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São Paulo By Night


Direitos de Propriedade & Disclaimer
São Paulo By Night é um livro não oficial para realização de campanhas de
Vampiro – A Máscara, 5ª Edição. As regras e conceitos do jogo são de
propriedade do detentor dos direitos de copyright, globalmente e no
Brasil, de acordo com a legislação internacional.
Desta forma, declaro que não tenho direito a qualquer imagem, conceito
ou distribuição deste material, para fins lucrativos, sem o consentimento
dos detentores dos direitos de copyright, cabendo citar: White Wolf e
Modiphius Entertainment.
Como um fã do Mundo Das Trevas, recomendo que os Livros oficiais
sejam adquiridos, pois todo este suplemento não oficial foi construído com
base neste material!
A temática do Livro São Paulo By Night envolve assuntos sensíveis e que
merecem discrição, como sexo, drogas e violência, de forma explícita,
portanto, voltados a um público maduro. Antes de abordar tais assuntos
com seus jogadores e sua mesa, é recomendado seguir as regras do
Apêndice III da 5ª Edição de Vampiro – A Máscara: Conselhos para Jogos
com Responsabilidade. Em Vampiro – A Máscara, o objetivo é jogar como
uma criatura monstruosa, e, por vezes, bestial, o que não implica, de forma
alguma, em expandir tais atitudes para fora do ambiente de simulação e
role playing.
Boa leitura e entretenimento!

Ismael Victor Rodrigues Alves

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Sumário
Introdução ....................................................................................................... 5
História ............................................................................................................ 6
Primeira Parte – O Parto Sangrento – 1542-1892 ....................................... 6
Segunda Parte – Ocupados Morrendo – 1890-1990 .................................. 11
Terceira Parte – Negócios, como sempre – 1990-2019............................. 17
Quarta Parte – Epílogo – O avesso do avesso............................................. 23
Geografia ....................................................................................................... 26
Primeira Parte – Centro .................................................................................. 26
Segunda Parte – Higienópolis ........................................................................ 29
Terceira Parte – Morumbi e Zona Sul.......................................................... 30
Quarta Parte – Região Sudoeste .................................................................... 32
Quinta Parte – Ipiranga e Zona Leste .......................................................... 36
Sexta Parte – Zona Norte ................................................................................ 38
Sétima Parte – Liberdade ................................................................................ 39
Oitava Parte – Parque Ecológico do Guarapiranga e Reserva Hídrica . 40
Personagens .................................................................................................. 41
Brujah .................................................................................................................. 42
Gangrel................................................................................................................ 52
Hecata .................................................................................................................. 58
Lasombra............................................................................................................. 61
Malkavianos ....................................................................................................... 65
Nosferatu............................................................................................................. 75
Toreador ............................................................................................................. 82
Tremere ............................................................................................................... 87
Tzimisce .............................................................................................................. 91
Ventrue .............................................................................................................. 100
Caitiff ................................................................................................................. 106
Sugestões de Crônicas em São Paulo .....................................................110
Artefato Perdido .............................................................................................. 110

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Os Segredos da Cripta .................................................................................... 111
Os degraus de marfim .................................................................................... 112
Pontes ou Muros ............................................................................................. 113
Canibalismo selvagem .................................................................................... 114
Vácuo de Poder ................................................................................................ 114
Colonização....................................................................................................... 115
Guerra de Clãs ................................................................................................. 116
Histórias de São Paulo ..............................................................................118
Ao Forno ........................................................................................................... 119
Steakhouse do Centro ..................................................................................... 122
Recrutamento e Seleção ................................................................................. 125
As Fraquezas do Sangue ................................................................................ 129
Referências e Recomendações .................................................................133

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Introdução

“Non ducor, duco”. Lema do Brasão da Cidade de São Paulo


A maior metrópole do moderno continente americano, maior região
urbana do Brasil e da América Latina, bem como seu maior centro
financeiro e uma das cidades mais globalizadas do mundo, a cidade de São
Paulo possui mais de 465 anos de história desde sua fundação até as noites
modernas. Neste período, a cidade foi palco de diversos conflitos
sangrentos e brutais, desde seu nascimento até a contemporaneidade.
Muitas vezes ofuscada pelas belezas naturais, turísticas e históricas da
muito próxima metrópole do Rio de Janeiro, São Paulo oferece grande
diversidade de adensamentos urbanos, distintas classes sociais e ambientes
históricos e ultramodernos, entrecortados por arranha céus, mansões,
favelas, helicópteros e transportes clandestinos.
Lar de príncipes e maltrapilhos, a cidade tem celebridades e sombras que
vivem despercebidas entre as multidões, serial killers grotescos e protetores
dos valores mais caros e nobres aos seres humanos, das mais distintas
origens culturais, históricas, religiosas e econômicas, convivendo
rotineiramente, nos mesmos espaços urbanos e sociais.

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Dentre todos esses personagens, o Mundo das Trevas que envolve a
cidade reflete exatamente suas diferenças, dilemas, dualidades e grande
número de conflitos, permitindo a elaboração de crônicas que envolvem,
principalmente, as temáticas de disputa de poder, intrigas políticas,
diferenças entre os habitantes do Mundo das Trevas e suas filosofias, e a
violência como solução ou deterioração dos ambientes e agentes
envolvidos nas narrativas.
Como diz o próprio lema inscrito no brasão da cidade, São Paulo não é
conduzida; conduz...

História
Primeira Parte – O Parto Sangrento – 1542-1892

“Vem, Noite antiquíssima e idêntica,


Noite Rainha nascida destronada,
Noite igual por dentro ao silêncio. Noite
Com as estrelas lantejoulas rápidas
No teu vestido franjado de Infinito”. Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

O que você se lembra é que era apenas sua décima noite como imortal, e
onde estava seu progenitor? Era abandono? Vingança? Desistência de sua

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não vida? Logo agora que você aprendera algo sobre seus poderes? Medo
ou ódio de você mesmo?
Enquanto a raiva começa a te dominar, seu sangue começa a ferver dentro
de suas veias, como que a fúria possuísse sua própria alma e te fizesse
queimar de horror, pânico e desejo de vingança. Agora o mundo cairia a
seus pés. Se você não estivesse algemado a uma cama de ferro com barras
de aço retorcidas sobre seus punhos, e a boca amordaçada por uma
máscara de metal. Que estranha câmara de tortura era essa? O teto a seu
redor é de um galpão vazio, igualmente metálico.
Com certa curiosidade e um sorriso no rosto, uma mulher oriental e um
homem de meia idade te observam, enquanto seu sangue busca explodir
suas próprias veias e organismo, e você tenta se debater, em vão, para
escapar da armadilha em que te prenderam.
- Pelo menos não somos a Segunda Inquisição, a mulher diz. Quanto mais
raiva você sentir, mais útil poderá ser para você mesmo e para nós, em
breve!
O homem continua te observando, com postura nobre, e sem dizer palavra
acerca do que sua companheira expressara. Ao reparar bem em toda sua
figura, aparenta ser de um senhor praticante de esportes, pelas roupas,
físico e porte.
- Pois bem, diz o homem. Nosso primeiro encontro pode ter se mostrado
deveras violento e assombroso para vossa pessoa. Mas me agradecerás em
momento oportuno por essa oportunidade que vos concedo. Nas noites de
hoje os jovens andam me chamando de 7. Entenderás quem sou e o que
represento quando for o momento.
- Tu és importante para nossa causa, como todos vós de teu sangue, de
nosso sangue, de nossa não vida. Tu és parte de nossa glória, se queres tu
ou não. Vós nascestes para ter o mundo a vossos pés. E tu vais te libertar
após ouvir a história do nascimento de nossa nação. O resto de vossas
noites não será mais o mesmo. Concordes ou não, terás nossa perspectiva
sempre em mente, como todos imortais de nossa nação deveriam ter,
especialmente tu, dentre os de seu poder.
- Desembarcar em São Vicente em 1542, a Cellula Mater, por obra do
mais puro acaso, desencadeou no mundo um espírito de rebelião e
conquista que até hoje não encontrou a morte final...

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Enquanto o homem de meia idade dava continuidade à sua fala,
estranhamente você sentia a raiva, o ódio, e a fúria de seu sangue
desfalecerem, dando lugar a um desejo de conhecimento e concentração.
Ainda te estranham as influências e poderes a que seu novo organismo está
suscetível.
Tamanha era a presença de seu interlocutor, que você aparentou, por
alguns momentos sonhar com sua narrativa. Era uma história de
desbravamento, extermínio e rios de sangue sobre uma terra virgem.
O homem que estava diante de você foi um dos pioneiros da conquista dos
solos paulistanos e brasileiros, chegando à região munido apenas de
relativa sorte, e acaso, mas encontrando oportunidades e riquezas que
marcariam a história por séculos, como cicatrizes profundas na garganta
do Brasil.
Enquanto 7 narrava sua história, você a absorvia de forma sóbria, mas
relativamente hipnotizada, principalmente por meio das imagens que eram
pintadas através de seu forte sotaque português.
Animais ferozes destroçados pela pólvora, montanhas escaladas com
coragem e força, viagens noturnas a pé, com suprimentos mínimos. A
abertura de clareiras, noite após noite, em busca de especiarias ou pedras
preciosas. O mínimo contato com outros seres humanos. Estrelas como
teto para reflexão, e barracas durante o dia, guardadas por vigias. A
missão era um objetivo secreto da coroa, e apenas João Dias, o então
mercenário, poderia saber o objetivo.
E então ocorreu o primeiro contato com os nativos. Em uma das noites de
abertura de caminhos pela mata, alguns homens seminus observavam-nos
entre a folhagem. O cheiro do sangue novo e virgem, totalmente distinto
do europeu, foi o suficiente para invocar a besta até mesmo do calculista
João Dias, e gargantas foram destroçadas naquela noite, cabeças
empaladas, corpos inteiros dilacerados, e descoberta a fonte de sangue na
tribo.
Obviamente, a missão teve seu foco alterado, da busca de especiarias para a
busca de escravos. Mas a cada 100 escravos, 20 eram desviados para João
Dias e seus asseclas.
- Todo fazendeiro precisa de gado, meu rapaz! Narrava João, enquanto até
mesmo sua séria e atenta parceira sorria. A morte de humanos lhes era

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motivo de satisfação, mesmo que em quantidades relativamente
alarmantes, o que, mais tarde você entenderia, é um dos pontos de
divergência ideológica entre anarquistas e a Camarilla.
Durante as idas e vindas de João Dias ao planalto de Piratininga, a
construção de igrejas começava a incomodar.
A igreja, como forma de conquistar fiéis, defendia a liberdade de índios e
outros escravos, dando-lhes estudos nos meios sacros e pequeninas
quantidades de terra para subsistência. Não foi difícil descobrir que o
canalizador do fluxo de sangue para os interesses contrários de João Dias
era também seu compatriota, em vida mortal, mas concorrente noturno,
arcebispo Raposo Correia, primogênito Lasombra em terras brasileiras.
O principal objetivo de Raposo Correia seria fazer daquela nova terra um
centro espiritual para o abismo e os ritos vampíricos, acolhendo a todos os
irmãos da Espada de Caim.
Mas o que seria dessa nova terra sob o jugo de um Brujah? O Sabá, já
fragilizado na Europa, não permitiria uma derrota fácil e, território tão
desprotegido. 3 igrejas. 7 igrejas. 12 igrejas. A pregação do perdão e da
ternura. Livrar a terra do chicote e da exploração. Venham a nós
voluntariamente, crianças...
- Assim o bastardo os convencia! Esbravejou João. Tivemos que uma hora
o expulsar, não tenhas dúvida que farias o mesmo! Veja seus olhos
Patricia, hipnóticos, como os vossos...
- E entramos em nossa primeira batalha por nosso novo mundo. Se
soubesses a fúria...
- O ódio que tivemos ao descobrir que a espada de Caim infiltrara-se em
nossa terra, nosso grito de liberdade, como um câncer silencioso... Mas,
naquelas noites de outrora, o Sabá era inimigo a ser muito temido... o
ímpeto de destruição em que ainda estavam, após a Convenção dos
Espinhos, ameaçava destruir o mundo inteiro, inclusive eles próprios...
- Raposo Correia estava acompanhado de mais 12 apóstolos, alguns
vampiros, outros, gado, servos, viciados no sangue... o interesse do Sabá
em São Paulo era muito real.
- A guerra iniciou-se pelas terras laterais do Brasil, partindo de nosso
epicentro, fazendo com que eles se expandissem a leste e norte, e nós, em
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direção ao oeste..., mas colocados contra o muro, naquele momento,
formado pelo Tratado de Tordesilhas. O Sabá tinha a Bahia de todos os
Santos, e influência no vizinho Rio de Janeiro. Aproveitamos taticamente a
brecha espanhola, enquanto os Lasombra não nos cercassem por completo,
influenciando, com nosso recém-conquistado capital, o movimento das
entradas e bandeiras... e novamente abrimos uma avenida de liberdade ao
nosso sonho.
- E estávamos mais do que certos... pois as missões jesuíticas também
continham alguns Lasombra neófitos explorando sangue entre os
indígenas, e manchando suas almas para servi-los... bem... continham, é um
bom termo, pois ao serem encontrados por nossas tropas, tiveram terríveis
mortes finais. E assim, nos afastamos da Camarilla e de algumas tradições
mais enfadonhas da máscara. No início, alguns Gangrel que me seguiram
quando já havia adquirido algum poder e benção da Torre de Marfim,
preferiram abandonar a causa e dedicar-se a outros territórios. Mas sua ida
foi em paz. Ter amigos ao sul e a leste sempre seria útil para conter a
loucura do Sabá e manter nosso sonho vivo: a Nova Cartago...
- E, em 1808, a família real se muda para o Brasil, confirmando nossa tese,
por mais que trouxesse, também, novas ameaças do velho mundo, tanto da
Camarilla quanto do Sabá... e rapidamente nos aliamos aos primeiros,
arquitetando a independência do país em 1822. O grito do Ipiranga... Dom
Pedro I, as ironias ao redor do apelido Dom João VII, hoje tantos só me
conhecem como 7... nós criamos São Paulo, o Ipiranga! O Brasil! E por
mais de 100 anos... os alicerces e raízes dessa terra se firmaram... não longe
dos antigos predadores vingativos, que do Rio de Janeiro, da Bahia, dos
trens, iam e vinham à São Paulo, e tramavam suas conspirações, e morriam
por nossas implacáveis garras.
- E o sangue de nossos mortais tanto pulsava, que imigrantes dos mais
longínquos locais do mundo começaram a, aqui, buscar oportunidade, e
campos de caça por sangue fresco... com minha autorização - e sua fala foi
interrompida por estampidos e barulhos ocos do lado de fora do galpão.
Seus sentidos entorpecidos e dominados pouco conseguiam reconhecer o
lugar onde você estava, e muito menos os arredores. Você estava no
Brasil? Na Síria, ou no Líbano? Por algum motivo, os países Síria e Líbano
lhe tomaram a mente, mas por qual motivo? Tão subitamente? Algo que?

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- Você encontrará nossa causa, irmão, disse João Dias. Nós somos a
anarquia. E o restante de sua experiência foi um forte e súbito apagão.
Ao retornar à sua rua imunda, próxima a seu refúgio secreto, e enfiar a
mão no bolso em busca do celular, você o desbloqueia e vê a última ligação
recebida. O número: apenas 7. E você se dá conta de que, onde quer que
tenha ocorrido, pelo menos seu breve encontro com o lendário Brujah teve
algo de real. O impacto, a fúria, o idealismo... era tudo brilhante!
Mas a fome te doía no fundo da alma... e o raciocínio para conseguir
sangue fresco começava a te custar cada vez mais da sanidade... para onde
ir, como fazer, quem eram aqueles mesmo, a altura da noite, as horas, o sol,
mendigos, prostitutas, uma sirene, uma buzina e agora muita fome...
fome... fome... e São Paulo estuprando seus tímpanos!

Segunda Parte – Ocupados Morrendo – 1890-1990

“He not busy being born is busy dying”. Bob Dylan, It’s Alright, Ma (I’m Only
Bleeding)
Você precisava se esforçar mais se quisesse viver essa nova oportunidade
direito. Ainda pouco recuperado do sequestro de noites anteriores, você sai
em horário noturno oportuno para observar os demais frequentadores e
habitués da escuridão e de tudo que ela pode esconder, ou aflorar. Com a

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melhor combinação de roupas que você conseguiu encontrar em seu
guarda-roupas, e até se sentindo razoavelmente elegante e apresentável,
você deixa seu abrigo em direção à Oscar Freire, em um bistrô moderno e
arejado no coração dos Jardins.
A caminhada sob a lua cheia, por ruas menos seguras, em direção à Oscar
Freire, não te assusta mais. Na verdade, uma abordagem mais rústica te
faria até bem, poupando a necessidade de caçar em ambientes mais
movimentados, e fazendo sua visita ao Jardins se transformar em mera
diversão para espantar o ócio. Mas os olhares dos suspeitos e seus
caminhos se desviam de você essa noite. Parecem te respeitar ou temer.
Seria autoconfiança, relacionada a seu encontro com 7? Seriam eles?
Você chega ao bistrô e solicita sua taça de vinho, mesmo tendo enjoo até
mesmo do cheiro da bebida em suas narinas, como se estivesse de ressaca.
Como um alcoólatra saciado, beberia aquele cinzeiro para fingir, até que
uma aura interessante chamasse sua atenção. Uma oportunidade, uma
surpresa.
A nova vida te lembrava de sua juventude, quando, em busca por sexo
casual com estranhos, às vezes apenas a busca te tirava do tédio, mesmo
que a noite terminasse em algum bordel decrépito ou after party regado a
depravados e seus vícios. Mas não essa noite. Não mais, no Mundo das
Trevas.
Do lado de fora do bistrô, um Cadillac SUV, daqueles muito vistos nas
posses presidenciais americanas, mas raramente vistos no Brasil, estaciona
em frente ao local. Pela janela de vidro escurecida do restaurante, sua
visão melhorada consegue enxergar o desembarque da passageira.
O motorista abre a porta, e uma mulher alta e loira, de cabelos curtos e
encaracolados, de vestido de seda de algum designer de alto padrão e
saltos agulha, desce de dentro do tanque de guerra. Ao entrar no bistrô,
seu colar e brincos de diamante faíscam o ambiente, se misturando aos
lustres. Sua pele, de tão pálida, é quase invisível. O tom fantasmagórico
aparenta quase alguma doença, bem disfarçada pela maquiagem pesada e
pelas roupas de alto luxo. Aparentemente, você é o único presente
hipnotizado por tão pitoresca aparição.
De forma quase cômica, de tão inesperada, a esguia e alta mulher, de
aparentemente 35 ou 40 anos, se senta em sua mesa, bebe o resto de sua

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taça de vinho, repousa seus olhos azuis avermelhados e profundos sob
você, te intimidando com um sorriso frio, e sussurra:
- Ciao. Chiara Della Passaglia.

Você diz seu nome, ainda com aquele sussurro italiano reverberando
dentro de seus ouvidos e pulmões, como uma canção mórbida e bela. Os
olhos avermelhados ainda sobre você.
- Se eu pudesse te dar uma dica, eu te diria que, se você cruzar dois
quarteirões, perderá a oportunidade de caçar como deve ser feito. Você
quer ver a cidade de plástico ou a de verdade? São Paulo é a mesma há
mais de 100 anos. Sabendo até onde ir e com quem falar, é a noite mais
segura do Brasil. Bene... e negociando também.
- Eu sei que você não está interessado em mais vinho. Aceita amostras
grátis do que você quer? Aqui não podemos falar tão livremente, pois é
nossa fronteira.
Instigado pela curiosidade, ou talvez sentido pouca força de vontade para
recusar ou discordar daquela presença ilustre e forte, você a segue para
fora do bistrô, deixando uma nota de 100 reais pela taça de vinho, sem
pedir troco (e querendo inconscientemente impressionar).
Chiara veste seu cardigan, longo sobre seu corpo esguio, e aperta algumas
teclas de seu celular, do lado de fora do bistrô. Enquanto você observa a
rua e os seus transeuntes elegantes, já um pouco mais ébrios do que
quando você chegara, o Cadillac estaciona com o pisca alerta ligado, e o
motorista uniformizado desce novamente para abrir as portas para você e
Chiara.
As portas se fecham, como uma tumba, deixando o barulho e as luzes da
Oscar Freire silenciosos como uma memória antiga, na mente de um idoso
prestes a falecer. Nenhum barulho de rádio, nenhum barulho de motor.
Luzes opacas e frio.
- Consolação, disse Chiara, fazendo o motorista pegar o próximo retorno,
calma e mecanicamente, e deslizar como um cisne pelo caótico trânsito da
Avenida Rebouças.
Alguns quarteirões do outro lado dos muros do cemitério, o motorista do
SUV abre suas portas para que desçam, e leva o transporte de volta à velha
rua, em direção ao centro histórico.
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Após mais alguns minutos de caminhada, e percebendo sua agonia crescer
um pouco, Chiara te oferece um pouco de sangue em um frasco de vidro,
de dentro de sua bolsa, para que seus nervos se acalmem um pouco.
Diante de um prédio antigo, com aparência de repartição pública dos anos
50, Chiara retira uma chave de ferro de sua bolsa, e a encaixa no portão de
arquitetura gótica, que se abre eletronicamente.
- Presto. A maestrina te espera. Te apresentarei.

Ao terminar sua fala, as mãos delicadas, mas firmes em seus ombros te


impelem para dentro da escura construção, como um caixão de concreto, e
você sabe que sair dali não seria mais uma opção. Com pouca força nas
pernas, você se movimenta pelo hall do edifício, como que se empurrado
por uma correnteza em alto mar.
Um ascensorista de terno elegante aperta o botão do elevador para vocês:
13º andar.
Ao chegar no 13º do estranho edifício, e passar pelas portas do elevador,
você se depara com um ambiente luxuoso, com carpetes vermelhos,
cortinas longas e cinzentas, de um tecido pesado, móveis antigos de
madeiras nobres... sofás de couro, estátuas de mármore, todos dispostos
como se para visitantes que há anos ali não mais habitassem.
O andar era uma longa e larga laje, como se uma mistura entre um
escritório, uma sala de reunião do século XVII, ou um museu. A atmosfera
era carregada, aparentando mofo, poeira, aranhas e perigo, embora o
ambiente estivesse relativamente limpo e bem preservado.
Seria a escuridão? A morbidez dos quadros e suas cenas do romantismo,
cenas de guerra, cores de Goya? As esculturas tão bem detalhadas que
aparentavam ser de corpos cujas peles foram retiradas deles vivos, e assim
permanecem em dor e agonia eternas?
Enquanto você olhou para trás e não encontrou mais Chiara, ou qualquer
outro sinal de vida, você começou a imaginar a qual vampiro idoso, ancião
ou Matusalém, aquele luxuoso refúgio pertencia. Será se um desses fatais
inimigos de outros tempos estaria te espreitando, para diablerizar seu
jovem sangue?
- Eu vi que você sabe apreciar as melhores peças de arte dessa minha parte
da coleção, te disse a voz de uma menina, aparentemente distante na
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imensa laje. Mas quando você se virou para o lado oposto, ali estava ela, na
altura de seu peito.
O que seus olhos viam desafiavam seus conceitos mais enraizados e
profundos acerca do mundo das trevas. A fúria velada, a força mística e o
poder que emanavam dos olhos de abismo daquela menina que aparentava
ter apenas entre 16 e 18 anos, quase te deixavam mudo. O ar te faltava,
como se uma mão te esmagasse o pulmão e a garganta ao mesmo tempo.
Aparentemente, jamais você estivera diante de uma vampira tão poderosa
na arte da dominação.
- Emilia Della Passaglia, família Giovanni, ela te disse, estendo sua
pequena mão com luvas brancas, e se fazendo um pouco mais acessível,
com um aceno de mãos que lembrava os cumprimentos das damas de
filmes de época.
Seus cabelos eram de um castanho escuro vivo, bem cortados, na altura
dos ombros. As roupas, de uma boneca de rainha de Versailles, carmesim o
vestido, com luvas, braceletes e colar de pérolas, no mesmo tom das
sapatilhas e meias. Como se preso a uma coleira invisível, você a seguiu e
sentou-se em um largo sofá de couro animal, cuja origem, desconheceu.
Ela sentou-se em uma poltrona de cetim, em sua frente, em posição mais
alta.
Os momentos em que você a aguardava falar eram eternidades presas no
relógio da parede, que penosa e arduamente movia seus ponteiros de ouro
e marfim.
- Aqui, conosco, terás luxo, riqueza, sangue fresco, sempre que desejares
ou puderes pagar. São Paulo nunca foi o domínio da Camarilla, ou do
Barão, desde que aqui nossa família chegou. Não a cidade real, por onde
tudo passa, e de onde tudo veio. Os que aqui querem alcançar suas glórias
particulares sabem disso. Eles vão até os Hecata. E nós os levamos até os
portões da morte e do abismo, se assim desejarem. Até mesmo a morte,
cainita, se reclina diante da família.
A palidez de sua pele era ainda mais fantasmagórica que a de Chiara, mas
seus lábios eram de um rubor profundo e intenso, como de sangue nunca
antes derramado.
- Aqui estamos desde a década de 1890. E apesar do inferno e da dor
tenderem a seguir nosso sangue por onde vamos no mundo, temos

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conseguido prostrar a cidade ao nosso favor. E quem ousa nos desafiar?
Sabemos que a paz traz mais lucros que a guerra, mas que a guerra
também traz muitos lucros.
- Vimos a independência do Brasil fazer com que o Sabá urrasse de dor, e
irrompesse contra nossos portões com fervor satânico. Vimos também a
tentativa da Nova Cartago de João Dias fracassar, em 32, e seu exílio, que
resultou na devolução da cidade para as mãos do Sabá de Raposo Correia.
Noites tenebrosas, de muito sangue e pouca lei.
- Sob o Sabá, nosso cemitério da Consolação muito cresceu, bem como
nosso Elysium e todos os servos da não vida que conseguem se locomover
sob o sol. Em nosso domínio, todos poderiam fazer favores e transitar. O
centro sempre foi a zona neutra de São Paulo, e sempre foi respeitado. Não
seguimos a máscara além do mínimo, mas também não temos a ousadia de
neófitos Lasombra ou Tzimisce para nos expor à ira dos humanos...
sabemos que aqui não é a Rússia medieval.
- Com o advento das ferrovias, imprensa, guerras mundiais e tráfego de
humanos, aprendemos a estreitar laços no mundo todo, especialmente no
extremo oriente, e podemos te dar passe livre entre os do Leste até hoje,
na Liberdade, se quiseres...
- Mas eis que, 100 anos após nosso convívio lucrativo com o Sabá, vem da
Camarilla o impensável, o imprevisto, a destruição completa de
primogênitos e suas proles quase que inteiras, no Sabá. Uma guerra
intensa e avassaladora, no início de 1990, que tanto o mundo das trevas
quanto os humanos de São Paulo por muito não se esquecerão.
- Para mim, Giorgio e Chiara, assim como para os anarquistas e João Dias,
os termos de troca estão mais caros. Desde o domínio da Camarilla em
certas áreas da cidade, as leis são mais rígidas. Os neófitos gostam mais do
lado que aparentemente ganhou. Paralelamente, nosso clã foi espalhado
pelo velho mundo..., mas eles vêm até nós. Peregrinam até a maestrina,
como sempre fizeram, há mais de 100 anos. Nunca deixaram de fazer.
- Você, cainita, virá até mim. Lembre-se que nós temos o que você precisa.
Nós podemos vender ou comprar. A Camarilla é a polícia, o juiz. Nós
somos o mercado. Ninguém faz compras na delegacia.
- Visite o centro e aprenda sobre nossa história. Fale com algum Nosferatu
sobre nós e eles te ilustrarão ainda mais. Fale conosco se quiser ir ao

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cemitério. Poderemos te mostrar um mundo além das trevas, as trevas das
trevas, além do véu. Não se esqueça...
Enquanto Emilia terminava sua fala, com os mórbidos lábios entreabertos,
uma tímida e moribunda luz se acendia no fim do corredor de onde você
viera... e impelido, você vai em direção à luz, após curvar-se e se despedir.
Em pouco tempo, você estava novamente nas ruas... e uma vítima, quase
que de presente, te espera, com sangue fresco pulsando, em um beco
escuro e abandonado, de onde, provavelmente, ela nunca mais sairá.

Terceira Parte – Negócios, como sempre – 1990-


2019

“But how can we let them go on this way?


The reign of terror corruption must end
And we know, deep down, there’s no other way
No trust, no reasoning, no more to say”. Iron Maiden, Afraid to Shoot Strangers

Mais uma vez, você se vê diante de um ambiente desconhecido, com


pessoas desconhecidas, e sendo tratado como material radioativo, lixo
hospitalar ou algo do tipo. O edifício onde você se encontra,
aparentemente saindo de um transe, é um luxuoso complexo corporativo.
É alta noite, pelo trânsito reduzido do lado de fora. As únicas pessoas a
circular pelo hall de mármore do prédio, e embaixo de seu luxuoso lustre

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(com luzes de led) são seguranças de físico robusto, e aparentemente
armados. A seu lado, dois desses pouco amistosos senhores de terno te
convidam a entrar no elevador panorâmico, sem dizer palavra.
No elevador, uma pequena mulher de cabelos loiros e jaqueta branca,
aparentando ser a chefe de todo o aparato que te circula, segura o elevador,
com um notebook em mãos, para o qual desvia o olhar algumas vezes nos
poucos segundos em que você anda pelo hall até o elevador.
A aparência do prédio é de alto padrão, mas genérica, e entrega o provável
endereço da região. Não deve estar muito distante do Itaim Bibi, Vila
Olímpia, e essas adjacências. A única coisa em que você consegue pensar é
o endereço onde está, por enquanto. A fuga é improvável, para um neófito
de pouco mais de um mês de idade. São esses os vampiros? O Sabá? A
Camarilla? A Gehenna? A inquisição?
Absorto por seus pensamentos de morte, tortura e pânico, você não
percebe que a pequena mulher a seu lado sorri.
- Claro que somos a Camarilla, ela te responde, com um sorriso de um leve
sarcasmo. Eu já fui como você... ou não! Mas é sorte sua, sorte sua, talvez,
falar com ela. Hashtag Good Vibes amigo! Boa sorte... e isso aqui...
E ela se volta a seu notebook de forma tão rápida e repentina quanto o
estranho diálogo que acabou de ter com você.
33. É o andar onde o elevador se abre. Sua curiosa guia sai andando pelo
andar olhando câmeras e a tela de seu computador, como se estivesse
buscando algum tipo de confirmação de identidade. Deve ser um sistema
de segurança, você pensa.
E repentinamente, as portas decoradas em estilo rococó do escritório se
abrem para você, enquanto a mulher abandona suas tarefas e te dá dois
tapinhas nas costas e uma piscadela, de certo sarcasmo, como se desejasse
de fato boa sorte, ignorando todo o contexto em que você está literalmente
como refém.
O que te resta de coração no peito reflete em seu corpo com extremo
nervosismo, aceleração e tensão. O teto parece querer se fechar sobre sua
cabeça, mas você controla sua ansiedade e adentra as portas de madeira
nobre.

São Paulo By Night – Página 18


Já tinha passado por isso antes, não é mesmo? Agora podia ser a grande
hora... o momento da virada... e você ouve uma suave voz feminina, no
fundo do longo salão, como um trovão gentil ressoando em seu corpo.
Impossível não reparar na beleza do salão onde agora você adentrava,
temeroso. Paredes de um tom pastel, mesas iluminadas com velas brancas,
espaços decorados com grandes vasos de porcelana, antigos e imponentes,
como se fitassem a cena há mais de mil anos; frutas diversas e grandes
cálices com líquido rubro se apresentavam na grande mesa central, como
um convite para um mundo de sombras sem retorno.
O único detalhe moderno do salão eram duas câmeras ao fundo, discretas,
mas perceptíveis. Observando mais ao fundo, você consegue perceber que
o ambiente tem, em seu fim, um terraço aberto, por onde o vento assopra
as cortinas detrás da mulher misteriosa que te observa, com um dos cálices
em mãos. Forçando um pouco mais sua visão, também é perceptível a
figura de mais quatro brutamontes armados vasculhando o terraço, em
ritmo aparentemente lento, mas incessante e implacavelmente coordenado.
Do fundo da sala, se ergue a mulher cuja voz primeiramente estremeceu
seu corpo inteiro. De estatura mediana, ela se levanta de sua adornada
cadeira estofada com cetim vermelho, em um vestido branco simples, mas
bastante gracioso e leve, que dança com o vento uma sinfonia de sedução
macabra e intimidação.
Seus cabelos ruivos e encaracolados brilham nas luzes soturnas como uma
coroa enobrecendo seu corpo, que sobrenaturalmente avança em sua
direção, como se não tocasse o chão, tamanha suavidade dos passos. Ao se
aproximar de você, novamente a sensação de congelamento do peito o
atinge, aliada a um frio pouco comum do clima tropical brasileiro, e a uma
forçada imobilidade.
Seus olhos te observam como se penetrassem sua mente e sua alma. Olhos
cinzentos de tempestade, que às vezes apresentavam lampejos rubros,
como trovões. Ao olhá-la de volta, em um súbito ataque de coragem, você
soube seu nome: Inés, a príncipe da cidade, sob a Camarilla.
- Muito bem, ela finalmente falou, isso poupa introduções. Você tem algum
poder mental, interessante. E por que você aparece diante de mim, deve
estar se perguntando. Beba primeiro. Vejo que está lentamente se

São Paulo By Night – Página 19


esgotando, sua energia... temos abundância para convidados, ela diz, e te
entrega um dos cálices da mesa.
Você oscila, ainda dominado por algum medo, mas absolutamente
intimidado a beber, quase sem outra escolha, diante dos aparentemente
calmos olhos de Inés. Seus atos, nesse momento, eram involuntários.
- Excelente, ela lhe dizia, enquanto bebia. Agora vamos ter certeza de que
nossa conversa ficará devidamente registrada em seu pensamento, e que
você não se esquecerá de nada devido ao cansaço de nossas noites
habituais. Bem-vindo à torre de marfim paulistana.
- O mortal que você drenou completamente há três noites atrás, embora eu
saiba que disso você não tinha conhecimento, era um grande estorvo para
nós. Não acredito em sorte, ou coincidências. Seu ato abriu portas para que
possamos nos engajar em um diálogo franco, e, possivelmente, realizarmos
negócios juntos. A essa altura de sua nova existência, você já tem
conhecimento da importância de ter amigos com um pouco mais de
influência, não é mesmo?
- Pois bem. Contarei um pouco sobre nossa organização, nossos objetivos
e ideais, o que acredito que irá engaja-lo em nossas causas mais do que
justas.
- Quando cheguei na cidade pela primeira vez, o retrato da vida noturna
local era relativamente desolador. Apesar de ser quase a década de 50, a
cidade já tinha jornais, fotografias, seus boatos, jornalistas e mortais
amedrontados espalhando notícias sobre os sugadores de sangue, os
amaldiçoados por Deus, e toda sorte de sussurros sobre nós. A cidade,
como você já sabe, era um forte domínio do Sabá, com os Giovanni
simplesmente deixados em paz, e, embora Emilia possa negar,
relativamente adaptados às filosofias de Raposo Correia.
- A Camarilla estava extremamente focada na manutenção de seus
territórios nos grandes centros desenvolvidos do mundo, pelos quais
lutávamos, com relativo sucesso, desde os tempos da convenção dos
espinhos. Mas a segunda guerra mundial nos despertou para a necessidade
de domínio de novos territórios, novos campos de caça, e para a
possibilidade de decadência dos grandes centros de poder e
desenvolvimento de então.

São Paulo By Night – Página 20


- A América do Sul era uma possibilidade interessante, e demonstrava
potencial para alguma ascensão.
- Por um período razoável, observei o desenvolvimento de nossa
metrópole baseada em Santiago, pois habitar aqui sob desalinhamento e
perseguição dos selvagens do Sabá era tarefa árdua, e quase impossível.
Mas enquanto a cidade crescia, nossa célula de ordem e segurança
começou a obter alguns domínios então periféricos na cidade, até que, nos
anos 80, não sem destruição e batalhas sangrentas, bem como alianças
pouco usuais, como João Dias e Emilia, que você já conheceu, nós nos
estabelecemos como uma força não desprezível na nascente metrópole.
- Aqueles monstros irracionais, ah, como se enfureceram... Usando de ritos
bizarros para enaltecer a besta, em seus chamados caminhos, Raposo
Correia e seus lacaios, perdidos na escuridão que suas próprias sombras
lançavam, liberaram uma gigantesca ofensiva contra todos que não
estavam de seu lado, incluindo o rebanho de mortais, que nada imaginava.
- Quando, no início dos anos 90, em um desses acessos de loucura, Robert
foi pego em uma covarde emboscada na Catedral da Sé, bem...
Subitamente, a energia de Inés parece se esvair de seu corpo, como se fosse
uma máquina, e sua bateria estivesse acabando. Os simples pensamentos
de violência, destruição e vingança aparentavam querer consumi-la,
avermelhando seus olhos e enrubescendo sua clara pele... seu pensamento
era fugir, mas para onde? As pernas sequer respondiam, enquanto as mãos
da príncipe tremiam discretamente, como se ela apresentasse sinais de
abstinência de alguma substância.
Retomando sua consciência, ela bebe um longo gole de sangue em seu
cálice, e sorri com as presas à mostra, como um lobo que acabou de abater
sua caça após longo inverno de fome e dor. E continua sua narrativa, como
se nada tivesse se passado.
- Não tivemos outra escolha, se não contra-atacar. O famoso massacre do
Carandiru, como você se lembra, tendo nascido no Brasil. O que sucede é
que o Sabá não mais se infiltrava apenas nos altos círculos do poder, como
a igreja e os militares, mas sim entre aquilo que acreditavam ser a nova
ordem de poder ocultos, o tráfico de drogas e as gangues de criminosos.
- Para derrotar inimigos que se utilizam de práticas pouco convencionais, e
nenhuma regra ética, tivemos que trazer a guerra a seus termos, o que foi

São Paulo By Night – Página 21


pouco compreendido pela Europa e EUA, na época. Devo admitir que os
anarquistas e os Della Passaglia foram, então, aliados importantes para a
quebra de paradigma e destruição quase que absoluta do Sabá. No meio
dos anos 90, já éramos vitoriosos.
- Começaria a limpeza de São Paulo da barbárie de outrora. E para manter
a paz e a segurança, em benefício de todos, tive que voltar a implantar as
duras regras de nossa ordem, com suas severas punições, o que, como você
sabe, tem sido alvo de reclamações de nossos antigos aliados. Por onde
anda João Dias, aliás...?
- Enfim. Nós vencemos a guerra. Entendemos que essa cidade, o que ela é
hoje, não teria sido desenvolvida sem nosso rigor e nosso livro de regras e
convivência. Claro que somos seres superiores. O Sabá e seus asseclas não
são gênios ao constatar tal fato. Sua estupidez reside no fato de que eles
não se atentam ao fato de que dependemos do rebanho para viver. Sem o
rebanho, seremos extintos. Nós precisamos deles, e eles não sabem, mas
sempre precisaram de nós.
- Somos simbióticos com a humanidade, em uma relação intrínseca a nós
mesmos, como vampiros, e como ecossistema. Sem humanidade, interna e
externa, o sol lavará nossa existência do mundo.
- Sei que você concorda com o que falei. Você é coerente, neófito. Temos
mais a fazer, e braços a mais são bem-vindos e recompensados.
- Mantenha a máscara. Se apegue aos seus poderes, mas também à sua
humanidade. Respeite os domínios. Cace com responsabilidade. Não faça
justiça sozinho. Traga seus pleitos a nós. Na Camarilla e no Elysium, você
tem voz. Vá em paz, criança... essa noite nós te agradecemos, e estaremos
atentos aos seus passos. Espero que volte em nossa direção.
Ao terminar suas palavras, seus olhos começaram a ficar pesados, e
incomodados com toda a iluminação da sala, que parecia crescer e brilhar
cada vez mais. As vestes brancas de Inés refletiam-se em seus olhos como
se ela fosse um anjo expulso dos céus, o que lhe causou alguma vontade de
correr, mas seus movimentos foram se apagando, o torpor invadindo o
corpo, enquanto o semblante e as presas da príncipe te olhavam com um
foco novamente perdido, provavelmente, em sua alma e pensamentos.
Após alguns instantes, ou talvez horas, o céu noturno e as estrelas
brilhavam. A luz branca da sala se transformara no firmamento, visto do

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quarto de seu covil e refúgio. Haviam te drogado ou dominado sua mente?
Difícil dizer, mas, com certeza, uma desproporcional demonstração de
poder da torre de marfim, para uma presa já rendida e que não mostrara
qualquer sinal de luta.
Uma ordem tão forte e antiga, que conhece meu domínio e mais de mim
mesmo do que meu próprio ser. Desprezar o convite da Camarilla seria um
caminho sem volta, mas... aceita-lo, também não seria? Você fecha e tranca
as janelas de seu apartamento, enquanto o sol ensaia sua fuga da cova de
nuvens cinzentas e poluição, ainda impressionado e amedrontado pelas
teias que tantos predadores já preparam, ao seu redor...

Quarta Parte – Epílogo – O avesso do avesso

“E foste um difícil começo


Afasta o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso”. Caetano Veloso, Sampa

O vento e a forte chuva de verão causavam o caos na cidade, no início da


noite. As gotas que te ensopavam, da laje de concreto de onde vocês
estavam, na verdade aqueciam seu corpo cadavérico e gelado. Era um
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sopro, um lampejo da antiga mortalidade, que agora parecia já tão
distante. Buzinas, fúria, caos, pressa. Você assistia às luzes e cores
alaranjadas e rubras da cidade como quem vê um filme de comédia antigo e
muito bom, mas pela oitava vez. Não é mais sua vida, seu problema, seu
cotidiano. É uma ficção da qual você, seus poderes e escolhas estão acima.
Lucas também observava a avenida, com um sorriso de desprezo. A
navalha, as mãos e o paletó branco, ainda sujo de sangue da última vítima
da qual, juntos, vocês se alimentaram até a última gota.
Seus cabelos, lisos e negros, se ensopavam com a chuva tórrida que caía,
mas ele não se importava.
Ao contemplar o horizonte da cidade, e seu vasto infinito, aparentemente
ambos pensavam que as eternas noites lhes pertenciam. Vocês poderiam
pegar qualquer coisa, de qualquer um. Acumular riquezas, torturas e
prazeres pelos próximos quatro séculos ou mais. Descobrir os segredos de
porque esse domínio ainda não é alvo de maiores disputas e conflitos.
Ao refletir sobre o domínio, muitas perguntas te surgem, como as gotas da
chuva que escorrem por seu rosto:
- Por que uma briga tão secular entre anarquistas, Camarilla e Sabá, em
local tão distante? Quais relíquias e seres das trevas habitam o território
de São Paulo, além dos cainitas?
- Será mesmo se Emilia e Dom João Dias são os primogênitos da cidade?
O que esconde o monumento aos bandeirantes? Um ancião Gangrel em
torpor, que poderia contestar toda a história conhecida da capital, ou
fantasmas sob os grilhões de poderosos necromantes, com muita sabedoria
oculta?
- São Paulo esconde uma gárgula, matusaléns, e cultos do oriente e
ocidente que nos ensinam a resistir ao fogo, e às estacas no coração? Os
caminhos do Sabá deixaram tomos secretos embaixo da Catedral da Sé?
Se sua não vida obtivesse a resposta para alguns desses questionamentos,
seu poder cresceria, e sua estrada para a imortalidade teria glórias maiores
que a dose diária para saciar a fome... se você se aliaria a um Tzimisce ou a
um puritano Ventrue, quem diria? Faria os dois se aliarem em prol de sua
maior causa e busca? Se é que existem mesmo Tzimisce na capital... quem
confia nas lendas dos Caitiff do Baixo Augusta e seus sangues fracos?
Escórias!

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Ao visualizar os cruzamentos das avenidas e os nomes que agora você já
tão bem conhece, você se lembra que São Paulo te leva ao Oriente Médio,
Japão, China, Itália, Portugal e EUA. Ucrânia, Rússia, Índia ou Paquistão?
Só alguns quarteirões depois. Enquanto a América Latina te espreita ao
lado.
Se enquanto antes os milhares de assassinatos e crimes da cidade te
preocupavam, agora eles são seu disfarce perfeito. Se a corrupção brasileira
te enojava, agora ela te veste sob medida para sobreviver na eterna noite.
Somente a política e os conchavos é que continuam te revoltando... só por
enquanto, quem sabe?
Os caminhos da purificação e da besta se abrem diante de seu horizonte
chuvoso... tudo pode ser seu, a seu devido preço. Você aprenderá com os
mestres antigos, ou abrirá sua própria estrada das bandeiras, banhada em
sangue, furor e neblina?
- Eu acho que merecemos mais um golinho, essa noite! Te desperta Lucas,
de suas profundas reflexões... e com o peito aberto, você o segue, entre a
calma garoa e zumbido da cidade, em busca do próximo objetivo, pela
bruxuleante luz dos faróis de trânsito e edifícios de concreto e aço...

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Geografia

“Quem se torna senhor de uma cidade habituada a viver em liberdade e não a


destrói, espera para ser destruído por ela. ”
Niccolò Machiavelli

Nesta seção, são apresentadas linhas gerais sobre as macrorregiões da


cidade de São Paulo no Mundo das Trevas, sendo demonstrado, no Anexo
1 a este Livro, o mapa da cidade contendo os bairros e domínios por secto
– Anarquistas, Camarilla e Independentes.

Primeira Parte – Centro


Desde meados do século XIX, os Della Passaglia se estabeleceram no
início de onde é a moderna Avenida Paulista, na região da Consolação, na
qual se encontra o primeiro cemitério da cidade, e um dos mais
arquitetonicamente interessantes. Criptas seculares são parte integrante
da paisagem vasta, macabra e decrépita, mas relativamente discreta, da
região.
Do início ao fim da Rua da Consolação, os Della Passaglia têm amplo
acesso a toda a região central de São Paulo, fonte de muitos conflitos na
época de seu maior desenvolvimento urbano. A decrepitude dos conflitos

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do início do século XX e a mudança do centro de desenvolvimento
urbanístico para as Zonas Sul e Oeste, onde se encontram os metros
quadrados mais caros da cidade atualmente, forneceram amplo espaço para
os Hecata realizarem cada vez mais aquisições baratas e de amplo espaço
para seus refúgios e locais de experimentos com necromancia.
Um dos lugares de interesse da região é o primeiro Elysium da cidade,
mantido por Chiara, braço direito de Emilia, na Sala São Paulo, onde a
orquestra estadual mantém seus concertos, no berço da Cracolândia, onde
viciados e mortos vivos, servos dos Giovanni criados diretamente de
cadáveres da Consolação, desde antigos tempos – e que hoje em dia que
morrem na própria região central em brigas, assaltos e overdoses –
demonstram o poder do clã na cidade.
Verdadeiros zumbis assolam a região, à luz do dia, agindo sob controle dos
sonhos, e, na maioria das vezes, pesadelos de Emilia Della Passaglia,
trucidando transeuntes inocentes ou bêbados e drogados demais para
perceberem onde estão. Os poucos estabelecimentos comerciais da região
já se acostumaram à rotina sangrenta.
As autoridades mortais abandonaram totalmente a região à sua própria
sorte, e não importa a ideologia política a que pertençam, sempre são
comprados pelas chantagens e dinheiro dos Giovanni.
A maioria dos que morrem na região central, especialmente por crimes
violentos, engrossam o exército pútrido dos Hecata, suas reservas de
sangue e rituais ocultos.
Em plena era da mobilidade e redes sociais, existem raras imagens da
região, especialmente à noite, pois poucos mortais ou vampiros ousam
levantar um celular, tablet ou câmera na região, sem serem assaltados,
trucidados e degolados por hordas de mortos vivos, em plena vista de civis
e policiais que nada farão.
Uma adolescente costuma ser avistada caminhando nessa região, com seus
bichinhos de pelúcia, no meio dos mais cruéis e decrépitos assassinos. Suas
roupas caríssimas sob medida, mesmo que da cor mais alva que a neve,
nunca acumulam poeira ou sangue. As hordas se deitam ao chão sob os pés
de Emilia, que lhes fornece o tão precioso sangue, crack, cocaína, e todos
os vícios já sonhados entre os mortais e os cadáveres ambulantes.

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Negócios antigos, pagamentos, alianças e proteções são fechadas e
mantidas durante as noites do centro de São Paulo, especialmente no
Elysium da região.
Na Consolação, em criptas antigas, tesouros e tomos secretos são lidos,
rituais feitos, o véu entre nosso mundo e o dos fantasmas e aparições é
rompido. Uma gárgula, segundo as lendas, habita o cemitério como
protetor. Se ele é mantido por uma aliança dos Tremere com os Della
Passaglia? Ha especulações.
O jogador que se aventurar pelo centro velho poderá até mesmo se
encontrar com o fantasma de Álvares de Azevedo, no Viaduto do Chá, e
outras visões verdadeiramente tenebrosas, perturbadoras e sinistras,
especialmente se vagar pela região sem o conhecimento (e consentimento)
dos Hecata.
No entanto, o centro é uma das poucas regiões do mundo onde Nosferatus
andam livremente, em plena vista de quaisquer civis, por mais
horripilantes que sejam, sem quebrar a máscara, devido à tamanha
abominação, medo e podridão que naturalmente percorrem a região na
parte da noite, onde somente os mais destemidos mortais ou os mais
insanos e perturbados perambulam, durante a alta madrugada.
Os Nosferatu, embora hediondos, podem ser de grande auxílio para os
jogadores na região, especialmente os Anarquistas e os da Camarilla. Mas
por um preço ou serviço a cumprir, naturalmente. Por outro lado, muitos
Caitiff e Sangue Fracos podem ser encontrados nas regiões da Rua
Augusta e Oscar Freire, por onde costumam tentar bajular vampiros de
maior força e prestígio. As regiões devem ser evitadas por quem não está
procurando causar uma cena ou ser visto pelas sociedades mortal ou
vampírica. As ruas são zonas cinzentas em termos de domínio dos sectos
da cidade, e muitas vezes definidas como fronteiras informais.
Na região da Catedral da Sé, que já foi o centro de poder dos Lasombra e
seu arcebispo Raposo Correia, zumbis imundos e pútridos, bem como
prostitutas cadavéricas, viciadas em uma mistura rala de vitae e crack,
injetada ou cheirada, zombam das antigas tradições religiosas e místicas,
destroçando tudo ao redor da catedral e seus habitantes, mas
misteriosamente mantendo as fundações da igreja intactas. Os Hecata têm
tentado compreender o poder místico, macabro e caótico desta edificação.
Seria o poder puro do abismo que ali exerce sua influência?

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Segunda Parte – Higienópolis
Sob a permissividade da Camarilla e a proteção dos Hecata, o discreto e
familiar bairro de Higienópolis e suas adjacências tem se tornado um
sigiloso centro de poder e influência dos Lasombra, representados
principalmente por Antoine Lévi.
As aparências não demonstram nenhum perigo, e presas aparentemente
fáceis e inocentes circulam pela rua, sem qualquer proteção. Muitos
mortais que circulam pelas ruas do bairro são endinheirados e bem-
nascidos, e poderão não ser uma ameaça muito grande se confrontados
sozinhos. No entanto, os mortais poderão facilmente minar o poder de
qualquer neófito através de sua maior força: conexões, equipes de
segurança privada e uma rede extremamente unida de vizinhos e vigilância
de alta tecnologia.
Antoine Lévi, através de mortais e imortais, auxilia a manter uma rede de
proteção bem informada e informatizada sobre a região, evitando
distúrbios que possam interferir em seus estudos acadêmicos e
experimentos profanos.
A maldição dos vampiros parece fazer mais bem do que mal sobre o bairro,
e qualquer interferência externa sem controle ou anuência dos Hecata e
dos Lasombra da região pode sofrer retaliações terríveis e caçadas brutais.
A máscara deve ser respeitada na região sob quaisquer circunstâncias, e,
curiosamente, os Hecata são seus maiores protetores.
Há diversos pontos de interesse na região, como escolas abandonadas,
sinagogas negras, bibliotecas e prédios antigos com presas disponíveis
para exploração de sangue. A região também dispõe de áreas cinzentas
entre a Avenida Paulista, mais distantes da Consolação, e partes do centro
velho, não tão dominadas por mortos vivos, onde é possível saciar a sede
de sangue, com discrição.
Os jogadores poderão sentir uma presença intensa de tentáculos das
sombras, vozes e aparições sombrias tentando domina-los ou influencia-
los, especialmente se tiverem a parte psicológica pouco sob controle. Sob a
aparente calma da região, paranoias podem surgir, e, dependendo de seus
efeitos, serem violentamente reprimidas por mortais civis, ou até mesmo
membros de esquadrões da Segunda Inquisição, que vigiam a região em
frequência incerta, e sem um alvo definitivo para destruição.

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Terceira Parte – Morumbi e Zona Sul

Atualmente uma das regiões que traz o maior nível de conflitos na região,
os quais muitas vezes se iniciam e finalizam na Zona Sul, os bairros do
Morumbi, Brooklin, Santo Amaro e adjacências podem ser considerados
uma enorme cidade dentro da megalópole de São Paulo.
O acesso tumultuado e caótico através do intenso tráfego de veículos, que
só reduz sua densidade durante a alta madrugada, faz com que muitos
habitantes da região ou frequentadores busquem residir na própria área,
para evitar o cruel deslocamento diário. Dentro dessa dinâmica, a qual

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envolve até mesmo a rotina de celebridades nacionais que habitam a
região, como atores, megaempresários e jornalistas, a desigualdade
brasileira se reflete diretamente na região de Paraisópolis, habitada por
muitos dos que trabalham, ou buscam trabalho nestas regiões mais
abastadas.
Devido à influência estratégica da região de Paraisópolis na Zona Sul, a
qual é entrecortada por acessos importantes de tráfego e pontos de
interesse, a Camarilla tem enviado muitos representantes dos clãs
Toreador e Brujah aliados da torre de marfim para causar desordem entre
os moradores, especialmente através dos conhecidos bailes funk ou,
simplesmente fluxos, verdadeiras festas a céu aberto que fecham ruas e
quarteirões inteiros, e que devido ao caráter perigoso e clandestino, atraem
muitos moradores de São Paulo, curiosos ou em busca de aventuras
exóticas.
O interesse da Camarilla na região se dá, principalmente, além do controle
de centros empresariais na região, e na verticalização intensa dos novos
empreendimentos, pela busca a alguns membros do clã Tzimisce que
habitam em mansões no Morumbi, advindos da Europa Oriental, na fuga
de seus senhores, da Mão Negra, e de outras monstruosidades que se
moveram ainda mais para o leste do mundo, em busca da Gehenna.
Mortos vivos espalham lendas sobre os rituais horrendos de vicissitude
que são praticados na região, em mansões isoladas e aparentemente
abandonadas, que guardam segredos horríveis e abomináveis por séculos.
Aparentemente, muitos policiais da região são ligados a senhores
Tzimisce, e reprimem violentamente qualquer ato suspeito dentro dos
domínios de seus mestres, sendo, muitas vezes, recompensados com
sangue e promessas de imortalidade.
A violência na região e a paranoia são muito elevadas, e delegacias podem
ser fachadas para campos de tortura e experimentos dolorosos com
mortais e imortais desprevenidos.
Muitos dos Toreador que frequentam a região apresentam costumes e
compulsões degeneradas, como ninfomania e admiração por armas,
violência e cenas de caos, pânico e destruição, as quais se aliam à fúria de
alguns Brujah menos contidos em suas discussões e abuso de outras
substâncias abundantes da região.

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É recomendada a cautela nesses domínios, e andar armado, vigilante, e
com algum dinheiro sobrando no bolso nunca fez mal a nenhum cainita,
desde tempos imemoriais.
O estádio de futebol, em dias de jogos ou de shows, pode ser uma fonte
quase inesgotável de sangue para os jogadores. Mas é bom lembrar que
olhos atentos estarão observando, e não apenas da Camarilla. As regras do
jogo podem ser bem mais diferentes (e macabras) para quem as infringir.
No extremo sul da Zona Sul, um fenômeno descoberto pelos Tremere da
Casa Carna tem causado algum nível de inquietação entre os demais
cainitas da cidade: o aparecimento daqueles de Sangue Fraco, que
costumam, por algum motivo, ser encontrados longe de suas regiões de
origem, nas proximidades da Rua Augusta e, por vezes, até na Rua Oscar
Freire. Alguns que tiveram contato com eles informam que sua origem
geralmente é do Grajaú e da região de Parelheiros. Não conhecem seus
senhores, quem os abraçou, como foram abraçados e o que são.
A Camarilla, os Della Passaglia, e até mesmo os anarquistas mais
próximos do núcleo Brujah, estranhamente negam esses boatos e os
desmentem, mas sem muita convicção...

Quarta Parte – Região Sudoeste

Da vasta e rica região que vai, pelas margens do Rio Pinheiros, da Vila
Madalena até Moema, passando por Pinheiros, Jardins, Itaim Bibi, e Vila
Olímpia, o império da torre de marfim estende seu domínio pela cidade de

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São Paulo, bem como inúmeros centros de controle e divisões internas
entre seus principais clãs: os Toreador, os Ventrue e os Malkavianos.
O centro dessa extensão é o bairro do Itaim Bibi, zona limítrofe entre as
Zonas Oeste e Sul da cidade.
Durante as décadas de 40 e 50, quando a cidade se encontrava sob o
domínio do Sabá, a região não apresentava os luxuosos hotéis, arranha
céus corporativos e fluxo de helicópteros e carros blindados que hoje são a
característica do domínio, que abriga o maior centro financeiro da América
Latina, e as mentes por trás de impérios nacionais e internacionais,
alongando seus tentáculos através da oferta de produtos e serviços no
mundo inteiro.
A partir dos anos 70 e 80, quando o Brasil iniciou seus primeiros passos
rumo a uma verdadeira abertura comercial e redemocratização, a região se
desenvolveu de forma assombrosa e veloz, sendo, um dos expoentes de tal
movimento, o senhor Gonçalves Pereira, moçambicano de ascendência
portuguesa, transformado em um hábil e imponente Ventrue, tão sólido
quanto as vigas de aço de seu reino corporativo que domina parcela
significativa dos empreendimentos imobiliários da região mais nobre da
cidade.
Tendo atuado em tal desenvolvimento da cidade através da manipulação
de recursos entre Moçambique, paraísos fiscais do Caribe e Portugal,
desde os anos 50, Gonçalves Pereira fez parte da ofensiva da Camarilla dos
anos 90 para concretizar o domínio da cidade, e atualmente é o senescal de
São Paulo, cuidando da parte dos negócios e segurança da região, da
príncipe Inés e do círculo restrito de vampiros que têm como principal
missão manter a máscara, a ordem e o poder.
A região do Itaim Bibi, e suas adjacências, atraem, frequentemente,
estrangeiros de todas as partes do mundo, ávidos por novos contratos,
fusões, aquisições e negócios que atendam à vasta população brasileira,
paulistana, e da região, cujo índice de desenvolvimento se assemelha ao de
localidades como Chicago e Zurique, demonstrando a gigantesca
desigualdade social entre seus habitantes e o restante do país.
Logo, o local não poderia ser mais interessante e agradável para os
Ventrue e suas incontáveis exigências na escolha de vítimas, sendo que
muitos desses, embora não gostem de admitir, vez ou outra recorrem aos

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Della Passaglia para uma ajuda no atendimento à sua longa lista de
requisitos alimentares.
Em eventos sociais na sociedade dos vampiros, Inés muitas vezes convoca
reuniões e cortes no Museu da Casa Brasileira, região de altíssimo
monitoramento e atenção da Camarilla, onde, normalmente, são
decretados também julgamentos, iniciações na seita e caçadas de sangue.
Todos os vampiros que chegam na cidade e desejam anunciar sua
presença, ali são recebidos, por Inés ou seus encarregados de alta
confiança.
Há boatos entre os imortais mais próximos da Camarilla, que existem
também outras sedes mais informais da organização, entre as luxuosas e
muito vigiadas mansões do Jardim Europa, sinais que podem ser
confirmados em ruas com baixa circulação de carros e pesada segurança
privada dos moradores.
Nas adjacências para o lado oeste, os domínios de Pinheiros e Vila
Madalena são regiões onde a maioria dos Toreador da cidade mantêm seus
abrigos, entre casas de show requintadas, galerias de arte e restaurantes
estrelados da cidade, por onde todos querem circular para serem vistos e
fotografados com beleza e elegância. Paixões noturnas, suave estado de
embriaguez e euforia são sentimentos comuns nesse lado da cidade, onde
muitos mortais, viciados pela presença e charme de seus senhores
vampiros, frequentam, em busca de satisfazer seus egos e desejos
corrompidos pelo sangue de Caim.
Já no outro extremo da região, e onde a urbanização vem avançado
durante as noites atuais, além dos domínios corporativos e blindados por
vidro e aço dos Ventrue, Moema é a intensa região dominada pelos
malkavianos, onde casas, restaurantes, construções sendo erguidas, aviões
voando e inúmeras avenidas e ruas estreitas se misturam, juntamente a
uma classe média e alta em ascensão. A região possui acesso à parte
principal da cidade, e também, a seus extremos com menor presença
vampírica, onde os malkavianos podem explorar e exercer sua influência
pouco usual sem serem muito incomodados pelas formalidades dos
Ventrue e suas feições de reprovação.
A região de Moema tem se tornado também um importante centro de
lazer da cidade, onde habitantes alternativos e mais alheios às tradicionais
baladas da cidade podem satisfazer sua necessidade de distração com maior

São Paulo By Night – Página 34


nível de informalidade, sendo que a região também dispõe de importantes
redes de hospitais, clínicas e centros religiosos que professam as mais
diversas e heterodoxas religiões, compondo o centro das atenções dos
malkavianos paulistas.
A expansão urbanística da região de Moema é relativamente caótica, sendo
amplamente conhecida apenas por seus moradores mais antigos, e
continua a se expandir e verticalizar de maneira pouco coordenada,
aparentemente, com uma lógica pouco compreensível e muito veloz.
A região central de domínio da Camarilla em São Paulo é, nas noites
atuais, a de maior poder aquisitivo da cidade, sendo, também, a mais
segura e bem defendida por seus integrantes, contando com auxílio e
reforços de todo o país, que podem ser convocados através do Aeroporto
de Congonhas, um dos mais movimentados do Brasil, próximo à região de
Moema. O Aeroporto de Congonhas, nas noites atuais, é relativamente
livre da importunação da Segunda Inquisição, diferentemente do
Aeroporto de Guarulhos, onde os caçadores de vampiros detêm maior
influência.
O Itaim Bibi e suas proximidades são os locais onde a máscara é mais
respeitada, sendo qualquer tipo de violação reprimido com violência
extrema e exagerada. No entanto, a região representa a cobiça de todos os
vampiros, sendo o reflexo do poder vampírico máximo de toda a cidade, o
que ocasiona constante tensão entre seus transeuntes e habitantes.

São Paulo By Night – Página 35


Quinta Parte – Ipiranga e Zona Leste

Em uma das localizações mais históricas da cidade, e constituindo um de


seus primeiros, se não o primeiro bairro, concentram-se os Brujah
anarquistas que temporariamente foram aliados da Camarilla ao
conquistar a cidade, tendo seu próprio Elysium no Parque da
Independência, constituído pelo Museu Paulista, também conhecido como
Museu do Ipiranga, uma das mais imponentes estruturas da cidade, a qual
se encontra fechada para todo e qualquer visitante mortal.
Seus moradores preferem levar seus conflitos aos distritos vizinhos,
especialmente os do lado leste, onde a zona mais populosa da cidade tem
como portão de entrada o também tradicional bairro da Mooca. Distantes
estão as noites em que o Ipiranga – cujo nome deriva das palavras Rio
Vermelho, em Tupi Guarani – se enchia de sangue e corpos, e os Brujah
reinavam desvairadamente sobre a cidade, sem quase nenhuma ameaça.
Em tempos modernos, e com a consequente urbanização e fluxo turístico
ao bairro, os Brujah costumam utilizar os parques da região e antigos
galpões industriais como campos de caça, ou invadir distritos dominados
por outros clãs para causar estragos, dadas as rígidas regras do Barão
Dom João Dias sobre a área central de seu domínio.
São Paulo By Night – Página 36
Assim como na região do Itaim Bibi, a segurança da área e sua vigilância
podem ser consideradas elevadas, e as leis da máscara, mais por
conveniência do que por aliança com a Camarilla, devem ser respeitadas a
todo o momento, caso o jogador não queira ser espancado por hordas de
Brujah raivosos e loucos por um motivo para brigar.
Quando nas proximidades do Elysium local, os Brujah assumem seu lado
mais filosófico e pensativo, dedicando-se, principalmente a discussões
acerca da história de São Paulo, os feitos do Barão, e as possibilidades que
o município representa para as ambições do clã. Só não ouse discordar da
opinião da maioria em seus debates, principalmente acerca da
independência do país e da revolução constitucionalista.
As coleções do Museu do Ipiranga causam inveja a qualquer membro do
Ministério ou dos Toreador, e poucos olhos vampíricos conhecem a
integralidade do acervo e seus mistérios. Andanças sem permissão, nas
proximidades do museu, podem ser motivo para severo espancamento, e a
morte final, aprovada e autorizada até mesmo pela príncipe da cidade,
como parte do pacto selado com Dom João Dias em décadas passadas.
Boatos informam que um neófito do clã Toreador foi encontrado, ou
parcialmente encontrado, devido ao estado de seu corpo, no parque da
independência, mas as apurações acerca do fato correm sob severo sigilo
de ambas as partes potencialmente envolvidas. Um conflito envolvendo a
região seria de grande impacto sobre as noites da cidade. Seria também, de
grande interesse a alguns?
Apesar do aparente estado pacífico e de calmaria destes bairros, tensões e
faíscas sempre pairam sob suas ruas tortuosas e quietas..., mas que podem
estar prestes a explodir, a qualquer momento, com impacto incalculável e
consequências gigantescas para a cidade.
Cabe destacar, também, como ponto de interesse, o museu de zoologia
localizado no bairro, onde são mantidos encontros entre os Brujah e os
Gangrel, em tentativas de retomar as antigas alianças entre os clãs, que
remontam à época dos movimentos das entradas e bandeiras, sendo um
dos poucos locais onde o último clã se sente mais seguro, em um
adensamento urbano tão intimidador, do qual prefere se manter mais
distante.

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Sexta Parte – Zona Norte

Após os eventos ocorridos no massacre do Carandiru, onde a Camarilla


usou de táticas extremas e imprevisíveis para aniquilar a presença
organizada do Sabá em São Paulo, a Zona Norte se tornou um terreno
infértil e perigoso para a atividade dos amaldiçoados por Caim. Dadas
tantas mortes finais, de todos os sectos e ideologias, a região atualmente é
marcada pela presença dos próprios mortais.
Longe da Catedral da Sé e outros centros religiosos mais óbvios, e até
mesmo já dominados, atualmente ou outrora, por vampiros, as igrejas
católicas tradicionais da região parecem estar recebendo apoio direto do
Vaticano, e a atividade de supostos turistas americanos e ingleses na
região tem impressionado os tradicionais moradores do bairro de Santana
e seus arredores.
Segundo trocas de mensagens entre os Nosferatu, a Zona Norte tem sido
um centro de influência da Segunda Inquisição em São Paulo, e muitos
amaldiçoados que circulam ou caçam pela região, acreditando ser uma
zona mais livre de influências e regras, nunca mais retornam a seus
domínios.
Aparentemente, pela região ter sido evitada pelos imortais por mais de 20
anos, a atividade humana e de outras criaturas prospera na área. No

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entanto, a concorrência com outros imortais por sangue e domínios é
baixa, sendo uma alternativa àqueles que pensam que o caminho mais fácil
ao poder pode ser através do confronto com a famigerada “SI”. É um
caminho de alto risco, mas com retorno e possibilidades de prestígio muito
elevadas.

Sétima Parte – Liberdade


O bairro da Liberdade, na região central, é um domínio com menos
influência formal dos Hecata, mas negocialmente aliado ao clã da morte,
dadas as relações dos Della Passaglia com o mundo oriental.
As ruas estreitas, aparentemente sujas e repletas de curvas e apartamentos
pequenos e pouco perceptíveis na escuridão favorecem o domínio do clã
Nosferatu na região, pela qual circulam de forma mais discreta do que no
centro velho.
A região é estratégica sob o ponto de vista de acessos geográficos, e até
mesmo turístico, possibilitando aos Nosferatu a obtenção de informações e
ideias importantes sobre o fluxo de mortais e imortais na cidade.
Os Hecata não apreciam a presença dos novos Nosferatu na região. No
entanto, qualquer ação mal interpretada nesse distrito poderia colocar
acordos políticos e diplomáticos em xeque, causando crises que
potencialmente se expandiriam a todo o território central, ou paulistano,
especialmente dada a situação complexa na qual os Della Passaglia
atualmente se encontram, em relação aos demais membros de seu clã, que
foram dizimados e perseguidos pela inquisição na Itália, recentemente.

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Oitava Parte – Parque Ecológico do Guarapiranga e
Reserva Hídrica

A Reserva Natural de Guarapiranga, embora não formalmente parte do


município de São Paulo, é uma área protegida por leis ambientais, ao
sudoeste do bairro de Santo Amaro, e importante centro de distribuição
hídrica para São Paulo. Centro de lazer para atividades ao ar livre, com
foco na represa, o local é, até onde é possível avistar o horizonte,
relativamente livre de influência urbana, a qual começa a aparecer apenas
em suas extremidades. Por esse motivo, os Gangrel independentes fixaram
ali seu domínio, há algumas décadas, e o defendem com toda a ferocidade e
bravura, tanto que a região não possui sequer qualquer rastro de outros
seres sobrenaturais.
Lendas entre os cainitas paulistanos relatam guerras brutais, sangrentas e
sem precedentes contra os Garou que habitavam a região, em tempos
imemoriais, e provavelmente travadas por vampiros de alta geração, não se
sabe se do clã Gangrel ou não, mas especula-se que sim.
Ao adentrar na região, o jogador e sua coterie deverão ter cautela máxima,
pois, embora a máscara não seja uma grande preocupação, pelo menor
número de mortais, os Gangrel não admitiram caças e conflitos em seu
santuário, nem incursões sem sua autorização.

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Personagens

“What is this that stands before me?


Figure in black, which points at me…
Turn around quick, and start to run
Find out I’m the chosen one… Oh no!!!” Black Sabbath, Black Sabbath.

Nesta seção são encontradas as descrições dos principais personagens


construídos para as crônicas de São Paulo By Night, sendo, todos eles,
jogáveis. As fichas dos personagens são o Anexo 2 a este Livro, bem como
o mapa de relacionamento entre todos os personagens apresentados a
seguir (Anexo 3), suas crias e seus carniçais.
Nesta parte crucial da crônica, a história da cidade se mistura ao de seus
atores do Mundo das Trevas, e é descrita em maiores detalhes do que
anteriormente citada, mas sob uma perspectiva mais pessoal e atrelada aos
dramas, paixões e expectativas de seus principais cainitas, que

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provavelmente, em um momento ou outro, irão interagir com os
jogadores, através de interesses e visões comuns ou conflitantes.
Este capítulo é organizado por clãs, mas essa é apenas uma das várias
maneiras de entender as complexas relações dos cainitas, seus interesses e
objetivos nas noites fluidas, sujas e sombrias da cidade de São Paulo.

Brujah
Dom João Dias, o Sétimo

A noite cria as únicas oportunidades de transformação e liberdade.

Os pios das corujas e a garoa prateada anunciam, desde a era dos


descobrimentos, aventuras e batalhas obscuras em territórios a serem
desbravados e explorados. Sempre há um quinhão a descobrir, um novo
aspecto a ser estudado, e novas reflexões a se fazer acerca da natureza dos
animais, das pessoas, de suas construções e dos seres sombrios que
habitam o planeta.

Independência e morte, curiosamente, para João Dias, o barão, e o sétimo,


andam lado a lado no mundo das trevas, como gêmeos idênticos.

“Há que se lutar, incansavelmente, para proteger ambos


conceitos, morte e liberdade, experiências sem as quais nada
mais faz sentido.

Um pouco de caos, como ordem, é a essência desta nossa


existência macabra e tenebrosa na eterna escuridão. A
natureza não pode ser sufocada com regras e convenções
infindáveis.

O elemento surpresa é a lei para a sobrevivência dos mais


fortes e o triunfo dos dominantes sobre a espiral infinita e

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tormentosa da entropia, que busca nos vencer e a tudo
condenar. Resistimos! ”

Dom João Dias, Manifesto Anarquista. 1828, São Paulo,


Brasil.

A península ibérica já oferecera tudo enquanto há em matéria de pecado,


sangue, guerras, prostitutas e rivalidades, quanto possível, para João. Um
notável boêmio, bastardo, odioso e vilão nos mais diversos círculos da
sociedade portuguesa, espanhola e grega, este cavaleiro das trevas
começava a se entregar ao spleen de Lisboa nos idos de 1520, começando
até mesmo a querer voltar-se novamente para seus estudos poéticos e
ensaios sobre a sociedade, deixando-se levar, de uma vez por todas, ao
derradeiro fado da escuridão.

- Aos diabos com toda esta merda! Foi a última frase que disse ao
despertar, numa noite da década de 1540 nas docas de Lisboa, e em
território português. Sentindo-se ébrio de ópio, vinhos baratos, dores por
infindáveis contendas fúteis, e com a vitalidade totalmente restaurada por
sangue humano de qualidade duvidosa, estava em uma caravela do rei em
direção a alguma nova colônia exótica.
Algumas noites depois, muitos marujos viram com desconfiança o suspeito
senhor que trabalhava por três, à noite, mas que se negava a cumprir seu
turno diurno, com aval do capitão. De qualquer forma, muitos marujos
também não chegaram ao destino final.
- Não é vida para qualquer um, ora, pois! Limitava-se João em suas breves
considerações. Estas maricas enlouquecem por qualquer besteira por
saudades de casa. E pedia mais um trago. E mais um trago. E mais uma
aposta. Seu cachimbo não tinha fundo, nem seu apetite por discussões e
intrigas abertas contra tudo e todos.
Até sua chegada ao Brasil, tornou-se figura amada e odiada, ganhando a
confiança de seus companheiros de navio, muito provavelmente por laços
de sangue e pelo uso irresponsável de Presença.
A bravura e poder assombrosos que demonstrou em uma das primeiras
explorações para expansão do território da capitania de São Vicente, em
1542, pavimentou seu caminho para iniciar, secretamente, em missões
noturnas, o movimento português para desbravar novos territórios para a
coroa, bem como riquezas e escravos (dentre os que não forem

São Paulo By Night – Página 43


exterminados nas empreitadas) com divisão de lucros nem sempre tão
claras, e com desaprovação dos jesuítas da região, por motivos que viriam
a ser esclarecidos posteriormente.
Dessa forma, João Dias tornou-se um dos precursores do movimento das
entradas, responsável pela morte de muitos portugueses, e inumerável
quantidade de indígenas. Para a coroa, os ganhos em ouro não foram
espetaculares, embora o estoque de sangue humano, terras e influência de
(agora Dom, formal ou informalmente, não se sabe até hoje) João Dias
crescessem exponencialmente durante décadas.
Enquanto fincavam-se as primeiras construções do planalto de
Piratininga, as atenções voltavam-se ao estranho e violento novo
empreendedor, seus associados e reuniões noturnas. Já há alguns anos um
grupo de 13 sacerdotes chegou na capitania com objetivo de proteger as
almas (e os segredos sombrios) dos habitantes da nova colônia.
Os Lasombra já haviam chegado à região no ano de 1533, em busca de
vingança contra um exilado Gangrel que buscava refúgio dos conflitos
europeus, e uma reaproximação com a natureza mares nunca dantes
navegados. Alguns o seguiram ao longo da segunda metade da década,
entre caravelas portuguesas, espanholas, e até mesmo missões secretas
holandesas e de esparsas regiões italianas.
O conflito por sangue na região começa a tomar proporções exageradas,
com as provocações de Raposo Correia, e a personalidade explosiva de
Dom João Dias, quase causando a ruína do recém-fundado vilarejo. Na
eminência da tragédia de ver suas riquezas esvaindo-se em questão de
anos, Dom João Dias consegue, através de alguns aliados que ainda tinha
no velho continente, atrair para a região o capital de risco de alguns
empreendedores portugueses, com o relato de suas entradas livres,
inconsequentes e prósperas - Fernão Vieira e seu filho, Antônio Raposo
Tavares.
Após a aquisição de tropas majoritariamente de escravos indígenas, muito
auxiliadas por João, das sombras, e a morte de Fernão Vieira por causas
obscuras, em 1628, Antônio decidiu seguir o movimento bem-sucedido de
João Dias, e expandi-lo até mesmo além dos limites do Tratado de
Tordesilhas.

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Dom João Dias garantiu ao ávido empreendedor que nada ficaria no
caminho de sua iniciativa, nem coroa, nem igreja, santo, profano, herege
ou monstro.
Já com auxílio de alguns Brujah portugueses que também enxergaram
oportunidade na iniciativa, o novo Movimento das Bandeiras foi um
sucesso absoluto. Tribos inteiras foram dizimadas, incluindo,
assombrosamente, no rastro de destruição, missões jesuítas espanholas,
onde até mesmo um neófito Lasombra encontrou a morte final após oito
dias de tortura e zombaria inenarráveis.
Assim, a guerra entre o Sabá e os anarquistas chegava definitivamente ao
município de São Paulo.
Em questão de pouco tempo após o retorno de Antônio Raposo Tavares
do Norte, onde engajou-se em violento e inesperado confronto com
holandeses, que quase lhe custou a vida, já se viam oito igrejas majestosas
no pequeno espaço definido pelo Planalto de Piratininga, então já em
expansão, e citado pelos proeminentes habitantes, como São Paulo.
O movimento das bandeiras expandia-se por todo o emergente país, assim
como as missões jesuítas e de diversas ordens da Igreja. Lavouras avançam
sobre a vegetação nativa original, como parasitas infestando seu
hospedeiro. A guerra vampírica já definia lados bem delineados para a
dominação do novo território e suas riquezas, antes desprezadas pelas
cortes e clãs do velho continente.
Um evento no começo do século XIX trouxe especial atenção às terras
brasileiras, já relevantes para o financiamento da corte europeia: em 1808,
a corte portuguesa, junto com os mais influentes mortais e cainitas da
nação embarcam rumo à nova colônia, em fuga da ira, poderio e ímpeto de
Napoleão.
Agora, a nova nação iniciaria seus primeiros passos em relação à glória no
cenário mundial, fazendo de seus protagonistas os reis e imperadores do
mundo das sombras?
Para Dom João Dias, era o destino. São Paulo seria a nova Cartago dos
Brujah. Nada o impediria.
Com a chegada da família real em 1808, e ainda desfalcados devido ao
infame evento da “Botada dos Padres Fora” empreendido por Dom João

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Dias, onde os Brujah demonstraram resistência e apego irreal e quase
desprovido de lógica pela defesa de São Paulo, os Lasombra voltaram sua
atenção à cidade do Rio de Janeiro e à Bahia de Todos os Santos, de onde
tentariam arquitetar sua vingança contra os impetuosos e obstinados
inimigos. A Camarilla percebeu tais movimentos, e foi buscar os conselhos
do Barão da província para influenciar os destinos do potencial império em
fundação.
O Sabá não poderia ter cometido mais grave erro, ao saber que das
plácidas margens do Rio Ipiranga, em 7 de setembro de 1822, a
conspiração declarava retumbante sucesso político, com a declaração de
independência do Brasil a Portugal por Dom Pedro I.
Tamanha foi a influência de Dom João Dias na independência do país, que
este começou a ser chamado de Dom João VII, uma alusão irônica a Dom
João VI, pai de Dom Pedro I. Alguns não entendem quando os cainitas de
seu círculo mais próximo o clamam como “o sétimo”, ou simplesmente “7”,
mas esta é a origem do famoso e temido apelido.
Sob o domínio de seu baronato, a cidade prosperou, triunfou e expandiu
seu território com a fúria da agricultura e das nascentes indústrias de
carvão. O avanço sobre a natureza causou a reprovação, mesmo que
contida, de alguns antigos aliados do clã Gangrel, que trocaram São Paulo
por Minas Gerais, Espírito Santo e Rio Grande do Sul.
Já os Hecata da família Della Passaglia viram oportunidades de negócio na
municipalidade, com influência restrita da Camarilla, e em um puro
contrato de comércios e costumes com Dom João Dias, que prontamente
aceitou o financiamento de poder, sangue e conhecimento dos
necromantes.
A cidade crescia de tamanha forma em relação ao restante do país, que os
sonhos do Sétimo tomaram proporção ainda maior: criar, enfim, a sonhada
nação Brujah, delimitada a partir do estado de São Paulo, e com capital em
seu domínio - uma demonstração ao mundo da grandeza de seus ideais
intelectuais e de poderio militar incomparável. Nascia novo movimento
conspiratório em seus círculos próximos: a revolução constitucionalista.
Nos idos de 1930, o sétimo já dispunha de extensas ferramentas em suas
mãos, para cumprir com seus objetivos tenebrosos e grandiosos: amigos
poderosos, inimigos enfraquecidos, prestígio, respeito e o assento no topo

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da pirâmide, por quase meio século, praticamente incontestado. Era hora
de agir.
Utilizando-se da força política que adquirira praticamente sem oposição ao
longo dos últimos anos, Dom João Dias mais uma vez buscou se utilizar do
caótico cenário nacional para incentivar nova declaração de independência
em território brasileiro, dessa vez, do estado de São Paulo em relação à
República, dada a revolta dos paulistas poderosos em relação ao fim da
política do café com leite em 1930.
Após a enorme miséria causada pela crise de 1929 e golpe militar causado
para tomada do poder, o momento não poderia ser mais propício para
inflamar a revolta contra a confusa república, em plena convulsão.
Dom João Dias, apesar da aparente frieza e racionalidade, imagens
raríssimas em representantes do clã Brujah, regozija-se no caos, ódio e
violência ao seu redor.
Para o boêmio, pensador e desbravador, quanto mais caótico e
desconhecido o resultado e jornada onde embarca, mais o esforço vale a
pena.
O ambiente que diversas forças de mortais e cainitas imprimiam no Brasil
dos anos 30 acendia em seus olhos fogueiras de insanidade, visões de poder
e uma vontade de violência homérica e sem qualquer limite.
Durante a revolução de 1932, no entanto, o Sétimo não se preparou
propriamente contra a vingança estonteante que o Sabá preparava contra
seu domínio por tantos anos. Chamar os holofotes para si mostrou-se um
erro estratégico importante, dado que o recém-formado regime, que já
tinha domínios por todo o país, e, em sua maioria, influenciado por
Lasombras e até mesmo alguns Tzimisce, já se preparava para o
derramamento de sangue daqueles dias a mais tempo que os anarquistas
de São Paulo.
O que foi visto por Dom João Dias como oportunidade de independência
ainda maior, foi aproveitado pelo Sabá como a peça do xadrez que faltava,
para a retomada de um dos últimos centros urbanos do país fora de sua
influência, naquele momento.
Durante os eventos de bombardeio e massacre na cidade, muitas das crias
de Dom João Dias encontraram a morte final, e alguns imortais que

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conhecem bem os domínios de São Paulo relatam que o Barão foi
dominado pela besta durante os conflitos, por muitas noites, e de forma
profunda, o que afetou parte de sua frieza e racionalidade até as noites
modernas.
Entre a segunda metade dos anos 30 e o fim do regime militar nos anos
80, quando a Camarilla finalmente retornou a se aproximar de São Paulo
com bastante cautela, o outrora poderoso Barão tem um passado obscuro e
cheio de mistérios.
Muitos dizem que suas ambições pela Nova Cartago causaram conflitos e
guerras civis em diversas partes do mundo, como Camboja, Ucrânia,
Bálcãs, África Central e Hong Kong, dentre golpes de estado históricos e
outros mais silenciosos e estratégicos, utilizando regimes estabelecidos e
mudanças democráticas entre ideologias inimigas. Alguns afirmam
categoricamente que o sétimo apenas entrou em torpor, praticamente
destroçado por seus inimigos e seu próprio psicológico.
Quando a Camarilla quis, e conseguiu, finalmente, fincar suas garras de
ordem e regras sobre São Paulo, sob a ótica de que uma das cidades mais
populosas do mundo deveria ser um bastião da Máscara, Dom João aceitou
seu novo papel de colaborador coadjuvante, pelos espólios da vitória e
territórios oferecidos.
A morte final de Raposo Correia, o arcebispo do Sabá que havia expulsado
séculos atrás, e que lhe tomara a cidade durante 1932, havia sido causada
por sua influência direta. As circunstâncias, como dizem as lendas dos
cainitas, foram similares às da destruição das missões jesuítas de outrora,
ou piores.
Nas noites atuais, a lenda do Sétimo ainda tem presença ativa em São
Paulo, mas poucos cainitas o viram, pelo menos nas últimas duas décadas.
Rumores de seu círculo próximo declaram, até mesmo, que João partira,
por motivos pouco compreendidos, para o Oriente Médio, em
circunstâncias desconhecidas e talvez ligadas à Gehenna. No entanto, o
medo e a honra que sua imagem inspiram, colocam em dúvida esses
rumores, e sua presença, mesmo que ocasional na cidade, é difícil de
contestar, sendo alvo de intenso debate entre os vampiros paulistanos,
especialmente os de gerações inferiores.

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João Dias possui aspectos intelectuais e sociais destacados, mas seu poder
reside nos aspectos de combate. Seus olhos são avermelhados, profundos e
desafiadores, como parte de um semblante reflexivo e, por vezes, com
aparência inspiradora e visionária, impactando muitos com sua presença
marcante.
Uma música para inspiração: Holy Wars... The Punishment Due – Megadeth.

Patricia Ayumi Nakamura

Patricia Ayumi Nakamura nasceu e cresceu no bairro do Bom Retiro, um


dos maiores centros da cultura oriental da cidade de São Paulo, passando a
infância ao lado do pai, da mãe e do irmão mais novo, com toda a família
unida e ajudando no pequeno mercado familiar, em uma comum rua da
região.

Com o crescimento e concorrência das grandes redes de supermercado, a


família começou a ter dificuldades financeiras moderadas, o que fez com
que Patricia se tornasse uma criança e adolescente tímida e fechada,
obstinada pelo foco de passar em uma boa universidade e se destacar em
uma profissão que pudesse providenciar descanso aos pais, que por toda a
vida empreenderam árduas jornadas.

No meio dos anos 90, Patricia passou em primeiro lugar para o curso de
ciências da computação na USP, e em 2004 já possuía mestrado na área,
quando começou a estruturar sua própria empresa de consultoria a start
ups do setor financeiro (e da qual ela era a única sócia).

A genialidade de Patricia em finanças e resolução de problemas altamente


complexos em engenharia de softwares rendeu à sua empresa um lugar de
destaque entre clientes renomados da Faria Lima, e aos 32 anos ela já
poderia se aposentar e sustentar sua família para o resto da vida, podendo
comprar até trinta mercadinhos como o de seus pais (que ainda mantinham
o negócio ativo).

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No entanto, um episódio inesperado em 2013 mudara o rumo de sua vida,
ao se despedir de um happy hour de negócios com dois de seus clientes na
região da Avenida Paulista. Ao ser abordada, de surpresa, por dois
assaltantes, que golpearam sua cabeça pelas costas, Patricia reagiu com
uma cotovelada na cabeça de um dos covardes, e uma súbita rasteira no
outro assaltante, utilizando com precisão suas técnicas de muay thai e
capoeira. Um dos assaltantes, atônito, escorregou da calçada e teve sua
cabeça decapitada por um carro que o atropelou no mesmo momento. O
outro parceiro do crime fugiu como um rato.

A chocante e violenta cena de seu agressor decapitado, com o restante do


corpo se debatendo em convulsão por alguns segundos, nunca abandonou
a mente de Patricia. O frescor e o pulsar daquele sangue tornaram-na
obcecada pelo prazer que teve em se vingar, e ao pensar em quantas
mulheres aquela sua atitude havia salvado no futuro.

Os transeuntes da rua a consolaram, e alguns até aplaudiram sua atitude,


zombando do cadáver destroçado com incrível racionalidade da cena.

Após relatar o fato à polícia e ter que responder por homicídio culposo, em
liberdade, Patricia revoltou-se contra a sociedade brasileira, o perigo ao
qual as mulheres vivem expostas, e seu exagerado vitimismo em prol de
assassinos, estupradores e predadores dos inocentes.

Encerrando as atividades de sua empresa, com alguns milhões de dólares


investidos fora do país, e gerando rendimentos constantes, Patricia
deliberou por se dedicar com toda sua paixão e obsessão ao ativismo
político, principalmente através dos meios virtuais e por protestos de ruas,
em favor dos direitos de legítima defesa, propriedade privada, porte de
armas e pela vida das mulheres e seu papel no empreendedorismo.

Entre os anos de 2013 e 2015, Patricia teve amplo papel em protestos e na


transformação dos campos de batalha e visão em relação à política
brasileira, abandonando sua timidez e lutando ativamente contra sua visão
de injustiça na sociedade, apelando muitas vezes até pela defesa do cidadão
honesto a qualquer custo, e defendendo teses de extermínio em massa de
grupos rivais e de corruptos e ameaças estrangeiras à soberania nacional.

O que Patricia não sabia é que suas publicações na internet e seu novo
radicalismo ideológico e de pensamento estavam atraindo atenção dos
Brujah do Ipiranga, e até mesmo do próprio barão Dom João Dias, que viu
em seus ideais um reflexo de si mesmo, em outros séculos.

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Logo, durante um dos mais lotados, intensos e violentos protestos da
Avenida Paulista, na mesma rua em que Patricia foi atacada alguns anos
antes, Dom João Dias a abraçou e levou até o Museu do Ipiranga, para
apresenta-la à sua causa e seus ideais.

Mesmo após alguma destruição do acervo secular do museu (comum no


despertar de membros do clã Brujah tão intensos), Patricia racionalizou e
aceitou a causa de Dom João Dias, tornando-se seu braço direito nas noites
modernas, tanto ao lutar por espaço contra a elitista e fraca Camarilla, em
sua visão, quanto para recriar o sonho de fazer de São Paulo um novo país,
se não geograficamente, pelo menos segundo a moral e ética do grupo do
Sétimo.

Seus ideais de justiça enquanto mortal também não foram abandonados, e


Dom João Dias permite que Patricia vasculhe as noites em busca de
agressores covardes de mulheres e crianças, fazendo justiça em primeira
instância, e secando suas veias pútridas, largando destroços de corpos
pelas ruas como exemplo e como recado para a decrépita e corrupta justiça
brasileira, que não julga, ou até mesmo libera perigosos marginais nas ruas
da cidade e do país.

Mas mesmo com a imortalidade e tanta força e raiva fluindo por suas
veias, Patricia sente que a correção moral e social da cidade de São Paulo
levará séculos de trabalho árduo, colocando-se exatamente com o mesmo
senso de dever e obstinação que teve ao abrir sua primeira empresa para
ajudar sua família. Entre uma justiça social e outra, Dom João Dias
também precisa de suporte técnico para utilizar o pacote Office, e entender
que um navegador não tem mais o mesmo significado que tinha quando ele
chegou ao Brasil.

Patricia utiliza, nas redes, o apelido de NAP, que são as iniciais do seu
nome ao contrário, e também "soneca" em inglês, que é o que costuma
obrigar seus opositores a fazerem (pela eternidade ou em coma, na maioria
das vezes).

Uma música para inspiração: Beneath The Remains – Sepultura

São Paulo By Night – Página 51


Gangrel
Emma Fleming

E então Emma Muir abandonava seu sobrenome de solteira, em 21 de


abril de 1951, e se tornava a senhora Fleming, esposa de Howard Fleming,
um proeminente revendedor de roupas e marcas americanas em Glasgow,
Escócia. Tinha apenas 19 anos naquele típico sábado chuvoso das
Lowlands.
Nos anos 50, a vida não poderia ser mais tediosa para uma jovem mulher
de família tradicional. Missas aos domingos, chá com as esposas dos
amigos do marido. Atividades domésticas. Filhos - tinha dois meninos aos
vinte e quatro anos - os orgulhos do pai e seus herdeiros.
Os poucos momentos de esperança e sonhos de aventuras e novos mundos
vinham da televisão e do rádio. E através desses veículos, dez anos após
seu casamento, Emma vinha a conhecer terras estranhas como a Índia, o
Brasil e a Argentina como a palma de sua mão, sem nunca as ter visitado,
pela petulância do marido de insistir em não se arriscar em terras
selvagens de terceiro mundo, cheias de vira-latas, insetos, pestes, doenças
e salafrários.
Mas Emma se apaixonava cada vez mais por aquela terra estranha além-
mar, com belas pessoas, um novo tipo de jazz chamado bossa nova, e praias
quentes de um verão sem fim no paradisíaco Rio, e sua estranha linguagem
portuguesa, em que tudo se parecia muito com uma Grécia pós-moderna.
Em 1965, com os filhos já maiores e sob os cuidados dos avós, Emma
conseguiu convencer o marido a visitar o Brasil, por uma viagem
envolvendo seus principais centros turísticos. Todo o estudo de sociologia,
ecologia, linguagem, religiões e guias de comportamento já haviam sido

São Paulo By Night – Página 52


lidos e analisados a fundo por Emma, para incrementar a aventura e a
experiência.
Após alguns dias do desembarque no Rio de Janeiro, Howard contraiu
uma febre desconhecida, tendo que retornar a Glasgow com urgência, por
recomendações do médico da família. Afinal, não se sabia se o Brasil tinha
medicamentos básicos e adequados para avaliá-lo propriamente. Mas,
dessa vez, Emma não voltaria.
Eram suas primeiras férias da Escócia em quase 15 anos. Ela continuaria a
viagem sozinha, para o assombro de sua família, e contra toda a
reprovação possível de sua enfadonha sociedade do chá, das crianças e das
missas. Quinze dias de liberdade, um para cada ano acorrentada naquela
maldita ilha cheia de alcoólatras, onde nascera. O verão de sua vida.
Ao andar alguns quarteirões mais distantes do luxuoso hotel onde estava,
a ruiva de olhos azuis e pele extremamente pálida era o centro de todas as
atenções, mas não se importava nem um pouco. Falava olá, obrigado, bom
dia, e sorria, andando livremente. Nenhum malandro ousaria rouba-la, o
mundo estava a seus pés.
No quarto dia de viagem, Emma frequentara um famoso terreiro de
candomblé, no qual o pai de santo, incorporado com um orixá poderoso, a
recomendou visitar São Paulo, onde seu destino mudaria. E assim Emma
seguiu viagem rumo à terra da garoa.
O clima era mais frio, e as pessoas com um aspecto menos descontraído. O
trânsito, mais agressivo e veloz. Arranha céus se erguiam pelo horizonte
dessa estranha metrópole vertical. Mas haviam partes intocadas da famosa
mata atlântica no extremo sul da cidade, bem como rios, pássaros, e
recantos de relaxamento e renovação espiritual. E assim Emma partia para
além do horizonte da cidade.
Ao conhecer o solo sagrado de Guarapiranga, ali se acampou, longe do
luxo dos grandes hotéis, e tendo como teto as estrelas e seus próprios
pensamentos, esparsos e caóticos. Adiantaria sua viagem de volta, não
poderia mais submeter Howard e sua família à dor da ansiedade, apenas
para a realização pessoal. Deveria se mortificar ainda mais. Mas a dor de
voltar à velha monotonia já rasgava seu coração selvagem em pedaços.
Ali, no meio da natureza leve e viva, mesmo com seus perigos e medos, ela
se lembrava da história das sacerdotisas druidas irlandesas e escocesas que

São Paulo By Night – Página 53


aprendera de sua família, e de como eram cultuadas com oferendas e
reverenciadas como as guardiãs da floresta e da noite. As religiões e rituais
originais de seu povo eram parte de um frágil equilíbrio, que o mundo
começava a extinguir da existência, assim como Guarapiranga.
Ao longe na represa, uma mulher de branco, e pele negra, andava sobre as
águas, como o Jesus da Bíblia, para o assombro de Emma. Ela a chamou,
não sabe por quê. Mas quando ela chegou, sentiu o sangue gelar dentro
das veias.
Seus olhos eram vermelhos como a guerra e o pôr do sol. E Emma tinha a
certeza de que estava diante do sobrenatural, e, talvez, até mesmo, do
divino.
- Iansã, Iemanjá, eu já fui chamada de muitos nomes, minha filha, disse a
estranha mulher. E nenhum já me descreve perfeitamente. Mas já fui
também Yara. E desse nome me lembro com saudades...
Diante de tamanho poder e influência, apesar do medo, Emma sentiu
calma, e só respondeu que a seguiria. A deusa a abraçou como membro do
clã Gangrel, na segunda noite, pois viu em seu espírito soturno e ansioso
por liberdade, uma guardiã de seu território, e daquelas águas e florestas
sagradas, que já não podia mais controlar sozinha, diante da fúria dos
homens e suas construções de concreto.
Durante as décadas de 70 e 80, Emma e Yara caçaram juntas e
protegeram-se das tramas de imortais e mortais de toda sorte, até que sua
senhora se voltou para territórios mais ao interior do país, dando-lhe
permissão para abraçar Lívia Pavuna e Melissa Amorim, duas biólogas
defensoras da região e entusiastas da natureza e sua preservação.
Dentre a sociedade cainita, principalmente a Camarilla dos anos 90, as três
reclusas ficariam conhecidas como a Trindade, e suas não vidas eram
marcadas por um pacto de neutralidade e mútuo respeito entre os
anarquistas, a Camarilla, e os demais vampiros paulistanos... até as noites
atuais.
Sua filosofia era muito próxima daquilo que Emma viria a descobrir ser a
linhagem perdida das Lhiannan, lenda que agora finalmente compreendia
por completo. Se suas forças e fraquezas relacionadas ao território onde
caçava guardavam alguma relação ou não com esse laço de sangue perdido
no limiar da idade das trevas, era algo que suas crias e ela sempre se

São Paulo By Night – Página 54


perguntavam e buscavam responder, com seus místicos rituais e práticas
obscuras.
Como marca da besta, Emma adquiriu manchas de onça pintada nas costas,
sobre a pele pálida, o que, em seu território, exibia com orgulho, mas era
obrigada a esconder quando em locais mais urbanos, bem como seus
dentes extremamente pronunciados, como os de um felino carnívoro de
grande porte.
Cumprindo o juramento que havia feito a Yara, Emma e suas irmãs
protegem o território sagrado até as noites modernas. E quem ousar
invadir a região sem autorização ou por descuido, provavelmente não será
tão bem recepcionado quanto ela própria foi.
Uma música para inspiração: Breezeblocks – alt-J

Marcos Almeida

Em 1983, Marcos Almeida, 23 anos, era um rebelde sem causa na cidade


de São Paulo. Sobreviver nas ruas durante a década de 80 no Brasil não era
fácil, especialmente sendo um fã de heavy metal, sexo, drogas e destruição
sem qualquer hora ou lugar para acontecer.
Entre shows cover e oficiais das bandas que idolatrava, como Judas Priest,
Alice Cooper, Iron Maiden e AC/DC, financiados, incluindo a erva,
bebidas e ingressos, com pequenos furtos e empregos temporários, o
jovem passava seus dias rebeldes, e curava a ressaca consertando carros,
motos e até mesmo caminhões, e os turbinando com acessórios ilegais,
placas falsas, ajudando em cargas roubadas e no contrabando interestadual
de tudo quanto seja possível imaginar. Com pais medíocres e sem concluir
os estudos básicos, essa se tornou a rotina de Marcos, com uma vida à
margem da sociedade e criminosa.

São Paulo By Night – Página 55


No início dos anos 90, Marcos, já com dois filhos de duas diferentes
mulheres, começou a tomar gosto verdadeiro pela estrada, sua liberdade,
seu silêncio e seus habitantes soturnos, determinados, levemente drogados
e alcoolizados, e buscando um destino final, assim como ele. Quando ouvia
suas fitas favoritas, ninguém o incomodava. Viajava sozinho por todo o
Brasil fazendo entregas diversas. O caminhão era financiado, mas era seu
empreendimento. Sua empresa sobre rodas. Sua desculpa para não morrer
nos vícios da cidade, como várias vezes tinha arriscado.
Ao dormir nos postos de gasolina do interior dos estados de São Paulo,
Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, Marcos conhecia pessoas
interessantes, voltadas a outros aspectos da vida além de dinheiro, status,
casa, casamento e uma vida de novela. Pessoas que viviam para satisfazer
vícios, simplesmente, ou em busca do místico, da antítese da vida pacata,
ou da mudança e liberdade constantes, na forma da natureza, do silêncio,
da garrafa de cachaça ou da prostituição.
A vida da estrada é outra vida. A cidade é um meio para um fim, e uma
ligação com o resto da civilização imbecil por mera necessidade, em
questão de um ou dois dias. O tempo de três dias era o suficiente para
entregar a televisão ou a máquina de lavar nova para o idiota útil do
escritório tirar vantagem com sua esposa, ser traído, ou se embebedar de
desgosto e morrer logo depois, pensando que sua maior conquista nos
próximos cinco anos seria aquela merda que Marcos lhe entregara pela
manhã, com um sorriso cínico e um aperto de mãos, dizendo “parabéns,
agradecemos sua preferência, senhor”.
Em uma noite de 1995, durante uma de suas folgas de ano novo, Marcos
escolherá um canto recluso da represa de Guarapiranga para pescar. Um
pouco de maconha, uma garrafa de cachaça mineira, e lanches diversos,
além de dois maços de Marlboro, seriam sua ceia de ano novo. O que
pescasse, é óbvio, num isopor com gelo, seria o almoço. Voltaria para a
estrada apenas no dia cinco de janeiro de 1996. O que não aconteceu.
Ao relaxar posteriormente após o consumo de um cigarro de maconha e
umas doses de cachaça, Marcos ouviu intensos barulhos de pássaros
noturnos, mas com certo ceticismo e senso de comédia acerca da situação,
pensando estar chapado e com a percepção alterada, como já havia
acontecido várias vezes ao longo de sua vida.

São Paulo By Night – Página 56


À meia noite, no entanto, deparou-se com uma linda morena, ao mesmo
tempo com aspecto mórbido e predatório, coberta de penas de um pássaro
marrom e gigante, ou de vários pássaros menores. Um vestido de penas
era tudo que a estranha usava, por cima de suas estonteantes curvas e
formas atléticas.
- Lívia Pavuna, seguidora de Iemanjá, saravá estranho!
- Saravá, respondeu Marcos, ainda com pouco domínio de suas faculdades
mentais.
Após alguma conversa amigável e o pedido para dormir em seu caminhão,
Marcos concedera permissão à estranha mulher para entrar em sua casa
móvel e lá descansar. Afinal, parecia uma jovem rica e hippie, alternativa,
ou qualquer coisa do tipo, tentando se descobrir. Ao voltar para o fundo de
seu caminhão para pegar um cigarro, toda a feição da mulher havia se
transformado, com suas macias e pequenas mãos se transformado no
formato de garras de abutre, e os olhos tomado o formato enorme de uma
coruja em seu rosto disforme.
Os dentes eram afiados como os de um tubarão, e morderam sua garganta
de forma profunda e ágil, sem defesa. Nenhum fogo de artifício era ouvido.
O sussurro de cobras, insetos, pequenos pássaros e o barulho de gotas de
sangue no frio metal eram os únicos sons daquela noite de ano novo em
Guarapiranga.
Ao retornar a si, Lívia decidiu abraçar Marcos, para não deixá-lo morrer,
seco de seu próprio sangue. Era um homem perdido, mas de coração
selvagem, e que poderia ajudar na causa das irmãs. Seu instinto animal a
obrigava a proteger a nova cria, o novo ser noturno que criara.
Convenceria as irmãs. O ensinaria a lidar com a Camarilla para manter o
máximo possível de sossego, quietude e paz para caçar naquele solo
indígena sagrado e não disputado pelos outros imortais, apesar das
adversidades.
E assim, Marcos conviveu a primeira década de sua não vida. Após algum
tempo, Marcos começou a aprender mais com as corujas do que com as
constantes intrigas das irmãs Gangrel, incluindo sua senhora. E então
partira para as estradas novamente, como contratado do sistema
circulatório, transportando sangue, corpos, caronas que terminariam nas

São Paulo By Night – Página 57


mãos de imortais para horror e surpresa (e, para ele, um gordo
pagamento).
Vivia na estrada, ao redor de São Paulo principalmente. Quando sentia o
instinto chamá-lo, voltava para a represa e participava das discussões das
irmãs. Mas repelia o centro urbano da cidade de todas as formas. Ali as
luzes brilhavam e ofuscavam sua visão noturna. O barulho incessante
atrapalhava a caça. As pessoas o olhavam com desprezo, o Elysium o
lembrava demais da política brasileira e seus verdadeiros parasitas e
exibicionistas com sobrenomes estrangeiros e discussões inúteis.
Foda-se a Camarilla, o Sabá, a Gehenna, foda-se. Ainda havia Mata
Atlântica nativa para habitar. Enquanto a lei preservasse aquele território,
ali só desejava descansar em paz. Caso contrário, a estrada seria seu guia,
como sempre foi. O destino, só a próxima noite pode responder.
Uma música para inspiração: For Those About To Rock (We Salute You) –
AC/DC

Hecata
Emilia Della Passaglia

A pequena imperatriz, como é conhecida entre os Hecata, viu nas terras


brasileiras oportunidade de criar um entreposto para os negócios da
família com o oriente, onde teria menos interferência dos seres das trevas
europeus e suas decadentes tradições.
Com as trincheiras do conflito entre o Sabá e a Camarilla se expandido
cada vez mais em direção ao novo mundo, Emilia conseguiu autorização de
seus superiores para deixar Veneza em direção a São Paulo, com o objetivo
de demarcar o território da família na América do Sul, em uma cidade que
demonstrava potencial para um crescimento vertiginoso, e com muitos

São Paulo By Night – Página 58


conflitos sangrentos pelo caminho, o que sempre interessa aos Giovanni
em seus estudos da necromancia.
Acompanhada de Giorgio e Chiara, seus principais protetores, e que
faziam o papel de seus pais diante dos mortais, a macabra e distorcida
família alcançou o Brasil pelo Porto de Santos em 1892, estabelecendo-se
poucos dias depois em um opulento casarão na Rua da Consolação,
próximo ao único cemitério público da cidade - local perfeito para a
condução de seus experimentos sombrios.
Os Della Passaglia foram uma das primeiras famílias abraçadas pelos
Giovanni, no alvorecer do século XVI, visto sua considerável habilidade
em comandar expedições ao oriente para o negócio de especiarias, ópio e,
após abraçados, outros bens de interesse dos cainitas, como relíquias
obscuras e mortais com características sanguíneas distintas e refinadas, o
que atendia aos anseios dos Ventrue por todo o velho continente.
Como forma de evitar que os Della Passaglia recusassem a ceder ao
abraço, Roberto Della Passaglia abraçou a primogênita da família, para
que esta espalhasse a maldição aos demais membros, que a idolatravam e
viam na filha de apenas 18 anos, a esperança da família veneziana em seus
sonhos de grandeza.
Ao longo dos diversos conflitos europeus entre os seres da noite, apenas
Emilia permanece como integrante de sua família original, tendo, seus
pais, encontrado a morte final em complexas tramas de traição e alianças
obscuras.
Ao desembarcarem em São Paulo com a autorização do barão Brujah Dom
João Dias, os Giovanni prometeram neutralidade em relação aos conflitos
da cidade, e auxílio em relação a negócios e suas descobertas no mundo
dos mortos, que os interessassem. Foi o suficiente para cravarem suas
garras pútridas na cidade, de onde não mais saíram desde então, dando
início também ao fluxo de imigração italiana durante a mesma década, e à
imigração japonesa no começo do século XX.
Não só por motivos de incremento populacional, o Cemitério da
Consolação começou a tomar proporções cada vez maiores durante o início
do século XX.
Emilia teve sua curta vida mortal durante o século XVI tomada por uma
criação austera e voltada aos hábitos da burguesia italiana, o que envolvia

São Paulo By Night – Página 59


padrões e rituais de etiqueta extremamente rigorosos, estudo de diversas
línguas, sendo fluente em alemão, português, espanhol, japonês,
mandarim, latim e inglês, além do italiano. Sua infância também envolveu
o aprendizado com o pai acerca dos negócios da família, muitas vezes,
escondida, presenciando reuniões de negócios e seus resultados
sangrentos, e os estudos de cadáveres e da morte empreendidos por sua
mãe nos porões da casa da família.
Uma criança precoce, sempre teve também interesse especial no estudo de
filosofia e história, assuntos que assimilou com voracidade e rapidez,
devido à sua condição de superdotada e prodígio.
Apesar de ser uma adolescente extremamente inteligente, Emilia mostrava
traços de psicopatia e ausência total de empatia com os demais seres
humanos, usando a todos apenas para promover seus interesses pessoais,
até mesmo seus pais, que tudo faziam pela primogênita e filha única.
Emilia acostumou-se a sempre ter e exigir o tratamento de uma pessoa
superpoderosa e merecedora de todos os seus caprichos, retirando tudo e
todos que pudessem atrapalhar seus objetivos, de seu caminho.
Quando se viu abraçada por Roberto, um proeminente membro dos
Giovanni, mesmo após a imensa dor causada pelo abraço do clã, Emilia
não buscou vingança ou se revoltou contra seu mestre, mas, pelo
contrário, cumpriu com sua vontade de abraçar seus pais, pois viu em tal
condição vampírica a oportunidade de dominar o mundo inteiro, e fazer
dele seu estoque inesgotável de escravos e desejos.
A chance de ir a um novo continente foi vista por Emilia como a
oportunidade de ouro de sua não vida, e assim ela tem dedicado toda sua
energia e conhecimento em favor de seu clã, e, principalmente em favor de
si mesma.
Emilia tem apenas relacionamentos mecânicos a seu redor, julgando tudo e
todos dispensáveis. Possui elevado conhecimento de necromancia, e
costuma rodear-se de hordas de mortos vivos pútridos e venenosos onde
quer que vá, para se proteger, em virtude das aptidões físicas menos
favorecidas. Emilia sempre tem, próximos de si, Chiara e Giorgio,
membros do clã mais robustos e extremamente fiéis à causa de sua
senhora, desde que eram encarregados da segurança da nobre família Della
Passaglia em 1753.

São Paulo By Night – Página 60


Emilia entende não só os mortais e vampiros, mas a própria morte e os
seres que habitam o mundo espiritual e cadáveres, como ferramentas para
obtenção de sua supremacia, não tendo nenhum respeito por cerimônias,
religiões ou qualquer tipo de tradição, as quais conhece bem, devido à
necessidade de se relacionar com as mais diversas culturas e ideologias no
mundo dos mortais e no mundo das trevas.
Seu poder de necromancia a possibilitou, nas noites modernas, manter um
exército de mortos vivos ativos, mesmo durante o dia, na região da
Cracolândia e centro de São Paulo, especialmente ao redor da Sala São
Paulo, os quais seguem seu comando mesmo quando a vampira está
inativa. Seu apelido nas ruas, além de pequena imperatriz, também
costuma ser o de maestrina dos mortos.
As lendas entre os cainitas da cidade também espalham relatos de que
Emilia invoca, ocasionalmente, durante eventos em sua sede executiva na
Avenida Paulista, próximo de onde era o casarão dos tempos em que
chegou à São Paulo, o fantasma de Álvares de Azevedo, que, por sua vez,
perambula pela cidade entre o mundo dos vivos e dos mortos, possuindo
conhecimento e visões arcanas sobre a cidade e seus segredos mais
profundos.
Emilia possui uma personalidade fria, psicopata e obstinada em relação a
poder. Suas relações são puramente negociais e de interesses mútuos,
enquanto perdurarem.
Uma música para inspiração: You Want It Darker – Leonard Cohen.

Lasombra
Antoine Lévi

Muitos dos Lasombra não são mais fiéis ao Sabá após a destruição em
massa causada pela Segunda Inquisição aos cainitas do continente europeu.

São Paulo By Night – Página 61


Muitos do clã que vivenciaram os esforços dos mortais para destruir os
herdeiros da noite tornaram-se, nos tempos modernos, fiéis apenas à sua
própria sobrevivência.
Após a grande caçada que ocorreu em Paris, o imortal Antoine Lévi,
francês de ascensão judaica, viu São Paulo como alternativa às investidas
das inquisições humana e do próprio Sabá, em meio a tantas intrigas,
desconfianças e lutas por poder.
Após comprar seu caríssimo trecho aéreo entre Paris e São Paulo, o qual
lhe custou uma propriedade em Tiffauges, livros de conhecimento arcano e
uma dívida com os Della Passaglia em relação a propriedade intelectual
produzida em São Paulo, Antoine Lévi adquirira proteção dos Giovanni e
neutralidade das demais correntes filosóficas que atuam em São Paulo, em
2005.
Desde então ele mantém abrigos em propriedades seculares do bairro de
Higienópolis, onde dedica-se, com um séquito de estudiosos da cabala, à
análise do abismo e seus poderes e influências no mundo dos mortais e
imortais, muitas vezes em reuniões e clubes secretos do distinto e recluso
bairro no coração da cidade.
O exilado, como é conhecido pelos habitantes noturnos de São Paulo,
exerce razoável influência sobre diversos círculos de mortais e imortais de
seu bairro e da cidade, em razão dos conhecimentos acadêmicos e do oculto
que possui. Emilia muitas vezes investe em suas pesquisas, a troco de
conhecimento e poder, os quais Antoine compartilha com discrição e certa
parcimônia. Estudos do rompimento do véu entre o mundo dos mortos e o
dos vivos são de especial interesse dos necromantes, e eles costumam
pagar muito bem por descobertas nesse sentido.
Antoine tem recuperado rapidamente parte de seu investimento realizado
em prol da fuga de seus inimigos ao redor do globo, e tem o refúgio
perfeito para dedicar-se à sua paixão tenebrosa, com poucas perturbações.
Nos últimos anos, os tentáculos das sombras e da tenebrosidade têm
engolido, silenciosamente, a região central da cidade, longe dos olhares de
alguns habitantes mais antigos do domínio paulistano.
A agenda fluida e secreta de Antoine e de alguns Lasombra em São Paulo
só consegue traçar paralelo com um objetivo, que é aumentar o poder do
abismo sobre o território.

São Paulo By Night – Página 62


Todos que quiserem mergulhar na escuridão e nas trevas, em uma viagem
sem retorno, são muito bem-vindos a fazê-lo imediatamente, desde que
saibam que o exílio pode se tornar, para sempre, sua eterna morada.
Antoine tem fala extremamente silenciosa, de difícil compreensão em
língua portuguesa, dadas suas origens, e habilidades elevadas no oculto e
na tenebrosidade, apesar de ser de uma geração mais jovem.
Foi abraçado nos anos 50 em sua cidade natal de Paris, onde serviu a seu
senhor do Sabá até o início dos anos 2000, resistindo à forte presença dos
Toreador na cidade, clã com o qual ainda tem profundas rixas. Já com os
Nosferatu, possui amizade, o que lhe dá trânsito também no centro velho
de São Paulo, onde costuma trocar informações e segredos à moda antiga,
sem uso de tecnologia.
Um dos recentes objetivos do Lasombra tem sido construir um novo
Elisyum, especialmente para os vampiros que não gostam muito de se
aventurar entre os descontrolados mortos vivos na região da Luz e da Sala
São Paulo para negociar e debater o destino dos vampiros locais e da
América do Sul. Até mesmo alguns Ventrue ligados à Camarilla têm
apoiado suas ideias, com parcimônia.
Uma música para inspiração: My Church Is Black – Me And That Man

Alice Bastos Monteiro

Alice teve uma infância tranquila e comum durante a década de 80, na


cidade costeira e turística de Cascais, aos arredores de Lisboa. Como um
dos principais destinos para surfistas europeus, a cidade sempre contou
com o guia especializado, Luis Monteiro, para ensinar aos viajantes a se
orientar nas melhores ondas, quais as melhores épocas para aproveitar a
cidade e como aprender a arte do Surf. Luis tinha sempre, a seu lado,

São Paulo By Night – Página 63


naquela época, a pequena Alice, simpática, brincalhona e espontânea, além
de naturalmente talentosa na prática de esportes aquáticos.
Assim era a vida de Alice, até que, em 1996, quando tinha apenas 15 anos,
seu amado pai sofreu um acidente em alto mar, ao escorregar, ser levado
pela correnteza ao encontro de rochas, e fraturar o crânio.
Alice, a menina surfista e que passava seus dias na praia com os amigos, se
tornou soturna e depressiva, abandonando a escola e dedicando-se cada
vez mais a atividades ilícitas como furtos e uso de drogas, que passou a
fazer como forma de escapar da convivência com a mãe, que se entregou ao
alcoolismo, sem saber como lidar com a morte do marido.
Em um de seus espasmos violentos, quando tentou espancar Alice e seu
irmão mais novo, de apenas 7 anos, a reação da filha tomou proporções
impensáveis: de forma brutal e grotesca, Alice esfaqueou a mãe até a
morte, na própria cozinha da casa, deixando o irmão dormindo em seu
quarto, e fugiu para as sombras da noite, sem nunca mais retornar à cidade
natal.
Aos 22 anos, como foragida e fugitiva da polícia, a portuguesa já era uma
especialista em furtos, falsificações, extorsão, chantagem e golpes em
geral, mudando-se entre grandes capitais europeias como Praga,
Budapeste, Viena e Munique, sempre arranjando formas de não pagar
alugueis ou escapar de dívidas com suas identidades falsas.
No fim da década de 2000, Alice se tornou um fantasma. Perigosamente
retornando às proximidades de seu país natal, em uma noite de primavera
em Madri, Alice adentrou em um elegante bloco de apartamentos de luxo,
com muitos residentes idosos - um crime fácil, se burlados os vigias e
porteiros, em silêncio.
Preparada para espancar, se necessário, qualquer vítima mais barulhenta,
seja ela um idoso, criança ou animal - pois assim ela se tornara, uma ladra
cruel, fria e egoísta, colocando suas necessidades acima de tudo - Alice
conseguiu lentamente entrar no primeiro apartamento, através do
arrombamento de uma fechadura.
Cortinas fechadas, apartamento escuro, coberto por tapetes e poucos
móveis. Seria rápido e, aparentemente, sem barulho. Apenas um senhor
que aparentava 60 anos dormia no quarto, ao lado do cofre. Poderia ser
sua última noite caso acordasse, se dependesse de Alice. E assim ele o fez.

São Paulo By Night – Página 64


Com força descomunal para um senhor de pequeno porte, o homem fez
com que a caçadora se tornasse presa. Rendida e sem forças, Alice ouviu do
homem, para seu total assombro, que ela era esperada por ele, um fã de seu
trabalho, e que, a partir daquela noite, ela teria sua vida roubada, tendo
que trabalhar para ele, pelo resto das noites - que serão tudo que terá.
Sem muitas opções de revidar, Alice foi abraçada por seu novo senhor,
oriundo do clã Lasombra, adentrando em um ciclo de servidão às suas
tarefas macabras, envolvendo sequestros, tráfico humano, venda de órgãos
e os já clássicos roubos e golpes.
Com o crescimento das tensões relacionadas à Segunda Inquisição no
continente europeu, em 2017 Alice se separou de seu senhor, e viveu anos
de isolamento no Uruguai, onde foi descoberta por Gonçalves Pereira, o
Senescal de São Paulo que a contratou como mercenária para a Camarilla
da cidade, em uma missão sigilosa.
Recém-chegada na cidade, e sob elevada desconfiança e tensão dos cainitas
locais, especialmente entre os anarquistas, a única facilidade com que Alice
irá lidar é a língua portuguesa. Mas o ambiente de adversidade é
exatamente onde foi forjada, e ali ela prosperaria, a qualquer custo, como
tem feito ao longo de toda sua não vida - agora, longe de seu senhor e seu
forte laço de sangue, com a possibilidade de escrever sua própria história,
cheia de conquistas e glórias, como as que corriam no sangue de seus
senhores e compatriotas.
Uma música para inspiração: Seek & Destroy – Metallica

Malkavianos
Flávia Cintra

Uma das poucas pessoas a se formar no curso de engenharia mecatrônica


de sua faculdade, no interior de São Paulo, e também a se especializar na
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programação de redes neurais para autoaprendizagem de máquinas, Flávia
havia se tornado uma pessoa muito orgulhosa de si mesma, embora sua
aparência discreta não o demonstrasse.
Boa parte de sua vida e seus conflitos se passavam no âmbito das redes
sociais, fóruns de internet, jogos online, e até mesmo sites especializados
em encontros amorosos.
A pequena mulher de 1,55 metros de altura, com óculos de grau por cima
dos sombrios olhos castanhos, quase cinzentos, se transformava numa
gigantesca criatura de soberba, orgulho e ódio ao desferir xingamentos,
humilhações e bullying sobre tudo e todos que estivessem em seu caminho.
Talvez as atitudes reprováveis de Flávia se dessem como compensação de
sua grande timidez e senso de injustiça em relação ao mundo, que não
conseguia expressar no mundo real, nem reprimir no mundo digital.
Em 2015, após trabalhar em consultorias de segurança digital e
desenvolvimento de mecanismos de encriptação, extração e decodificação
de dados para grandes empresas e bancos, Flávia recebeu uma proposta de
emprego para trabalhar em uma incipiente companhia nacional de
segurança privada, a FDSS. Lá, a experiente programadora, já com seus
quase 40 anos de idade, teria a chance de chefiar seu próprio departamento
de segurança digital, com a missão de desenvolver um software integrado
de segurança e proteção, que fosse capaz de acionar os mecanismos de
proteção a todos os clientes, em potenciais situações de risco às suas
integridades e propriedades.
Caso o software de Flávia fosse um sucesso de vendas e lucro para a
companhia de Fernando Dutra, ela poderia se tornar sócia do negócio, com
uma pequena parcela de ações, que lhe possibilitariam, além do salário,
participação nos lucros de seu projeto.
Flávia obviamente aceitou a interessantíssima proposta, mas por motivos
um tanto quanto diversos dos financeiros; a entrevista e negociação com o
CEO da empresa a deixaram apaixonada pelo executivo como nunca antes
estivera por ninguém. Obviamente, jamais deixaria transparecer esse
sentimento, como muitos outros que tinha em sua vida, e tentaria
demonstrar sua paixão através de seu projeto de inteligência artificial.
Quem sabe não usar sua posição para aprender, também, acerca desse
magnífico homem? Saberia tudo sobre ele, sua vida, seus negócios, seus

São Paulo By Night – Página 66


desejos e o conquistaria de alguma forma, como mais um de seus triunfos
pessoais e profissionais.
Após três anos de desenvolvimento do projeto de segurança digital, que
não foi interrompido devido à troca de controle da FDSS pela Bloodhound,
o trabalho estava concluído e já em pleno funcionamento. Flávia
desenvolvera um dos mais avançados sistemas de segurança de dados e
segurança pessoal do mundo, integrando câmeras, internet, rádios de
seguranças armados, carros, celulares e contas bancárias em uma
gigantesca rede de proteção, vigilância, e potencial espionagem.
No entanto, nos últimos anos, Fernando Dutra, o CEO da companhia,
apenas falava com sua nova sócia em reuniões noturnas esporádicas, o que
não a dava muita chance de sedução, conquista ou momentos de
descontração, os quais ela passava em redes sociais, buscando conflitos,
frustrações e notícias de desgraças ao redor do mundo, ou como
personagem de RPG online, em que era forte, destemida, e cheia de
poderes mágicos para liderar esquadrões e aventuras em mundos distantes
de sua realidade tediosa.
Mas Fernando não deixaria passar despercebido o talento de sua nova
sócia minoritária, e os alemães da Bloodhound não gostavam muito de se
associar a mortais em sua tão secreta e delicada organização.
Logo, Flávia foi convidada a uma reunião de negócios presencial em
Frankfurt, em 2016, como Fernando havia sido alguns anos atrás. Ele não
acompanharia a sócia, para sua dilacerante frustração, deixando-a apenas
com algumas instruções de assuntos a tratar.
O objetivo da reunião seria discutir algumas especificidades do sistema da
FDSS para sua implantação em algumas grandes cidades europeias, para
utilização em atividades de contra inteligência em relação a “organizações
paramilitares com interesses divergentes aos da Bloodhound”. O
solicitante da reunião, a pedido da família Stalburg, seria Klaus Hoffmann,
diretor de tecnologia da organização.
Em Frankfurt, a sala de Klaus não era muito diferente do aspecto funcional
e sem muito brilho do restante da empresa, absolutamente focada na
produtividade e eficiência de seus serviços, diferenciando-se, apenas pelas
seis grandes telas de computador em que o peculiar senhor se debruçava
constantemente. Flávia sentiu certa aproximação com sua frieza e

São Paulo By Night – Página 67


objetividade de discussões técnicas, mas um pouco menos com seus tiques
nervosos que aparentavam certos apagões mentais ou distanciamento da
realidade e da conversa que estavam tendo. Talvez reflexo de uma mente
brilhante ou avançada demais, pensava Flávia.
Mas o que Flávia jamais esperava seria ser segurada, na cintura, pelas
mãos do aparentemente distante executivo, e uma mordida dolorosa, mas
ao mesmo tempo prazerosa e psicodélica no pescoço, que lhe causara um
leve desmaio, e um acordar, duas noites depois, para a eterna noite do
mundo das trevas.
Após contida a vontade de correr, fugir ou matar seu senhor pelo
acontecimento, devido à forçada ingestão de sangue por um cálice, Flávia
ainda não se sentia muito bem.
Vozes sussurravam milhares de coisas em sua mente. Sinais e dados de
celulares, computadores, imagens de câmeras, lembranças de vídeos que
nunca havia visto. A dor mental, perturbação e stress lhe invadiam como
ondas aleatórias, que só se apaziguavam quando, agora sem ser forcada
por Klaus, ela bebia do sangue fresco em um bebedouro à sua disposição,
na mesma sala em que antes haviam conversado sobre seu sistema.
Após sua resignação e abertura para ouvir o que Klaus tinha a lhe dizer,
Flávia descobrira que agora era uma eterna vampira, e que carregaria um
dom e uma maldição, uma visão além do alcance até mesmo do mundo
sobrenatural; pois tinha sido abraçada como membro do clã malkaviano.
Seu projeto de sistema, ouvira de Klaus, seria ela mesma.
Ao longo de sua não vida, interagiria com todos seus mecanismos e com o
mundo digital, buscando filtrar e armazenar informações para uso da
Camarilla, como uma rede neural orgânica e biológica, à prova dos hackers
da segunda inquisição ou quem quer que seja. Flávia deveria ser a
revolução e a resposta dos vampiros à ameaça humana que espreitava
todos os cainitas.
Mas a tarefa de Flávia era árdua. De volta a São Paulo, lugares lotados e
com uso intensivo de aparelhos eletrônicos a desorientavam e confundiam
as noções de realidade física e virtual; a esquizofrenia entre suas
personalidades agressiva e tímida era intensificada.
Em um momento de menor timidez, ou maior loucura e coragem, Flávia
finalmente conseguiu seduzir Fernando e se tornar sua amante, e sua

São Paulo By Night – Página 68


companhia na travessia de ambos pela não vida de São Paulo e seus
grandes desafios.
A proximidade com sua paixão, por tantos anos, platônica, também a
possibilitava momentos de sobriedade muito produtivos, nos quais Flávia
conseguia, com sucesso, extrair dados e visualizar câmeras de pontos
extremamente distantes da sede da FDSS, e até mesmo fazer contato com
entidades sobrenaturais e ter um lampejo de tais atividades na cidade.
Uma música para inspiração: Feral – Radiohead.

Inés Del Castillo y Corrientes

Inés recebeu seu abraço durante a guerra civil espanhola, no ano de 1938,
quando tinha 25 anos, nos arredores de Barcelona, após ter sido julgada
morta durante o fuzilamento de sua família por tropas republicanas,
ligadas ao comunismo, em um ato desesperado de chacina e violência
gratuita que resultou na destruição de milhares de inocentes e da fuga dos
assassinos para outros países.
Herdeira de uma família tradicional catalã, Inés era noiva de um diplomata
espanhol que, durante os eventos do ataque de sua família, negociava a
posição diplomática dos nacionalistas junto à Itália.
O horror da execução de sua família, em conjunto com a rapidez e
brutalidade com que os fatos se desenrolaram, marcaram sua vitae de
forma profunda, especialmente quando a então neófita se viu transformada
sem praticamente nenhum auxílio de seu senhor, um malkaviano que
despertou do torpor e a abraçou para deixá-la dominar sozinha a maldição
que a acometeu.
Devido aos grandes poderes de seu senhor, Inés não teve dificuldade para
entender suas novas forças e limitações, em que pese o estresse pós-

São Paulo By Night – Página 69


traumático que sofreu em decorrência da visualização do assassinato de
toda sua família, fazendo com que a vampira se tornasse extremamente
cuidadosa, paranoica, violenta e obstinada contra tudo e todos que
acreditava ameaçarem sua existência. Durante sua não vida, Inés não
hesita nunca em eliminar inimigos e ameaças com rapidez e sem qualquer
cerimônia, bem como agentes neutros e até mesmo aliados.
Nos últimos anos da 2ª guerra mundial, Inés mudou-se para o Chile, em
busca de seu antigo noivo, para descobrir que este havia se casado e tinha
constituído outra família, sem sequer buscar pelo que tinha acontecido com
ela, focando exclusivamente em sua carreira na diplomacia. Tais fatos
foram descobertos por Inés através do uso de auspícios exatamente no
momento em que desembarcou em Santiago.
Ao buscar confrontar seu antigo noivo, e ser recebida por tiros após
poucas palavras, e ouvir os gritos desesperados dos familiares dele, Inés
entrou em frenesi e assassinou toda a família e seus serviçais, sendo
encontrada semanas depois pelos membros da Camarilla local, coberta de
sangue e entranhas de diversos cadáveres, e falando acerca de políticos
locais e sul-americanos que entendia que tomariam o poder 50 anos depois.
Ao perceber tamanha ferramenta de destruição e astúcia que poderia estar
a seu dispor, Robert Whitefield, um Ventrue com grande poder econômico
e político na cidade de Santiago, resolveu aliar-se à vampira e ensiná-la
todas as táticas e engenharias da Camarilla, seus objetivos, visão,
comportamentos e estratégias. Algumas décadas depois, Robert viria a se
tornar o próprio príncipe de Santiago.
Inés finalmente não se viu mais sozinha no mundo das trevas, mas sim
entre criaturas de bom gosto e tradição, como sempre esteve em sua vida
como mortal, almejando os mesmos objetivos, e pelos mesmos meios.
Em 1947, Robert e seu senhor, então príncipe de Santiago decidiram
enviar Inés a São Paulo, território onde a Camarilla tinha pouca ou quase
nenhuma influência, visto se tratar de palco de antigos conflitos entre
Brujah anarquistas e o Sabá, agora intermediados pelos (oportunistas)
Hecata, há algumas décadas.
Em seus primeiros anos em São Paulo, Inés conheceu a cidade como
agente infiltrada da Camarilla, propiciando cadáveres de todos os tipos e
alianças para Emilia e seu clã, conquistando a simpatia da primogênita,

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respeito, inimizades e alianças entre os conflitantes Brujah e Lasombra da
cidade, mantendo-se sempre fiel à Camarilla e reportando suas conquistas
à Santiago, que preparava, durante anos, a conquista de Buenos Aires e
São Paulo, mantendo sua influência sobre o campo neutro do Rio de
Janeiro e seu pacto de não agressão.
Durante os anos de regime militar no Brasil, Inés foi agente importante na
interpretação da cena política dos imortais, compreendendo e prevendo os
pensamentos dos envolvidos em relação às suas alianças, necessidades e
anseios, desenvolvendo a disciplina de dominação entre lacaios e vampiros
de geração inferior, além da previsão de linhas temporais onde poderia
agir em benefício próprio e de seus aliados, ganhando cada vez mais
prestígio na Camarilla e medo entre seus potenciais inimigos, dada a
violência, rapidez e impetuosidade de suas ações e decisões, muitas vezes
imprevisíveis e guiadas pela pressão e medo de ter seu círculo próximo
executado como sua família mortal.
Durante o fim do regime militar no Brasil em 1985, Inés se viu em um
ambiente de alta pressão e paranoia, onde se desvencilhou das ordens de
seus superiores devido à perturbação mental que sofria ao tentar prever os
próximos movimentos dos grandes agentes militares e políticos.
Nessa época, já detentora de grande influência sobre a cidade de São Paulo
e instalada na emergente região da Avenida Faria Lima, Juscelino
Kubitschek e arredores, Inés iniciou uma onda de conflitos sem
precedentes entre vampiros da Camarilla que julgava traidores, em
especial Brujah, Lasombra aparentemente neutros e até mesmo alguns
membros do clã Hecata, que julgou poderosos demais e com necessidade
de serem enfraquecidos, em nome da Camarilla, e por não favoreceram a
ordem tanto como nos anos anteriores.
Ataques a tantos vampiros de diferentes ideais e agendas, em tamanha
rapidez e brutalidade, mergulharam a cidade em um caos sem precedentes,
culminando na morte final de Robert Whitefield, então príncipe de
Santiago, por Raposo Correia, arcebispo do Sabá em São Paulo, aos pés da
Catedral da Sé, em 1991, quebrando a máscara e em vista plena de alguns
civis que transitavam pela região, em busca de fé ou aventuras profanas.
Poucos ou nenhum são capazes de narrar o conflito hoje em dia.
A estratégia que Inés não tinha sido capaz de prever foi a mudança rápida
que o Sabá fez, ao fim do regime militar, entre apoio e influência aos altos

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círculos nacionais, para infiltração nas organizações criminosas e ocultas,
que tiveram como consequência o próprio fim do regime que ajudaram a
criar. Tal fato causou a morte de seu mentor.
Consumindo quantidades homéricas de sangue, Inés influenciou por
dominação, e até mesmo demência, a ordem do governo paulista para
invasão do presídio do Carandiru, onde seus lacaios descobriram ser um
importante campo de caça e recrutamento para membros do Sabá. Dada a
pressão mental de Inés, os eventos envolveram um banho de sangue e caos
sem precedentes, contando com assassinato, perseguição e execução de
mortais e vampiros, quebra da máscara e repercussão mundial.
Durante o caos e distração da imprensa que sucederam ao evento, Inés
partiu às ruas, com antigos inimigos Brujah, aos quais prometeu
territórios importantes de São Paulo, e exterminou, em questão de dias,
dominando e causando demência e paranoia em seus soldados vampiros, a
totalidade dos territórios do Sabá, forçando os poucos sobreviventes a
buscarem refúgio em Buenos Aires e outras cidades mais distantes.
Apesar da morte final de outros importantes membros da Camarilla
durante o batismo de fogo da cidade, anciões do continente europeu e dos
EUA, em especial seus antigos aliados do clã Ventrue, decidiram conceder
o título de príncipe a Inés del Castillo y Corrientes, com a condição de que
ela cedesse territórios também aos Toreador, que apoiaram maciçamente a
recomendação dos Ventrue.
O principado de Inés sepultava parcialmente o sonho dos Brujah
bandeirantes, que originalmente sonhavam e, tanto lutaram, por fazer de
São Paulo a tão idílica e desejada Cartago de seu clã, lembrando bastante
os fatos ocorridos no império romano. Mas muitos Brujah a apoiaram em
seu principado, seguindo sua força, e loucura talvez, através da esperança
de um futuro de domínio e potência imprevisíveis. Muitos dos raivosos do
clã também viram sua ascensão com desconfiança, mas o Sabá fora
aniquilado em questão de dias, e era um inimigo a menos com que se
preocupar.
Desde 1992, o principado de Inés em São Paulo sofreu apenas uma única
grande tentativa do Sabá de golpe de estado, através de comando
criminoso novamente organizado de dentro de presídios, em 2006, sendo
rapidamente suprimido, visto sua previsão e de demais oráculos da
Camarilla.

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Desde então, a cidade cresce em ritmo violento de convulsões sucessivas,
imprevisíveis, brutais e caóticas, sob os olhos de ávidas criaturas das
trevas, noite após noite, que buscam pelo momento certo para atacar e
tomar o maior domínio populacional da América do Sul para si mesmos.
Sob tensão e perigo crescentes, a príncipe formou, na última década, um
Conselho de Primogênitos, o qual, de forma inovadora, possui mandatos
temporários e alternantes, segundo uma lógica que apenas a própria
príncipe parece entender. Tal descentralização de poder e sigilo por trás
das decisões mais estratégicas da Camarilla no domínio, parecem ter sido o
maior trunfo da Torre de Marfim em sua sobrevivência à devastação que a
Segunda Inquisição causou recentemente em grandes cidades ao redor do
mundo, como em Londres.
A única fraqueza aparente da príncipe, apesar de seu alto nível de domínio
sobre sua demência, parece ser presenciar cenas de conflitos em sua
proximidade, especialmente os que se tornam violentos, causando medo,
ódio e fúria na vampira, e até mesmo podendo ocasionar seu frenesi.
Uma música para inspiração: God’s Gonna Cut You Down – Johnny Cash

Joaquim Flores

Filho de uma mãe extremamente religiosa, e adepta do protestantismo


tradicional, e de um pai boêmio, e criado em uma família de classe média
alta da Zona Oeste paulistana, Joaquim desfrutou de uma vida pacífica e
bem provida durante sua infância e adolescência entre os anos 80 e 90. Os
longos cabelos loiros e as roupas estilo grunge fizeram-no conquistar
diversas colegas durante o auge de seus anos no colégio, e em maior ou
menor medida, ele sempre tentou manter essa influência do Nirvana e do
grunge viva em seu jeito rebelde sem causa e conquistador. Muitos de hoje
em dia classificariam o estilo como hipster, ou simplesmente rock and roll.

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Apesar de todo o conforto, e nenhuma dificuldade para entrar e se formar
em uma renomada faculdade de psicologia em São Paulo, com intercâmbio
em Madri, Joaquim sempre buscou por um significado além da vida em sua
existência.
Trilhar o caminho de Santiago de Compostela sob a influência de
lisérgicos com desconhecidos o fascinou, e fez com que sua viagem de
apenas 30 dias pela Europa se transformasse em 8 meses, incluindo a
Turquia e recantos perdidos de Istambul, onde conheceu segredos de
profetas islâmicos, religiões africanas e suas relíquias ligadas a orixás do
candomblé, estudiosos de textos apócrifos do antigo cristianismo e muitos
outros mistérios.
Quando retornou ao Brasil, o jovem de 26 anos não praticou a psicologia,
mas continuou focando seus esforços intelectuais ao oculto e místico,
combinando seu conhecimento de Rimbaud, Baudelaire, Crowley, Blake e
Jung ao transe do candomblé e às tradições dos mais obscuros recantos do
Brasil e da América do Sul, os quais visitou e circulou a pé por mais dois
anos.
As drogas, as pessoas, doenças e jornadas que vivenciou, para ele, são
todos conectados ao fim supremo. Uma gota de orvalho, uma abelha
suspensa no ar, o lobo faminto que espreita pela noite: qual traz a resposta
mais profunda?
De forma espontânea, grupos de amigos e conhecidos de Joaquim
começaram a acompanhá-lo ao longo de suas cruzadas pelo Brasil, nas
quais ele seguia nada mais que o vento, as estrelas e seu fluxo de
consciência, o qual, após sessões de dias de meditação, ele liberava para
falar e ensinar em estado de transe, muitas vezes induzido por drogas e
magia sexual. Suas profecias e constatações sobre o passado, presente,
futuro e mistérios eram realizadas em inglês, português, espanhol e
dialetos africanos, preenchendo o silêncio da noite e o coração de quem o
acompanhava pela busca de mais mistérios e segredos, além da razão e do
senso comum.
Uma das participantes das sessões noturnas de Joaquim, em 2016, foi Inés,
a qual analisou o jovem através de auspícios, visões e olhares durante
horas à fio, sendo os demais convidados dispensados, dado o fascínio do
jovem pela suposta empresária.

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Após revelar-lhe sua identidade, Joaquim aceitou de bom grado a oferta do
abraço, sabendo que a loucura malkaviana nada mais era que outra lógica
de se ver o mundo, talvez o mundo real e a lógica verdadeira. Assim,
Joaquim é a atual criança da príncipe de São Paulo, e suas falas, estudos e
métodos inovadores de análise do mundo físico e sobrenatural encantam o
Elisyum das noites paulistanas.
O dom de Joaquim também auxilia a criar condições mais leves e
favoráveis a negociações entre os imortais menos propensos a ouvir a
Camarilla, na maioria das vezes. Como explicar esse fato, o próprio
vampiro tem tentado entender, noite após noite.
Ao receber o abraço, Joaquim frequentemente se vê catatônico, por
algumas noites, e, recentemente, quase um mês sem realizar qualquer fala
e com pouquíssimos movimentos, o que quase o levou ao torpor, não fosse
a observação de um de seus servos, que acabou com as veias totalmente
secas para que seu senhor retornasse à atividade.
Em seu estado de catatonia, Joaquim alucina e se comunica com entidades
inomináveis, de tempos e universos sombrios. No entanto, Joaquim ainda
não tem conhecimento suficiente sobre em quais condições seu estado
perigoso é atingido, o qual pode até mesmo destrui-lo. De qualquer
maneira, ao retornar desses lapsos, embora com sede de sangue e
destruição que nunca antes tivera a necessidade de saciar, ele sempre está
mais próximo e conectado às profundezas e tentáculos do mundo oculto e
seus seres poderosos e sábios.
Uma música para inspiração: Something In The Way – Nirvana

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Nosferatu
Carvalho Rocha

Durante a penúltima década do regime militar no Brasil, ou seja em 1970,


Carvalho Rocha, um militar de patente mediana, havia conseguido impedir
diversos atentados terroristas da extrema esquerda contra o Rio de
Janeiro e importantes pontos turísticos da cidade, usando táticas de contra
inteligência e espionagem, muitas vezes envolvendo terror psicológico
contra familiares dos grupos de comunistas e criminosos organizados.
Pelos excelentes serviços prestados ao estado brasileiro, o militar carioca
foi promovido a coronel e designado para a cidade de São Paulo, onde
comandaria uma unidade de inteligência secreta e experimental, cujo
objetivo seria desarticular terroristas ligados ao comunismo, e qualquer
ameaça à soberania do alto comando e da nação.
Tendo a liderança de uma equipe experiente pela primeira vez, Carvalho
adquiriu carta branca do alto comando para se utilizar de quaisquer
métodos para obter as informações exigidas e atingir os objetivos
estratégicos.
Ao se mergulhar em trabalho e ficar por meses sem visitar sua família, o
coronel acabou enfrentando um doloroso divórcio, o qual buscou
compensar através da busca por ainda mais trabalho e análise de potenciais
inimigos. Sua paranoia atingiu níveis recordes durante a segunda metade
dos anos 70, quando até mesmo palhaços e mímicos de rua costumavam
ser levados para interrogação em porões secretos de concreto espalhados
por uma rede de túneis no centro velho da cidade (onde, supostamente, os
prédios não têm garagens).
Ao começar a torturar e assassinar toda e qualquer pessoa, sem qualquer
motivo, e com apoio do estado, o coronel tornou seu trabalho em um

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hobby macabro, e um fim em si mesmo, onde utilizava informações de
pessoas comuns para descobrir se a sua vizinha bonita tinha namorado ou
era viúva, por exemplo.
Enquanto os métodos de tortura e o número de vítimas evoluíam,
Carvalho Rocha alimentava o alto comando com informações pouco
precisas, mas de alto impacto se confirmadas, o que o manteve no posto até
os anos da redemocratização, no qual seu cargo perdeu de vez a
importância dos anos de chumbo.
Na iminência do planejamento da conquista da Camarilla ao território
paulistano, o Nosferatu argentino, Rojas, adquiriu informações sobre o
poderoso e sádico coronel, e o esperou nas sombras de seu apartamento
onde morava sozinho, na região de Pinheiros. Naturalmente, tiros e luta
corporal não foram suficientes para impedir seu doloroso abraço, no qual o
coronel sofreu, por noites infindáveis, toda a dor que infligiu em suas
vítimas, e o rancor que sentia por toda a humanidade e traços de vida e
esperança.
Ao renascer no mundo das trevas como um ser velho, decrépito e
deformado, Carvalho Rocha foi, de fato, peça fundamental na conquista de
São Paulo pela Camarilla, organização que guarda traços com aquela onde
ele ascendeu enquanto mortal. Na Camarilla, o cainita ganhou prestígio
distribuindo briefings acerca das ligações entre a igreja católica, partidos
políticos e organizações criminosas e toda a teia de membros do Sabá que
dominavam a cidade, incluindo alguns de seus superiores de alto escalão
durante o regime militar.
Pela brutalidade aliada à discrição com que tratou seus inimigos,
ocultando sempre da príncipe seus métodos sádicos de resolução de
problemas, Carvalho Rocha foi nomeado como o xerife da cidade, nas
noites atuais, embora poucos o conheçam, ou mesmo já o viram em
reuniões sociais. Geralmente, quando seu rosto bestial é avistado por um
imortal, costuma ser sua última visão antes da morte final.
Uma música para inspiração: Extinção em Massa – Krisiun

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Cracuda

Desde meados dos anos 90, a jovem de origem já desconhecida


perambulava pelas ruas de São Paulo, sem identidade, nome fixo,
residência ou qualquer pertence por mais de 72 horas - já se tornara uma
estatística dentre os grupos de pessoas envolvidas com prostituição,
cocaína e cachaça, 24 horas por dia e 7 dias por semana.
Em um dia, se chamava Roberta, no outro, Andrea, depois, Flávia, Priscila,
e assim por diante. A seus clientes na região da Luz, e seus fornecedores,
pouco importava. Ela era uma fornecedora e uma cliente de sexo e drogas.
Vivia vendendo um sexo rápido e mecânico, sem qualquer sentido, por um
vício rápido, intenso e desprovido de qualquer outro sentido. Quando
descobriu o crack, quase no início dos anos 2000, virou apenas a Cracuda.
E a droga, de maior potência e devastação que o pó, assassinou por
completo o pouco de alma e humanidade que lhe restava. Suas habilidades
de sobrevivência e resistência, no entanto, eram memoráveis. Cracuda
conseguia sobreviver por quase uma semana sem uma refeição própria, se
alimentasse seu vício a cada dois dias, pelo menos. Apesar da vida extrema
nas ruas, mesmo nas noites de inverno e convivendo com diversos
degenerados e animais vetores de doença, ela raramente contraía algo
além de um resfriado, ao dar andamento em sua rotina cadavérica e
desprovida de esperança.
Diariamente, lá estava ela, entre as multidões de mendigos e mortos vivos,
perambulando pela Luz, Brás, Sé e entornos do centro velho, dentre as
ruas mais abandonadas, escuras e perigosas, cometendo pequenos delitos e
se prostituindo para conseguir o sustento do vício diário.
O excedente além do vício, em recursos financeiros que conseguia, sempre
ia para as crianças ou os mais doentes, principalmente as outras mulheres e
travestis que já haviam contraído o vírus da AIDS, e não conseguiam ou
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queriam se medicar em hospitais, preferindo a boa vontade dos
companheiros de rua.
Quando não estava sob efeito do vício, que a tornava extremamente
paranoica e violenta, Cracuda tinha um mínimo de preocupação com
aqueles que compartilhavam das leis e vida paralelas das ruas.
Em mais uma noite de delírio, doença e pesadelo sem fim, ela foi convidada
por um homem extremamente esguio, pálido, sinistro e amedrontador,
para um quarto de um cortiço nos arredores da Rua Helvetia, exigindo
dele uma quantia razoável para passar a noite, e que mostrasse o dinheiro
antes.
Mesmo com um pouco de medo do aspecto deformado e bizarro do
homem, aceitou seu convite, por um impulso a consumir boa quantidade de
drogas no dia seguinte, e também por não valorizar muito sua própria
vida, além do vício do dia posterior. As roupas do estranho homem
também não aparentavam ser de algum miserável da região, mas de
alguém com poder aquisitivo suficiente para pagar o que oferecia, além do
aspecto de senhor de idade. Um velho pervertido, talvez, em busca de
aventura ou no fundo do poço da depressão.
Ao adentrarem o decrépito e imundo quartinho de hotel, Cracuda foi
mordida no pescoço logo após a tranca da porta se fechar, e as últimas
palavras que ouviu após começar a sentir uma dor excruciante em todas as
veias do seu corpo, levando-a a se debater e urrar, foram que ela iria
agradecê-lo por isso.
Ao longo de sete noites, Cracuda sentiu a abstinência de seu longo vício
consumi-la, enquanto era substituído pelo desejo de sangue de ratos,
pessoas, e do estranho que a havia transformado. A paranoia havia
desaparecido, bem como o ódio e a autodestruição. Em seu lugar, surgiam
uma clareza e sobriedade que desde a infância não sentia.
A sua aparência havia se deteriorado ainda mais, com o crescimento de
presas, dentes e orelhas pontiagudas, pele cinzenta e garras sobre dedos
longos, com olhos quase sem vida e a queda de todos os cabelos e pelos do
corpo. Para alguém que não se olhava no espelho há alguns anos, suas
impressões eram até mesmo de evolução.
Seu senhor, Muñoz, era um Nosferatu mexicano, membro da Camarilla de
Cancún, e um amigo de Inés da época da conquista de São Paulo,

São Paulo By Night – Página 79


guardando fortes laços e informações sobre os cartéis mais perigosos e
brutais do México, e influenciando suas atividades, entre sequestros, rotas
de tráfico, tortura e lavagem de dinheiro ao redor do mundo.
A missão de Cracuda, ou qualquer outro nome que quisesse ter agora,
seria a de ponto de contato e intermediação com as gangues e submundo
de São Paulo, para benefício da torre de marfim. Dentro das leis da
Camarilla, teria liberdade para se livrar, ou se vingar, de quem quer que
fosse, especialmente dentre os mortais que a haviam levado a tamanho
estado de putrefação e ódio pela própria vida.
Como uma piada de mal gosto, animais de rua, como cães abandonados,
ratos e insetos, agora começavam a segui-la pela noite, e Cracuda aprendia
cada vez mais a utilizar essas hordas de seres desprezados, como ela, a
atenderem a seus desígnios.
Uma música para inspiração: Hechando Chingasos (Grenudos Locos II) –
Brujería

O Cartógrafo

Um dos raríssimos sobreviventes dos conflitos entre o Sabá e a Camarilla


nos anos 90 (por parte do Sabá), o Nosferatu Cartógrafo foi abraçado em
1991, pouco antes da explosão do grande conflito que alterou o domínio da
cidade para a Camarilla.
Seu histórico como pichador e criminoso de pequenos crimes, mas com
trânsito entre a antiga elite industrial paulistana, parcialmente localizada
no tradicional bairro da Mooca, bem como conhecimento profundo das
localizações de gangues, esconderijos, desmanches e cativeiros da cidade,
chamaram sua atenção para o secto, no momento em que este fazia sua
transição para dominar o mundo do crime.

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O apelido de Cartógrafo se deu pelo conhecimento que ele tinha da
absoluta maioria dos pichadores da cidade, e da forma como eles e suas
gangues sinalizavam os becos, territórios e tipos de produtos e serviços
que eram negociados. Uma linguagem em código valiosa para utilização
dos cainitas, visto que são códigos que podiam ser bem compreendidos
pelas famílias de classe média e alta – como a que ele cresceu, e que, muitas
vezes, são a demanda por tais produtos e serviços – e os fornecedores, com
os quais, pela rebeldia e desejo intenso por adrenalina (e drogas), acabou
convivendo.
Durante os conflitos em que o Sabá foi praticamente aniquilado em São
Paulo, o Cartógrafo conseguiu se exilar da sua cidade natal e de seu país
assistindo e agregando informações sobre os mais terríveis eventos para os
vampiros, como a semana dos pesadelos, ataques à Veneza, destruição da
pirâmide de Viena e crescimento exponencial da Segunda Inquisição,
atrelado às guerras da Gehenna no Oriente Médio, e até mesmo ouviu
falar em primeira mão sobre os desdobramentos do Conclave de Praga.
Desvinculado da vaulderie e do Laço de Sangue de seu antigo senhor, que
foi destruído nos anos 90, a convite do antigo e ferrenho inimigo Dom
João Dias, o Cartógrafo voltou à cidade, com objetivo de mapea-la e obter
informações aos anarquistas, de forma manual, usando o mínimo de
tecnologia possível.
Dom João Dias forjou com seu novo aliado, em troca de proteção, um laço
de sangue, para garantir que não houvessem traições ou alguma tentativa
estúpida de retomar os dias em que o Sabá dominava São Paulo.
Estrategicamente, era melhor ter um ex-agente inimigo ao seu lado do que
possivelmente deixa-lo se aliar à Camarilla, ou aos demais grupos da
cidade.
Nas noites atuais, o Cartógrafo é visto pelos domínios anarquistas em
crepúsculos menos turbulentos, e se aventurando em outras regiões da
cidade quando há maior nível de tensão e atividade, usualmente sozinho, e
sempre com extrema cautela, cuidado, e olhos abertos para os novos sinais
que a atualidade emite. Suas últimas descobertas como um espião
anarquista de guerrilha, são revolucionárias, e poderão mudar o balanço de
poder no domínio nas próximas décadas, dependendo de como (e se) forem
reveladas.
Uma música para inspiração: Breaking the Law – Judas Priest

São Paulo By Night – Página 81


Toreador
Tracy Thorne

A cainita norte americana originária de Anchorage, Alaska, mudou-se para


São Paulo no início dos anos 2000, após ser informada acerca da
consolidação do novo centro de poder da cidade na época. Seu interesse
por produção artística de música e artes alternativas já a levava a viagens
frequentes pela América do Sul, especialmente ao Chile, Uruguai e
Argentina, sendo que, em uma dessas viagens, conheceu o Rio de Janeiro e
seu fascinante carnaval, organizado por membros do seu próprio clã, os
Toreador. A ideia parecia genial, e industrialmente escalável no Brasil.
Especialmente em uma cidade com maior número de habitantes.
Durante os primeiros anos em que visitava os domínios de Inés, com sua
expressa autorização, Tracy estudou e entendeu a cultura da cidade como
um todo, especialmente através da participação e criação de diversos
eventos na amálgama de pessoas, culturas e tradições boêmias que se
encontram na Vila Madalena, onde a vampira mantém seu domínio, além
de incursões pela região da Rua Augusta, na qual alguns Caitiffs, sangues
fracos e carniçais da vampira ajudam-na com uma rede de informações, em
alto nível de dependência e servidão, e reportando tudo sobre os mortos
vivos importantes da cidade e seus hábitos.
A produção e pesquisa musical são o principal interesse de Tracy, e
ambientes com ritmos e combinações sonoras inesperadas ou exclusivas
tendem a manter a vampira altamente distraída e hipnotizada, prática que,
quando a afeta, também muito provavelmente afetará muitos mortais a seu
redor, o que ela tenta usar como vantagem. Se não for possível, bem,
sempre há a celeridade para dar uma força na fuga.
Dona de uma beleza e hábitos muito diferentes dos brasileiros, a americana
sempre se destaca nos ambientes que frequenta, por sua pele muito pálida,
São Paulo By Night – Página 82
cabelos loiros, olhos azuis penetrantes e aparência frágil de boneca de
porcelana, mas repleta de sensualidade, domínio e perigo.
Quaisquer mulheres, homens ou casais com as quais ela inicie um flerte,
têm probabilidade elevada de estenderem a noite em seu apartamento, e
acordarem no outro dia sem muitas memórias do ocorrido, geralmente
atribuindo a amnésia à bebida ou drogas leves associadas com a noitada.
Em uma das incursões na qual Tracy buscava aprofundar-se na cultura
underground da cidade, a americana acabou visitando um fluxo, ou baile
funk, na favela de Paraisópolis, em uma noite na qual o perigo, armas,
drogas e desejo fizeram com que ela abraçasse um dos cantores de funk e
rap da noite, Alex dos Santos, também conhecido como Menor da Baixada,
ou MC Menor, um rapaz altamente envolvido com as facções de tráfico de
drogas da cidade, embora seu maior talento sejam as rimas e as batidas
diferenciadas nas quais versa sobre seu estilo de vida violento,
ninfomaníaco e sedento de poder.
O abraço teve a aprovação de Inés, que entende como interessante manter
um membro da Camarilla, mesmo que volátil, com olhar próximo à região
onde supostamente estão alguns Tzimisce aliados ao Sabá, e onde
anarquistas também costumam gostar de arranjar problemas que podem
fugir ao controle da torre de marfim.
Quando os bailes funk começaram a se misturar à efervescência da cena
boêmia da Vila Madalena, o caótico carnaval paulistano começou a tomar
proporções gigantescas e descontroladas, atraindo cainitas de todo o Brasil
e necessitando ser contido pela própria Camarilla, que vem tentando
manter a luxúria e grandiosidade de Tracy e Alex sob controle.
No entanto, atualmente o carnaval paulistano superou, em número de
pessoas, sua festa irmã do Rio de Janeiro, em uma cidade onde territórios
são bem delimitados e descumprimentos de regras são punidos com
retaliações severas. Portanto, durante essa época do ano, em São Paulo, é
preciso redobrada atenção em todos os locais, especialmente onde o
itinerante epicentro das comemorações ocorre.
As festividades muitas vezes são utilizadas como pretextos para ascensão
ao poder e para selar de uma vez por todas conflitos antigos entre imortais
com divergências. Além de, é claro, satisfazer todos os vícios e desejos

São Paulo By Night – Página 83


sombrios pelos quais se anseia durante os demais onze meses de noites do
ano.
Durante os outros onze meses do ano, aliás, a vampira tem sido associada
a diversos grandes festivais artísticos e pela vinda de concertos
internacionais a São Paulo, dentre todos os estilos musicais,
principalmente, com objetivo de consolidar a metrópole como destino
certo de viajantes do mundo todo, tendo especial interesse, é claro, no
fluxo de sangue que abastece a cidade e é requisitado por vampiros
exigentes e discretos, e outros, nem tanto.
O que poucos sabem, é que, quando mortais e imortais desaparecem, ou se
entregam aos pecados em tais festividades, a Camarilla e sua mão pesada
estão por trás, muitas vezes, de execuções, sob um contexto bastante
discreto – pois Tracy se tornou, nos últimos dez anos, o flagelo da
príncipe, realizando execuções e caçadas da lista vermelha sob os preceitos
de seu clã – com silêncio, rapidez, eficiência e um toque pessoal de estética,
como uma assinatura de um trabalho bem executado.
Uma música para inspiração: Star Treatment – Arctic Monkeys

Alex dos Santos

A história de Alexandre dos Santos se confunde com a história de São


Paulo, boa parte de seus atuais habitantes e com a história do Brasil.
Quando Alex tinha apenas 6 anos de idade, com um irmão de apenas 2, sua
mãe fugiu da litorânea São Vicente rumo ao Planalto de Piratininga, ou
simplesmente São Paulo, a capital, como hoje ela é conhecida. Mas em
2007, a viagem não foi tão fácil como a realizada por Dom João Dias,
séculos atrás, e seu grupo de bandeirantes. A mãe de Alex fugia de um
marido abusivo, viciado em crack, cocaína e álcool, correndo o risco de ser
morta com seus filhos, e, logo, na condição de presa, e não de caçadora.

São Paulo By Night – Página 84


A favela de Paraisópolis acabou sendo o destino dessa triste família
brasileira, embora tão comum, e os abraçou com suas alegrias, mas
também com seus perigos.
Enquanto o irmão de Alex dedicou seu talento com a língua portuguesa
para os estudos, o primogênito sonhava em ser MC e estrela do YouTube,
conseguindo o microfone em alguns dos bailes mais perigosos, decretados
por chefões do tráfico para ostentar poder e influência sobre a comunidade.
Alex, como um adolescente descolado e bem entrosado junto aos parças da
região, e com um séquito de jovens adolescentes querendo tirar fotos com
o malandro em ascensão, começou a se tornar uma das presenças mais
cativantes de Paraisópolis, com vídeos que atingiam alto número de
visualizações até mesmo entre os playboys do asfalto.
Sua primeira paixão, Elisa, já namorava um pequeno traficante, que acabou
espancado em um baile por estar muito drogado. O que ninguém sabia foi
que as drogas que consumira naquela noite foram, principalmente,
cianureto e líquido de bateria, com whiskey Johnny Walker. Algumas fãs
mais devotas prepararam a mistura. Depois do mesmo baile, misturavam-
se junto à Elisa e mais duas, no “bonde” que foi para o motel com Alex e
um amigo.
- Caralho, esse menor é brabo! Foi o grito de alegria do amigo ao ver que
Alex conseguira, não só Elisa, mas mais quatro “novinhas” após seu show
de maior sucesso ao ar livre, na comunidade.
De rifle AK 47 banhado a ouro branco erguido, e com um sorriso sereno e
sombrio, naquela noite morria Alex dos Santos, e nascia o Menor da
Baixada.
Após o episódio, por três anos o cantor de rap e funk reinava nos bailes
proibidos de toda São Paulo, recebendo até mesmo pedido de gravação de
artistas e produtores internacionais, interessados pelo crescimento do
ritmo brasileiro e sua singularidade. Muitos, no entanto, ao conhecer
diversas histórias de violência, gangues, drogas e controvérsias que
cercavam a carreira do Menor, bem como o típico preconceito pelos
negros do Brasil, desistiam de parcerias, patrocínios e qualquer tipo de
acordo financeiro com o representante do gueto.
Mas Tracy Thorne viu a oportunidade perfeita de trazer multidões às suas
casas de show na Vila Madalena, com pouco investimento e alto retorno

São Paulo By Night – Página 85


potencial, financeiro e de fluxo sanguíneo. Como o artista não atendia
telefonemas ou respondia em inglês por suas redes sociais, a americana foi
até sua área para contata-lo, acabando envolvida e envolvendo o artista em
carreira meteórica em uma noite eterna, na qual ele jamais imaginava que
habitaria, nem em seus pesadelos mais sombrios.
Alex não se importou em ser abraçado, pois finalmente agora estava acima
de qualquer policial, qualquer playboy. Agora todos eles eram o rebanho.
O clã Toreador evocava as partes mais sombrias de seu espírito, como o
ego, o apreço pela vingança e o desejo implacável por sexo com mulheres
jovens e belas. Eternamente viveria esse sonho corrompido.
Justo uma americana como Tracy, com a qual nunca esperava que falaria
na vida, havia lhe concedido tamanho superpoder, por uma foda qualquer
numa quinta-feira. Expressaria sua gratidão sempre que possível, e
seguiria suas regras sempre, comparecendo às reuniões de Elysium ou
qualquer merda que fosse essa etiqueta de imortais, pensava. E a aliança de
ambos até hoje é de grande sucesso, talvez a mais harmoniosa entre
senhora e cria de toda a grande São Paulo, para desgosto e inveja de
muitos Nosferatus, que sempre acusaram os Toreador de abandonarem
suas crias por capricho.
Alex e Tracy são a monarquia sangrenta que alçou o carnaval de rua
paulistano como o maior do Brasil desde 2018. Sem regras, sem lei, sem
códigos escondidos. Mas o próprio domínio do Menor da Baixada, onde
vive sua família, tem sido ameaçado por monstros que a Camarilla diz que
haviam sido extintos, ou que só existiam no Oriente Médio... em sua
quebrada, só sua voz pode cantar, quando o sol se for. E quem chegar
acelerando, vai se arrebentar.
Uma música para inspiração: Preto Zica – Racionais MC’s

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Tremere
Tatiana Ribeiro

A trajetória de Tatiana até alcançar o status de uma das mais importantes


pesquisadoras brasileiras sobre imunologia foi marcada por grandes
dificuldades, concorrência acadêmica desleal e tentativas de excluí-la dos
mais altos círculos da biologia e zoologia brasileira e internacional.
No entanto, a inveja e ataques de seus colegas do sexo masculino, menos
prestigiados intelectualmente, só alavancaram a carreira da então chefe de
pesquisa no ramo de imunologia voltada aos vírus, no Instituto Butantã,
um dos mais renomados do mundo em descobertas e pesquisas biológicas.
Tatiana e sua família imigraram para São Paulo durante o início da década
de 90, oriundos da cidade de Recife, no nordeste brasileiro, vendendo as
posses que tinham para tentar nova vida na promissora cidade paulistana.
Durante os primeiros anos em que morou na cidade, a família nordestina
encontrou refúgio no bairro da Penha, na Zona Leste, onde muitas famílias
de classe média convivem e formam uma comunidade de moradores
pacíficos, que costumam trabalhar nos grandes centros administrativos e
financeiros da cidade.
Desde cedo, Tatiana dedicou-se aos estudos principalmente com o objetivo
de cuidar de seu gato, que a acompanhara desde a sua cidade natal, dados
os recursos esparsos de que dispunha, e sem poder realizar altos gastos
como os exigidos por pet shops.

Na primeira tentativa, Tatiana foi aprovada para o curso de biologia da


Unicamp, o qual cursava, no segundo ano, de forma simultânea ao de
Zoologia, e ao final de seis anos já tinha duas graduações. Tamanha
dedicação levou-a a conseguir uma bolsa em Berkeley, na Califórnia, onde

São Paulo By Night – Página 87


se especializou no estudo de parasitas em animais de pequeno porte, e
como controlavam suas vítimas e seus organismos, voltando ao Brasil com
um PhD e um emprego como pesquisadora do Instituto Butantã.
Em 2016, a doutora, após comprovar que um de seus estudos científicos
era original, e não copiado de um artigo acadêmico dos anos 30, como
acusada por um colega pesquisador, viu-se também acusada como suspeita
de sua morte por sufocamento, após eventos que resultaram no
desaparecimento das evidências que ele mostraria à comunidade científica
global, e nunca foram vistas.
Os estudos da doutora Tatiana eram revolucionários, e demonstravam a
existência de supostas bactérias ou vírus com vida muito curta, de questão
de minutos, mas que deixaram traços no DNA de um morcego,
evidenciando que o animal tinha sido subjugado por uma força parasita
nunca antes catalogada pela ciência. O corpo do animal mostrava sinais de
que sua morte tinha ocorrido pela alteração da temperatura de seu sangue
em relação a seu corpo, em níveis muito anormais.
Após ser julgada inocente de todas as acusações e aprofundar-se em suas
pesquisas do misterioso parasita sanguíneo, Tatiana recebeu um e-mail do
suposto autor do único artigo no mundo acerca da mesma pesquisa, Dr.
Harald Magnusson, biólogo sueco falecido em 1964. Decidida a acabar
com a estúpida piada de péssimo gosto, e farsa, Tatiana foi se encontrar,
armada, com a pessoa que enviou o e-mail, e sugeriu o encontro na
biblioteca Mário de Andrade, no centro da cidade.
Mesmo após disparar cinco tiros contra a alta e cadavérica figura que
surgiu diante dela no corredor, Tatiana se sentiu envolvida por uma forte
febre e tontura, acordando novamente em sua própria sala de pesquisas,
mas transformada em um monstro da noite para a eternidade.
A primeira lição de Tatiana por seu mestre, no entanto, foi que ela nada o
devia pelo abraço, e que sua missão poderia ser, se assim desejasse, livrar a
todos os amaldiçoados do vínculo de sangue que estes possuem com todos
seus senhores das trevas, verdadeiros responsáveis por atos terríveis em
São Paulo e em todo mundo. Harald era parte de um secto libertário e
anarquista, a Casa Carna, dentre um clã que era extremamente preso a
hierarquias e segredos intermináveis, e leal a senhores que só serviam aos
seus próprios desígnios de poder e dominação: os Tremere.

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Convencida pelo sincero desejo de seu senhor por criar um mundo das
trevas com maior liberdade aos seus soturnos escravos, e com a
imortalidade a seu lado para ajudá-la a desenvolver suas pesquisas
inovadoras, Tatiana abraçou a noite, e dedica-se atualmente à causa
anarquista.
Seus estudos envolvendo animais e suas relações com humanos, vampiros
e o exercício de dominação têm ganhado fama entre os Gangrel e
Nosferatus locais, e até mesmo de outras partes do Brasil, e as informações
da doutora têm sido trocadas por outros interessantes segredos políticos e
sociais sobre habitantes da noite paulistana, os quais poderão ser usados a
qualquer momento.
Uma música para inspiração: About you – XXYYXX

Rebecca Fahour

A vida de Rebecca em São Paulo se tornara relativamente monótona nos


anos 80, quando, na região do Paraíso, sua família havia fundado uma bem-
sucedida padaria, utilizando-se dos conhecimentos de sua mãe, para servir
os ávidos cafés da manhã dos paulistanos, combinando as delícias das
culinárias libanesa e brasileira.
Quando em 1988, seu pai havia lhe arranjado um casamento com um
empresário libanês, também morador da cidade, sob a rígida tradição do
islã, Rebecca, aos 18 anos, decidiu dedicar-se aos estudos das suas
tradições culturais em Genebra, para a ira de seu pai, mas protegida por
sua mãe. Dessa forma, a adolescente partiu para formar-se em história das
tradições islâmicas na Suíça, e, posteriormente, estudar arqueologia e
textos antigos em seu país natal, na cidade de Beirute.
Após sua graduação honrosa no início da década de 90, na qual concluiu
estudos inclusive sobre línguas mortas, Rebecca, já uma estudiosa do

São Paulo By Night – Página 89


ocultismo e magias arcanas, e participante de uma sociedade secreta
europeia, se dedicou a procurar as origens dos djinns, demônios, magos e
espíritos do Oriente Médio, onde a história do misticismo e da origem da
civilização se misturavam.
Tal busca, seria, claro, para reforçar seu ateísmo e desconfiança das
religiões arcaicas e imbecis – sendo, os deuses, anjos e demônios, meras
construções mentais dos humanos. Esse conceito, no entanto, era cada vez
mais desafiado em sua mente, quanto mais ela buscava pelo oculto,
sombrio e misterioso mundo da magia e das civilizações perdidas.
Rebecca, através do estudo de textos antigos, proibidos e obscuros, viajou
pela Síria, Egito, Israel, Emirados Árabes, Irã e Iraque por mais de 20
anos. Até que, em 2015, em uma de suas práticas de ritual arcano em
Israel, nos quais acreditava que poderia transcender a ciência e adentrar
no reino da magia, crendo de fato que as criaturas e histórias mitológicas
que estudava poderiam ser reais e ter governado a terra há milhares (ou
milhões) de anos atrás, Rebecca se encontrou frente a frente com sua
tataravó, Cyrine Fahour.
Rebecca soube imediatamente que quem aparecera em sua fogueira isolada
só poderia ser Cyrine, por conhecer os textos ocultos que a própria
tataravó havia escrito, e seu desafio às tradições islâmicas e machistas de
sua época, quando, contendo uma assinatura única em língua suméria, ela
havia descrito seres milenares, suas invocações e rituais. O que ela
invocava, naquele ritual, era uma entidade de um texto cujas páginas
originais apenas sua própria família, em São Paulo, continha, mesmo sem
entender o real significado.
Totalmente apavorada e com o ritual interrompido pela metade, Rebecca
ouviu o relato de que sua tataravó era uma vampira do clã Tremere, e que,
há anos, aguardava o retorno de um dos de seu sangue às terras
originárias de sua família no Líbano, tendo observado a sede de
conhecimento da tataraneta por sabedoria arcana desde que ela
desembarcara no Oriente Médio, e seguindo seus passos até Israel.
A justificativa para a interrupção do ritual de Rebecca era que, caso tal
prática tivesse sua conclusão, iria invocar uma entidade infernal ao mundo,
algo que até mesmo a maioria dos vampiros temiam, e era um feito
inacreditável para um mero mortal como ela. Muitos anos atrás, a própria
Cyrine havia sido convencida a desistir do ritual.

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Como sua tataravó poderia aparentar a mesma idade que ela, e falar com
tanto conhecimento acerca de sua família, que já estava estabelecida em
São Paulo há tantos anos? Ao vivenciar tamanho assombro e horror,
Rebecca permitiu-se ser abraçada por Cyrine – sem vínculos, sem prisões,
sem dívidas, como ela havia descrito. Apenas o laço de sangue de ambas
como mortais, em suas antigas vidas, as ligaria – a família.
Após aprender sobre as tradições do clã Tremere e os ataques aos quais a
pirâmide, as tradições e a Camarilla haviam sofrido, Rebecca se colocou à
disposição da príncipe Inés para prestar todos os serviços necessários, sob
a regência de sua senhora Cyrine, e responsabilidade, mesmo que, muitas
vezes, à distância. A neófita seria uma aposta de sucesso ou fracasso na
relação do clã com a Camarilla, que já contém seus altos e baixos
históricos, sendo que as repercussões de seus serviços poderão reverberar
em significativas relações diplomáticas do clã com a Torre de Marfim.
Uma música para inspiração: Am ende der stille – Lacrimosa

Tzimisce
Pedro Tavares

O filho e único herdeiro do proeminente escritório internacional de


advogados, baseado em São Paulo, Tavares, Lewis & Associates, Pedro foi
criado com estudo nas melhores escolas bilíngues de São Paulo, desde o
berço, intercalado com intercâmbios em Zurique, Berlim, Chicago e Los
Angeles, onde o escritório do pai possuía representações.
O trabalho da família sempre foi dividido entre médicos e advogados, e o
pai de Pedro teve a brilhante e lucrativa ideia de se especializar na defesa
de hospitais, indústria farmacêutica e profissionais da saúde,
principalmente renomados médicos e pesquisadores da área.

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Erros médicos, experimentos eticamente questionáveis, pesquisas com
financiamentos obscuros e tratamentos heterodoxos eram o ganha pão do
escritório famoso, tendo o Dr. Tavares, inclusive contribuído com a
alteração de doutrinas de direito internacional relacionadas aos assuntos
correlatos.
Desde criança, o filho de cabelos longos e castanhos, e olhos azuis,
aparência frágil de porcelana, sentia a enorme pressão do mundo sobre
seus ombros. Podia ter todos os brinquedos do planeta, mas brincar só
com os educativos e intelectualmente estimulantes; brincar apenas com os
amiguinhos aprovados pelo pai, e sob condições de não sujar as roupas que
a vovó mandará fazer no alfaiate; comportar-se como um mocinho nos
eventos do papai, e todas as exigências longas de uma criança predestinada
ao sucesso e à lista da Forbes, o quanto antes.
Fracassos acadêmicos não eram tolerados em sua adolescência. Notas
acima de 9,5 de 10 deveriam ser seu padrão, não importa a matéria ou o
professor. Desde o ensino básico, já deveria se preparar para uma
universidade de renome global, e nada menos que Sorbonne, Oxford,
Stanford ou Harvard seriam aceitos no currículo da família.
Guiado pelo ódio de tantas restrições, enquanto os amigos e amigas
curtiam Angra em potentes lanchas e jet skis, viagens para os Alpes,
Maldivas e Japão, o jovem Pedro dedicou-se a não apenas ser aprovado
para uma das faculdades de medicina, mas para já se especializar em
neurocirurgia ao longo da graduação, e dissecar aquilo que tanto lhe
exigiam desde a nascença: o segredo de um cérebro brilhante.
A única amizade que acabou formando, mesmo em tempo de tantas
alegrias, farras e riscos como os anos finais do colégio, foi Caio, o jovem
que sempre estava também com o nariz afundado em livros da biblioteca, e
que secretamente lia romances e sagas de aventuras entre as horas que
deveria se dedicar aos exames e técnicas para ser aprovado nas entrevistas
e testes das grandes universidades.
O mundo de Caio às vezes se voltava para elfos, magia negra, ficção
científica, demônios mitológicos e toda sorte de conhecimento maluco.
Pedro dava algumas risadas junto com o amigo, e os estudos juntos, no
colégio, e nas casas das famílias um do outro, no Morumbi, rendiam algum
alívio sobre a grande pressão de ambos.

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A solidão de ambos era avassaladora. Até mesmo entre si, viam que os pais
colocavam alguma competição, independente de não precisarem concorrer
em nada, e terem o mundo pronto para ser comprado e embalado em
plástico, para a viagem. Durante a discussão de dialética de Hegel e sua
contribuição à filosofia moderna, Pedro estranhamente inclinou a cabeça
para perto do colega, para beija-lo, causando seu assombro, e estranha
reação.
O rosto de Caio era trágico como as esculturas de Michelangelo, ou os
retratos sinistros de horror pintados por Goya. Olhos verdes e cabelos
loiros encaracolados, sob uma tez cadavérica, o fitavam com reprovação e
algum medo. Era um olhar congelado do qual Pedro nunca mais se
esqueceria. E não se falaram mais, desde então.
Alguns anos depois, em Yale, Pedro soube que Caio dava andamento em
um projeto revolucionário de engenharia cibernética financiada por uma
gigante da tecnologia, mas mesmo estando ambos na América, nunca mais
voltaram a fazer contato.
Pedro retornaria ao Brasil em 2003 já com o título de PhD em medicina, e
como um dos maiores jovens talentos do país, embora poucos conhecessem
seu rosto. As práticas de cirurgia e pesquisas do Dr. Pedro eram realizadas
de maneira brilhante, mas com intensa frieza, pragmatismo e dedicação
sobre-humana. Pedro não tinha vida fora do consultório, como nunca teve
antes, além de breves momentos de descanso forçados por si mesmo, para
que a saúde não influenciasse negativamente na qualidade do trabalho.
Após 10 anos de prática no Brasil, o doutor começou a se interessar, nas
horas vagas, cada vez mais, por filmes snuff, e vídeos obscuros de
assassinato, alguns gravados ao vivo, sob demanda de uma rede de
financiadores da deep web, que pagavam altas cifras para assistirem a seus
desejos mais sinistros sendo realizados.
Talvez seu cérebro e sua personalidade desejassem tais atrocidades por
vingança de si mesmo ou contra sua família. Quanto mais pagava e assistia
tais cenas de horror, mais Pedro ficava fascinado pelo efeito que causavam
em si mesmo. Algumas mortes que assistia lhe causavam um sentimento
de vida como nunca havia tido antes.
Em mais alguns anos, Pedro evoluiu de espectador para produtor de
conteúdo na rede internacional de pervertidos, usando técnicas e

São Paulo By Night – Página 93


medicamentos que só ele tinha acesso e conhecimento para filmar suas
vítimas, a maioria pacientes, em dores e agonias jamais antes vivenciadas,
por meses, até que seus corpos perdessem todo e qualquer resquício de
vida e humanidade.
Ao tomar conhecimento de conteúdo tão brutal, desumano e pervertido
feitos pelo doutor, um bilionário romeno o convidou para um evento
promovido em suas propriedades, onde ele seria a estrela, e poderia ter
acesso a quantas pessoas quisesse. Após se certificar da identidade e
discrição do seu amigo digital, Pedro embarcou em 2015 num voo privado
para o longínquo local do leste europeu, e sentiu, mais uma vez, a
intimidação e presença de seu companheiro lhe causar uma sensação de
horror e vida a que pouco estava acostumado.
Após algumas garrafas de vinho com o idoso, mas fisicamente habilitado
Adrian Costescu, herdeiro de pomposas propriedades aristocráticas da
região agrícola romena, ambos partiram para a dissecação de seres
humanos vivos no porão de pedra da mansão, com roupas e equipamentos
cirúrgicos de toda a sorte, e toda a diversidade de material humano
possível, para o estudo de técnicas de tortura, desmaios, incitação de
sensações e danos psicológicos. O que Pedro não percebia muito bem, é
que Adrian se assombrava com o doutor, e não o contrário, como deveria
ocorrer.
Então, na segunda noite de horror e tortura, Pedro sentiu o rápido
movimento de Adrian ao cravar as presas em seu pescoço, sem que ele
tivesse chance de defesa ou de destroçar o desgraçado traidor, que lhe
roubaria tantos conhecimentos ocultos e malignos sobre a dor e a
demência.
Mas na noite seguinte, Pedro acordaria no mesmo porão úmido da
Romênia, com uma sede que nunca antes sentira, pelo sangue daqueles
pobres desfavorecidos que aguardavam pela morte. Destroçou a todos com
ódio e desejo implacáveis, e se regozijou em sua nova força bruta, atributo
que nunca antes tivera.
Durante mais de um ano, Pedro aprenderia, com seu rigoroso e mórbido
senhor, Adrian, acerca das disciplinas, poderes, restrições e não vida
adquiridos dos Tzimisce, e acerca de seu lugar no mundo das trevas, da
Gehenna, e da servidão dos humanos aos vampiros, não obstante sejam
mais numerosos. O perigo, aprendera, era a traição e destruição pelos

São Paulo By Night – Página 94


próprios cainitas anarquistas, independentes, ou da pútrida e covarde
Camarilla, sem os quais poderia viver uma noite eterna de prazer sem
restrições, seja lá qual o significado que ele queira atribuir a tal prazer.
Após se certificar de que a criança aprendera bem, o senhor estranhamente
o liberou de volta à São Paulo, com a promessa apenas de manterem
contato e comunicação com alguma frequência.
Atualmente, o doutor Pedro atende apenas em sua própria mansão no
Morumbi. Seus olhos são ainda mais frios e penetrantes do que outrora,
tendo a aparência de vitrais vazios, e que observam mais a anatomia dos
seres do que eles próprios. Talvez até em nível microscópico.
Alguns dedos, através da vicissitude, foram transformados em verdadeiros
bisturis de corte extremamente letal e preciso, ou até mesmo agulhas, que
penetram e extraem sangue de veias de qualquer lugar do corpo humano,
causando hemorragias e sangramentos inusitados. Mas a aparência física
do doutor, à distância, ainda é a mesma, o que o ajuda a sobreviver como
uma espécie em extinção da noite paulistana.
Dado seu status de figura não grata na sociedade cainita, o doutor confia
muito em meios de transporte alternativos, como helicópteros e
ambulâncias subornadas, bem como aeronaves privadas, para realizar suas
atividades de caça e lazer. Lacaios também são imprescindíveis, assim
como um certo caixão de carvalho que trouxe da Romênia como relíquia,
com seja lá o que for que ele guarda...
Aos que se aproximam de seu território, de forma despercebida, a morte
não será rápida, nem discreta. A consulta com o doutor tortura irá
distorcer sua realidade, mente, corpo e essência, por anos, e até mesmo
décadas, enquanto perdurar sua busca por autoflagelação e ódio.
Uma música para inspiração: Cadaver Pouch Conveyor System – Carcass

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Katja Bjelica

Katja, durante sua vida mortal, foi uma relevante fotógrafa dos conflitos
bélicos da antiga Iugoslávia, país oriundo da queda da União Soviética,
envolvido em toda sorte de conflitos políticos, religiosos e étnicos durante
a década de 1990, até o início dos anos 2000. A jornalista nascida em
Belgrado, acostumada a uma vida de privações durante o comunismo,
nunca teve medo de ambientes selvagens, violentos e perigosos, e sempre
teve atração por retratar o extremismo da vida humana, e seu
comportamento nos ambientes mais adversos possíveis.
Como uma forte apoiadora de sua região, que viria a se tornar a atual
nação soberana e independente da Sérvia, Katja sempre desafiou o
estabilishment e as convenções, tanto pela natureza crua e brutal de seu
jornalismo, quanto por suas posições políticas sempre a favor de seu povo,
sua família e daqueles próximos a ela, sendo julgada, por alguns colegas e
compatriotas, como eticamente questionável, especialmente sob o ponto de
vista humanitário.
Em 1999, enquanto cobria os conflitos do Kosovo, região fronteiriça ao
seu país de origem, durante um bombardeio e ataque severo das forças de
independência da região, Katja perdeu toda sua equipe de reportagem, e se
viu cercada, à noite, por dez membros ferozes de insurgentes, através de
tiroteios e armadilhas.
Como mulher e única sobrevivente, Katja se viu desesperada, aprisionada,
e sem esperanças de voltar para casa. Mostrar credenciais de imprensa, ou
as (falsas) credenciais das Nações Unidas não seriam suficientes para
salva-la dos horrores da tortura e estupros da guerra, que ela tanto
conhecia e divulgava, por meio de suas chocantes e brutais fotografias.

São Paulo By Night – Página 96


Na ocasião, ela não pensou em seu crânio esmagado, suas vísceras
destroçadas ou em quanto tempo sobreviveria sendo torturada e estuprada
por dez soldados sedentos de sangue. Após se controlar, tudo no que ela
pensou foi em quantos ela levaria junto com ela, e da forma mais bárbara
possível.
Tudo no que ela pensou foi em quantos ela levaria junto com ela, e da
forma mais bárbara possível. Largando sua câmera no chão, e segurando
firmemente em suas duas pistolas 762, Katja utilizou-se de todas as táticas
que aprendera ao longo dos conflitos, com os sobreviventes que
entrevistara, e um após um, os insurgentes caíram, em meio às chamas,
destroços, fumaça e ruídos da guerra. Todos, menos um.
Os nove que caíram pelas mãos de uma simples jornalista de meia idade
eram carniçais da antiga e temida fera lendária, o dragão Dubravka,
Voivode croata que caçava na região, aproveitando-se do caos, desordem e
praga que a tudo assolavam.
Após descarregar os quatro pentes de suas duas pistolas, inteiros, no
monstruoso e estranho homem, e esfaquear seu tórax, o que pareceu lhe
causar risos e prazer, Katja se deu por entregue através da exaustão e puro
medo, entre as trevas, chamas e destroços, não para morrer e ser
inteiramente destruída, mas para receber o abraço sinistro de seu novo
senhor, que viu na alma da jornalista, não só a ausência de medo da morte,
quanto o desprezo por ela, e o desejo implacável de destruição de seus
inimigos, como se fossem objetos.
Tamanho ímpeto e fúria seriam cruciais para a manutenção dos territórios
do Sabá no leste europeu, visto as guerras que o secto enfrentava, na
época, por seus recentes territórios norte-americanos, além da semana dos
pesadelos, que colocavam toda a existência cainita em cheque.
Refém de um forte laço de sangue e dependência com seu senhor, Katja
viveu dez anos de sua não vida nas propriedades do implacável membro do
Velho Clã, aprendendo e praticando suas disciplinas de dominação,
torturando física e mentalmente os lacaios e carniçais de seu senhor, tendo,
no início, desgosto por tamanha ferocidade, mas nenhum assombro ou
desconhecimento, visto se tratarem de práticas que visualizava já há
alguns anos, com os horrores dos conflitos armados.

São Paulo By Night – Página 97


Com a pacificação da região no início da década de 2000, e a chegada
intensa de forças internacionais da ONU, OTAN e organizações como
Cruz Vermelha e demais ONGs humanitárias, veio também a Segunda
Inquisição, (provavelmente) sob influência (deliberada ou não) da
Camarilla, assolando as terras Tzimisce dos poucos Voivodes e membros
do Velho Clã, buscando enfraquecer a todos os que não dobrassem seus
joelhos à Torre de Marfim e seu sistema circulatório, que viu sangue
pronto e fácil para conquistar e entregar a seus membros poderosos ao
redor do mundo.
Katja milagrosamente escapou no início de uma noite de inverno de 2002,
com uma das mais gentis carniçais de Dubravka, Anna Ivanova, e ambas
assistiram, cavalgando à distância, toda a propriedade imersa em
profundas chamas, com pesar, mas algum senso de liberdade para Katja –
pela primeira vez, ela se viu livre do profundo laço de sangue de seu
soberano e ditatorial senhor, com o mundo noturno e seu infinito
horizonte em suas mãos.
Até 2010, Anna e Katja viveram na periferia de Kiev, dividindo pequenos
quartos e tentando ganhar a vida como imigrantes sérvias, estabelecendo
uma vida simples e sem muito luxo, desde que houvesse sangue para Katja
e alimentos para Anna, bem como proteção aos horrores do sol.
De despejo em despejo, ambas acabaram tornando-se amantes, mesmo que
Katja não quisesse abraça-la, por motivos egoístas de não dividir a mesma
fonte de alimento, ou não ser mais a parte dominante da relação, e sob
tantas ameaças e perigos, ter que decidir democraticamente o que fazer – a
democracia, aliás, nunca foi parte preponderante do pensamento e sangue
que corre nas veias mortas dos Tzimisce.
E eis que granadas de luz, ultravioleta, brilhos, fumaça e tiros atingem seu
abrigo, mais uma vez – novamente, a Segunda Inquisição as perseguia,
como na Croácia, forçando-as a apanhar um trem às pressas para Odessa,
cruzar o Mar Negro rumo à Istambul, e de lá fugir para Cancún, em um
navio de carga.
A longa jornada marítima em total escuridão, solidão e loucura, com dias e
noites de Katja enclausurada em seu pequeno caixão (disfarçado de
mudança de uma família) com terra sérvia, destroçou a humanidade da
cainita, fazendo com que ela devorasse sua amante carniçal até a última
gota, consumindo sua alma e seus sonhos de vida eterna.

São Paulo By Night – Página 98


Quatro noites após a destruição de sua amante, Katja desceria no México,
para sua nova não vida, destituída de qualquer traço de humanidade que
ela continha.
Por três anos, Katja passou a viver em Tijuana, onde, em busca de retomar
sua humanidade, se voltou ao jornalismo independente, sua profissão
original, fotografando, como freelancer, a guerra às drogas na fronteira com
os EUA, em San Diego, vendendo fotografias de mortos e chacinas aos
narcotraficantes da região, para que se vangloriassem, e à imprensa
americana, para choque e horror (e incentivo de boas vendas de jornais e
armamentos).
Sentindo, mais uma vez, o rastro da Segunda Inquisição, Katja desapareceu
do México, já com uma quantia mais que adequada de recursos financeiros,
e se ancorou em São Paulo, com objetivo de dar continuidade à sua não
vida e seus estudos de transcendência da condição vampírica, que não lhe
deu muito mais liberdade do que em seus anos de cobertura da guerra da
Iugoslávia, salvo em raras noites de prazer e sossego.
Agora, desde 2015, de seu studio adquirido no Morumbi, o renomado
BELIKA, Katja disfarçou suas atividades de jornalismo de guerra (e
atrocidades violentas) para agência de modelos, maquiagem e suporte de
efeitos especiais em humanos para grandes estúdios cinematográficos e
teatrais do mundo todo, os quais consomem avidamente seus trabalhos
fotográficos e modelos ultrarrealistas de máscaras, técnicas de maquiagem
e efeitos gore, especialmente para filmes de horror.

Seu casting de modelos desconhecidas, especialmente mulheres brasileiras


ávidas por trabalho e uma chance de vida melhor, parece quase infinito,
sendo os melhores corpos utilizados para trabalhos de modelos fashion,
paisagismo, marketing de marcas renomadas de joias e perfumes – quando
insuficientes, inadequados ou inoportunos, sempre podem se tornar
máscaras, trabalhos de ficção científica ou cadáveres cinematográficos de
mortes chocantes – muitas das quais parecidas com as que presenciara e
cometera ao longo de sua vida e não vida.
Os destinos mais fatais e horrendos eram decretados às jovens que
falhavam em, após muitas e muitas noites de sessões, se tornarem
parecidas com a lembrança de sua amante Anna, de tempos antigos... os
desaparecimentos sempre podiam ser atribuídos a atropelamentos,

São Paulo By Night – Página 99


namorados, assaltos, suicídios e outras fatalidades, com auxílio dos
policiais e advogados certos, transformados em carniçais e amantes.
Afinal, São Paulo, Tijuana, e toda a América Latina, eram lugares
perigosos para jovens solteiras em busca de fama. Muito mais que a antiga
Iugoslávia em guerra (é só checar os índices de homicídio).
Uma música para inspiração: Marian – The Sisters of Mercy.

Ventrue
Fernando Dutra

Nascido em 1979 em Santo André, Fernando Dutra é o terceiro de quatro


filhos de dois pais trabalhadores, o pai como funcionário da prefeitura de
São Paulo, e a mãe como professora em colégios infantis. Após uma
infância comum e sem grandes atritos, Fernando, após desistir do sonho
de ser jogador de futebol, formou-se em educação física pela Universidade
de São Paulo em 2003, e, em 2005, juntou-se à Polícia Militar do Estado,
onde suas aptidões e habilidades físicas foram colocadas à prova, quase que
diariamente.
Em 2007, quando o então cabo Fernando tinha altas esperanças de
crescimento dentro da corporação, sua unidade recebeu um chamado para
retaliar assaltantes e proteger a população de São Bernardo do Campo de
um assalto a banco com armas de calibre potente, ao que prontamente
atenderam, embora tenha sido sua primeira vez em tão grave e complexo
evento.
Após inúmeras tentativas de negociar com a quadrilha, um dos bandidos
acidentalmente disparou um rifle para o teto da agência bancária, o que se
desenvolveu na entrada de Fernando e seu esquadrão tático na zona de
fogo, onde sua reação foi de acertar dois tiros na cabeça de um dos

São Paulo By Night – Página 100


assaltantes, e três no peito de um segundo, levando-os à morte
instantânea, enquanto os demais membros do seu esquadrão conseguiram
prender o terceiro criminoso sem maiores danos.
Ao tentar fugir para cobertura, em busca de neutralizar a quarta ameaça,
Fernando sentiu um calor e um cansaço como nunca antes, e uma forte dor
localizada em sua perna esquerda: havia sido baleado no processo, sendo a
única vítima inocente da situação, e contribuindo grandemente para a
salvação de todos os reféns, ilesos.
Após a manutenção da situação sob controle pela PM, os companheiros de
Fernando o levaram ao hospital às pressas, não sendo, no entanto,
suficiente para que ele fosse obrigado a ficar fora das ruas por oito meses,
em recuperação e fisioterapia.
Além do processo angustiante de recuperação física, a corregedoria da
polícia também, sob comando e influência de um governo e partido
corruptos, que se beneficiavam com os esquemas de tráfico de drogas e
atividades criminosas da gangue que havia tentado roubar o banco, faziam
de tudo para que Fernando fosse condenado e sofresse retaliações pela
morte dos criminosos pelas quais fora responsável.
Após tamanho desgaste físico e emocional, bem como o injusto escrutínio
sofrido, Fernando decidiu falar à imprensa, dois anos após os incidentes,
acerca de sua versão dos fatos, da sociedade e de sua visão de justiça.
Mesmo com suas verdades causando-lhe à época, a suspensão de seu
emprego, Fernando recebeu a proposta de trabalhar diretamente para um
renomado empresário catarinense, que lhe ofereceu até mesmo indicação
de equipe para ajudá-lo com sua segurança privada e de algumas de suas
indústrias pelo Brasil, especialmente em São Paulo. A remuneração era
cinco vezes superior à sua na polícia, com direito a vultosos bônus por
performance anual, sendo uma proposta irrecusável, e fazendo com que
Fernando se dedicasse de corpo e alma ao setor privado.
Após seis anos de dedicação árdua ao setor privado, Fernando já tinha
expandido sua empresa para 600 colaboradores, os quais trabalhavam
apenas para um grupo seleto de empresários brasileiros e estrangeiros no
Brasil, com serviços de escolta, acompanhamento, e uma linha mais
personalizada de serviços, que envolvia a resolução de problemas com
pessoas indesejáveis, por meios além do diálogo e da diplomacia.

São Paulo By Night – Página 101


No auge de sua trajetória como CEO da FDSS - Fernando Dutra Safety
Services - em 2017, quando já tinha desenvolvido bastante as habilidades
em finanças e línguas estrangeiras a níveis de proficiência, seu primeiro
cliente ofereceu uma intermediação de um negócio multimilionário pela
incorporação de 70% das ações de sua empresa a um grupo familiar
alemão, controlador da Bloodhound LLC, um forte concorrente seu em
nível internacional.
Aceitando ouvir a proposta, Fernando desembarcou em Frankfurt, para a
primeira reunião de negociação, a qual durou até a alta madrugada, com a
retirada do conselho da companhia interessada às 4 da manhã, apenas para
retornar no início da noite seguinte.
Após a quinta noite de negociação, um acordo foi selado, conforme
proposta da família Stalburg, controladora da Bloodhound: a FDSS se
incorporaria à empresa alemã, e Fernando teria direito a 15% das ações da
empresa global de forma vitalícia, podendo transferir parcela dos direitos
de seu controle, ou a integralidade, mediante decisão do conselho sediado
em Frankfurt, que poderia estudar profundamente o indicado, como fez
com ele. A contrapartida seria a exclusividade dos serviços dele à empresa,
por tempo indeterminado, e absoluta lealdade. Começando naquela noite.
Assinando o acordo com certa satisfação, pois agora Fernando seria um
milionário internacional, e com fortuna em euros, havia ainda a aula a
respeito da família que havia se tornado sua sócia majoritária. Suas raízes,
como o orgulhoso patriarca Stalburg citou, remontavam à idade média, e
ao orgulhoso lorde Hardestadt, o velho.
Após compreender toda a história e tradição dos alemães e de todo o
conselho, Fernando foi abraçado como um membro do clã Ventrue, que se
reporta, como dizem, ao círculo interno da Camarilla, cuja identidade dos
membros é estritamente secreta.
Sua missão, de volta a São Paulo, seria mais voltada à espionagem do que
segurança: deveria reportar toda a situação política e militar da América
Latina e da grande metrópole aos Stalburg em Frankfurt, utilizando sua
empresa e todo seu aparato e banco de dados para tal.
Ao retornar à cidade de São Paulo com recomendações de Frankfurt,
Fernando conquistou prestígio e poder, mas também receio e inveja de
muitos membros da torre de marfim há mais tempo na cidade. Inés, no

São Paulo By Night – Página 102


entanto, simpatizou com seu perfil, concordando com si mesma que um
especialista em segurança para sua corte, mesmo que a mais, não faria mais
mal do que bem, especialmente se supervisionado.
Nos jogos de poder das modernas noites paulistanas, no entanto, é difícil
descobrir quem supervisiona quem, e por quais motivos...
Atualmente, Fernando detém o título informal de harpia da Camarilla na
cidade, visto saber muitas informações sobre os seres que habitam a noite
paulistana, dentre mortais e imortais.
Como trunfo, Fernando consegue recitar toda sua linhagem vampírica de
seu senhor até Hardestadt, o velho, bem como discursar sobre a história
vampírica e fatos como a convenção dos espinhos, dos quais adquiriu
grande conhecimento após sua recente temporada na Alemanha, sendo o
conhecimento em nível pessoal e íntimo.
Uma música para inspiração: Where Eagles Dare – Iron Maiden

Gonçalves Pereira

Filho de mãe portuguesa e pai moçambicano, de uma poderosa família de


líderes regionais e dono da única fábrica de processamento de frutos do
mar para exportação em Maputo, Júlio Gonçalves Pereira representava a
esperança do país colonial na ascensão a economia de primeiro mundo, em
condição de amizade com Portugal, e não apenas exploração.
Uma criança negra, em 1902, que ia frequentemente para Lisboa nas férias,
e que brincava com os filhos das famílias brancas da cidade,
frequentemente saindo em fotos e posando em importantes desfiles
militares e demonstrações de poder, agradava muito aos africanos locais,

São Paulo By Night – Página 103


como uma figura de amizade e respeito. Mas não passava de fachada, e
Gonçalves, como gostava de ser chamado desde pequeno, sabia disso.
O pai de Gonçalves Pereira, senhor Augusto Gonçalves Pereira, aprendera
a arte de lavar dinheiro e fazer transferências entre empreendimentos
falsos e obscuros, por dedução, o que rapidamente atraiu a atenção de
industriais e banqueiros europeus, fazendo com que o contador se
transformasse, de um gângster de rua, a um empresário renomado em seu
país natal, que passava metade do ano entre a elite lisboeta, onde conheceu
sua esposa, que lhe trouxe ainda mais respaldo entre a população local.
O filho aprendia muito com o pai a respeito de como usar sua imagem
como figura de poder e inocência, enquanto se favorecia e criava um
império de fortuna e favores nas sombras.
Por mais que o pai de Gonçalves tentasse ter outros filhos com sua mãe,
ele mostrou-se acometido de infertilidade por motivos desconhecidos, o
que fez de Gonçalves o seu único herdeiro. Nos idos de 1935, a doença do
pai se agravou, e o filho continuou seu legado dominando os negócios de
transações financeiras e o expandindo para aquisição de propriedades,
onde viu oportunidade incrível em São Paulo, como uma potencial
metrópole livre dos problemas e complicações étnicas de sua terra natal.
Com a discordância do pai pela mudança de base dos negócios, que preferia
morrer em Lisboa junto com a mãe, Gonçalves causou leve aceleração na
doença do patriarca, que acabou sufocado com um travesseiro em sua
propriedade.
A mãe, incapaz de controlar a ambição do robusto homem que Gonçalves
havia se tornado, se contentou com uma vistosa aposentadoria
representada por dividendos da companhia familiar, refugiando-se em uma
propriedade da família em Porto, sem qualquer direito de governança
adicional sobre as ações da empresa - e com veto a falar com qualquer
veículo de imprensa.
Ao se mudar para São Paulo e começar a exercer influência sobre os
empresários locais e seus negócios escusos, inclusive apresentando-os a
banqueiros e empresários portugueses com os métodos menos ortodoxos
possíveis, Gonçalves Pereira conseguiu adquirir terrenos e propriedades
simplórias em regiões que se tornariam diamantes da cidade paulista,
como o Itaim Bibi, Pinheiros e a Vila Olímpia.

São Paulo By Night – Página 104


Influenciar os planos urbanísticos da cidade com o lucro de suas operações
internacionais, e o financiamento de campanhas, não foi difícil, e a região
de classe trabalhadora rapidamente começou a se transformar numa selva
de aço e vidro temperado.
Um investidor norte americano, que somente fazia reuniões de seu
conselho de administração à noite, em Santiago, começou a perder muito
dinheiro com a concorrência do poderoso moçambicano radicado
brasileiro. Ele era um Ventrue chamado Robert Whitefield, e viu o mesmo
potencial em Gonçalves que veria em Inés alguns anos depois. Uma mente
extraordinária, sem escrúpulos e voltada à genialidade.
Através de voos escondidos e particulares, Robert cruzou Santiago em
destino à capital paulista, onde emboscou a segurança armada de
Gonçalves com soldados Ventrue, dizimando as forças do moçambicano e
forçando-o a se render. Gonçalves nunca havia enfrentado tamanha
oposição.
Quando Robert lhe fez uma proposta de ser seu CEO em São Paulo,
mantendo sua empresa e seus recursos financeiros, Gonçalves aceitou, com
certa relutância, mas acreditando em poder se reerguer. Afinal, estaria
vivo. Jamais esperava que a proposta incluísse “não estar vivo”.
Logo, de forma escondida do domínio do arcebispo do Sabá, Raposo
Correia, a cidade se expandia além do centro velho, e a Camarilla firmava
uma área de influência sobre a cidade em sua localização de crescimento
urbano mais promissora, onde Inés viria a se comunicar com Gonçalves e
sacramentar o poder, com ajuda de novos agentes e aliados inesperados.
Nas noites atuais, Gonçalves Pereira é o senescal da Camarilla em São
Paulo, o que funciona como o primeiro ministro da príncipe Inés, com
enorme autoridade política e física para resolver questões da torre de
marfim relacionadas aos mais diversos assuntos delegados pela príncipe,
especialmente os que concernem à segurança do domínio da torre.
O extermínio de fontes de violência, confusão, caos e irritação cabem
exclusivamente a ele, e a príncipe leva a manutenção do status quo como a
mais importante tarefa da cidade, sem a qual ela rapidamente se
desestabilizaria e mergulharia a cidade em novo banho de sangue, devido à
perturbação de seu estresse pós-traumático.

São Paulo By Night – Página 105


Na estrutura da Camarilla em São Paulo, Inés funciona como o oráculo e
voz política da sociedade vampírica. Gonçalves mantém a ordem e a
estratégia da torre de marfim dentro dos planos estratégicos, e Carvalho
Rocha executa os planos de ação, com carta branca, como sempre gostou
de trabalhar.
Os negócios vão bem para a organização, e o robusto empreendedor
Gonçalves Pereira tem cumprido sua missão em um nível de alto status de
poder e prestígio, como sempre sonhou. Mas sempre há um degrau a mais
para escalar, especialmente no novo mundo globalizado em que as trevas
sombreiam.
Uma música para inspiração: The Worriment Waltz – Nine Inch Nails

Caitiff
Muleta

Em uma noite de festa em Itaquera, a maioria dos frequentadores da Arena


Corinthians era bem diversa da usual – a vasta maioria de estrangeiros,
elitizados, ricos, celebridades e pessoas que não sabiam muita coisa sobre a
região e cultura do local onde assistiam um jogo da Copa do Mundo no
Brasil, de 2014. Mais curiosos que torcedores, mais festeiros e turistas do
que fãs de futebol.
A simples visão dessas pessoas enojava Wellington, fanático torcedor do
Corinthians, membro de sua maior torcida organizada e flanelinha nos
portões da Arena. Figura folclórica para os frequentadores, e eventual
vendedor de churrasquinho, Wellington costumava ter seu ingresso pago
para os maiores jogos do clube, ocasiões nas quais “terceirizava” a vigia
dos carros dos colegas para outros ajudantes. A venda de churrasquinho e

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ajuda de custo oriunda de tais atividades, nessas ocasiões, era sempre
repartida em partes iguais.
O que poucos sabiam era que Wellington já tivera um futuro promissor na
capital, onde, viajando sem recursos do seu estado do Rio Grande do Sul,
perseguiu um convite para ser ator e modelo em São Paulo – para chegar
na capital, fazer alguns poucos trabalhos a nível de teste, e ser dispensado
– sem recursos para voltar ou se manter. Em pouco mais de três meses, o
sonho se transformara em pesadelo, abandonado pela família, sem diploma
ou conexões, e aprisionado em uma selva urbana sem quaisquer condições
de se manter.
Wellington, então, buscou contatos para realizar atividades criminosas,
subempregos e se entregou ao alcoolismo durante anos que consumiram
sua breve juventude, muitas vezes sem se lembrar de ter identidade
própria, que dia ou ano eram, o que fazia ali, como voltar, dentre outras
informações básicas.
Naquela altura de sua vida, a banca de churrasquinho e um colchão eram
seu patrimônio, mas mesmo assim, após recaídas e recuperações, havia
conseguido se manter relativamente sóbrio por um ou dois anos em
Itaquera, onde, após a construção do estádio, tinha conseguido estabilizar
uma renda razoável. Inevitavelmente, tornara-se torcedor do clube
regional, como hobby, forma de se identificar com seus clientes, e uma
tentativa de retorno à normalidade.
As vendas não foram tão explosivas, naquela noite, como ele imaginara.
Aparentemente, os figurões preferiam consumir comida gourmet no estádio
do que tentar conhecer a comida brasileira raiz, como os torcedores
normalmente fazem. Tampouco se interessaram pela cerveja nacional,
muito mais barata que a vendida no interior da Arena.
Após o encerramento do jogo e dispersão dos turistas, restava descansar e
pensar em como ganhar a vida na semana seguinte, onde não haveriam
jogos em São Paulo. Em um ato de extrema covardia, Wellington se viu
acordado a pontapés e chutes, por um grupo que mal pôde reconhecer, pelo
terror que estava vivenciando. Aparentemente homens e mulheres, bem
vestidos, pálidos, ricos?
Não eram ladrões comuns, mal ele tinha dinheiro naquela noite, e ninguém
o abordou nesse sentido. Os gritos e pedidos de misericórdia pouco

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adiantaram, e só fizeram com que a multidão – três, trinta pessoas, não
sabia dizer – dessem gargalhadas insanas e o espancassem ainda mais. Que
horas eram? Quem faria isso com uma pessoa indefesa? Quando pensou
que estava livre da surra, e que as pessoas simplesmente iriam embora,
sentiu algo como se duas profundas facadas – no pescoço e na perna – era
sua morte... a vida foi se esvaziando completamente de seu corpo indefeso...
a raiva, o ódio... a indignação... a dor... tudo foi deixando sua mente e sua
carne em direção ao vazio... no ar frio e escuro, apenas as risadas de seus
covardes agressores... e o abismo.
Mas não acabou. Um dos agressores, já dentro de um grande SUV, ao ver
seus olhos abertos e seu corpo inerte, deu ré no carro e terminou de
destroçar uma de suas pernas. A dor era brutal e excruciante, mas
Wellington mal conseguiu gritar. Pelo silêncio, aparentemente ele estava
morto, cada gota de sangue seca. E assim o grupo o deixou para morrer na
calada da noite, a algumas quadras do estacionamento do estádio e do
metrô. O que não aconteceu.
De alguma forma, Wellington, embora para sempre sem o movimento de
sua perna esquerda, havia se tornado imortal. Vomitou por noites e noites
seguidas, sem conseguir comer qualquer alimento, e por um instinto
bestial que desconhecia, assassinou seus dois ajudantes de vendas da época,
drenando suas veias, e finalmente se acalmando.
Deveria, agora, achar um abrigo que o protegesse do sol. Instintivamente,
havia se escondido nas malocas ainda mais no extremo da Zona Leste,
deixando a área do estádio para evitar ser reconhecido pelos antigos
torcedores e clientes.
Sem saber absolutamente nada sobre seus senhores ou sobre a sociedade
cainita, os motivos pelos quais precisa de sangue e por quê seu corpo agora
aguenta tanto esforço e tem tanta resiliência, e de onde vem sua visão
sobrenatural no escuro, a única coisa que Wellington busca é ajudar os
mais vulneráveis como ele, contra as injustiças da noite paulistana, abusos,
roubos e violência extrema a que muitos estão expostos.
Abandonando seu nome original, nas noites modernas Wellington adotou
o apelido de Muleta, a qual é obrigado a utilizar para se locomover.
Muitos o veem como um santo entre a imundície, o sagrado entre o
profano, o provedor que alcança os necessitados onde nem o estado e nem

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a filantropia chegam – por nojo, medo ou hipocrisia. Apesar de pouco
conhecer sobre a sociedade vampírica e suas estranhas políticas e práticas,
sua fama tem chegado a recantos mais distantes de São Paulo, despertando
algum interesse sobre sua misteriosa figura, e seu potencial,
principalmente entre os anarquistas, com os quais forjou uma tênue
aliança, baseado no que ouviu falar do grupo por Patricia Ayumi.
Uma música para inspiração: Killing in the Name – Rage Against The Machine

São Paulo By Night – Página 109


Sugestões de Crônicas em São Paulo

Nessa seção, são apresentadas sugestões de crônicas na noite paulistana, as


quais podem envolver alguns dos personagens citados anteriormente,
podendo ser jogáveis ou não, a critério do mestre da mesa. Nesta seção,
também estão as Lore Sheets (Anexo 4) ligadas a São Paulo, que poderão
ser usadas pelos personagens, conforme seus critérios.

Artefato Perdido
Você e sua coterie receberam a informação de um membro do Ministério
de que o Monumento às Bandeiras, no coração do Parque Ibirapuera, é
uma importante referência - ou é ele mesmo - um relevante artefato de
poder grandioso aos cainitas da cidade. As palavras do imortal, como de
todos de seu clã, são misteriosas, mas encorajadoras. O imortal que passou
a informação a seu grupo não é da cidade, mas visita os domínios
paulistanos a negócios, de tempos em tempos.
O artefato pode ser um matusalém em torpor, rituais antigos de magia de
sangue, armamentos, portais, ou uma combinação de todos estes.
O maior problema é que a área é dominada pela paranoica e violenta
Camarilla da cidade, que a qualquer sinal de ameaça ou distúrbio da tênue

São Paulo By Night – Página 110


paz, pode iniciar uma caçada de sangue implacável e arrasadora, por ordem
da princesa Inés e seus asseclas pragmáticos.
Os Hecata, e os Anarquistas, no entanto, secretamente poderiam auxiliar
na missão da descoberta por uma parte (grande ou muito grande) do
prêmio, se consultados. Caso não sejam consultados, também poderão
tomar os espólios, usando de seus métodos espúrios e olhos e ouvidos por
toda a noite da capital.
Por tamanho risco, as recompensas devem ser enormes - e poderão mudar
o rumo do complexo balanço de poder na noite paulistana, de forma
definitiva.
Sugestão de grupos: Qualquer secto, mas vampiros ancillae combinados
com neófitos.

Os Segredos da Cripta
O Cemitério da Consolação, centro de poder dos Giovanni do clã Hecata,
detém em seus muros várias criptas, segredos e monumentos, sendo,
alguns deles, além até mesmo do controle de poderosos anciãos como
Emilia Della Passaglia.
Os cainitas da cidade conhecem bem a região ao seu redor, mas poucos são
os que passam ali noites completas, ou já exploraram suas catacumbas,
com ou sem a permissão dos Giovanni.
Espíritos assombrados, portais ao mundo dos mortos descarnados, uma
gárgula vinculada ao sangue de algum vampiro poderoso, e artefatos
sombrios são parte do folclore acerca do local, bem como a loucura que faz
com que a maioria dos cainitas fique face a face com o abismo interior de
suas bestas, de forma intensa e muito particular...
Você e seu grupo teriam a coragem de explorar além dos véus dessa
localização, desvendando seus profanos e sombrios segredos? Pediriam a
bênção e o favor dos senhores do local, ou desafiariam sua fúria
implacável?
Sugestão para grupos livres; disciplinas defensivas, como celeridade,
fortitude e ofuscação serão de grande utilidade!

São Paulo By Night – Página 111


Os degraus de marfim

Você e seu grupo de neófitos da Camarilla recebeu uma missão


diretamente da príncipe Inés, no último encontro ocorrido no Elysium do
secto. Há um traidor vendendo informações e segredos aos anarquistas, e
aumentando seu poder e vantagens estratégicas sobre o grupo,
especialmente nas áreas mais independentes e menos demarcadas da
cidade.

São Paulo By Night – Página 112


A paranoia e fúria queimaram nos olhos da príncipe ao repassar a missão, o
que significava extrema importância. Em sua pressa, ela apenas exigiu
reportes periódicos diretamente a ela, em caso de progressos, e que
iniciassem a busca falando com os membros seniores da FDSS, a empresa
de segurança do secto, liderada pelo Ventrue Fernando Dutra.
Os mistérios descobertos, e o nome (ou nomes) dos traidores poderiam ter
sérias consequências em mãos erradas, e o motivo pelo qual a príncipe
escolheu seu grupo de neófitos para tão grave missão, é um ponto de
severa reflexão.
Será se todos vocês, ou os mais aptos, aqueles à altura, escalariam os
degraus da Camarilla através do sucesso, para alegria e prestígio dos seus
senhores, ou seriam apenas peões no jogo dos primogênitos poderosos e
maquiavélicos?
Seria agora a hora de contestar a fé na torre de marfim, ou reforça-la ainda
mais, como um sólido rochedo?
Quais implicações políticas ocorreriam, após tudo esclarecido? Quais os
motivos e as versões dos envolvidos? Seriam sinceras, ou egoístas e
malignas?
Ao fim dessa trama, apenas você e seu grupo - ou o que restar dele -
poderão responder...
Recomendado para neófitos de clãs aliados da Camarilla.

Pontes ou Muros
Você já esteve lá quando mortal, e agora, não vai mais aceitar a
humilhação. O preconceito, o desprezo. Eles andam em seus carros
blindados, caçam suas vítimas, mal te notam. Filmam seus movimentos
por zombaria, prazer, se divertem com seu fracasso. Você nunca será nobre
como eles. Não tem uma origem europeia ou de civilizações antigas. Não
tem senhor, linhagem, definições. Seu campo de caça é “o que dá para
fazer”.
Suas noites são em regiões neutras e de fronteiras, como a Oscar Freire, a
Rua Augusta, ou galpões inóspitos da Barra Funda, Vila Leopoldina e
outros arredores da marginal, ou do Ceagesp. Quando com melhor
autoestima, você se arrisca nas feiras da madrugada do Brás.

São Paulo By Night – Página 113


Mas agora você ouviu falar que uma nova célula de independentes, com
tendências anarquistas, de sangue fraco e Caitiffs, tem operado em
Campinas, com interesse em saber mais sobre a não vida e a sobrevivência
em São Paulo.
Você ajudaria os seus iguais sem clã, ou os levaria a uma armadilha fatal,
para ganhar prestígio entre aqueles que até então te mostram apenas os
punhos, presas e botas? Essa é sua chance de escolher construir pontes ou
muros.
Sugestão: Grupos de Caitiffs e Sangue fraco.

Canibalismo selvagem
Os Caitiffs e Sangue Fracos da cidade estão em apreensão máxima, além
do normal. Muitos têm desaparecido na noite, alguns, poucas noites depois
de serem abraçados. Quem estaria por trás desse extermínio? A Camarilla,
ou os anarquistas, que tanto os atraem? Algum louco oriundo das
tradições antigas do Sabá na cidade, realizando algum ritual sombrio de
sangue? Infernalistas?
Perguntas que os primogênitos pouco se importam, bem como suas crias,
são, para você e seu grupo, questões de permanecer como um membro das
trevas eternas, ou abraçar sua morte final. Você deverá, apesar de todas as
adversidades e limitações, buscar as respostas junto com sua coterie, e
confrontar aquele, ou aqueles, que estão causando tanta dor e sofrimento a
seus iguais, como sempre desmerecidos e esquecidos pelos poderosos. As
respostas, a tantas perguntas, poderão ser surpreendentes.
Sugestão: Grupos de Caitiffs e Sangue fraco.

Vácuo de Poder
Atualmente, circulam por São Paulo alegações de que os anarquistas,
reunidos sob Dom João Dias, têm sofrido de um vácuo de poder, visto que
o próprio Barão aparentemente está envolvido até o pescoço nas
maquinações da Gehenna, não resistindo à convocação do chamado ao
Oriente Médio, e está passando cada vez menos tempo em seu território.
Muitas decisões importantes têm sido tomadas por sua cria, Patricia, a
qual possui estilo de liderança distinto dos métodos mais conciliadores e
negociadores de seu senhor, sendo, muitas vezes, extremamente agressiva
e inclinada a chacinas e derramamentos de sangue.

São Paulo By Night – Página 114


Muitos cainitas entendem, inclusive, que as atitudes de Patricia são a
antítese perfeita do modus operandi do principado de Inés, o que, em
algum momento, poderá acarretar em grande instabilidade na cidade.
Você e sua coterie de anarquistas poderão decidir, nesse cenário, investigar
as viagens de Dom João Dias, e se ele está ou não ainda na cidade, bem
como ajudar ou impedir os planos e atitude de sua cria, Patricia,
influenciando diretamente no fluxo de poder paulistano, entre sectos e
seus membros. Um vácuo de poder de tal importância, inclusive, poderia
levar você, parte ou a sua coterie inteira a ascender a posições de poder
entre os anarquistas da cidade – o que, no entanto, poderá demandar
grandes sacrifícios ao longo do caminho.
Sugestão: Anciões ou neófitos (ou combinação destes), ligados aos
anarquistas, preferencialmente utilizando-se de disciplinas sociais.

Colonização
Sua coterie é composta por vampiros de fora da cidade de São Paulo e que
foram ensinados, por seus mestres, barões ou aliados externos, sobre os
domínios da área, as alianças e termos em que foram formadas durantes as
noites atuais.
Sua missão é simples, mas quase suicida: derrubar um primogênito da
cidade de sua atual posição de poder, e substitui-lo por um vampiro mais
apto, que pode ser, inclusive, de sua própria coterie.
Quanto mais agressivo e violento for seu modus operandi, mais ele
chamará atenção dos vampiros aliados ao primogênito e seu secto, e mais
destruição e caos ele irá causar, portanto, propõe-se combinação de
diplomacia e discrição ao tentar tornar sua missão bem-sucedida.
Você deverá explorar quais segredos, intrigas, forças e fraquezas as facções
da cidade sabem uma sobre a outra, e acreditar em especulações,
eventualmente participando dos jogos sujos que são jogados em São Paulo,
até que, finalmente, a balança pese favoravelmente a seu lado, e você se
utilize de uma oportunidade de ouro para alterar para sempre o equilíbrio
do poder nas noites paulistanas.
Suggestion: Ancillae, with strong background and motivations. An
attempt to use clans not covered by the Characters chapter should be very

São Paulo By Night – Página 115


interesting, like the Ministry, Banu Haqim, Cappadocians, Salubri, Ravnos
and other V5 alternatives.
Sugestão: Vampiros anciões com fortes motivações e histórias em relação à
São Paulo. Uma tentativa de usar clãs não descritos no capítulo de
personagens, como o Minsitério, Banu Haqim, Capadócios, Salubri e
Ravnos, todos inseridos na 5ª Edição de Vampiro a Máscara, seriam muito
interessantes nesse tipo de aventura.

Guerra de Clãs
Em uma cidade onde há abismos sociais praticamente intransponíveis
entre os mortais, bem como pesada carga de conflitos e diferenças
ideológicas, antigas guerras, ódios, preconceitos e ressentimentos
facilmente podem ser revividos – por mais que estejam mortos e
enterrados pelos fatos históricos, alianças entre grandes figuras da
Camarilla e Anarquistas, dentre outros. Uma discussão entre carniçais em
um bar, uma briga de trânsito, rumores ou simples olhares e palavras mal
colocadas em um Elysium podem reviver ódios antigos, bestiais e
instintivos.
Nestas crônicas, sua coterie – que deverá ser formada majoritariamente
por um único clã – tomada por algum motivo histórico de conflitos do
Mundo das Trevas, buscará aniquilar a maior parte dos personagens de

São Paulo By Night – Página 116


algum clã da cidade, independentemente de a qual secto eles pertençam.
Cabe lembrar que os personagens são altamente conectados em um
complexo Mapa de Relacionamentos, e que a destruição desses
personagens – se levada a cabo – poderá causar profundas transformações
no tecido social da cidade, levando, talvez, um ou mais sectos inteiros em
uma caçada de sangue ou busca por vingança implacável contra sua
coterie.
Sugestão: Anciões com background e motivações bem desenvolvidas, e
recursos suficientes, preferencialmente locais da cidade de São Paulo.

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Histórias de São Paulo

Nesta última seção, são apresentadas quatro narrativas curtas ambientadas


na cidade de São Paulo do Mundo das Trevas, protagonizadas por três
personagens deste livro, e um personagem misterioso, as quais poderão
servir de ponto de partida para alguma campanha que o narrador e os
jogadores queiram participar ou, se desejarem, inserir os fatos e os climas
abaixo descritos em seus jogos.
A primeira crônica tem como temática as noites do Clã Toreador e da
Camarilla, em um ambiente classicamente dominado por este secto.
Já a segunda crônica se passa em território dominado pelos Hecata, e é
protagonizada por um Nosferatu anarquista, se locomovendo e
vivenciando o clima de horror sombrio e violento da região central, nas
noites modernas.
A terceira crônica é uma situação típica do enredo da quinta edição de
Vampiro A Máscara, retratando a possibilidade de ingresso dos Lasombra
na Camarilla, e os macabros tratados que são realizados entre os cainitas
para forjar essa nova aliança profana.
Por último, é demonstrado o conceito da não vida de um Sangue Fraco
recém abraçado e como seriam seus primeiros dias e noites na cidade de
São Paulo By Night – Página 118
São Paulo, ao ser introduzido em um mundo macabro, sombrio e cruel, o
qual ao mesmo tempo em que inflige nojo, também causa fascínio e uma
curiosidade que flerta e se confunde constantemente com a morbidez.

Ao Forno
A decoração daquele restaurante estrelado, bem como o número de mesas
em cada ambiente, demonstrava que o lugar realmente é para poucos.
Fachada discreta, em uma das ruas estreitas e quase imperceptíveis da
região do Itaim Bibi e Vila Nova Conceição. Um terraço, jardim vertical.
Letreiro pequeno e de bom gosto, indicando, para o olhar dos menos
atentos, o que poderia ser tanto um café, quanto um escritório, consultório,
agência publicitária ou clube de elite.
Ao subir as escadas, o lobby e seu sofá de couro rubro, ao estilo vitoriano,
bem como o bar com um atendente uniformizado, recebem um seleto
grupo de clientes, chefes de cozinha e críticos de alta gastronomia
internacional para um welcome drink.
O local funciona apenas à noite, para o jantar, e a iluminação é totalmente
natural, com a luz da lua reforçada por candelabros e castiçais de bronze
acesos no salão principal.
Um casal jovem, em trajes sociais, jantava em uma das mesas deste salão, e
uma vela quase totalmente consumida ao centro, taças de vinho tinto e do
porto, e um Petit Gâteau nas suas delicadas porcelanas, indicavam que
aquela parte da noite estava quase no fim para ambos.
A mulher aparentava ser de uma idade universitária, cabelos negros e
longos, com mechas castanhas levemente onduladas. Vestido branco
impecável de alta grife, e joias provavelmente adquiridas na Tiffany's,
última coleção. Sua pele dourada e seus pequenos olhos iluminavam ainda
mais o luar que aveludava o ambiente do salão, bruxuleando sua suave luz
em direção ao companheiro que finalizava, lentamente, seu jantar, na sua
frente.
Seu companheiro, por sua vez, trajava um terno de alfaiataria escuro como
a noite sem nuvens, bem como sua camisa, sapatos e lenço no bolso do
paletó. Os cabelos loiros e lisos, levemente despenteados, passavam um ar
casual, sedutor, intelectual e despreocupado. Pela palidez da sua pele, e
estranha coloração azul clara dos olhos, aparentemente o rapaz poderia se
passar por estrangeiro, ou de descendência de países setentrionais.
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A atração que ele exercia em seu olhar era dominadora, e sua presença
parecia fazer com que ele e seu conjunto fossem uma peça de arte ou
decoração inerentes ao ambiente. Para os demais clientes e funcionários,
era quase impossível passar pela mesa e não admirar algo relacionado ao
homem - suas roupas, seus gestos, o sorriso ou o estranho perfume...
Ao finalizar o jantar, e com menos clientes no salão, o sedutor casal
resolveu voltar ao lobby, para um último drink antes de continuarem a
noite. Seria uma longa noite, pelo menos para um deles...
Com a garota levemente ébria em seus braços, o rapaz aproveitara a
discrição dos funcionários para beija-la, lenta e vagarosamente, no
pescoço... com uma intensidade um pouco anormal, que deixou duas
marcas na sua pele, as quais rapidamente foram escondidas por uma
lambida...
Mas o fato que fazia com que o staff do restaurante dispersasse sua atenção
do casal não era o fim da noite ou o cansaço, mas outro foco de luz, ainda
mais intenso, que subia as escadas. Uma loira extremamente pálida, com
trajes vermelhos escuros, batom e maquiagem carregados, para sua idade
jovem, mas elegantes, como se estivesse indo para uma festa de casamento
elitizada da alta sociedade.
Seus olhos eram azuis e profundos, desafiadores. O ar de sua atitude era
praticamente de dona do local, pelo medo que impunha em todos que
visualizavam seu semblante. O perfume, muito mais que o do rapaz no
sofá, era inebriante, como a infância, a melhor lembrança da vida, ou uma
paixão perdida há muitos anos...
Sua visão e seu aroma eram quase que um vício proibido, um pecado, uma
paixão, e a beirada do abismo da insanidade, representando ainda, ao
mesmo tempo, uma sensação sutil de gelo, vidro, névoa e agulhas a
penetrar as profundezas dos ossos de seus espectadores.
Após subir as escadas do restaurante, indiscretamente ela se senta ao lado
do casal, tocando o rapaz de maneira que se confundia entre o casual e o
intimidador.
- Fausto, disse a loira, em um sotaque levemente norte-americano. O táxi
da sua namorada está esperando por ela na porta, para deixa-la em casa. E
você, está bem longe de casa, não é mesmo?

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Fausto pagou sua conta no bar e desceu com a sua acompanhante e a loira,
deixando a primeira aos cuidados do motorista.
- Tracy, respondeu Fausto, com frieza e uma velada desolação nas
palavras.
- Vamos ao fim da rua. E assim ambos caminharam, em um silêncio tenso e
sinistro, pela rua que já tinha, pelo horário, movimento quase morto.
Tracy retirou, de sua bolsa, uma chave e uma pistola Desert Eagle
prateada, abrindo a porta de uma pequena casa da rua, e entrando nela com
Fausto.
- Tracy, podemos falar sobre isso, disse Fausto, com a voz trêmula.
- Sou o flagelo, Fausto. Aqui é a Camarilla e temos regras.
O ambiente da casa era totalmente desprovido de móveis e luz, exceto pelo
brilho do luar, que entrava por uma das janelas e iluminava o interior
amadeirado do local.
- Caçar no domínio alheio sem permissão é motivo para a morte final,
continuou Tracy, com seus olhos azuis tornando-se quase negros, o batom
vermelho dos lábios se destacando entre as presas alvas como a neve. A
sentença é decretada.
- Tracy, Fortaleza caiu. E você sabe que o próximo príncipe da região...
- Seria você, não é mesmo? Responde Tracy, com sarcasmo. Fortaleza
caiu..., mas é algo que podemos acertar, não é mesmo? Continuou Tracy,
guardando a pistola e retirando uma adaga em formato de Ankh da sua
bolsa.
Os olhos de Fausto, antes opacos, tiveram, novamente algum brilho,
enquanto Tracy cortava uma parte do pulso, deixando gotas de sangue
caírem no chão da casa. Ele sabia o que aquilo significava. Não era um
neófito. A única chance de se salvar da morte final era se sujeitando ao laço
de sangue com Tracy Thorne. Poderia depois procurar os Tremere de sua
cidade e se livrar do vínculo?
Após um breve lampejo de pensamentos, Fausto se ajoelha e toma a mão
de Tracy, como se fosse pedi-la em casamento, e bebe de seu sangue,
trêmulo, inseguro, e quase reduzido a um mero mortal, com quase nada da

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presença que há pouco apresentara no restaurante, totalmente ofuscado
por sua companheira de clã.
Com o semblante vazio e a pele cadavérica, cabelos desgrenhados e o terno
respingado de sangue, Fausto tenta levantar os joelhos, mas não sente
mais as pernas. Um formigamento e dor lancinantes se espalham por cada
um de seus membros, cada uma de suas veias. Tenta gritar, mas não
consegue. Desce os olhos ao peito, e neles encontra uma estaca que o
atravessara, desde as costas até o coração. A última visão que Fasuto tem é
o do corpo de Tracy Thorne, seu vestido vermelho social, como uma
estátua grega colossal, o sorriso de anjo, os olhos azuis como o céu de
verão, a palidez levemente restaurada. E o abismo profundo.
- Alô, é do delivery? Pergunta Tracy, falando ao celular, com o sapato de
salto alto sobre o corpo imóvel de Fausto. Um espeto ao forno, aqui na
Vila Nova Conceição. Nesse número mesmo. Obrigada.
E assim ela parte para a noite, após jogar o celular sobre o corpo estacado
de Fausto, ligado, para que o sinal do GPS seja localizado. O barulho dos
passos de salto alto sobre o solo de madeira da casa gerava uma sinfonia
sombria, aos poucos apagada pelo ruído da noite paulistana... carros...
buzinas... motocicletas... e os suspiros das rosas para a lua.

Steakhouse do Centro
Uma noite de inverno, vento incessante e garoa, pode significar pouco para
a parcela mais abastada da cidade de São Paulo, que aproveita o clima frio
para consumir queijos, vinhos e jantares de luxo em restaurantes pós-
modernos. Muitos simplesmente compram uma garrafa de vinho ou duas,
ou pipoca, e vão assistir suas séries e filmes favoritos por streaming em
casa.
No entanto, uma parte enorme da população, principalmente a que vive
nas ruas, jamais ouviu sequer falar de muitos desses pequenos luxos. E,
sem a cachaça, o crack ou, talvez o mais difícil de encontrar dentre os três
– um prato de sopa quente – esse clima é fatal para sua sobrevivência, se
não na própria noite, nas próximas, onde apodrecerão seus pulmões e
órgãos internos lentamente, à espera da ajuda do governo e da sociedade,
que não chegará.
Felizmente, não por conta da classe social, mas por conta de sua condição
vampírica, o Nosferatu Cartógrafo não sentia frio algum. Afinal, já era, há
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muitos anos, um cadáver. Desde quando foi abraçado como peão, ou cabeça
dura do Sabá, no início da década de 90. Mas suas noites de escravidão à
vaulderie já se encerraram, e ali ele estava, na alta madrugada da Praça da
Sé, em uma missão de reconhecimento para os anarquistas. Não a primeira
em que Patricia Ayumi o enviava, diga-se de passagem.
Estar naquele ambiente não lhe trazia muito conforto, pensava o
Cartógrafo, enquanto enrolava um cigarro de maconha entre os dedos
longos, ossudos e pontiagudos – apenas pelo velho hábito, já que não
conseguiria se drogar apenas pelo efeito direto da erva, se não consumida
através do sangue de algum mortal. No entanto, também, até aquela noite,
não era um ambiente que o enchia de pavor, embora todo seu grupo tenha
ali mesmo caído, em 1992, defendendo o Arcebispo Raposo Correia. O
desgraçado, ele nem o conhecia. E nunca chegou a conhecer.
Supostamente, um carniçal dos Della Passaglia, talvez diretamente de
Giorgio, passaria por ali naquela noite, com um novo carregamento de
uma das potentes drogas que eles distribuíam aos traficantes da região.
Pelo que a inteligência anarquista havia descoberto, a droga era um novo
experimento, e certamente a Casa Carna dos Tremere gostaria de avaliar
seus componentes químicos e descobrir quais eram.
O ambiente, como já de costume, era extremamente pútrido. Além do
cheiro da maconha do cigarro do Cartógrafo, que queimava entre seus
dedos, o cheiro de cadáveres putrefatos, urina e fezes era uma constante.
Mortais, drogados e hordas de mortos vivos dos Della Passaglia
conviviam em uma orgia de vida e morte grotesca e imunda, e a sensação
de ser observado era constante, até mesmo para um cainita com razoável
domínio da ofuscação, como ele.
Toda sorte de lixo podia ser encontrada no chão, entre facas e porretes
enferrujados, camisinhas usadas, remédios, papelotes de drogas, sangue e
animais do fundo da cadeia alimentar, como ratos e baratas, até estes em
um estado que se confundia entre a vida e a morte.
A Guarda Civil Municipal passava apenas pelos entornos das ruas, e com
certa rapidez, abandonando os moradores de tal submundo à sua própria
sorte, especialmente naquele horário. O Cartógrafo, que agora já havia
vivido parte relevante de sua não vida em exílio na Europa, já vira esgotos
de grandes capitais mais organizados e limpos que tal região.

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Mas algo começava a se movimentar de forma pouco usual. Lentamente,
muitos moradores – incluindo um que arrancava a carne de um dos seus
próprios dedos com os dentes, expondo seu osso – subiam para a região
atrás da Catedral da Sé, no sentido da Consolação e Avenida Paulista. Aos
olhos menos atenciosos, poderia parecer um movimento descoordenado,
mas o Cartógrafo percebeu que a movimentação ia, de forma vagarosa, em
direção ao mesmo beco sem saída.
Por ruas paralelas, e seguindo as prostitutas, mendigos e drogados em sua
procissão obscura, o Cartógrafo foi observando e tomando nota do ritmo e
direção do fluxo migratório, até chegarem a um bar dentre os mais
comuns da região, com cadeiras de plástico na calçada. Lá muitos
entravam, no máximo de três em três pessoas, e compravam doses de
cachaça ou cigarros comuns, aparentemente, e depois se dispersavam.
O Cartógrafo seguiu uma das mulheres, esquálidas, quase tão pálidas
quanto ele próprio, e com dificuldade de locomoção, até um beco onde ela
provavelmente buscaria consumir os dois maços de cigarro que comprou.
O objetivo seria furtar pelo menos um dos dois maços, e voltar a seus
domínios, o quanto antes.
No beco escuro onde a mulher se sentou, rodeada por lixeiras, ratos e
pichações (algumas dos anos 90, que o Cartógrafo decifrava bem), mais
uma movimentação estranha ocorria. O aroma de vitae invadiu
instantaneamente as narinas do Cartógrafo, colocando-o em estado de
alerta. Com certeza o cheiro não vinha da drogada. Após ela fumar um de
seus cigarros, e estremecer o corpo inteiro, desmaiando por alguns
minutos depois, o Cartógrafo conseguiu cumprir sua missão, roubando um
dos dois maços de cigarro, mas havia algo a mais para se descobrir naquele
local.
Gemidos abafados esfaqueavam o ar lúgubre do beco esquecido por Deus:
“Socorro...”, “Alguém me ajuda”, “Puta que pariu...”.
Como o Cartógrafo veio a notar, os gemidos vinham de debaixo de uma
das grandes lixeiras urbanas, onde havia um alçapão. Abrindo
sorrateiramente o alçapão, uma cena grotesca pôde ser vista por seus
olhos, acostumados à tenebrosidade: Dois homens fortes, aparentemente
mortais, enfiavam bolsas de sangue e agulhas nas duas pernas decepadas
de outro homem, pendurado no teto por ganchos, e extraíam seu sangue,

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misturando-o ao que parecia ser a pasta base de uma droga, provavelmente
cocaína ou crack, no que parecia ser o porão de um açougue abandonado.
Pelo fato do homem mutilado estar vivo, e pelo aroma da vitae, o
Cartógrafo conseguiu deduzir muito bem o que ali se passava – estavam
produzindo drogas a partir do vitae de um vampiro sangue fraco, dentre os
muitos que aparentemente estavam surgindo nos últimos anos da noite
paulistana.
Será coincidência que têm surgido tantos de sangue fraco assim, ou seriam
eles o novo gado dos Hecata, para experimentos e manutenção do
domínio? Muitos diziam que Emilia Della Passaglia era uma anciã com
sangue tão potente que já não consumia mais sangue humano há tempos,
boato que agora começava a fazer ainda mais sentido...
Sem violar a neutralidade entre os sectos, mas com bastante repulsa e
sentimento de impotência, o Nosferatu usou de sua ofuscação para sair
daquele lugar amaldiçoado por Lúcifer, e relatar suas descobertas a
Patricia. Se necessário mais uma luta naquele domínio, que assim fosse.
Mas não cabia a ele decidir... principalmente porque já estivera do outro
lado das trincheiras, e merecia ganhar novamente a confiança que perdera.
Naquela desgraçada e macabra noite, até mesmo o Nosferatu foi impactado
pela frieza, paranoia e brutalidade das ruas da região central de São Paulo.

Recrutamento e Seleção
---- Mensagem original ----
De: A Mo▬te▬▬o <41▬3mon731▬▬▬@gmail.com>
Data: 17/02/2020 23:46 (GMT-03:00)
Para: Rubens M <r▬▬▬nsba▬▬▬▬@outlook.com>
Assunto: Desculpe-me

Gostaria de ter lhe escrito esta mensagem há muitos anos.


Sei que não sabes se estou viva ou não, e não sei se já me esquecestes. Mas
tenho vosso endereço eletrônico até hoje, e sei que não o usas a não ser em
caso de emergências. Pois, quando visualizares esta mensagem, pode ser
que estarás diante de uma emergência.

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Após o que aconteceu a nossa família, estive por muitos países de nosso
continente. Tive que me acostumar ao que a vida me oferecia. Conheci
muitos que mereciam destino pior que o meu, ou que o vosso, pelo que
fizemos. E deles tirei proveito, como que por vingança. Até que, em Madri
tive quem me fizesse de vítima.
E tive que fazer trabalhos para ele. Irmãozinho, não sabes como é essa
condição... de trabalho. Não me deixam contata-lo também, mas que seja.
Um moçambicano me contratou para um trabalho no Brasil, para o qual
me sinto apta, mais do que apta e capaz, mas não sei se retorno a Portugal
nunca mais. Sinto falta dos mares da nossa Cascais... os infinitos mares.
Nossa saudosa Évora!
Se eu morrer no Brasil, pouco importa. Se minha carreira continuar, não
me escrevas de volta. Não saberás, de qualquer forma.
O que encontrares, de recursos em Portugal ou na Espanha, que puderem
ser vinculados legalmente a ti, ou a teus filhos, se tiveres, são
integralmente vossos. Não questiones as origens, além de meus trabalhos
árduos em vários países da União Europeia, como freelancer. Digas que
prestei serviços de inteligência.
Te quero, meu único irmão. Que Nossa Senhora te tenha sob sua benção e
proteção. Amém.
Alice Bastos Monteiro
Em São Paulo, Brasil.

<<< Mensagem interceptada e cancelada por Flavia Cintra, a pedido de


Carvalho Rocha, xerife de São Paulo, em 17 de fevereiro de 2020. >>>
--==--

São Paulo, Brasil. 23 março do ano de dois mil e vinte, de nosso


Senhor Jesus Cristo

Uma sala de reunião chique, num prédio corporativo enorme, de vidro


blindado do começo ao fim, no meio da porra da Faria Lima. Seguranças
carniçais, armados com fuzis M16, uma malkaviana freneticamente
digitando seus delírios, olhada por todos, até pelo senescal, com ar de
admiração. Móveis de Versailles, frutas do sudeste asiático, taças e jarras

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de sangue com amostras diferentes do gado, sem etiqueta. Não podia ser
mais Camarilla que essa porra. Sério. Príncipe malkaviana contrata um cão
de guarda Ventrue pra não ter que caçar a própria comida. Eles pagam
bem, mas em que porra eu fui me meter? Puta que pariu...
- Estamos todos aqui, certo? Gonçalves Pereira rompe o tenso silêncio da
sala, em clima de entrevista de emprego.
- Tudo bem, a príncipe não pôde comparecer, e ela não avisou, pois confiou
a mim a resolução deste assunto. Alice, metade do seu pagamento em
euros já foi efetuado, como combinado. Bem-vinda ao Brasil. Caso queira
que o seu serviço se encerre aqui, poderás ir embora neste momento, em
um jato da príncipe, para Lisboa ou Madri. Sua presença aqui vale a
metade do contrato.
Mentiria se dissesse que essa porra não me surpreendeu. 2 milhões de
euros pra pegar um voo pra São Paulo e sorrir? Poderia ir embora com
isso no bolso? Mas fiquei quieta e escutei o resto, por mais que não
quisesse.
- O resto do montante combinado, 50%, será pago, mas queremos oferecer
algo mais. Caso o contrato seja concluído, queremos te oferecer, após
aprovação da príncipe, é claro, a posição de representante do clã Lasombra
em nosso Domínio. No entanto, você já sabe sobre a situação atualmente.
Um Lasombra só é permitido em um domínio da Camarilla, e só é aceito
como tal, após trazer a morte final a outro Lasombra. Seu contrato é para
a morte final daquele merda de Antoine Lévi. Mas sua criança também
precisa ser assassinada, o quanto antes. Este serviço será para a Camarilla.
- Antoine abraçou uma criança do seu clã em São Paulo, sem permissão da
príncipe. Ambos devem ser eliminados. Este domínio é da Camarilla. Você
pode ir embora agora com metade do contrato, ou ficar. Ficar significa
trazer a morte final para Antoine e sua criança. E ser postulante a
primogênita do clã Lasombra, na torre de marfim paulistana. Flavia
poderá te instruir nos deveres de primogênita, depois da reunião. Eu
apoiarei sua candidatura. Por mais que seu clã... enfim.
O silêncio na sala de reunião. O barulho dos helicópteros à distância, como
pássaros em uma cidade cuja natureza foi aniquilada. Os carniçais e seus
sapatos, sua marcha, seus fuzis do caralho. Me levanto e bebo de uma taça

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de sangue qualquer. É realmente fresco, eles cortam gargantas o tempo
todo, sem parar. É como drenar um gado em tempo real. Impressionante.
Madri foi uma merda, Viena, Budapeste e Bratislava... foda-se. O contrato
é bom. Por que não?
- Por que não? Eu disse. Deixem comigo. Enchi mais uma taça de sangue
fresco e o deixei lá, principalmente para fazer uma pose pra malkaviana
idiota que se achava a chefe da reunião, que iria me instruir na porra do
cargo de primogênita, seria ela uma, pelo menos?
- O francês vai morrer. A criança dele. A porra do domínio dele inteiro. Eu
fico! Aceito. Será feito. A menina nerd me leva de volta pro meu domínio
alugado. No caminho conversamos sobre tudo. Não precisa assinar nada
nem apertar mãos, certo Gonçalves?
O senescal bate uma continência militar breve com os dedos na testa, na
direção de nós duas, se levanta da cadeira e se retira da sala, em direção ao
elevador.
Sou deixada ao olhar de desprezo, assombro ou tesão da pequena nerd
malkaviana, que fecha seu notebook e tira a chave de um Jeep do bolso. Ela
abaixa seus leves e pequenos óculos e me examina de cima abaixo.
- Só na câmera que vocês ficam feios, né, ao vivo não tem problema. É até
gostosa. Menina bonita, vou ter que confiar na minha memória pra
lembrar de você. Cada detalhe, portuguesinha. O gosto, o cheiro. Você
vem no banco da frente.
Respondi com o olhar mais blasé e entediado que consegui em toda minha
não vida, e a segui rumo ao elevador.
Momentos frustrantes, devo confessar. Cada pensamento que tinha, me
dava a sensação de estar sendo lido, observado, decifrado. Pelos instantes
breves que passara naquele elevador de vidro, olhando para andares feitos
por imitações de mármore, homens armados, parasitas corporativos,
risadas falsas e luzes artificiais, sentia minha alma perscrutada por uma
detetive tarada ou secretamente diablerista. Não conseguia entender o que
essa malkaviana queria extrair de mim. Ela tocava meu corpo inteiro a um
metro e meio de distância, sem tirar os olhos de seu notebook.

São Paulo By Night – Página 128


- Às armas, às armas! Pela Pátria, lutar! A maluca cantou, ao chegarmos na
garagem. Na minha linhagem, o senhor de meu senhor foi português, no
clã da lua. E com uma risada histérica, ligou seu gigantesco carro
blindado, me lembrando daqueles personagens de ficções japonesas,
entrando em enormes robôs. Sem muita escolha, e pensando no próximo
depósito, a segui.
A noite era úmida, mas insuportavelmente quente. Ó, Novo Reino que
tanto sublimaram...
A.B.M

As Fraquezas do Sangue

Dessa vez mano, foi a pior ressaca que eu já tive na minha vida. Mano, a
pior ressaca, sem comparação. Não dava pra comer absolutamente nada,
nem beber água de manhã. Era vômito na certa. A luz do sol me causava
tontura, raiva, cegueira, insanidade, e desprezo por qualquer coisa. Mas eu
tinha meu estágio pra fazer.

São Paulo By Night – Página 129


Era botar a camisa social amassada da sexta-feira e ir colocar o paletó por
cima e a gravata, e desodorante, muito desodorante. E puta que pariu, em
pleno inverno de São Paulo, eu sentindo um calor e um incômodo
absurdos. Fora a dor de cabeça. Cada vez mais dor de cabeça. Mas chamar
atestado em plena segunda-feira, naquele bancão, é demissão. Tem 90 mil
estagiários querendo pegar a vaga que eu peguei.
Puta de uma jornada do Ipirangão até a Faria Lima. Linha verde, linha
amarela. Fora o buzão até a estação do metrô. Muitos queriam estar no
meu lugar, galera da vila, pessoal da cidade do meu pai. Mano, dor de
cabeça, tinha um bagulho insano pra entregar hoje pros caras.
Só conseguia prestar atenção nas veias dos pescoços das minas. Veias
pulsando, um sangue, uma coisa forte, uma coisa chata, um pulso mais de
ressaca, um pulso mais de raiva, de vingança. No pescoço? Sério? Já prestei
atenção em detalhes mais interessantes. E aí mais uma náusea forte. O
gosto daquela pizza velha que tinha sobrado na geladeira voltando na
minha boca, ao mesmo tempo o cheiro da canela machucada de alguém do
meu lado. Um moleque de skate na mão. Parecia o melhor café da manhã.
Que porra é essa que eu estou pensando? E ele desceu na Estação
Pinheiros. A minha tá chegando.
- Estação Faria Lima, desci. Vomitei tudo que tinha no banheiro do metrô.
Dor de cabeça do caralho, gravata enfiada no vaso sanitário cagado. Gotas
de suor encharcando a roupa. Sem força nos braços e nas pernas. Último
suspiro:
- Chefe...
- Que que foi, brother?
- Febre, dor de cabeça, náusea, acho que tô com virose.
- Não vem pra cá com Corona, porra! Vai pro hospital! Se cuida moleque, a
gente se vira aqui! Melhoras! Se tiver de ressaca vai pagar a próxima
semana que vem! Quero ver o atestado, vagabundo!
E ali fiquei, uma meia hora. Sim, chutaram a porta. Passaram, limparam o
chão. Joguei minha gravata na merda da lixeira, era uma barata mesmo. E
tudo voltou na minha cabeça.

São Paulo By Night – Página 130


Aquela balada de sábado pra domingo em Moema, um lugar bisonho que
nunca ninguém tinha ouvido falar, nem o pessoal mais das antigas que
morava aqui, da minha cidade. Aquela coroa gostosa que me pagou um
drink que parecia Campari. Os caras sumiram. Aquela música dos anos 80,
era Depeche Mode, eu acho.
A mina era bem mais velha que eu, mas muito gostosa, e parecia aquelas
solteironas que queriam um caso de uma noite só. A gente sentou no
lounge sei lá o que, ela fez uma reza estranha e a gente sentou num sofá
gigante, o camarote dela. Era amiga da dona, devia ser, dona não era,
porque pouco se importava com um monte de desperdício e putaria na cara
dela.
A gente começou a se beijar e se pegar no sofá, ela mordeu meu braço,
estranha, algum bagulho de masoquismo, me arrancou sangue, foda-se, era
gostosa, falava merda pra caralho, e eu bêbado dizendo que era filho de
fazendeiro rico na minha cidade, ela ria, ria e mordia meu braço. Depois
me pediu pra morder o pescoço dela com força, uma pele frágil, sangrou, e
pedia mais.
Não sei se foi o bagulho que ela me deu depois, ou um gosto de ferrugem,
ouvi a voz de multidões gritando, me lembrou aquele dia insano do Lolla.
Ela com uma cara preta, distorcida, e muito grito, muita confusão,
multidões. Eu tava muito chapado. Mas sentia o hálito alcoólico dela, a
risada dela, aquela voz. O nome dela... me grita na cabeça, eu olho pro vaso
sanitário vomitado, vejo seu rosto, mas seu nome me estupra a mente e me
faz esquecer.
A morena da balada de Moema, uns 45 anos de idade, corpo de 30... a
conversa mais insana que já ouvi na vida, sobre horóscopo, signo, política,
idade média, religião católica e biologia. Que balada era? Meu Deus, os
caras que estavam comigo.
Eu saio do banheiro já é meio-dia. Vomitado, todo fodido. Compro uma
roupa qualquer e aproveito minha pequena folga de segunda-feira. Quem
disse?
Um restaurante de sushi, cheio de executivos do prédio do lado. Peço uns
dois sashimis de atum e vou embora. A carne crua me revigora
instantaneamente. Não vomito. Vou a um açougue e peço um pedaço de
contrafilé. No beco fechado, chupo a carne crua e bebo a bosta do sangue

São Paulo By Night – Página 131


velho da carne. Eu nunca comi nada melhor na minha vida. Minha cara
amassada volta ao normal na mesma hora.
São duas da tarde e eu me sinto como se pudesse trabalhar e mandar o
diretor da minha empresa tomar no meio do cú dele e fazer essa porra
dessa empresa comprar todas as concorrentes de merda que ela tem, só
dando um soco na mesa e explicando a cotação do Bitcoin de amanhã, que
vai fechar 4,52% em alta. Como é que é, vai mesmo? Vai, eu vi. Se eu me
alavancasse em 700.000 opções nessa alta, eu ganharia 4 milhões de libras
amanhã, e se fosse no mercado chinês...
E de repente eu estou com um pedaço de carne seca, que era contrafilé, na
boca, num beco imundo paralelo à Faria Lima, com mendigos ao meu
redor, às oito da noite. Meu Deus, eu me sinto melhor. E com saudade de
conversar um pouco mais com a coroa da balada, eu me sinto com uma
revelação.
Só o sangue pode me fazer viver. Sangue, não quero mais comida. E se eu
beber o sangue de alguém? Um mendigo deitado esquecido, chapado de
maconha. Amanhã preciso me acalmar pra trabalhar e lavar minha roupa.
Um ticket do metrô ainda no bolso. Vai dar certo... meu sangue é fraco,
mas meu santo é forte.
Uma mensagem no Whats App de um número desconhecido. Abro o
celular e reconheço a foto na hora.
- Hoje tem after na Augusta, e vai rolar do “vermelho”. E aí novinho, vai
colar?
Mano, em plena segunda-feira. Um ticket do metrô no bolso, só um.
Foda-se. Tô dentro.

São Paulo By Night – Página 132


Referências e Recomendações
Para a elaboração deste suplemento não oficial, tive muitas fontes de
pesquisa, inspiração e ajuda que gostaria de compartilhar, com objetivo de
fomentar ainda mais a comunidade de jogadores, fãs e criadores de
conteúdo de Vampiro – A Máscara e das demais linhas de jogos do Mundo
das Trevas. Além disso, o compartilhamento de tais informações
representa também um sincero agradecimento a todos os criadores de
conteúdo e pessoal envolvidos em tais atividades.
Portanto, seguem abaixo algumas recomendações de conteúdos que
poderão ajudar e incrementar ainda mais as aventuras, crônicas e mesas de
RPG que forem criadas utilizando este suplemento.
Conteúdo em Inglês/Internacional
YouTube: The Primogen, Strange Adventures, Outstar, World Of
Darkness (Official Channel + Vein Pursuit), Huddyvonschland, The
Gentleman Gamer, LLadonzombie, Geek & Sundry (LA By Night), Mr.
Gone’s Character Sheets, The Gentlemen Gamer (Matthew Dawkins).
Jogos eletrônicos: Vampire The Masquerade – Bloodlines, Vampire The
Masquerade – Coteries of New York, Shadows of New York, Vampire The
Masquerade – Redemption (e, com certeza, esperando ansiosamente por
Bloodlines 2!).
Facebook: Vampire the Masquerade (Official Community).
Artbreeder (plataforma gratuita de criação de conteúdo artístico).
Livros: Vampire The Masquerade – 5th Edition, e seus complementos da
Camarilla e Anarquistas; Chicago By Night; The Chicago Folios; Cults of
The Blood Gods.
Conteúdo em Português
Youtube: Canais Segredos de Narrador (Ro Tico Amadeu), Alpha RPG e
Narrador de RPG (Felipe Daen).
Twitter: São Paulo em Fotos, Fotos de Fatos.

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Livros: Capital By Night, Rio de Janeiro By Night, O Credo do Anjo
Perdido, e todos os produzidos por Chrystian Rissoli (autor da capa desse
aqui, inclusive!)
E por fim, a maior inspiração, a cidade de São Paulo, Brasil!

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