e a vida, 83
3. A juventude passa, o estudante se ultrapassa, 47
• Decepções, 83
• Os estudantes e o conflito de gerações, 47
Mestres que confiam nos jovens, nos estudantes • Em busca das conciliações entre a cultura e a vida, 85
Estudantes que apóiam um mestre brilhante que precisa deles Necessidades recíprocas
Cultura e vida profissional
• Dificuldades e alegrias do estudante ao tornar-se um "verdadei-
Uma abertura para o mundo
ro adulto", 50
Alguns casos favoráveis
Retrato clássico do adolescente
Michelet e o estudante como mediador
Manter e amadurecer
A recusa da prudência • O atual, 92
Adolescência e maturidade: valores unidos Atração do passado
Descobrir os recursos do atual
• Amor e cultura, 58
A Universidade para estabelecer os vínculos entre os tempos
Dificuldades e importância das confrontações temporais

Terceira contradição: alunos e professores, 101


SEGUNDA PARTE
• Mal-estar dos professores, 101
Participar da tarefa cultural Perturbação dos alunos
O poder de se exteriorizar
Um entusiasmo recíproco
Primeira contradição: fraqueza eforça ante a tarefa cultural, 65
Coragem dos alunos
• Fraquezas do estudante, 65
• Por que professores universitários? 106
Quando um mediano se acha na presença de um grande
O professor é uma pessoa
• Alguns se superam, 68 Alguns retratos
Primeira via: a alegria do difícil, 68 Ensinar a aprender, ensinar a desaprender
Não querer tudo imediatamente Quando os sucessos escolares assumem dimensão humana
;'IC'

'I
188 Feliz na Universidade Sumário 189
I
:1

i: Grego antigo e vida bretã Superar as divergências entre razão e vontade


li
O professor como intérprete Uma palavra mais sobre o corpo, o amor
• Valorização dos alunos, 113 • O homem unido aos homens, 148
Da valorização técnica à valorização humana União pela mediação da arte
Valorização aceita, reconhecida União do individual com o social
Valorização tumultuosa, esperada e rechaçada ao mesmo tempo União da homogeneidade com a diversidade
A roda da valorização gira com as idades • O homem unido ao mundo, 153
• Os alunos podem ser ativos, 118 Todos os caminhos levam ao mundo
Uma realidade de trocas e de relações vividas A matemática une o homem ao mundo
Aulas que não se deve engolir A física une o homem a um mundo mais seguro Escolhos
Pesquisar com quem pesquisa O homem unido ao mundo pela alegria estética
Alegrias, riscos e tentações da pesquisa • O estudante e a alegria política, 158
Infl uenciar Sensibilidade política
Coagir Esforço cultural e político
Liberar Estudantes de medicina
Pode-se não influenciar? Como passar para a esquerda
Não influenciar ou acreditar que não se influencia? Os líderes de amanhã
Quando copiar leva a criar Papel de alguns professores
Entrar na posse dos êxitos. anteriores O itinerário de Simone de Beauvoir
Tirar partido das idéias divergentes
• Interlúdio: OS excepcionais, 130 Perspectivas, 173
Existem alunos geniais • O progresso, 173
Existem professores geniais Uma última vez, os estudantes, o elitismo e
Pedagogia dos comuns, pedagogia dos excepcionais a luta contra o elitismo
E se houvesse uma esperança de unir essas duas pedagogias
Como se deve viver? Bibliografia, 179

Quarta contradição: em marcha rumo às unidades, 141 Sumário, 185


• A crueldade do mundo, 141
Culpados? Cúmplices?
Os riscos do niilismo
• O homem unido a si mesmo, 144
Superar as divergências: a oposição entre a razão e a afetividade
Superar as divergências entre vista panorâmica
e detalhes minuciosos, entre ver e saber
Superar as divergências entre sensibilidade e ação, apreensão
total e eficácia parcial
--1-

Agradeço a Madame Claude Testenoire, que soube introduzir em meu


manuscrito a ordem e a clareza de que ele era suscetível.
Um primeiro esboço deste trabalho apareceu na Reuue Française de
Pédagogie em abril de 1991 (nº 99). Agradeço à Revista e a seu Dire-
tor, M. Hassenforder, por me haverem autorizado a aproveitar esse
artigo no livro que ora se vai publicar.

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