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(Séc. XIX).
Lucas Queiroz Rozendo 1
1
Artigo elaborado para a disciplina de Contemporânea II, curso de graduação em História da PUC-SP. E-
mail: lucasrozendo@hotmail.com.
O presente artigo objetiva estudar o realismo social compreendendo a
esfera do trabalho abordada pelo pintor, adequado ao seu contexto propício de
gênesis, por meio da observação critica as pinturas de Gustave Courbert
(1819-1877). O contexto de produção de Courbet atinge a esfera do trabalho
empreendida no instante de florescimento da revolução industrial na Europa,
momento de expansão das burguesias mercantis e formação da classe
trabalhadora.
O estudo da história por meio de imagens revela dimensões sensíveis
de maior âmbito que um documento burocrático escrito, por isso as pinturas de
Courbet apontam muito sobre a sociedade de sua época, não apenas por seu
apego ao real concreto, mas também agrega em possibilitar conhecer o porquê
de suas investidas contrárias aos movimentos artísticos românticos e
neoclassicistas da primeira metade do século XIX.2
É certo que durante muito tempo o registro imagético da pintura foi
tomado como testemunho irrefutável do real ou de uma realidade, por
estudiosos da área das humanidades e por leigos. Justamente nesse quesito
reside uma das maiores armadilhas a serem superadas pelos historiadores que
se propõem a analisá-los.3
As nuances realistas, as cores integrais, a luz sóbria e os temas
agregados ao cotidiano das obras do pintor destoam das pinturas produzidas
do embate entre Neoclassicismo e Romantismo, o realismo surge como força
que iria inicialmente chocar e em seguida dominar a arte na segunda metade
do século XIX.4
Desde meados do século XVIII, floresce na Europa a Revolução
industrial consolidando a organização do processo produtivo por intermédio do
sistema de fábrica, e por meio do qual foram produzidas e reconfiguradas
relações sociais distintas daquelas até então existentes. A revolução industrial
suscita a precarização da vida e do trabalho dos operários nas fábricas, além
da apropriação de saberes pela burguesia, a utilização integral do tempo e a
dominação social. A burguesia em evidente expansão durante a segunda
2
FERRUA, Pietro. Realismo e anarquismo na obra e na vida de Gustave Courbet. VERVE. São
Paulo, n. 3, p. 30-49, 2003
3
PELEGRINI, Sandra C. A. O realismo social de Courbet. Notas sobre as interfaces entre a
pintura e fotografia na pesquisa histórica, São Paulo, Unesp, p.19-21, 2013.
4
Sobre o assunto consultar :HOBSBAWN, Eric. A Era do Capital (1848-1875). Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1996.
metade do século XVIII, estabelece sua hegemonia através do incentivo e
instauração de uma cultura de vida citadina empenhada em tornar todo tempo
produtivo para os trabalhadores e lucrativo para os empregadores burgueses. 5
7
PELEGRINI, Sandra C. A. O realismo social de Courbet. Notas sobre as interfaces entre a
pintura e fotografia na pesquisa histórica, São Paulo, Unesp, p.26-28, 2013.
8
Ibidem.
pintor partiu da ideia de que a beleza plástica não era privilégio da aristocracia
e dedicou-se ao desvendamento das vivências dos segmentos sociais menos
favorecidos e suas condições de vida. Sem afastar-se dos princípios estéticos
realistas, Courbet desenvolveu a denominada “pintura social” cujo objetivo
explicitou o intento de denunciar as injustiças e as desigualdades sociais, a
miséria do trabalhador pobre em oposição à riqueza e opulência da aristocracia
e da burguesia francesa.9
Seu repertório incluiu percepções de todo o social, mas privilegiou, a
partir de 1850, os personagens comuns e cenas do cotidiano do trabalho.
Reconhecê-lo como profissional inscrito no âmbito da pintura social implica,
segundo Gombrich (1999), proceder a uma análise dos registros do artista com
relação à escolha de seus temas, seus objetivos sociais e ideológicos. Courbet
objetivava não apenas ser um pintor mas também um homem que buscasse
fazer arte atual e isso significava comprometer se com questões do seu tempo
e propor uma forma diferenciada de comercializar suas telas.
Só espero realizar um milagre: viver toda minha vida de minha
arte, sem me afastar de meus princípios, sem ter por um só instante
mentido à minha consciência e sem ter nunca executado um palmo de
pintura para agradar a alguém ou para vender (COURBET apud
CATÁLOGO, 2003, p. 2). 10
12
FERRUA, Pietro. Realismo e anarquismo na obra e na vida de Gustave Courbet. VERVE.
São Paulo, n. 3, p. 30-49, 2003.
13
Hobsbawn (1996) e Thompson (1987; 2000).
A transformação desigual do mundo do trabalho permite pensar regiões
em etapas que os historiadores denominam pré-industriais 14.Essa primeira
etapa de transformação desigual das relações produtivas, já permitiam as
manifestações sociais dos trabalhadores em relação ao domínio da carga de
trabalho sobre o tempo.
Na Inglaterra por exemplo, a agitação operária percorreu todo o século
XVIII, em especial a sua segunda metade. Segundo Georges Lefranc: "As
primeiras associações permanentes de assalariados precedem em meio século
o sistema manufatureiro e se localizam em ofícios onde o trabalho manual-
artesanal predomina: o sindicalismo não é filho direto do maquinismo”.
Logo se observa já nos primeiros momentos de transformação pré-
industrial a revolta e organização dos trabalhadores diante de costumes
alterados, como por exemplo a carga de trabalho regido não pelas necessidade
do trabalhador de produção, mas do ritmo imposto pelo empregador que obriga
a produção incessante visando o seu maior lucro.
14
Ibidem
jovens e o rosto desconsolado do menino convivendo com as más condições
oferecidas a nascente classe trabalhadora que convive com os ambientes sujos
e impróprios dos depósitos e manufaturas. O desconsolo do menino,
proveniente da fadiga do trato com o trigo, desnuda a injustiça com o
contraditório enriquecimento da burguesia francesa através da exploração
dessas forças de trabalho. Uma das singularidades dessa composição é o
entendimento que não necessariamente o trabalho estava ligado a manufatura
têxtil e o espaço fabril. Mesmo no âmbito doméstico o proletariado estaria
alimentando as necessidades das manufaturas em desenvolvimento. As
“peneiradoras de trigo” assim como a “fiandeira adormecida” escancaram o
desajuste das transformações culturais em relação a jornada de trabalho
imposta pelos patrões burgueses, sobre uma massa desacostumada a exercer
jornada complexa, seguindo a alta exigência de produção dos burgueses donos
das primeiras manufaturas de ofícios. Essa mudança da cultura e dos
costumes não compreende apenas transformações técnicas de manufatura que
exigem maior sincronização de trabalho e maior exatidão nas rotinas do tempo.
A transformação na percepção do tempo atinge principalmente a medição do
tempo como meio de exploração da mão de obra. 15
O historiador inglês Edward Palmer Thompson expõe no livro costumes
em comum (primeira publicação-1981) o acirramento, durante a transformação
cultural do tempo, entre a classe trabalhadora e a burguesia. Os trabalhadores
de ofícios tal como os personagens da “fiandeira adormecida” e as
“peneiradoras de trigo” estiveram em um período de estabelecimento de multas
por atrasos e não cumprimento da jornada, maior controle através das folhas
de ponto sobre o período de trabalho semanal e diário, e a difusão de ideias
por meio de instituições sociais que desatrelavam o tempo gerido pelo fatores
naturais. O historiador inglês afirma inclusive a existência de uma severa
doutrina mercantilista que afirmava a necessidade de salários baixos para
15
THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras,
2000.
prevenir o ócio de uma massa trabalhadora que devia viver a beira da
miséria.16
16
Ibidem p.289.
lutar, não contra o tempo, mas sobre ele. Sobre poder viver o tempo ou pelo
menos percebe-lo no novo costume em que viver é trabalhar.
Logo, os “Britadores de Pedras” percebem o tempo e o desgaste das
pesadas cargas diárias reduzirem cada vez mais a vida sendo a infância
abreviada pelo trabalho e o jovem trabalhador logo se tornando o idoso em
mesma condição alheia a passagem do tempo.
17
THOMPSON, Edward Palmer. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras,
p.298, 2000.
A obra “Caçadores na neve” dialoga com “O retorno da feira de Flagey”,
uma vez que aborda as atividades do labor associadas a dinâmica do tempo
natural e as imperativas necessidades básicas de vida, como por exemplo a
caça para se alimentar de proteína animal. Embora “O retorno da feira de
Flagey” aborde de maneira menos violenta o tema, as figuras humanas
demonstram o desgaste dos longos deslocamentos por trajetos em precárias
estradas de chão, percorridos a pé ou sobre o lombo de animais. Porém o que
o pintor retrata é que participar de feiras era algo tomado como costumeiro e
prazeroso. De mesmo modo, as caçadas realizadas pelos homens,
acompanhados por seus cães, também eram práticas comuns naqueles
tempos, e embora demandassem esforço físico, reforçavam o vigor e a
masculinidade do personagem. Nas duas telas referidas, tanto as figuras
humanas, quanto os animais apresentam entre si certa harmonia, eles não se
mostram extenuados e vencidos pela fadiga. Compreende-se a capacidade
do pintor de criticar a esfera do Trabalho colocada em função do individualismo
burguês, sedento por lucro a qualquer preço e não o labor que exerce função
comunitária e familiar trazendo benefício para os núcleos e clãs.
Considerações Finais