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História
Primeira Parte – O Parto Sangrento – 1542-1892
O que você se lembra é que era apenas sua décima noite como imortal, e
onde estava seu progenitor? Era abandono? Vingança? Desistência de sua
“He not busy being born is busy dying”. Bob Dylan, It’s Alright, Ma (I’m Only
Bleeding)
Você precisava se esforçar mais se quisesse viver essa nova oportunidade
direito. Ainda pouco recuperado do sequestro de noites anteriores, você sai
em horário noturno oportuno para observar os demais frequentadores e
habitués da escuridão e de tudo que ela pode esconder, ou aflorar. Com a
Você diz seu nome, ainda com aquele sussurro italiano reverberando
dentro de seus ouvidos e pulmões, como uma canção mórbida e bela. Os
olhos avermelhados ainda sobre você.
- Se eu pudesse te dar uma dica, eu te diria que, se você cruzar dois
quarteirões, perderá a oportunidade de caçar como deve ser feito. Você
quer ver a cidade de plástico ou a de verdade? São Paulo é a mesma há
mais de 100 anos. Sabendo até onde ir e com quem falar, é a noite mais
segura do Brasil. Bene... e negociando também.
- Eu sei que você não está interessado em mais vinho. Aceita amostras
grátis do que você quer? Aqui não podemos falar tão livremente, pois é
nossa fronteira.
Instigado pela curiosidade, ou talvez sentido pouca força de vontade para
recusar ou discordar daquela presença ilustre e forte, você a segue para
fora do bistrô, deixando uma nota de 100 reais pela taça de vinho, sem
pedir troco (e querendo inconscientemente impressionar).
Chiara veste seu cardigan, longo sobre seu corpo esguio, e aperta algumas
teclas de seu celular, do lado de fora do bistrô. Enquanto você observa a
rua e os seus transeuntes elegantes, já um pouco mais ébrios do que
quando você chegara, o Cadillac estaciona com o pisca alerta ligado, e o
motorista uniformizado desce novamente para abrir as portas para você e
Chiara.
As portas se fecham, como uma tumba, deixando o barulho e as luzes da
Oscar Freire silenciosos como uma memória antiga, na mente de um idoso
prestes a falecer. Nenhum barulho de rádio, nenhum barulho de motor.
Luzes opacas e frio.
- Consolação, disse Chiara, fazendo o motorista pegar o próximo retorno,
calma e mecanicamente, e deslizar como um cisne pelo caótico trânsito da
Avenida Rebouças.
Alguns quarteirões do outro lado dos muros do cemitério, o motorista do
SUV abre suas portas para que desçam, e leva o transporte de volta à velha
rua, em direção ao centro histórico.
São Paulo By Night – Página 13
Após mais alguns minutos de caminhada, e percebendo sua agonia crescer
um pouco, Chiara te oferece um pouco de sangue em um frasco de vidro,
de dentro de sua bolsa, para que seus nervos se acalmem um pouco.
Diante de um prédio antigo, com aparência de repartição pública dos anos
50, Chiara retira uma chave de ferro de sua bolsa, e a encaixa no portão de
arquitetura gótica, que se abre eletronicamente.
- Presto. A maestrina te espera. Te apresentarei.
Atualmente uma das regiões que traz o maior nível de conflitos na região,
os quais muitas vezes se iniciam e finalizam na Zona Sul, os bairros do
Morumbi, Brooklin, Santo Amaro e adjacências podem ser considerados
uma enorme cidade dentro da megalópole de São Paulo.
O acesso tumultuado e caótico através do intenso tráfego de veículos, que
só reduz sua densidade durante a alta madrugada, faz com que muitos
habitantes da região ou frequentadores busquem residir na própria área,
para evitar o cruel deslocamento diário. Dentro dessa dinâmica, a qual
Da vasta e rica região que vai, pelas margens do Rio Pinheiros, da Vila
Madalena até Moema, passando por Pinheiros, Jardins, Itaim Bibi, e Vila
Olímpia, o império da torre de marfim estende seu domínio pela cidade de
Brujah
Dom João Dias, o Sétimo
- Aos diabos com toda esta merda! Foi a última frase que disse ao
despertar, numa noite da década de 1540 nas docas de Lisboa, e em
território português. Sentindo-se ébrio de ópio, vinhos baratos, dores por
infindáveis contendas fúteis, e com a vitalidade totalmente restaurada por
sangue humano de qualidade duvidosa, estava em uma caravela do rei em
direção a alguma nova colônia exótica.
Algumas noites depois, muitos marujos viram com desconfiança o suspeito
senhor que trabalhava por três, à noite, mas que se negava a cumprir seu
turno diurno, com aval do capitão. De qualquer forma, muitos marujos
também não chegaram ao destino final.
- Não é vida para qualquer um, ora, pois! Limitava-se João em suas breves
considerações. Estas maricas enlouquecem por qualquer besteira por
saudades de casa. E pedia mais um trago. E mais um trago. E mais uma
aposta. Seu cachimbo não tinha fundo, nem seu apetite por discussões e
intrigas abertas contra tudo e todos.
Até sua chegada ao Brasil, tornou-se figura amada e odiada, ganhando a
confiança de seus companheiros de navio, muito provavelmente por laços
de sangue e pelo uso irresponsável de Presença.
A bravura e poder assombrosos que demonstrou em uma das primeiras
explorações para expansão do território da capitania de São Vicente, em
1542, pavimentou seu caminho para iniciar, secretamente, em missões
noturnas, o movimento português para desbravar novos territórios para a
coroa, bem como riquezas e escravos (dentre os que não forem
No meio dos anos 90, Patricia passou em primeiro lugar para o curso de
ciências da computação na USP, e em 2004 já possuía mestrado na área,
quando começou a estruturar sua própria empresa de consultoria a start
ups do setor financeiro (e da qual ela era a única sócia).
Após relatar o fato à polícia e ter que responder por homicídio culposo, em
liberdade, Patricia revoltou-se contra a sociedade brasileira, o perigo ao
qual as mulheres vivem expostas, e seu exagerado vitimismo em prol de
assassinos, estupradores e predadores dos inocentes.
O que Patricia não sabia é que suas publicações na internet e seu novo
radicalismo ideológico e de pensamento estavam atraindo atenção dos
Brujah do Ipiranga, e até mesmo do próprio barão Dom João Dias, que viu
em seus ideais um reflexo de si mesmo, em outros séculos.
Mas mesmo com a imortalidade e tanta força e raiva fluindo por suas
veias, Patricia sente que a correção moral e social da cidade de São Paulo
levará séculos de trabalho árduo, colocando-se exatamente com o mesmo
senso de dever e obstinação que teve ao abrir sua primeira empresa para
ajudar sua família. Entre uma justiça social e outra, Dom João Dias
também precisa de suporte técnico para utilizar o pacote Office, e entender
que um navegador não tem mais o mesmo significado que tinha quando ele
chegou ao Brasil.
Patricia utiliza, nas redes, o apelido de NAP, que são as iniciais do seu
nome ao contrário, e também "soneca" em inglês, que é o que costuma
obrigar seus opositores a fazerem (pela eternidade ou em coma, na maioria
das vezes).
Marcos Almeida
Hecata
Emilia Della Passaglia
Lasombra
Antoine Lévi
Muitos dos Lasombra não são mais fiéis ao Sabá após a destruição em
massa causada pela Segunda Inquisição aos cainitas do continente europeu.
Malkavianos
Flávia Cintra
Inés recebeu seu abraço durante a guerra civil espanhola, no ano de 1938,
quando tinha 25 anos, nos arredores de Barcelona, após ter sido julgada
morta durante o fuzilamento de sua família por tropas republicanas,
ligadas ao comunismo, em um ato desesperado de chacina e violência
gratuita que resultou na destruição de milhares de inocentes e da fuga dos
assassinos para outros países.
Herdeira de uma família tradicional catalã, Inés era noiva de um diplomata
espanhol que, durante os eventos do ataque de sua família, negociava a
posição diplomática dos nacionalistas junto à Itália.
O horror da execução de sua família, em conjunto com a rapidez e
brutalidade com que os fatos se desenrolaram, marcaram sua vitae de
forma profunda, especialmente quando a então neófita se viu transformada
sem praticamente nenhum auxílio de seu senhor, um malkaviano que
despertou do torpor e a abraçou para deixá-la dominar sozinha a maldição
que a acometeu.
Devido aos grandes poderes de seu senhor, Inés não teve dificuldade para
entender suas novas forças e limitações, em que pese o estresse pós-
Joaquim Flores
O Cartógrafo
Rebecca Fahour
Tzimisce
Pedro Tavares
Katja, durante sua vida mortal, foi uma relevante fotógrafa dos conflitos
bélicos da antiga Iugoslávia, país oriundo da queda da União Soviética,
envolvido em toda sorte de conflitos políticos, religiosos e étnicos durante
a década de 1990, até o início dos anos 2000. A jornalista nascida em
Belgrado, acostumada a uma vida de privações durante o comunismo,
nunca teve medo de ambientes selvagens, violentos e perigosos, e sempre
teve atração por retratar o extremismo da vida humana, e seu
comportamento nos ambientes mais adversos possíveis.
Como uma forte apoiadora de sua região, que viria a se tornar a atual
nação soberana e independente da Sérvia, Katja sempre desafiou o
estabilishment e as convenções, tanto pela natureza crua e brutal de seu
jornalismo, quanto por suas posições políticas sempre a favor de seu povo,
sua família e daqueles próximos a ela, sendo julgada, por alguns colegas e
compatriotas, como eticamente questionável, especialmente sob o ponto de
vista humanitário.
Em 1999, enquanto cobria os conflitos do Kosovo, região fronteiriça ao
seu país de origem, durante um bombardeio e ataque severo das forças de
independência da região, Katja perdeu toda sua equipe de reportagem, e se
viu cercada, à noite, por dez membros ferozes de insurgentes, através de
tiroteios e armadilhas.
Como mulher e única sobrevivente, Katja se viu desesperada, aprisionada,
e sem esperanças de voltar para casa. Mostrar credenciais de imprensa, ou
as (falsas) credenciais das Nações Unidas não seriam suficientes para
salva-la dos horrores da tortura e estupros da guerra, que ela tanto
conhecia e divulgava, por meio de suas chocantes e brutais fotografias.
Ventrue
Fernando Dutra
Gonçalves Pereira
Caitiff
Muleta
Artefato Perdido
Você e sua coterie receberam a informação de um membro do Ministério
de que o Monumento às Bandeiras, no coração do Parque Ibirapuera, é
uma importante referência - ou é ele mesmo - um relevante artefato de
poder grandioso aos cainitas da cidade. As palavras do imortal, como de
todos de seu clã, são misteriosas, mas encorajadoras. O imortal que passou
a informação a seu grupo não é da cidade, mas visita os domínios
paulistanos a negócios, de tempos em tempos.
O artefato pode ser um matusalém em torpor, rituais antigos de magia de
sangue, armamentos, portais, ou uma combinação de todos estes.
O maior problema é que a área é dominada pela paranoica e violenta
Camarilla da cidade, que a qualquer sinal de ameaça ou distúrbio da tênue
Os Segredos da Cripta
O Cemitério da Consolação, centro de poder dos Giovanni do clã Hecata,
detém em seus muros várias criptas, segredos e monumentos, sendo,
alguns deles, além até mesmo do controle de poderosos anciãos como
Emilia Della Passaglia.
Os cainitas da cidade conhecem bem a região ao seu redor, mas poucos são
os que passam ali noites completas, ou já exploraram suas catacumbas,
com ou sem a permissão dos Giovanni.
Espíritos assombrados, portais ao mundo dos mortos descarnados, uma
gárgula vinculada ao sangue de algum vampiro poderoso, e artefatos
sombrios são parte do folclore acerca do local, bem como a loucura que faz
com que a maioria dos cainitas fique face a face com o abismo interior de
suas bestas, de forma intensa e muito particular...
Você e seu grupo teriam a coragem de explorar além dos véus dessa
localização, desvendando seus profanos e sombrios segredos? Pediriam a
bênção e o favor dos senhores do local, ou desafiariam sua fúria
implacável?
Sugestão para grupos livres; disciplinas defensivas, como celeridade,
fortitude e ofuscação serão de grande utilidade!
Pontes ou Muros
Você já esteve lá quando mortal, e agora, não vai mais aceitar a
humilhação. O preconceito, o desprezo. Eles andam em seus carros
blindados, caçam suas vítimas, mal te notam. Filmam seus movimentos
por zombaria, prazer, se divertem com seu fracasso. Você nunca será nobre
como eles. Não tem uma origem europeia ou de civilizações antigas. Não
tem senhor, linhagem, definições. Seu campo de caça é “o que dá para
fazer”.
Suas noites são em regiões neutras e de fronteiras, como a Oscar Freire, a
Rua Augusta, ou galpões inóspitos da Barra Funda, Vila Leopoldina e
outros arredores da marginal, ou do Ceagesp. Quando com melhor
autoestima, você se arrisca nas feiras da madrugada do Brás.
Canibalismo selvagem
Os Caitiffs e Sangue Fracos da cidade estão em apreensão máxima, além
do normal. Muitos têm desaparecido na noite, alguns, poucas noites depois
de serem abraçados. Quem estaria por trás desse extermínio? A Camarilla,
ou os anarquistas, que tanto os atraem? Algum louco oriundo das
tradições antigas do Sabá na cidade, realizando algum ritual sombrio de
sangue? Infernalistas?
Perguntas que os primogênitos pouco se importam, bem como suas crias,
são, para você e seu grupo, questões de permanecer como um membro das
trevas eternas, ou abraçar sua morte final. Você deverá, apesar de todas as
adversidades e limitações, buscar as respostas junto com sua coterie, e
confrontar aquele, ou aqueles, que estão causando tanta dor e sofrimento a
seus iguais, como sempre desmerecidos e esquecidos pelos poderosos. As
respostas, a tantas perguntas, poderão ser surpreendentes.
Sugestão: Grupos de Caitiffs e Sangue fraco.
Vácuo de Poder
Atualmente, circulam por São Paulo alegações de que os anarquistas,
reunidos sob Dom João Dias, têm sofrido de um vácuo de poder, visto que
o próprio Barão aparentemente está envolvido até o pescoço nas
maquinações da Gehenna, não resistindo à convocação do chamado ao
Oriente Médio, e está passando cada vez menos tempo em seu território.
Muitas decisões importantes têm sido tomadas por sua cria, Patricia, a
qual possui estilo de liderança distinto dos métodos mais conciliadores e
negociadores de seu senhor, sendo, muitas vezes, extremamente agressiva
e inclinada a chacinas e derramamentos de sangue.
Colonização
Sua coterie é composta por vampiros de fora da cidade de São Paulo e que
foram ensinados, por seus mestres, barões ou aliados externos, sobre os
domínios da área, as alianças e termos em que foram formadas durantes as
noites atuais.
Sua missão é simples, mas quase suicida: derrubar um primogênito da
cidade de sua atual posição de poder, e substitui-lo por um vampiro mais
apto, que pode ser, inclusive, de sua própria coterie.
Quanto mais agressivo e violento for seu modus operandi, mais ele
chamará atenção dos vampiros aliados ao primogênito e seu secto, e mais
destruição e caos ele irá causar, portanto, propõe-se combinação de
diplomacia e discrição ao tentar tornar sua missão bem-sucedida.
Você deverá explorar quais segredos, intrigas, forças e fraquezas as facções
da cidade sabem uma sobre a outra, e acreditar em especulações,
eventualmente participando dos jogos sujos que são jogados em São Paulo,
até que, finalmente, a balança pese favoravelmente a seu lado, e você se
utilize de uma oportunidade de ouro para alterar para sempre o equilíbrio
do poder nas noites paulistanas.
Suggestion: Ancillae, with strong background and motivations. An
attempt to use clans not covered by the Characters chapter should be very
Guerra de Clãs
Em uma cidade onde há abismos sociais praticamente intransponíveis
entre os mortais, bem como pesada carga de conflitos e diferenças
ideológicas, antigas guerras, ódios, preconceitos e ressentimentos
facilmente podem ser revividos – por mais que estejam mortos e
enterrados pelos fatos históricos, alianças entre grandes figuras da
Camarilla e Anarquistas, dentre outros. Uma discussão entre carniçais em
um bar, uma briga de trânsito, rumores ou simples olhares e palavras mal
colocadas em um Elysium podem reviver ódios antigos, bestiais e
instintivos.
Nestas crônicas, sua coterie – que deverá ser formada majoritariamente
por um único clã – tomada por algum motivo histórico de conflitos do
Mundo das Trevas, buscará aniquilar a maior parte dos personagens de
Ao Forno
A decoração daquele restaurante estrelado, bem como o número de mesas
em cada ambiente, demonstrava que o lugar realmente é para poucos.
Fachada discreta, em uma das ruas estreitas e quase imperceptíveis da
região do Itaim Bibi e Vila Nova Conceição. Um terraço, jardim vertical.
Letreiro pequeno e de bom gosto, indicando, para o olhar dos menos
atentos, o que poderia ser tanto um café, quanto um escritório, consultório,
agência publicitária ou clube de elite.
Ao subir as escadas, o lobby e seu sofá de couro rubro, ao estilo vitoriano,
bem como o bar com um atendente uniformizado, recebem um seleto
grupo de clientes, chefes de cozinha e críticos de alta gastronomia
internacional para um welcome drink.
O local funciona apenas à noite, para o jantar, e a iluminação é totalmente
natural, com a luz da lua reforçada por candelabros e castiçais de bronze
acesos no salão principal.
Um casal jovem, em trajes sociais, jantava em uma das mesas deste salão, e
uma vela quase totalmente consumida ao centro, taças de vinho tinto e do
porto, e um Petit Gâteau nas suas delicadas porcelanas, indicavam que
aquela parte da noite estava quase no fim para ambos.
A mulher aparentava ser de uma idade universitária, cabelos negros e
longos, com mechas castanhas levemente onduladas. Vestido branco
impecável de alta grife, e joias provavelmente adquiridas na Tiffany's,
última coleção. Sua pele dourada e seus pequenos olhos iluminavam ainda
mais o luar que aveludava o ambiente do salão, bruxuleando sua suave luz
em direção ao companheiro que finalizava, lentamente, seu jantar, na sua
frente.
Seu companheiro, por sua vez, trajava um terno de alfaiataria escuro como
a noite sem nuvens, bem como sua camisa, sapatos e lenço no bolso do
paletó. Os cabelos loiros e lisos, levemente despenteados, passavam um ar
casual, sedutor, intelectual e despreocupado. Pela palidez da sua pele, e
estranha coloração azul clara dos olhos, aparentemente o rapaz poderia se
passar por estrangeiro, ou de descendência de países setentrionais.
São Paulo By Night – Página 119
A atração que ele exercia em seu olhar era dominadora, e sua presença
parecia fazer com que ele e seu conjunto fossem uma peça de arte ou
decoração inerentes ao ambiente. Para os demais clientes e funcionários,
era quase impossível passar pela mesa e não admirar algo relacionado ao
homem - suas roupas, seus gestos, o sorriso ou o estranho perfume...
Ao finalizar o jantar, e com menos clientes no salão, o sedutor casal
resolveu voltar ao lobby, para um último drink antes de continuarem a
noite. Seria uma longa noite, pelo menos para um deles...
Com a garota levemente ébria em seus braços, o rapaz aproveitara a
discrição dos funcionários para beija-la, lenta e vagarosamente, no
pescoço... com uma intensidade um pouco anormal, que deixou duas
marcas na sua pele, as quais rapidamente foram escondidas por uma
lambida...
Mas o fato que fazia com que o staff do restaurante dispersasse sua atenção
do casal não era o fim da noite ou o cansaço, mas outro foco de luz, ainda
mais intenso, que subia as escadas. Uma loira extremamente pálida, com
trajes vermelhos escuros, batom e maquiagem carregados, para sua idade
jovem, mas elegantes, como se estivesse indo para uma festa de casamento
elitizada da alta sociedade.
Seus olhos eram azuis e profundos, desafiadores. O ar de sua atitude era
praticamente de dona do local, pelo medo que impunha em todos que
visualizavam seu semblante. O perfume, muito mais que o do rapaz no
sofá, era inebriante, como a infância, a melhor lembrança da vida, ou uma
paixão perdida há muitos anos...
Sua visão e seu aroma eram quase que um vício proibido, um pecado, uma
paixão, e a beirada do abismo da insanidade, representando ainda, ao
mesmo tempo, uma sensação sutil de gelo, vidro, névoa e agulhas a
penetrar as profundezas dos ossos de seus espectadores.
Após subir as escadas do restaurante, indiscretamente ela se senta ao lado
do casal, tocando o rapaz de maneira que se confundia entre o casual e o
intimidador.
- Fausto, disse a loira, em um sotaque levemente norte-americano. O táxi
da sua namorada está esperando por ela na porta, para deixa-la em casa. E
você, está bem longe de casa, não é mesmo?
Steakhouse do Centro
Uma noite de inverno, vento incessante e garoa, pode significar pouco para
a parcela mais abastada da cidade de São Paulo, que aproveita o clima frio
para consumir queijos, vinhos e jantares de luxo em restaurantes pós-
modernos. Muitos simplesmente compram uma garrafa de vinho ou duas,
ou pipoca, e vão assistir suas séries e filmes favoritos por streaming em
casa.
No entanto, uma parte enorme da população, principalmente a que vive
nas ruas, jamais ouviu sequer falar de muitos desses pequenos luxos. E,
sem a cachaça, o crack ou, talvez o mais difícil de encontrar dentre os três
– um prato de sopa quente – esse clima é fatal para sua sobrevivência, se
não na própria noite, nas próximas, onde apodrecerão seus pulmões e
órgãos internos lentamente, à espera da ajuda do governo e da sociedade,
que não chegará.
Felizmente, não por conta da classe social, mas por conta de sua condição
vampírica, o Nosferatu Cartógrafo não sentia frio algum. Afinal, já era, há
São Paulo By Night – Página 122
muitos anos, um cadáver. Desde quando foi abraçado como peão, ou cabeça
dura do Sabá, no início da década de 90. Mas suas noites de escravidão à
vaulderie já se encerraram, e ali ele estava, na alta madrugada da Praça da
Sé, em uma missão de reconhecimento para os anarquistas. Não a primeira
em que Patricia Ayumi o enviava, diga-se de passagem.
Estar naquele ambiente não lhe trazia muito conforto, pensava o
Cartógrafo, enquanto enrolava um cigarro de maconha entre os dedos
longos, ossudos e pontiagudos – apenas pelo velho hábito, já que não
conseguiria se drogar apenas pelo efeito direto da erva, se não consumida
através do sangue de algum mortal. No entanto, também, até aquela noite,
não era um ambiente que o enchia de pavor, embora todo seu grupo tenha
ali mesmo caído, em 1992, defendendo o Arcebispo Raposo Correia. O
desgraçado, ele nem o conhecia. E nunca chegou a conhecer.
Supostamente, um carniçal dos Della Passaglia, talvez diretamente de
Giorgio, passaria por ali naquela noite, com um novo carregamento de
uma das potentes drogas que eles distribuíam aos traficantes da região.
Pelo que a inteligência anarquista havia descoberto, a droga era um novo
experimento, e certamente a Casa Carna dos Tremere gostaria de avaliar
seus componentes químicos e descobrir quais eram.
O ambiente, como já de costume, era extremamente pútrido. Além do
cheiro da maconha do cigarro do Cartógrafo, que queimava entre seus
dedos, o cheiro de cadáveres putrefatos, urina e fezes era uma constante.
Mortais, drogados e hordas de mortos vivos dos Della Passaglia
conviviam em uma orgia de vida e morte grotesca e imunda, e a sensação
de ser observado era constante, até mesmo para um cainita com razoável
domínio da ofuscação, como ele.
Toda sorte de lixo podia ser encontrada no chão, entre facas e porretes
enferrujados, camisinhas usadas, remédios, papelotes de drogas, sangue e
animais do fundo da cadeia alimentar, como ratos e baratas, até estes em
um estado que se confundia entre a vida e a morte.
A Guarda Civil Municipal passava apenas pelos entornos das ruas, e com
certa rapidez, abandonando os moradores de tal submundo à sua própria
sorte, especialmente naquele horário. O Cartógrafo, que agora já havia
vivido parte relevante de sua não vida em exílio na Europa, já vira esgotos
de grandes capitais mais organizados e limpos que tal região.
Recrutamento e Seleção
---- Mensagem original ----
De: A Mo▬te▬▬o <41▬3mon731▬▬▬@gmail.com>
Data: 17/02/2020 23:46 (GMT-03:00)
Para: Rubens M <r▬▬▬nsba▬▬▬▬@outlook.com>
Assunto: Desculpe-me
As Fraquezas do Sangue
Dessa vez mano, foi a pior ressaca que eu já tive na minha vida. Mano, a
pior ressaca, sem comparação. Não dava pra comer absolutamente nada,
nem beber água de manhã. Era vômito na certa. A luz do sol me causava
tontura, raiva, cegueira, insanidade, e desprezo por qualquer coisa. Mas eu
tinha meu estágio pra fazer.