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DESENVOLVIMENTO INFANTIL

O tema “trânsito” deve ser trabalhado de forma transversal, em todas as


matérias, sempre com o objetivo de promover a reflexão para a efetiva
adoção de comportamentos seguros e de respeito. Ao trabalhar o tema
com crianças, devemos sempre levar em conta a fase de
desenvolvimento em que ela se encontra sua realidade e o fato de que
ela é prioritariamente um pedestre.

Desenvolvimento infantil – a criança de 0 a 10 anos

Quando é proposto um trabalho em Educação para o Trânsito, a maioria


das pessoas pensa em abordar a sinalização e a formação do futuro
motorista. Porém, o caminho deve ser outro ao elaborar um projeto para
o público infantil, pois é preciso conhecer as características da faixa
etária, a realidade social na qual a criança está inserida e que papel ela
desempenha no trânsito.

Quem é essa criança? Quais os pontos fundamentais que devem ser


abordados para garantir sua segurança no trânsito? Primeiramente, é
um indivíduo em construção, pois toda criança tem um desenvolvimento
gradual, que é resultado da maturação biológica, seguindo o
desenvolvimento das estruturas lógicas (Piaget, 1979), associada à
interação com o meio social, que começa desde o nascimento, quando a
criança observa, experimenta e imita, construindo seu conhecimento
sobre o mundo, o que Vigotsky denomina “conceitos cotidianos”. Esse
teórico ressalta a importância de um meio ambiente estimulante e
desafiador, pois o desenvolvimento depende do esforço individual e do
contexto no qual o indivíduo se insere. O processo de desenvolvimento
acontece de forma gradual, existe uma sequência de etapas a serem
cumpridas, mas cada uma se realiza no seu tempo.

A criança de 0 a 2 anos vivencia um processo de desenvolvimento


acelerado. É no decorrer desse período que adquire a maturação
biológica para se locomover e a capacidade de se expressar por meio
da linguagem. No trânsito, é totalmente dependente de um responsável,
precisando ser carregada para se locomover e, em veículos, ser
transportada de forma correta para a sua segurança, com acomodação
adequada para cada faixa etária. Em Educação para o Trânsito,
trabalhamos com os responsáveis - pais e professores, que além de
cuidar, oferecem, por meio do seu comportamento, o exemplo de
atitudes seguras.

A criança de 2 a 5 anos passa a fazer parte mais efetiva do trânsito,


ora como pedestre, ora como passageira. Já se locomove sozinha,
porém ainda precisa do acompanhamento de um responsável. Começa
a ter noção do espaço urbano, sabe o que é uma rua, calçada, carro, e
identifica sua casa, sua escola. Conhece cores e aprende a relacioná-
las aos seus significados no trânsito, como por exemplo: “vermelho é
para parar”. No entanto, suas características específicas ainda não
permitem uma total autonomia em sua locomoção. Por exemplo: sua
visão periférica não está totalmente formada, enxerga apenas o que
está a sua frente, o que causa dificuldade na hora da travessia; sua
atenção é focada, ao brincar com uma bola, concentra-se
completamente no que está fazendo, esquecendo-se do que está a sua
volta. Confunde tamanho e distância, quando há dois veículos na via
(lado a lado), um carro menor e um caminhão, o carro de passeio lhe
parece mais distante que o caminhão; tem limites para distinguir sons,
calcular velocidade, entender sinais e termos técnicos como semáforo
veicular.

A Educação para o Trânsito, nessa etapa, deve ser trabalhada de forma


lúdica, pois é por meio do brincar que a criança apreende o mundo a
sua volta, experimenta papéis, reconhece sua capacidade, supera
desafios, testa limites e se socializa. Nas brincadeiras, tem a
possibilidade de vivenciar situações análogas à realidade e vai
gradativamente formando seus conceitos e construindo seu
conhecimento. Os principais conceitos a serem trabalhados nessa faixa
etária são os de segurança do pedestre, como circulação, travessia e
sinalização, que devem ser iniciados com a explicação do significado
das cores do semáforo veicular, e quando a criança tiver maturidade,
incluir a relação com o semáforo de pedestres.
Quanto aos valores morais, está na fase da heteronomia. A validade das
regras é exterior à criança e está associada à fonte de onde provém, isto
é, se um adulto que ela respeita explica uma regra de trânsito, de
maneira geral, ela aceita e acata. Dentro da escola, as crianças têm a
oportunidade de exercitar o trânsito de forma concreta, sendo que o
professor pode construir com elas a organização do movimento de ir e
vir. A observação do entorno da escola também favorece a fixação
desses conteúdos e inicia a discussão sobre cidadania.

A criança de 6 a 11 anos já apresenta alguma autonomia como


pedestre, porém ainda necessita de orientação. Está numa fase de
desenvolvimento que possibilita aprender os conceitos para a sua
segurança no trânsito, mas sua maturidade emocional ainda está
instável, sendo que as responsabilidades relacionadas aos
comportamentos independentes, muitas vezes abalam a segurança e a
confiança em si mesma, podendo ter atitudes impensadas, colocando-
se, assim, em situações de risco. Nessa faixa etária é importante dosar
as responsabilidades. No caso do trânsito, pode realizar pequenos
percursos, em um primeiro momento com orientação de um
responsável, prestando atenção no caminho diário de casa para a
escola e vice-versa, estimulando a concentração, a fim de diminuir sua
tendência a fantasiar.

Segundo Piaget, dos 7 aos 11 anos a criança encontra-se no estágio


das operações concretas, ou seja, suas ideias se baseiam em situações
concretas, fatos que pode ver e sentir. Soluciona os problemas por
tentativa e erro, que aos poucos transforma em imagens e palavras.
Começa a compreender as regras pelo seu conteúdo e as legitima, não
só porque provêm de uma pessoa que admira, como pais e professores,
mas também porque se convence racionalmente da sua validade. Tem
uma crescente consciência do que é certo ou errado, sendo um bom
momento para aprofundar a reflexão sobre respeito mútuo no trânsito e
cidadania.

Para trabalhar o tema trânsito são interessantes vivências nas quais a


criança possa primeiramente explorar para depois conceituar, como
realizar uma ampla exploração do entorno da escola, do seu trajeto,
refletindo sobre o que acontece, as transformações ocorridas, o seu
próprio comportamento etc., finalizando com o registro dessas
conclusões, que permitem que essa criança realize uma aprendizagem
significativa.

Nessa idade ela ainda gosta de diversas brincadeiras, mas geralmente


prefere os jogos com regras, pois está cada vez menos individualista,
exigindo cooperação e esforço do grupo.

É um bom momento para introduzir jogos de regras, relacionando-os


com o tema trânsito. Segundo Macedo (2005): “ao jogar, a criança
desenvolve o respeito mútuo, o saber compartilhar uma tarefa com
regras e objetivos, a reciprocidade, as estratégias para enfrentamento
das situações problema, os raciocínios.” Nessa etapa é importante
reforçar os conceitos de segurança do pedestre, porém já é possível
ampliar os conhecimentos, incluindo alguns termos técnicos, como a
explicação sobre a travessia no meio do quarteirão, quando não há faixa
de segurança.

A criança de 11 a 15 anos, já apresenta certa autonomia como


pedestre, porém ainda não tem maturidade emocional para conduzir
veículos automotores. Tem noção do perigo, do certo e do errado, mas
não possui a compreensão da amplitude das consequências dos seus
atos. Pode até ter habilidade para dirigir, mas numa situação de pressão
existe a possibilidade de se desestabilizar, tomando decisões
equivocadas e, com isso, provocar acidentes.

Conforme Piaget, a criança com mais ou menos onze anos está em


transição do estágio das operações concretas para o estágio das
operações formais. Começa a pensar sobre ideias abstratas. Tem a
tendência de formular proposições e teorias, buscando o que é possível,
além do real. Isso amplia seu pensamento, permitindo a exploração
mental de hipóteses. Essa característica pode ser aproveitada para
trabalhar o tema trânsito, a partir da ampla observação do entorno da
escola, conhecendo melhor sua realidade, podendo, assim, interferir em
seu meio de forma profunda e criativa.
Esse adolescente irá aceitar as regras que julgar moralmente certas,
não levando em consideração apenas a fonte de onde provêm, mas
também o seu próprio julgamento. Busca soluções para enfrentar os
desafios que encontra no trânsito, comparando as orientações que
recebeu dos adultos com a sua própria tomada de decisão, acatando e
repensando normas que são importantes para a sua segurança.

Por volta dos quinze anos, a maior parte do crescimento físico e mental
já se completou. Apresenta agudeza de visão e de reflexos e, somando-
se a isso, tem a tendência de desafiar o perigo como uma forma de
liberar a adrenalina. De maneira geral, sente-se onipotente, tendo a
falsa impressão de que nada de mal pode lhe acontecer, adotando
comportamentos perigosos, como pegar um veículo sem autorização.

A Educação para o Trânsito não deve ser apresentada apenas de forma


informativa, mas propiciar uma ampla reflexão sobre valores e ética. Em
primeiro lugar, explorar os conceitos de segurança do pedestre e do
motorista, a importância do respeito mútuo, as consequências de seus
atos em relação ao trânsito, trabalhando sua autoestima para a
importância de preservar a própria vida e a dos outros. Os pais e os
professores ainda possuem um papel importante, pois são figuras de
referência para o adolescente, portanto, se ele tem uma preocupação
com sua segurança e a dos outros, a tendência é a que o jovem
reproduza esses mesmos comportamentos.

O tema trânsito deve ser trabalhado de forma transversal, em todas as


matérias, sempre com o objetivo de favorecer a reflexão para a efetiva
adoção de comportamentos seguros e de respeito no trânsito. Por
exemplo, nas aulas de física, as consequências do abuso da velocidade
podem ser trabalhadas, nas de Português, podem ser feitas análises de
notícias de jornais ou da internet, propiciando o debate sobre o tema. Ao
trabalhar o tema trânsito com a criança, devemos sempre levar em
conta a fase de desenvolvimento em que esta se encontra, sua
realidade e o fato de que ela é prioritariamente um pedestre.

Para atingir melhores resultados, a Educação para o Trânsito deve ser


abordada em todas as faixas etárias, de forma contínua, no decorrer do
ano; transversalmente, para propiciar a construção de comportamentos
seguros e preferencialmente com recursos lúdicos. O uso da arte-
educação reúne os aspectos cognitivos e afetivos na assimilação de
conceitos, reforçando o significado e sentido na construção de
comportamentos seguros e éticos no trânsito.

Elizabeth dos Santos Lopes de Macedo & Cristina Manzano Pini


Psicólogas, psicopedagogas e educadoras

Referências bibliográficas:

CHARLES, C. M., Piaget ao alcance dos professores, Rio de janeiro: Ao


livro técnico, 1975.

MACEDO, Lino; PETTY, Ana Lúcia Sícoli; PASSOS, Norimar Christe,


Os jogos e o lúdico na aprendizagem escolar, Porto Alegre: Artmed,
2005.

VIGOTSKI, L. S. O desenvolvimento psicológico na infância, São Paulo:


Martins Fontes, 1998.

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