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Revista Brasileira de Nutrição Esportiva


ISSN 1981-9927 versão eletrônica
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EFEITOS DA CREATINA SOBRE DESEMPENHO AERÓBICO: UMA REVISÃO SISTEMÁTICA


1
Maíra Seiço Gama

RESUMO ABSTRACT

As polêmicas a respeito da suplementação de Creatine effects in aerobic performance: a


creatina envolvem, entre outros tópicos, o seu systematic rewiew
uso como auxílio ergogênico em exercícios
aeróbicos. Poucos dados encontram-se The controversy regarding creatine
disponíveis na literatura sobre este assunto. supplementation involves, among other topics,
Desta forma, com a intenção de buscar e its use as an ergogenic aid in aerobic exercise.
avaliar os dados disponíveis na literatura, a Few data are available in the literature on this
presente revisão, após uma seleção baseada subject. Thus, with the intention of seeking and
em critérios de exclusão, reuniu as conclusões evaluating data from the literature, this review,
de oito artigos originais que relacionaram after a selection based on criteria of exclusion,
direta ou indiretamente a suplementação de together the findings of eight original articles
creatina com o desempenho aeróbio. A grande that directly or indirectly related to creatine
diversidade de metodologias e abordagens supplementation with aerobic performance.
aplicadas reforça ainda mais a disseminação The great diversity of methodologies and
de informações conflitantes e imprecisas a approaches applied further enhances the
respeito do uso de creatina com a finalidade dissemination of inaccurate and conflicting
de aumentar o desempenho aeróbico. information regarding the use of creatine in
order to increase the aerobic performance.
Palavras-chave: Suplementação; Creatina;
Aeróbico; Desempenho. Key words: Supplementation; Creatine;
Aerobic; Endurance.

Email:
maira_seico@yahoo.com.br

1 - Programa de Pós-Graduação Lato-Sensu Endereço para correspondência:


da Universidade Gama Filho - Bases Rua Antonio de Castro Mendonça Furtado,
Nutricionais da Atividade Física: Nutrição 120
Esportiva Butantã - São Paulo
CEP 05540-120

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INTRODUÇÃO Porém, segundo Stroud e


Colaboradores (1994), há a hipótese de que a
A suplementação de atletas e creatina pode também apresentar efeitos
praticantes de atividades físicas com creatina ergogênicos em exercícios aeróbicos através
(Cr) é uma conduta que envolveu e ainda da modificação da utilização de substratos.
envolve diversas polêmicas e controvérsias. Entretanto, poucos estudos relacionam
O uso dessa substância como a influência da suplementação de creatina (Cr)
suplemento esportivo foi proibido no país na performance de treinamentos aeróbicos,
durante anos sob alegação de ausência de uma vez que seu efeito é basicamente
estudos que garantam a segurança de seu associado ao sistema energético ATP-CP,
consumo, sendo esta proibição revogada pouco utilizado nestes tipos de treinamento.
recentemente pela RDC n°⁰ 18/2010, de 27 de Alguns autores observaram que a
março de 2010, devido a ausência de estudos suplementação de Cr pode interferir na
que comprovem a ocorrência de efeitos captação de glicose e a produção de lactato
adversos associados com a suplementação de pelo músculo e possivelmente melhorar o
creatina em doses diárias de até 3g, sendo, desempenho de exercícios nos quais o
portanto, esta dose recomendada como metabolismo aeróbico é predominante (Souza
máxima pela Agência Nacional de Vigilância e Colaboradores, 2006), demonstrando, assim,
Sanitária (ANVISA, 2010). os benefícios da suplementação de Cr.
A creatina (ácido acético Desta forma, esta revisão tem como
metilguanidina) é sintetizada no corpo pelo objetivo avaliar estudos da literatura que
fígado, rins e pâncreas a partir dos relacionaram e/ou avaliaram os efeitos da
aminoácidos glicina, arginina e metionina. suplementação de creatina com a performance
Em um adulto de porte médio (cerca aeróbia.
de 70g), a necessidade diária de creatina é de
aproximadamente 2g/dia. Porém, esta Critérios
necessidade pode variar em atletas, cujas Foram selecionados dezenove artigos,
taxas de degradação protéica são maiores, o sendo onze escritos em português e oito em
que aumenta níveis séricos e urinários de inglês. Oito artigos eram revisões da literatura,
creatinina, um metabólito da creatina, podendo sendo os demais artigos originais. As
representar, portanto, uma necessidade diária pesquisas dos artigos foram feitas em bases
de até 3g. de dados eletrônicas (BIREME, PUBMED e
Em indivíduos onívoros, cerca de SCIELO), e as palavras-chave utilizadas nas
metade da necessidade diária é suprida pela pesquisas foram “creatina”, “aeróbico”,
síntese endógena, e a outra metade pela “aeróbio”, “suplemento”, “creatine”, “aerobic”,
ingestão de alimentos, principalmente de “supplement”.
peixes e carnes vermelhas. Vegetarianos Além de artigos, também foi utilizado
radicais não conseguem obter creatina por um livro cujo assunto é exclusivo sobre a
meio da alimentação, sendo suas substância estudada e o site da ANVISA para
necessidades diárias supridas exclusivamente pesquisa de legislação pertinente (revogada e
pela síntese endógena (Williams, Kreider e vigente).
Branch, 2000). Foram revisados artigos publicados
A maior parte da creatina armazenada entre 2003 e 2010, porém o ano de publicação
no corpo encontra-se no músculo esquelético, não foi utilizado como critério de exclusão,
e sob a forma de creatina-fosfato (CP). Seu uma vez que a literatura sobre o tema é
papel ergogênico é associado à grande escassa e quanto maior o período de revisão
capacidade de fornecimento de energia por dos artigos, melhor será avaliação da evolução
meio da clivagem do fosfato da CP para das metodologias empregadas, e sua possível
ressíntese de adenosina trifosfato (ATP) em correlação com os resultados apresentados.
exercícios de curta duração (cerca de 10 Para a revisão bibliográfica, os artigos
segundos), alta intensidade, intermitentes e que não relacionaram, durante o delineamento
com curtos períodos de recuperação, nos do estudo e/ou na conclusão, direta ou
quais o metabolismo anaeróbico predomina indiretamente (por meio de estudo de variáveis
(Williams, Kreider e Branch, 2000). críticas para o desempenho aeróbio) a

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suplementação de creatina com exercício Após avaliação e seleção dos artigos


aeróbico foram excluídos da revisão. de acordo com os critérios utilizados, restaram
Os artigos de revisão também foram oito artigos que foram revisados no presente
excluídos, uma vez que a intenção da estudo.
presente revisão foi também avaliar os O Quadro 1 apresenta um resumo dos
desenhos experimentais aplicados nos artigos utilizados:
estudos de artigos originais e correlacionar
com os resultados.
Quadro 1 - Resumo dos artigos revisados
Autor (es) Ano da Língua N População Protocolo de
publicação publicada envolvida suplementação
(creatina ou placebo)
Ferraz, G.C. e 2006 Inglês 12 Cavalos árabes 75g por 90 dias (grupo
Colaboradores machos e fêmeas, suplementado)
com peso médio de
391kg, divididos em
grupo suplementado
e grupo não
suplementado
Freire, T.O. e 2008 Português 65 Ratos Wistar Creatina acrescentada
Colaboradores machos, divididos à ração em pó na
em 2 grupos de 4 e 8 razão de 2%.
sem. de intervenção
cada.
Gomes, R.V.; 2005 Português 16 Mulheres, jovens, 4g por 5 dias seguidos
Aoki, M.S. estudantes, de 3g por 7 dias
praticantes de
exercícios 3X/sem,
divididas em grupo
suplementado e
grupo placebo
Kingsley, M.I.C. e 2009 Inglês 18 Homens saudáveis e 5g por 5 dias.
Colaboradores ativos.
Loon, L.J.C. e 2003 Inglês 20 Jovens saudáveis, 4g por 5 dias seguidos
Colaboradores sedentários e não de 2g por 37 dias
vegetarianos,
divididos em grupo
suplementado e
grupo placebo
Smith, A.E. e 2010 Inglês 24 Homens 1,5 g de Cr pré-treino
Colaboradores moderadamente (30min antes) em um
treinados. total de 15 dias não
consecutivos
(suplementação em
visitas a laboratório
em dias de testes).
Souza, R.A. e 2006 Português 72 Ratos Wistar 5g de Cr/Kg de massa
Colaboradores machos, com peso corporal do animal por
médio de 240g, 1 sem., seguidos de
separados em quatro 1g/Kg de massa
grupos corporal do animal por
7 sem. ( 2 grupos
suplementados e 2
grupos não
suplementados)

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Souza, R.A. e 2010 Português 72 Ratos Wistar 5g de Cr/Kg de massa


Colaboradores machos, com peso corporal do animal por
médio de 250g, 1 sem., seguidos de
separados em 1g/Kg de massa
quatros grupos corporal do animal por
7 sem. ( 2 grupos
suplementados e 2
grupos não
suplementados)

Diversas abordagens foram verificadas anos, moderadamente ativas. Foi avaliado o


na relação da suplementação de creatina com possível consumo de outros suplementos
desempenho aeróbico. pelas participantes por meio de um
Apenas um estudo utilizou somente questionário, porém os dados do questionário
testes de exercícios (aeróbicos e de força) em não foram apresentados no artigo.
humanos antes e após a suplementação, As participantes foram divididas
comparando as respectivas tolerâncias aos aleatoriamente em dois grupos: suplementado
mesmos e avaliando possível relação com a com creatina (n=8) e suplementado com
suplementação (Gomes e Aoki, 2005), sem placebo (maltodextrina) (n=8).
avaliações laboratoriais de marcadores Durante cinco dias do estudo foram
bioquímicos. administrados quatro gramas de creatina ou
Todos os demais estudos avaliaram placebo por dia (sobrecarga). Na fase de
possíveis alterações de marcadores manutenção, que durou doze dias, foi
bioquímicos e executaram testes laboratoriais, administrado três gramas de creatina ou
tais como avaliações de concentrações placebo por dia. Não fica claro no estudo
plasmáticas de lactato (Ferraz e quando foi aplicada a sobrecarga de creatina
Colaboradores, 2005; Kingsley e durante os cinco dias, uma vez que os testes
Colaboradores, 2009; Loon e Colaboradores, pré e pós-suplementação foram realizados em
2003; Souza e Colaboradores, 2006; Souza e um intervalo de doze dias, portanto,
Colaboradores, 2010) hemograma completo considerou-se somente a fase de manutenção.
(Ferraz e Colaboradores, 2005), espirometria e Os testes realizados consistiram de
testes cardiovasculares (Kingsley e exercício de corrida, no qual as participantes
Colaboradores, 2009; Loon e Colaboradores, percorreram a maior distância possível durante
2003; Smith e Colaboradores, 2010), 20 minutos em ritmo constante, seguido de um
avaliações antropométricas (Freire e teste de 1 Repetição Máxima (RM) do
Colaboradores, 2008; Smith e Colaboradores, exercício leg press e de testes com três séries
2010), concentrações plasmáticas de glicose de repetições a 80% de 1RM do mesmo
(Freire e Colaboradores, 2008; Souza e exercício. Os dados dos testes foram
Colaboradores, 2006) e outros marcadores coletados antes da suplementação e após
enzimáticos e não-enzimáticos (Kingsley e doze dias de suplementação.
Colaboradores, 2009; Souza e Colaboradores, Foi verificado que no grupo
2010), todos, portanto, relacionados com o suplementado com creatina, houve uma
treinamento de endurance, antes e após os manutenção na força dos testes de repetições
protocolos de suplementação de creatina, em máximas subsequentes à corrida em relação
animais ou humanos, associados ou não com ao grupo placebo, manutenção essa
testes de exercícios. hipoteticamente associada pelos autores a um
Gomes e Aoki (2005) encontraram maior estoque de CP intramuscular e a uma
uma associação positiva (p < 0,05) com a menor acidose devido ao efeito tamponante da
suplementação de creatina e aumento de Cr do grupo suplementado.
performance em exercícios concorrentes Já o estudo de Freire e Colaboradores
(exercícios de endurance seguidos por (2008), seguindo outra linha experimental,
exercícios de força). avaliou o efeito da suplementação de creatina
Participaram do estudo dezesseis sobre a captação de glicose sanguínea em
mulheres estudantes, com idade média de 20 ratos. Uma maior captação de glicose resulta

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em maiores estoques de glicogênio hepático, o aeróbio. Setenta e dois ratos machos, adultos
que aumenta o desempenho no exercício foram utilizados no estudo, que teve duração
aeróbio (Bergström, 1967). de oito semanas. Os animais foram divididos
Foram utilizados 65 ratos machos igualmente (n=18 cada) em quatro grupos:
divididos em dois grupos: um submetido a sedentários não suplementados (CON);
quatro semanas de intervenção, e outro exercitados não suplementados (NAT);
submetido a oito semanas. Cada grupo sedentários suplementados (CRE) e
continha quatro subgrupos: controle sedentário exercitados suplementados (CRE+NAT).
semana 4 (CS4), suplementado sedentário Houve um período prévio de cinco dias
semana 4 (SS4), controle treinado semana 4 sem suplementação para adaptação à natação
(CT4), suplementado treinado semana 4 para os grupos exercitados. Após a
(ST4), controle sedentário semana 8 (CS8), adaptação, o treinamento aplicado para estes
suplementado sedentário semana 8 (SS8), grupos durante a intervenção consistiu de
controle treinado semana 8 (CT8), sessões diárias de 30 minutos de natação com
suplementado treinado semana 8 (ST8), carga, cinco vezes por semana. Ao final de
totalizando, portanto, oito diferentes grupos cada uma das oito semanas foram realizados
estudados. Os grupos controle não receberam testes de carga máxima (TCM) para ajustes
nenhum tipo de suplementação placebo. das cargas acopladas aos corpos dos animais
Os grupos suplementados foram durante os treinamentos de natação. A
alimentados durante o período estudado com suplementação de creatina dos grupos
ração em pó acrescida de creatina à razão de suplementados (CRE e CRE+NAT) era diária,
2%. Não fica claro no estudo se o acesso a e ocorreu duas horas antes dos treinamentos,
esta ração ocorreu durante 24 horas por dia no a uma dose de 5 gramas de Cr por quilograma
período da intervenção, ou se houve protocolo (Kg) de massa corporal do animal durante a
de períodos determinados de ingestão da primeira semana, seguida de uma fase de
mesma. manutenção (sete semanas seguintes), cuja
Duas semanas antes da intervenção, dose correspondeu a um grama de Cr por Kg
os grupos suplementados iniciaram uma de massa corporal.
adaptação ao consumo de ração em pó, As amostras sanguíneas para análises
enquanto que os grupos treinados, uma das concentrações de glicose e lactato foram
adaptação a treinos de natação. O grupo obtidas no final do período de adaptação e ao
exercitado nadava 40 minutos por dia, quatro final de cada semana experimental, sendo
dias por semana, carregando uma carga de coletadas amostras pré e pós-teste. Nos
peso correspondente de 2 a 5% da massa mesmos períodos também foi avaliada as
corporal do animal. Após os períodos de diferenças entre as cargas máximas toleradas
intervenção correspondentes de cada grupo e as alterações de massa corporal total.
(quatro ou oito semanas) todos os ratos foram Os autores encontraram uma
submetidos a teste oral de tolerância à glicose correlação positiva entre a carga máxima
(TOTG) com coletas de amostras de sangue tolerada e a suplementação de creatina em
pré e pós-teste, e foram sacrificados após 24 conjunto com a prática do exercício. Também
horas do término da intervenção. Amostras de observaram um efeito da suplementação de
tecidos de músculos dos animais sacrificados creatina sobre as concentrações sanguíneas
foram utilizadas para quantificação de de glicose e lactato, demonstrando uma maior
glicogênio. captação de glicose sanguínea e um menor
O estudo não encontrou influência da acúmulo de lactato nos indivíduos
suplementação de creatina sobre a captação suplementados, dados que podem resultar em
de glicose, nem sobre os estoques de uma maior tolerância de longa duração aos
glicogênio muscular e hepático. exercícios e promovendo uma melhor
Um estudo semelhante foi executado recuperação, segundo os autores.
por Souza e Colaboradores (2006), no qual Posteriormente, utilizando uma
avaliou-se o efeito de suplementação aguda e amostra experimental idêntica à descrita
crônica sobre as concentrações sanguíneas acima, porém com desenho experimental
de glicose e lactato em ratos, devido à ligeiramente modificado, Souza e
associação destes dados com estratégias Colaboradores (2010) abordaram outra
nutricionais que potencializam o rendimento associação do consumo de creatina com

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desempenho aeróbio, analisando a influência avaliados ao final da quarta semana, o que os


da suplementação aguda e crônica de creatina autores inferem que tenha tido relação com a
sobre marcadores enzimáticos de dano suplementação. Os níveis semelhantes da
muscular - creatina quinase (CQ), lactato enzima AST foram associados a uma resposta
desidrogenase (LDH) e aspartato adaptativa do exercício não relacionada à
aminotransferase (AST). Segundo Cheung, suplementação.
Hume e Maxwell (2003) e outros autores Por fim, na última semana
citados no estudo, o exercício de longa experimental do estudo (semana 8), os grupos
duração e alta intensidade pode gerar dano exercitados (NAT8 e CRE+NAT8)
muscular com a consequente elevação apresentaram valores semelhantes aos grupos
plasmática dos marcadores avaliados, daí o sedentários (CON8 e CRE8), o que se
interesse na avaliação da suplementação de associou ao efeito protetor da carga de
creatina relacionada com os valores treinamento a longo prazo. Nesse momento,
plasmáticos dos mesmos. porém, somente o grupo sedentário
O N total da amostra também foi de 72 suplementado (CRE8) apresentou valores
indivíduos, com a mesma subdivisão de estatisticamente maiores de AST em relação
grupos proposta no estudo anterior (18 aos demais grupos experimentais, o que, após
indivíduos para cada grupo: CON, NAT, CRE e análise histológica do fígado dos animais
CRE+NAT). A diferença no desenho desse deste grupo, evidenciando lesões hepáticas,
novo estudo é que foram avaliados períodos levou os autores a concluírem que a
de uma, quatro e oito semanas, sendo seis suplementação de Cr a longo prazo pode
animais de cada grupo sacrificados ao final de causar algum dano hepático em animais
cada período experimental após dois dias da sedentários, embora tenham salientado que a
última sessão de treinamento, sendo as dose suplementada no estudo é considerada
coletas de amostras sanguíneas realizadas suprafisiólogica e que estudos com humanos
somente após o sacrifício, e não in vivo como não mostram o mesmo resultado.
no estudo anterior. Ainda utilizando um desenho
Na primeira semana não foi observado experimental baseado em testes com animais,
nenhum efeito atenuador da suplementação Ferraz e Colaboradores (2006) utilizaram doze
de creatina sobre a produção das enzimas cavalos, sendo 5 machos e 7 fêmeas, com
estudadas, mostrando, portanto, que não peso médio de 391,0 ± 25,4 kg, e idade média
houve um efeito agudo da suplementação de 8,6 ± 3,3 anos, para avaliar se a
durante uma semana. Neste período suplementação de creatina aumenta a
experimental, somente os grupos treinados capacidade aeróbia destes animais.
(NAT1 e CRE+NAT1) apresentaram elevações Os cavalos foram mantidos inativos
plasmáticas estatisticamente iguais (p < 0,05) durante oito meses, e, em seguida, divididos
de CQ, LDH e AST, corroborando os achados aleatoriamente em dois grupos: suplementado
da literatura pelos autores sobre a relação (CR0) e controle (C0). Ambos os grupos foram
destes marcadores com a produção elevada submetidos a 90 dias de treinamento aeróbico,
das mesmas após treinamentos prolongados e sendo os primeiros 30 dias de adaptação. A
intensos. cada mês, um novo teste foi efetuado para
Já os resultados encontrados no final ajuste da intensidade do exercício.
da quarta semana experimental, ao contrário O grupo suplementado recebeu 75g
das conclusões do trabalho anterior de 2006, de creatina por dia durante os 90 dias de
indicaram que a suplementação com creatina intervenção (CR30, CR60 e CR90), enquanto
pode ter um efeito benéfico no desempenho que o grupo controle não recebeu nenhum tipo
aeróbico após quatro semanas de de suplementação (C30, C60 e C90).
suplementação, o que ficou evidenciado por O suplemento foi oferecido
uma maior concentração sanguínea, nesse individualmente para os cavalos do grupo CR,
momento experimental, de LDH e CQ (p < misturado com metade da ração comercial
0,05) apenas no grupo treinado não consumida diariamente, seguida pelo consumo
suplementado (NAT4). Além disso, o grupo da outra metade para garantir que o animal
treinado e suplementado (CRE+NAT4) ingeriu toda a dose oferecida.
apresentou uma redução da concentração Os treinos ocorreram três vezes por
plasmática dos marcadores enzimáticos semana, em dias alternados, e consistiu de

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corrida a 80% de V4 (velocidade em que a concentração sanguínea que ocorreu nos


concentração sanguínea de lactato atinge passos de aplicação dos testes pode ser
4mmol/L). Todos os testes foram efetuados explicado pelo esvaziamento esplênico
em uma esteira de alta performance, em uma esforço-dependente, associado com perdas
sala climatizada. No primeiro mês, cada líquidas durante o exercício.
animal percorreu 10km por sessão em uma Abordando o hipotético papel da
média de tempo de 50 minutos. No segundo suplementação de creatina como um potencial
mês, os testes foram de 15km por antioxidante direto e indireto em exercícios
aproximadamente 1 hora, e no terceiro mês aeróbicos, Kingsley e Colaboradores (2009)
foram 20km por sessão durante 80 minutos. estudaram 18 homens ativos para avaliar os
Além disso, uma vez por semana foram efeitos da suplementação de creatina em
intercalados testes de tiros rápidos e curtos marcadores de estresse oxidativo e sua
durante o treino, com o intuito de aumentar a defesa antioxidante após exercícios exaustivo
capacidade metabólica dos cavalos. de ciclismo.
Após um aquecimento de quatro Os participantes foram divididos em
minutos a 14,4km/h, inclinou-se a esteira a grupo creatina (Cr) e grupo placebo (P) foram
10% e a velocidade foi aumentada em submetidos, portanto, a dois testes separados
intervalos de 2 minutos para 21,6, 28,8 e por sete dias (T1 e T2) de ciclismo até o ponto
36km/h. As amostras sanguíneas foram de exaustão pré-determinado por testes antes
coletadas 15 segundos antes de cada passo e da intervenção. A suplementação do grupo CR
as análises foram efetuadas imediatamente consistiu de 5g de creatina monoidratada por
após a coleta para determinação da dia associada com 5g de polímero de glicose
concentração de lactato. A contagem de misturados em 500mL água morna, enquanto
células vermelhas (CCV), o volume globular que o grupo P recebeu 40g de polímero de
(VG) e os níveis de hemoglobina (Hb) também glicose por dia. A suplementação de ambos os
foram determinados. grupos ocorreu pelos cinco dias precedentes
Os resultados mostraram que após 60 ao T2. Dados da respiração e da frequência
dias de intervenção, V4 do grupo cardíaca foram tomados continuamente
suplementado aumentou de 17,8 km/h (valor durante o protocolo de exercício, e amostras
obtido antes do início da intervenção) para sanguíneas foram obtidas pré, imediatamente
21,9 km/h, e, após 90 dias, para 22,5 km/h. Os após e depois de 24 horas do exercício, para
autores não souberam explicar qual o efeito da análise das concentrações séricas de
creatina sobre esses resultados obtidos, hidroxiperóxidos, isolamento de lipoproteína
porém inferiram que talvez a suplementação de baixa densidade (LDL), para posterior
resulte em uma maior disponibilidade de CP, oxidação e avaliação da resistência da mesma
especialmente em fibras de contração rápida, à oxidação. Foram avaliadas também
garantindo uma ressíntese de ATP durante o concentrações de antioxidantes não
exercício e concluíram que a suplementação enzimáticos (retinol, α-caroteno, β-caroteno, α-
oral prolongada de creatina associada ao tocoferol, γ-tocoferol, licopeno e vitamina C).
treino aumenta o desempenho atlético em Após o exercício, as concentrações de
equinos, como sugerido pelo atraso no hidroperóxidos séricos estavam
acúmulo de lactato observado. significantemente elevadas em relação aos
Porém, não foram observadas valores pré-exercício. Sendo assim, a
diferenças estatisticamente significantes entre suplementação não influenciou nenhuma
os conteúdos de hemoglobina e de células variável considerada no estudo, quais sejam
vermelhas, nem do volume globular entre os peroxidação lipídica (concentrações de
grupos C e CR após 90 dias de intervenção, o hidroperóxidos séricos), resistência da
que os autores relacionaram a um aumento de lipoproteína de baixa densidade (LDL) ao
volume plasmático devido ao processo de estresse oxidativo, concentração plasmática
treinamento. Entretanto, houve uma tendência de antioxidantes não enzimáticos, frequência
de aumento de todos os valores relacionados cardíaca e consumo de oxigênio, levando os
com a intensidade do esforço durante o autores a concluírem que a suplementação
exercício. aguda de creatina não aumenta a defesa
Ainda como inferência, os autores antioxidante não enzimática, nem aumenta a
indicaram que o comportamento da proteção contra peroxidação lipídica induzida

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por exercícios de ciclismo em homens Os autores definiram a capacidade


saudáveis. anaeróbica como a distância que pode ser
E, finalmente, o estudo de Smith e percorrida na velocidade máxima usando
Colaboradores (2010) avaliou os efeitos no somente recursos anaeróbicos, enquanto que
desempenho aeróbio e anaeróbio da a capacidade aeróbica foi definida como a
suplementação combinada de cafeína, velocidade máxima que pode ser mantida
creatina e aminoácidos em exercícios de alta durante um certo período de tempo utilizando
intensidade durante três semanas. Vinte e somente energia aeróbica.
quatro homens e mulheres, moderadamente Os resultados indicaram que o
treinados, foram divididos em grupo ativo suplemento composto oferecido ao grupo GT
suplemento (GT, n=13) e placebo (PL, n=11). aumentou o VO2máx, a capacidade aeróbica
O grupo GT recebeu 18g de um demonstrada por um maior volume de treino
suplemento combinado de proteína do soro do em quilômetros e o ganho de massa corporal
leite, Cordyceps sinensis, creatina, citrulina, quando a suplementação de creatina é
ginseng e cafeína. Já o grupo P recebeu 18g associada a um TIAI. Os autores sugeriram
de suplemento contendo somente que a combinação de baixas doses dos
maltodrextina. constituintes do suplemento fornecido ao
A intervenção consistiu de 18 visitas a grupo GT resultou nos achados apresentados
laboratório, separadas por 24 a 48 horas entre e não relacionou cada constituinte com cada
elas, sendo que as três primeiras visitas foram resultado encontrado.
de sessões de adaptação, e as visitas 4-6 e
16-18 corresponderam a baseline e sessões CONCLUSÃO
pós-testes, respectivamente, e as visitas 7-15
ocorreram durante a terceira semana de Como pode ser visto nos estudos
intervenção, com três dias de treinos por avaliados, não há um padrão de metodologia,
semana. Os participantes foram instruídos a diversas populações foram estudadas e muitas
não se alimentarem por quatro horas antes conclusões são conflitantes. Essa grande
das visitas aos laboratórios, e a diversidade de metodologias e abordagens
suplementação ocorria somente em aplicadas reforça ainda mais a disseminação
laboratório, nos trinta minutos que de informações conflitantes e imprecisas a
antecederam os testes, e ocorreu somente a respeito do uso de creatina com a finalidade
partir da quarta visita. de aumentar o desempenho aeróbico.
Nas visitas 7 a 15 os participantes
foram submetidos a um teste intervalado de REFERÊNCIAS
alta intensidade (TIAI), três vezes por semana,
durante três semanas. O teste consistiu de 1- ANVISA. RDC n⁰ 18/2010, de 27 de março
cinco séries de tiros de corrida de dois minutos de 2010. Disponível em
em esteira, separados por um minuto de <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anv
descanso. A duração total (em segundos) e a isa/2010/res0018_27_04_2010.html>.
velocidade (km/h) durante cada sessão foi Acessado em 30/07/2011.
registrada e usadas para calcular o volume
total de treino (em quilômetros). A intensidade 2- Bergström, J.; Hermansen, L.; Hultman, E.;
das sessões iniciou em 90% do VO2máx pré- Saltin, B. Diet, Muscle Glycogen and Physical
determinado no período baseline e progrediu Performance. Acta Physiologica Scandinavica.
de forma ondulante atingindo 110% ao final Vol. 71. Num. 2-3. 1967. p. 140-150.
das três semanas de teste. Foram feitas
coletas de sangue na quinta e na décima- 3- Cheung, K.; Hume, P.; Maxwell, L. Delayed
sétima visita. onset muscle soreness: treatment strategies
Foram avaliadas alterações no and performance factors. Sports Medicine. Vol.
desempenho cardiovascular (VO2máx) por 33. 2003. p.145-64.
meio de ergoespirometria, o volume total de
treino, percentual de gordura corporal, ganho 4- Ferraz, G.C.; Teixeira Neto, A.R.; D’Angelis,
de massa corporal e as capacidades aeróbicas F.H.F.; Lacerda Neto, J.C.; Queiroz Neto, A.
e anaeróbicas de cada participante. Long-term creatine supplementation improves

Revista Brasileira de Nutrição Esportiva, São Paulo. v. 5. n. 27. p. 182-190. Maio/Junho. 2011. ISSN 1981-9927.
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