Você está na página 1de 26

 

A VERGONHA  
 
 
 
Compreender os nossos sentimentos não é tarefa fácil. A maioria de nós já sentiu o peso 
da  vergonha  a  determinada  altura,  alguns  de  nós  fomos  desonestos  em  relação  aos  nossos 
sentimentos – para conosco e com os outros – por medo de sermos descobertos ou de que os 
outros ficassem sabendo demasiadamente sobre nós. Em recuperação, o sentimento doloroso 
vem frequentemente à superfície, e nos deixa assim se sentindo mal. Palavras como infelicidade 
ou tristeza podem dar uma boa descrição desses sentimentos. Por vezes nos sentimos maus, 
sem  sermos  de  fato  tão  maus  assim.  Horas  nos  sentimos  magoados  como  se  algo  de  errado 
tivesse chegado ao mais profundo de nosso ser. Sendo assim percebemos que há mais a ser 
descoberto do que apenas o que o uso de drogas ou álcool pode ter feito conosco. Sentimos 
que nos falta algo, que somos inadequados e vazios. 
  Esse sentimento crônico que nos invade muitas vezes é a vergonha. O vazio aumenta 
com o derrotismo e com a necessidade constante de preenchimento. O vazio da vergonha é uma 
armadilha em recuperação, que nos impede de nos sentir satisfeitos e que faz com que o fato 
de  não  usarmos  drogas,  álcool,  comida  ou  outros  comportamentos  compulsivos,  pareça 
impossível. 
   
DE ONDE VEM A VERGONHA 
 
  Para a maioria de nós vergonha tem suas raízes na nossa infância. Há famílias que tem 
problemas  de  adicção  e  emocionais,  por  isso  muitos  de  nós  fomos  criados  em  famílias 
disfuncionais que não sabiam corresponder às nossas necessidades emocionais e muitas vezes 
físicas.  Quando  os  pais  são  cronicamente  depressivos  ou  se  debatem  com  um  problema  de 
alcoolismo  ou  de  adicção,  são  muitas  vezes  incapazes  de  estar  à  altura  das  necessidades 
emocionais de seus filhos. Quando as crianças não veem suas necessidades afetivas satisfeitas, 
sentem muitas vezes, vergonha. 
  Uma família saudável satisfaz naturalmente as necessidades afetivas de cada um dos 
seus membros. Os filhos são aceitos tal como são; são amados e valorizados. A individualidade 
dos membros da família é mantida. Os pais são livres para serem adultos e os filhos, livres para 
serem crianças, assim formando indivíduos que possam se tornar Pessoas. 
  A  vergonha  cresce  quando  a  criança  ou  o  adolescente  se  sente  abandonado  ou 
desprezado, quando não recebe o carinho necessário para crescer, se desenvolver e olhar para 
si mesmo como uma Pessoa. Estas crianças ou adolescentes, acabam muitas vezes por ter uma 
inversão na compreensão de estados de humor e sentimentos, o que pode levar à inadequação 
e sentir certa inutilidade ficando assim profundamente enraizados. 
  A educação inadequada durante a infância pode ter diversas formas. Para alguns de nós 
era de maneira evidente, como por exemplo: 
 
Bater em nós ou nos empurrar. 
Obrigar a ter comportamentos sexuais. 
Abandonar‐nos por vários dias. 
 
Para alguns de nós era sutil e manipulativa: 
 
Comparação com os nossos irmãos que tinham conseguido tanto. 
Sujeitando a ouvir comentários depreciativos  sobre a nossa masculinidade ou feminilidade. 
Críticas sobre a nossa capacidade de ultrapassar ou de conseguir as coisas sozinhos. 
   

Críticas sobre nosso aspecto ou peso. 
Lembrar‐nos constantemente dos nossos erros. 
Ameaçar de que nos tornaremos iguais ao nosso “pai ou mãe bêbados ou nóias e assim maus”. 
As  pessoas  criadas  inadequadamente  aprendem  em  grande  parte  a  estar  vigilantes 
quando  perto  dos  outros,  para  que  ninguém  descubra  seus  sentimentos  de  inadequação. 
Manter segredos torna‐se importante para nós, assim como resistir às descobertas, para evitar 
erros. 
Errar  é  visto  como  a  maior  evidência  de  inutilidade.  Um  erro  não  é  visto  como  um 
acontecimento isolado, mas sempre generalizado como uma descrição total de si mesmo “Eu 
sou um erro. A minha vergonha significa que não me sinto mal em determinado momento, mas 
acredito que não presto! Que sou inadequado e inútil”. 
Este  gênero  de raciocínio promove um ciclo vicioso, em que as crianças que não são 
valorizadas tornam‐se adultos que acreditam não ter valor. Duvida e nega suas emoções e deixa 
de exprimir os sentimentos, de demonstrar afeto, e se tornam desconfortáveis em relação à sua 
sexualidade; uma tristeza crônica, assim como apatia e medo de serem descobertos, toma o 
lugar dos sentimentos de confiança e partilha. 
 
A VERGONHA E A DEPENDÊNCIA QUÍMICA (ADICÇÃO) 
 
  A  vergonha  pode  também  começar  a  aparecer  mais  tarde.  Aqueles  de  nós  que  se 
debatem  com  uma  adicção  à  drogas,  podem  sentir‐se  desesperados  com  os  problemas 
emocionais a medida que o ciclo da adicção vai aumentando, e as nossas tentativas de levarmos 
uma  vida  saudável  e  produtiva  vão  sendo  derrotadas.  Com  a  perda  da  esperança,  este  ciclo 
autodestrutivo vai salientar os nossos problemas de comportamento e exagerar os sentimentos 
de inutilidade. 
 
COMPORTAMENTO AUTODESTRUTIVO 
 
  EXEMPLO: Helena está há seis meses sem usar álcool ou drogas e, no entanto sente‐se 
completamente dominada por um sentimento de vazio ou dúvida. Sente‐se paralisada e não 
consegue identificar ou falar sobre os seus sentimentos. Teme que a falta de confiança em si 
própria seja completamente óbvia. Deixou de ter os comprimidos e o álcool para preencher o 
vazio. Para se proteger, ela conta com um mecanismo de defesa rígido e, promete a si mesma 
que ninguém irá saber de seus sentimentos de inutilidade e de vergonha; ninguém saberá seu 
segredo. Em vez disso esforça‐se para se tornar “perfeita”. 
  A confiança de Helena no perfeccionismo é uma defesa constantemente usada contra a 
vergonha. Na verdade, trata‐se de um sistema de crença extremamente rígido, uma espécie de 
“juiz  dentro  de  nós”,  que  controla,  avalia  e  critica  o  nosso  comportamento,  pensamentos  e 
sentimentos.  Esse  juiz  interior  exige  perfeição.  Errar  é  desastroso!  Acreditamos  que  para 
valermos  alguma  coisa  temos  de  ser  bem  sucedidos  em  todas  as  áreas  da  nossa  vida. 
Convencemos‐nos que somente um desempenho perfeito compensará os nossos sentimentos 
mais íntimos de vergonha. 
  Helena  está  entalada  entre  exigências  irrealistas:  o  enorme  esforço  torna  impossível 
para  conseguir  um  comportamento  perfeito  e  a  sua  insistência  em  manter  secretos  os  seus 
sentimentos de vergonha. Encontra‐se na situação do perdedor. Embora tenha deixado de usar 
comprimidos, a vergonha  continua a motivar comportamentos perfeccionistas que limitam a 
sua capacidade de pedir a ajuda de que necessita desesperadamente. 
  Fábio é perseguido por sentimentos de inadequação. Exteriormente projeta a imagem 
da autoconfiança.   No entanto, interiormente sente‐se incompleto. Toma secretamente  uma 
bebida  atrás  da  outra,  esforçando  inutilmente  para  vencer  a  sua  adicção,  preencher  os 
persistentes sentimentos de vazio e acalmar os sentimentos de vergonha. Quanto mais tenta 
calar os seus sentimentos, mais vazio sente. 
   

  O comportamento autodestrutivo alivia a dor e nos ajuda a nos sentir temporariamente 
bem, mas não resolve nenhum dos nossos problemas. 
  A  adicção  de  Fábio  parece,  pelo  menos  temporariamente,  preencher  o  vazio  da 
vergonha, mas tal como Helena, que conta com o perfeccionismo para disfarçar a vergonha, ao 
beber Fábio não faz mais do que aumentar os seus sentimentos de inutilidade. O seu alcoolismo 
engana  a  sua  percepção  da  vergonha.  Ambas  as  reações  são  contraproducentes.  O  seu 
alcoolismo alivia a dor que a vergonha traz, mas apenas por um curto espaço de tempo. Helena 
procura evitar os sentimentos de vergonha e afasta o propósito de procurar ajuda para seu caos 
emocional, mantendo uma fachada rígida de perfeccionismo. 
VERGONHA E AS SUAS CONSEQUENCIAS AUTODESTRUTIVAS 
 
  A vergonha é um problema emocional. As emoções tornam‐se um problema quando nos 
impedem de alcançar alguns dos nossos objetivos mais básicos. Para muitos de nós, construir 
um  estilo  de  vida  saudável  implica  o  desenvolvimento  de  relações  que  nos  preenchem  ao 
deixarmos de ser vulneráveis e imperfeitos com aqueles em quem confiamos ao mesmo tempo 
em que aceitamos a vulnerabilidade e imperfeição dos outros. Ser humano é ser falível e menos 
que perfeito. Recuperação também significa participar ativamente no mundo do trabalho, tirar 
prazer em viver o dia a dia e, é claro, manter‐se abstinente. Quando um sentimento como a 
vergonha  nos  impede  de  realizarmos  qualquer  uma  destas  tarefas  básicas  então  temos  um 
problema emocional. 
  A  vergonha  é,  portanto,  um  obstáculo  à  aprendizagem  das  tarefas  básicas  da  vida. 
Sensações  crônicas  de  vazio  podem  minar  os  esforços  para  nos  sentirmos  felizes  e  podem 
fornecer  uma  desculpa  para  uma  recaída.  A  vergonha  os  mantém  isolados  e  separados  dos 
outros,  sabotando  assim  as  nossas  necessidades  de  intimidade  e  relações  com  significado, 
interfere na nossa capacidade de nos relacionar com os outros como pessoas reais e imperfeitas. 
  A vergonha é um problema especial para as pessoas em recuperação da adicção e de 
problemas emocionais. Se tivermos sentimentos não identificados de vergonha com os quais 
não lidamos, estamos em risco de recair. De fato, o modo como nos comportamos ao sentirmos 
vergonha  é  frequentemente  oposto  ao  modo  como  nos  comportamos  em  recuperação. 
Recuperação  é  o  processo  que  nos  devolve  à  uma  vida  mais  realizada,  o  que  envolve 
frequentemente menos sofrimento emocional e liberdade do comportamento adictivo. 
 
CARACTERÍSTICAS DA VERGONHA  CARACTERÍSTICAS DE RECUPERAÇÃO 
Procura  isolamento  social  e  distanciamento  Participa no processo social de recuperação. 
emocional. 
Falta de confiança em si próprio.  Confia nas suas opiniões e sentimentos. 
Sente a espontaneidade reprimida.  Sente alegria. 
Reflete os mesmos erros.  Aprende com a experiência. 
Baseia‐se em comportamentos rígidos  Aborda os problemas com flexibilidade 
 
Como  a  vergonha  nos  faz  sentir  mal  e  tem  como  resultado  o  nosso  comportamento 
autodestrutivo, é importante identificar e reduzir a vergonha como parte do nosso processo de 
recuperação. 
 
VERGONHA x CULPA 
 
  A vergonha é diferente da culpa. A culpa é um sentimento de reação contra um mau 
comportamento  ou  uma  omissão  de  um  comportamento  esperado.  Por  exemplo,  um 
adolescente  pode  sentir  culpa  por  ter  magoado  outras  pessoas,  ou  um  pai  pode  sentir‐se 
culpado por ter negligenciado seu filho. A culpa está geralmente limitada a um acontecimento 
específico, não envolve uma avaliação do nosso valor como pessoa. Na verdade, os sentimentos 
   

de culpa são muitas vezes saudáveis. Podem ser um sinal de que falhamos em alguma coisa ou 
que precisamos olhar melhor para o nosso comportamento. Podemos aprender a olhar para a 
culpa e não a temer. Ajuda a nos lembrar que somos seres humanos imperfeitos e que temos 
valor, podendo aprender com os nossos erros e nos tornar pessoas que funcionam em plenitude. 
  Por outro lado, os sentimentos de vergonha envolvem geralmente a nossa valorização 
como pessoas. 
A vergonha não é uma simples reação a um acontecimento específico; mas antes uma 
resposta emocional adquirida que permanece seja qual for a qualidade da nossa atuação. 
  Quando  nos  sentimos  com  vergonha,  temos  mais  chances  de  nos  isolar  e  de  nos 
distanciarmos  emocionalmente,  nos  tornamos  menos  espontâneos  e  mais  infelizes.  Os 
comportamentos  derrotistas  da  vergonha  reforçam  os  nossos  sentimentos  implacáveis  de 
angústia, vazio e inutilidade. 
BOAS NOTÍCIAS 
 
  Podemos  mudar  os  sentimentos  da  vergonha!  Assim  como  a  vergonha  se  aprende, 
também pode ser “desaprendida” e substituída por atitudes, comportamentos e sentimentos 
mais positivos. Podemos reduzir os sentimentos da vergonha compreendendo as suas raízes, 
reconhecendo  que  temos  vergonha  e  alterando  conscientemente  os  comportamentos 
relacionados com ela. 
  As convicções em relação a nós próprios, quer tenham sido adquiridas na infância quer 
mais tarde, tendem a persistir mesmo quando a nossa adicção parou. 
  Quando  ainda  crianças,  temos  tendência  a  acreditar  naquilo  que  os  adultos  nos 
ensinam,  especialmente  quando  confiamos  nesses  adultos,  tal  como  nós  pais,  padres  ou 
professores.  Como  adolescentes,  modificamos  as  nossas  atitudes  baseando‐nos  nas  nossas 
experiências. Assim, se formos confrontados com fracassos constantes, críticas e com os nossos 
novos comportamentos de adictos, aprendemos depressa a desvalorizar aquilo que somos. As 
crianças  e  os  adolescentes,  pela  natureza  da  sua  juventude,  tem  falta  da  capacidade,  do 
conhecimento e da estabilidade emocional para compreender a complexidade das suas atitudes 
e  sentimentos.  Como  consequências  disto,  não  são  responsáveis  pelo  modo  como  fomos 
tratados no passado nem como aprendemos muito cedo a nos sentir. Essencialmente não somos 
responsáveis pela nossa infância. Ela é, por natureza, caracterizada pela impotência. 
  O  mesmo  se  aplica  à  adicção  e  aos  comportamentos  compulsivos.  Alguns  de  nós 
passamos  por  obsessões  e  comportamentos  compulsivos  que  invadiram  toda  a  nossa 
personalidade:  outros  passam  pela  experiência  do  descontrole  em  relação  a  certos 
comportamentos tais como a bebida, drogas ou o jogo. Todos nós enfrentamos e sentimos a 
destruição que vem da nossa incapacidade para modificar o nosso comportamento. Por si são, 
as  resoluções  firmes  e  a  força  de  vontade  só  nos  levaram  a  tristes  insucessos.  Embora 
quiséssemos  que  a  dor  resultante  do  nosso  comportamento  derrotista  parasse,  éramos 
impotentes. Tal como as crianças, impotentes em relação às nossas tentativas para controlar as 
complexidades das nossas atitudes, sentimentos e comportamento adictivo. 
  Só quando aceitamos a nossa impotência enquanto adultos e que podemos recuperar. 
Em recuperação, ficamos mais conscientes dos nossos sentimentos e podemos tomar decisões 
conscientes em relação ao modo como nos comportamos e sentimos. A vergonha perpetua‐se 
nas  nossas  convicções.    Não  importa  quando,  como  e  onde  as  aprendemos,  estas  atitudes 
baseadas  na  vergonha  fazem  agora  parte  de  nós.  O  juiz  interior  que  representa  as  nossas 
tentativas  perfeccionistas  de  controle  pode  agora  ser  enfrentando,  diminuindo  e, 
eventualmente destronado. As leis do juiz não são absolutas e podem ser vencidas com uma 
oposição persistente baseada na lógica e na razão. 
 
 
 
 
   

PRINCÍPIOS DA T.E.R. 
 
  Apesar da vergonha ter as suas raízes no passado precisou lidar com ela no presente. 
Um  dos  métodos  para  atacar  as  atitudes  baseadas  na  vergonha  é  utilizar  uma  abordagem 
baseada  na  autoajuda:  Terapia  Racional  Emotiva  (TER).  A  TER  baseia‐se  na  premissa  que  os 
pensamentos provocam sentimentos. Muitos de nós pensamos que os nossos sentimentos são 
reações  automáticas  a  acontecimentos  isolados.  Falamos  muitas  vezes  dos  sentimentos 
desagradáveis  como  se  alguém  ou  algo  fosse  responsável  por  eles:  “Ela  me  deixou  furiosa”. 
Muitos de nós acreditamos que os acontecimentos em A causam as emoções de B. 
No  entanto,  os  sentimentos  não  são  automáticos  nem  necessariamente  similares  ou 
compatíveis com a resposta a acontecimentos semelhantes. Por exemplo, um acontecimento 
(A), tal como receber um conselho em grupo pode resultar em inúmeros sentimentos diferentes 
(B),  que  podem  ir  desde  sentir  raiva  a  sentir  tristeza.  Portanto,  os  sentimentos  variam  de 
indivíduo para indivíduo e não estão automaticamente relacionados com os acontecimentos. 
Como tal, as emoções não são diretamente causadas por acontecimentos. A TER nos diz que 
podemos escolher o modo como interpretamos ou o que pensamos de um acontecimento em 
B, que por sua vez causam um sentimento em C. 
 
HISTÓRIA DE HELENA 
 
  Apesar  de  estar  limpa  há  seis  meses,  Helena  tem  sido  martirizada  por  pesadelos 
constantes,  noites  sem  dormir  e  problemas  com  relações.  Procurou  apoio  num  grupo 
terapêutico de mulheres. Se por um lado teve a coragem de pedir ajuda, por outro lado sentiu‐
se  muda  e  incapaz  de  partilhar  os  seus  sentimentos.  Helena  confia  a  tanto  tempo  no  seu 
perfeccionismo defensivo, mantendo as pessoas à distância, que se torna agora difícil deixa‐las 
se aproximarem. 
  Ao  rever  acontecimentos  da  sua  infância,  Helena  lembra  a  história,  há  muito  tempo 
reprimida,  pela  sua  família,  história  essa  que  envolve  sentimentos  dolorosos  e  abuso  físico. 
Ambos os pais de Helena foram alcoólicos. Helena está cheia de vergonha e, consequentemente, 
tem o pavor de contar a sua história. Ao pensar no seu passado, Helena diz para ela própria: 
“Devia ter sido capaz de parar com o abuso. Não devia ter aguentado tanto tempo. Que criança 
tão antipática que eu devo ter sido para merecer este tratamento. Em que adulto horrível fui 
me tornar. Ninguém pode saber.” 
 
A ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐  B ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐  C ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐   
Acontecimento  Pensamentos  Sentimentos  Consequências no 
comportamento 
Contar a história  Devia ter impedido o  Vergonha   
abuso 
  Não devia ter    Isolada dos 
aguentado tanto  companheiros evita 
tempo  contarem a sua 
história 
  Devia ter sido uma     
criança muito 
antipática 
  Em que adulto     
horrível fui me 
tornar 
  Ninguém pode saber     
 
   

Em  consequência  da  sua  vergonha,  Helena  tenta  isolar‐se  do  grupo.  O  seu 
comportamento  é  autodestrutivo,  já  que  elimina  o  potencial  apoio  de  que  necessita  para 
enfrentar o seu segredo. O conjunto de valores de Helena em B caracteriza‐se por exigências 
irrealistas combinadas com uma tendência para denegrir a sua pessoa. Os “devo” e os “tenho 
que” de Helena, traduzem as suas exigências irrealistas de que deveria ter tido mais poder ou 
controle. 
Deprecia o seu valor culpando‐se a si própria e menosprezando‐se como pessoa. Ellen 
interpreta  os  acontecimentos  do  seu  passado  através  de  um  sistema  de  convicções  que 
produzem sentimentos de vergonha. O seu juiz interior formula esperanças rígidas em relação 
a  sua  atuação  e  envergonha‐a  quando  ela  se  torna  incapaz  de  alcançar  esses  objetivos 
inatingíveis. 
Felizmente  para  Helena,  dois  dos  seus  companheiros  ajudaram‐na  a  abrir‐se  ao 
partilharem as suas próprias histórias com o grupo. Na verdade, Helena aprendeu a combater a 
sua lógica baseada na vergonha (D), ao levantar questões tais como: Quem? O que? E Por quê? 
 
 
A ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐  B ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐  C ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ 
Pensamentos  Sentimentos  Crítica 
Devia ter parado com o  Vergonha  Quem diz que eu deveria ter 
abuso  parado com o abuso? Eu era 
uma criança, não tinha mais 
poder sobre os meus pais, do 
que eles tinham sobre a 
bebida. 
Não devia ter alterado  Vergonha  Que escolhas é que eu tinha? 
Não somos todos impotentes 
quando crianças? Não sou 
responsável pelo 
comportamento dos meus 
pais. Pare de fazer exigências 
irreais! 
Que criança antipática devo  Vergonha  Que provas tenho de que fui 
ter sido  uma criança antipática? Não 
são todas as crianças 
simpáticas e merecedoras? 
Não são todas merecedoras 
de amor e carinho? 
Em que adulto terrível fui  Vergonha  Só porque fui criticada no 
me tornar  passado, não é razão para me 
criticar agora. Claro que não 
sou perfeita, mas que é? Não 
somos todos seres humanos 
falíveis e merecedores? 
Ninguém pode tê‐lo  Vergonha  Por que? Não sou 
responsável pela minha 
infância. Não são os meus 
pais os responsáveis pelo 
comportamento? Por terem 
abusado de mim no passado, 
não prova que agora seja um 
adulto sem valor. 
   

ESTABELECER OBJETIVOS 
 
  À medida que a lógica de Ellen muda, fica livre para identificar os seus objetivos. Apesar 
do vazio e da vergonha não desaparecerem de um dia para o outro, sente‐se cada vez mais bem 
disposta e menos preocupada. 
  Estabeleceu o objetivo de viver uma vida produtiva, saudável, com o menos possível de 
vergonha.  Para  ajudar  a  alcançar  esses  objetivos,  Helena  continua  a  participar  no  grupo 
terapêutico  de  mulheres,  e  começou  uma  terapia  individual.  Entretanto,  Ellen  renova  a  sua 
emergente  atitude  de  respeito  por  si  própria  com  uma  afirmação:  “Sou  Helena,  uma  pessoa 
falível  e  com  valor,  merecedora  de  respeito  por  mim  própria  e  aos  outros.  Hoje  vou  me 
considerar uma pessoa com valor e merecedora”. 
  Como o juiz interior de Helena não é facilmente combatido, elaborou um plano 
concreto para ajudar a colocar em prática a sua nova afirmação. Como forma de se lembrar, 
liga a sua afirmação a uma atividade diária frequente. Como bebe quatro refrescos por dia, 
decidiu usar seu primeiro gole como sinal de que está na hora de repetir a sua firmação 
positiva. Uma vez terminada a sua afirmação, bebe o restante do refresco como “recompensa” 
pela sua nova atitude. 
Mais tarde, Helena fez uma lista de atividades para atacar a vergonha com a ajuda do 
seu terapeuta de grupo. Se por um lado ela compreende algumas das suas atitudes baseadas na 
vergonha, também compreende que os seus sentimentos crônicos de vazio podem facilmente 
colocá‐la em risco de cair de novo nos seus velhos comportamentos autodestrutivos. Embora se 
sinta  cada  vez  melhor,  sabe  que  os  problemas  relacionados  com  a  vergonha  não  estão 
completamente resolvidos. 
Helena também decidiu continuar a sua aprendizagem sobre a vergonha. Decidiu fazer 
um  plano  especial  de  leitura  e  encontrou  um  terapeuta  especializado  em  adicção  e  abuso 
infantil. Planeja continuar o seu trabalho diário de autoafirmação.  Como pretende continuar a 
frequentar  o  grupo  de  terapia  de  mulheres,  decidiu  fazer  pelo  menos  mais  dois  trabalhos 
relacionados com a TER, a fim de ser capaz de discutir os seus problemas relacionados com a 
vergonha com o resto do grupo. 
É óbvio que a vergonha de Helena tem origem nas experiências da infância e as suas 
atitudes exageradas sem relação a essas experiências e a si própria poderiam ter impedido o seu 
progresso. Mas, ao contestar a sua lógica, Helena tornou‐se capaz de proceder às mudanças 
necessárias. 
 
A HISTÓRIA DE WILSON 
 
  Em contraste, a vergonha de Wilson não tem origem na sua infância, mas está antes, 
diretamente relacionada com as consequências autodestrutivas da adicção. Quanto mais bebe, 
menos se valoriza. Embora se esforce por controlar o que bebe, os esforços resultam sempre 
em  fracassos.  Segundo  Wilson,  deveria  ser  capaz  de  controlar  o  que  bebe.  Wilson  acredita 
firmemente que é mau e que não tem qualquer valor porque não consegue parar ou reduzir a 
bebida. 
  Jim  não  pode  prever  quando  vai  haver  intervalos  de  abstinência  ou  intoxicações. 
Começa a se ver como um degenerado moral. Pensa que se tivesse qualquer valor ou dignidade 
não  se  degradaria  a  ponto  de  se  encontrar  permanentemente  intoxicado  e  de  sofrer 
humilhações públicas. À medida que a sua vergonha aumenta vai se afastando cada vez mais da 
família e dos amigos. Isolado, bebe ainda mais. 
  A convicção de Wilson de que não presta, baseia‐se na exigência que faz a si próprio de 
que  deveria  ser  capaz  de  controlar  a  bebida.  O  seu  juiz  interior  exige  força  de  vontade, 
autodomínio  e  condena  o  seu  valor  quando  Wilson  se  torna  incapaz  de  controlar  o  seu 
comportamento.  A  vergonha  e  o  isolamento  de  Wilson  são  obstáculos  à  sua  recuperação.  – 
afastam de si próprio todos os que poderiam ajudar. 
   

 
A ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐  B ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐  C ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐   
Acontecimento  Pensamentos  Sentimentos  Consequências no 
comportamento 
Beber  Deveria ser capaz de  Vergonha  Isolamento social, 
continuamente  controlar a bebida.  beber continuamente 
  É horrível não     
conseguir aguentar 
uma bebida. 
  Não passo de uma     
pessoa má. 
 
A família e os amigos de Wilson não desistiram. Através do seu apoio e compreensão, 
Jim finalmente decidiu entrar em tratamento. No entanto, o juiz interior continuava a exigir o 
controle  total.  Jim  agarrava‐se  à  exigência  irrealista  de  que  deveria  ser  capaz  de  controlar  a 
bebida.  Através  dos  esforços  dos  seus  companheiros  e  da  aprendizagem  relacionada  com  o 
alcoolismo, Jim começou a questionar sua lógica em (D). 
 
 
 
B ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐  C ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐  D ‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐‐ 
Pensamentos  Sentimentos  Discussão 
Deveria ser absolutamente  Vergonha  Quem diz que deveria ser 
capaz de controlar o que  capaz de controlar a bebida? 
bebo  Não é verdade que o 
alcoolismo é uma doença? A 
doença não tem a ver com a 
força de vontade. 
É horrível não ser capaz de  Vergonha  Claro que não consigo 
aguentar uma bebida  aguentar nenhuma bebida. 
Para mim não se trata de 
controle voluntário. Uma 
vez que beba um copo só 
paro quando acabar a 
garrafa. 
Não passo de uma pessoa má  Vergonha  Tenho que parar de 
“exagerar”! Tenho uma 
doença mas não sou uma 
pessoa má. 
 
  À  medida  que  as  suas  convicções  em  relação  ao  alcoolismo  foi  mudando,  ele  foi  se 
tornando mais consciente das exigências irrealistas que colocava à si próprio. Ao aceitar a sua 
impotência perante o álcool, Wilson passou também a aceitar a sua condição humana com tudo 
o que ela implica de capacidades e limitações. 
  A  vergonha  de  Wilson  tem  origem  na  convicção  de  que  precisa  controlar  o  que  é 
incontrolável. Para Wilson, reconhecer as suas limitações como ser humano é uma tarefa em 
curso, já não luta para ser perfeito. 
 
 
 
 
   

COMEÇAR A AGIR 
 
  À  medida  que  Wilson  ia  progredindo,  o  seu  consultor  lhe  deu  uma  série  de 
recomendações úteis. A fim de reduzir a sua vergonha, Wilson precisava se tornar mais flexível 
em  relação  às  expectativas  que  tinha  dele  próprio  e  dos  outros.  Desde  que  Jim  passou  a  se 
aceitar como um ser humano digno e falível  deixou de haver razão para continuar a dar ouvido 
ao seu juiz interior. A sua falta de controle ou a impotência deixaram de ser ameaças ao seu 
valor  como  pessoa  e  passaram  simplesmente  a  fazer  parte  das  características  de  um  ser 
humano.  Quaisquer  esforços  para  controlar  o  incontrolável  o  levariam  ao  fracasso,  e  muitas 
vezes a auto recriminação e a vergonha. Tendo isto em mente, Wilson concordou em participar 
das seguintes atividades: 
‐  Encontrar  um  grupo  de  apoio.  Wilson  descobriu  a  necessidade  de  frequentar  um  grupo  de 
apoio que o ajudasse a identificar parte do seu pensamento baseado na vergonha, bem como o 
seu  comportamento  derrotista.  Chegou  à  conclusão  que  as  suas  atitudes  continham  muitas 
vezes uma necessidade de controlar que minavam a aceitação do seu alcoolismo. Ele concordou 
frequentar pelo menos dois grupos diferentes: AA e um grupo de terapia para homens. 
‐  Fazer  um  trabalho  da  TER.  Antes  de  completar  o  seu  tratamento,  Wilson  fez  um  trabalho 
suplementar de TER, para desafiar a sua mania de exigência, aquilo a que o seu consultor se 
referia  como  dizer  “devo”  demais.  Jim  aprendeu  que  palavras  como  “devo”  e  “tenho”, 
representam  muitas  vezes  exigências  irreais,  e  são  palavras  chaves  que  precisam  ser 
questionadas ao mudar as suas atitudes. Com isto em mente, Wilson começou a fazer o seu 
trabalho  de  TER  sobre  sentimentos  de  vergonha  relacionados  com  o  seu  casamento.  Wilson 
escreveu  a  palavra  “vergonha”  como  um  problema  emocional  em  “C”  (sentimentos).  Wilson 
sabia  que  os  seus  sentimentos  de  vergonha  estavam  intimamente  ligados  com  o  isolamento 
social e a bebida. Por baixo de “A” (acontecimento), identificou um acontecimento recente que 
o tornou consciente dos seus sentimentos de vergonha – lembrou‐se que o último encontro com 
a sua mulher, o tinha levado a sentir uma forte vergonha. Wilson refletiu sobre os pensamentos 
que teve durante o encontro com a sua mulher e os escreveu embaixo de “B” (pensamentos): 
 
 
Devia ser capaz de alterar os sentimentos da minha mulher. 
É horrível vê‐la chorar. 
Não devia ter me tornado um alcoólico. 
Sou uma pessoa horrível. 
 
  Ao  compreender  as  ferramentas  básicas  da  TER,  Wilson  questionou  a  sua  lógica  ao 
escrever uma crítica ao seu pensamento embaixo de “D” (discussão). 
 
Quem  diz  que  eu  devia  ser  capaz  de  alterar  os  sentimentos  da  minha  mulher?  Não  posso 
controlar as emoções dela. 
É desagradável vê‐la chorar e gostaria que ela não tivesse que passar por isto. Talvez as lágrimas 
lhe tragam algum alívio emocional. 
O alcoolismo é uma doença, não é uma questão de força de vontade. “Para de dizer “devo” o 
tempo todo”. 
Sou  um  ser  humano  falível  e  digno.  Tenho  lutado  contra  esta  doença  horrível.  Não  sou  uma 
pessoa má. 
 
  Ao questionar o seu próprio pensamento, Wilson formulou um objetivo que o ajudasse 
a guiar o seu comportamento (E). Wilson reconheceu a sua necessidade de dar apoio emocional 
a mulher ao mesmo tempo em que tentava reduzir a sua vergonha. Assim, fez uma lista das 
seguintes ações construtivas que deveria efetuar para alcançar o seu objetivo: 
 
   

Falar sobre as minhas preocupações e apoio com a minha mulher. 
Convidá‐la para participar de um “workshop” de comunicação entre casais. 
Apoiar o envolvimento da minha mulher num grupo de ajuda. 
Fazer  mais  dois  trabalhos  da  TER  para  identificar  problemas  específicos  relacionados  com  a 
vergonha. 
 
  Wilson aprendeu depressa que, ao desafiar conscientemente as suas convicções e ao 
modificar os seus comportamentos, tornava‐se capaz de reduzir os sentimentos de vergonha, 
ao mesmo tempo em que oferecia apoio emocional à sua mulher. Ao aceitar a sua impotência 
sobre  o  álcool,  também  reconheceu  as  suas  outras  limitações.  Era  com  certeza  uma  pessoa 
falível, mas não era certamente uma pessoa “má” ou “horrível”. Wilson passou a acreditar que 
é humano cometer erros, ter um controle limitado sobre a sua vida e ter uma doença como o 
alcoolismo. Ao aceitar a sua humanidade, Wilson deu um primeiro passo, fundamental para os 
alicerces  da  sua  recuperação,  ao  mesmo  tempo  em  que  começava  a  se  libertar  da  auto 
recriminação, das exigências irreais e dos sentimentos de vergonha. 
 
RESUMINDO... 
 
  Seguem‐se seis coisas importantes para nos lembrarmos sobre a vergonha; 
 
* A vergonha é um sentimento penetrante  de inutilidade. A vergonha é diferente da 
culpa; é  uma simples reação ao nosso mau  comportamento. A vergonha é, muitas vezes um 
sentimento crônico de inadequação, de vazio e de dúvida em relação à nós próprios. 
  *  A  vergonha  tem  muitas  vezes  origem  na  infância  e  na  adolescência,  vinda  de  um 
sistema familiar doentio. A criança ou o adolescente acreditam que as críticas que a família lhes 
faz  são  plenamente  justificadas  e  cresce  acreditando  que  eles  não  têm  nenhum  valor  ou 
utilidade. Somos impotentes em relação àquilo que aprendemos quando crianças. 
  * A vergonha pode também ser uma consequência da adicção. A incapacidade de parar 
ou de controlar um comportamento adictivo nos leva frequentemente a desvalorização pessoal. 
  * Os sentimentos intensos de vergonha resultam em comportamentos derrotistas tais 
como: afastamento social, isolamento e em comportamentos adictivos, tais como não parar de 
comer, jogar compulsivamente ou beber excessivamente. Portanto, a vergonha representa um 
fator de risco para a recaída. 
  * A vergonha envolve geralmente um juiz interior que nos exige um comportamento 
rígido e que nos envergonha quando não conseguimos cumprir essas exigências. A vergonha 
balança muitas vezes entre as expectativas perfeccionistas e a autocondenação. O “juiz interior” 
representa de fato o nosso conjunto de crenças. 
  *  Já  que  a  vergonha  é  inventada  e  aprendida,  também  pode  ser  “destruída”  e 
“desaparecida”.  Usando  os  recursos  ao  nosso  dispor,  que  incluem  as  ferramentas  básicas  da 
TER, podemos reduzir com sucesso os nossos sentimentos de vergonha – isto é, sentir vergonha 
menos intensamente e com menos frequência. 
 
UM TRABALHO DA TRE (Exercício) 
 
  Agora  é  a  sua  vez!  Tal  como  qualquer  comportamento  novo,  você  precisa  praticar  a 
redução dos seus sentimentos de vergonha. A sua tarefa é acabar um trabalho da TER e, para 
isso, talvez precise de um bloco de notas. Eis algumas sugestões a considerar quando fizer o seu 
trabalho: 
*  Identifique  a  vergonha.  Comece  primeiro  por  identificar  o  sentimento  de  vergonha  que  o 
preocupa; observe os comportamentos derrotistas geralmente relacionados com a vergonha, 
seja específico; pense num exemplo retirado da sua experiência. 
   

* Identifique o acontecimento. Em seguida identifique o acontecimento motivador. Pense numa 
ocasião  em  que  uma  ação  específica  tenha  provocado  um  sentimento  intenso  de  vergonha. 
Pode  ter  sido  informação  (feedback)  que  lhe  deram  durante  uma  terapia  de  grupo  ou  um 
comentário  feito  pelo  seu  parceiro.  Em  qualquer  dos  casos,  seja  o  mais  objetivo,  concreto  e 
específico possível, ao identificar o acontecimento (A). 
*  Identifique  os  seus  pensamentos  e  sentimentos.  A  próxima  tarefa  é  identificar  os  seus 
pensamentos  (B).  Reveja  os  exemplos  de  Helena  e  Wilson.  Geralmente,  os  sentimentos  de 
vergonha  (C)  são  iniciados  por  exigências  irreais,  tendência  para  exagerar  o  lado  negativo  e 
desvalorização pessoal. 
Critique  o  seu  pensamento.  Questione  a  sua  lógica  (D).  Aqui,  critique  os  seus  
pensamentos,  conteste  a  sua  lógica  e  desenvolva  uma  alternativa  mais  racional.  Estabeleça 
objetivos. Pense em quais são os seus objetivos menos vezes e menos intensamente. É melhor 
sentir  pena  e  remorso  do  que  vergonha  e  incerteza.  Reduzir  a  vergonha  é  sem  dúvida  um 
objetivo importante para se atingir uma verdadeira recuperação. Frequentemente, este objetivo 
ajuda a orientar a nossa ação construtiva. 
Comece a agir. 
Faça  uma  lista  de  todas  as  ações  construtivas  que  pode  tomar  para  alcançar  o  seu 
objetivo (E). Seja o mais específico e concreto possível. Numere a lista e mantenha‐a simples, se 
concentrando na ação. 
Agora  que  acabou  em  exercício  escrito  de  TER  a  sua  próxima  tarefa  é  partilhar  este 
trabalho  com  outros.  Procure  mais  ajuda  e  opiniões  em  relação  ao  seu  pensamento  (B). 
Pergunte aos seus companheiros se falhou alguma coisa. Talvez tenham algumas idéias que o 
ajudem a questionar a sua lógica (D). Talvez algum deles tenha alguma ação a acrescentar à lista 
que  você  fez  em  “E”.  Use  o  seu  trabalho  de  TER  como  catalisador  para  discutir  os  seus 
sentimentos, as suas atitudes baseadas na vergonha e as suas idéias alternativas. Quanto mais 
envolver outras pessoas no processo, mais rapidamente aprenderá maneiras de reduzir os seus 
sentimentos de vergonha. 
Não se esqueça de utilizar outros métodos de autoajuda para atacar os sentimentos de 
vergonha. Lembre‐se que Helena usava afirmações para reforçar as suas atitudes de respeito 
por si própria. Wilson, por exemplo, identificava as situações em que detinha o controle, e que 
bloqueavam a aceitação de sua adicção e humanidade. Ambos se deram ao trabalho de informar 
os respectivos padrinhos de que a vergonha era um fator de risco para recair. 
Não desista facilmente. Provavelmente há muitos anos de prática de comportamentos 
baseados  na  vergonha.  Terá  por  isso,  que  praticar  bastante  para  encontrar  novos 
comportamentos  que  o  ajudem  a  superá‐los.  Há  uma  série  de  recursos  que  podem  ajudar: 
grupos de autoajuda, terapia individual e de grupo, aconselhamento em longo prazo e grupos 
de  prevenção  à  recaída.  Alterando  as  suas  atitudes  e  modificando  os  seus  comportamentos, 
pode reduzir os sentimentos de vergonha, diminuir o risco de recaída e viver as alegrias de uma 
vida feliz e saudável. 

 
 
 
 
 
   

RAIVA 
 

Por que nos preocupamos com a raiva? No fim das contas, não é verdade que todos nós 
sentimos raiva? De fato, a raiva é um sentimento humano que todos experimentamos de vez 
em quando. O principal problema está nas consequências, o que acontece quando você fica com 
raiva? Se não acontece nada quando você fica com raiva, então a sua raiva não é razão para 
preocupação, porque as consequências são limitadas. No entanto, se tiver atitudes derrotistas 
em relação a si ou se fizer mal aos outros, e se a sua raiva tiver consequências dolorosas ou 
prejudiciais, então talvez tenha razão para se preocupar com ela. 
Por exemplo: você está guiando por uma autoestrada, atrás de uma pessoa que conduz 
a 50 km, quando a velocidade permitida é de 80 km, e se atrasa para um encontro. Começa a 
sentir‐se muito irritado por causa disso, ultrapassa impudentemente o outro carro. Põe a sua 
própria  vida  e  a  dos  outros  em  risco  por  causa  da  sua  condução  imprudente,  ou  seja, 
potencialmente uma consequência muito perigosa da sua raiva. 
Outro exemplo das consequências nocivas da sua raiva poderia ser o seguinte:     
‐ Já é tarde, você quer ir embora do trabalho mais cedo, para jogar futebol. Começa a trabalhar 
mais cedo e também trabalha na hora do almoço, para compensar o fato de sair mais cedo. No 
meio da tarde, aparece o seu patrão e lhe dá uma nova tarefa, e quer que seja feita antes de 
você ir embora. Você obedece, mas só acaba a tarefa muito tarde, quando já não dá mais para 
jogar  futebol.  Enquanto  o  tempo  vai  passando,  mais  você  se  sente  furioso.  Quando  sai  do 
trabalho, para num bar a caminho de casa, para aliviar um pouco da sua raiva. Acaba bebendo 
demais, chega a sua casa muito tarde e tem uma discussão com a sua mulher, a quem não se 
preocupou em telefonar para avisar que chegaria mais tarde. 
  Ou , em vez de parar num bar, pode ir diretamente para casa depois do trabalho, de 
muito mau humor.  Tropeça nos  brinquedos das  crianças, espalhados pela sala, onde os seus 
filhos estiveram brincando, esperando você chegar. Despeja a sua raiva contra as crianças, as 
mandando  arrumarem  a  sala;  ao  ver  que  elas  demoram  a  arrumar  os  brinquedos,  você 
finalmente, num ataque de fúria, ordena que elas vão para cama. Depois, senta‐se para jantar 
com a sua mulher e a acusa violentamente por ser uma péssima mãe. 
  Para alguns de nós, as consequências dolorosas ou prejudiciais da raiva, resultam em 
expressarmos abertamente contra as outras pessoas. Exemplos extremos dessas consequências 
são as formas de violência doméstica e de brutalidade contra as crianças. Por outro lado, alguns 
de  nós  podemos  negar  os  sentir  dificuldade  em  aceitar  e  falar  abertamente  sobre  os 
sentimentos de raiva, contra as outras pessoas. Podemos esconder a nossa raiva, guardando ela 
para nós mesmos, engolindo ela dentro de nós. Podemos ter medo de que os outros não gostem, 
se a manifestarmos francamente. 
  Nós reprimimos a nossa raiva, qualquer que seja a razão, fazíamos o uso de drogas para 
amenizar o sentimento de raiva, ou seja, reprimíamos nossos sentimentos. Enquanto usávamos, 
podemos ter nos tornado pessoas fisicamente hostis. 
  Outros  de  nós  podem  ter  escondido  os  seus  sentimentos  de  raiva,  mas  depois 
descontam essa raiva contra pessoas que o amam. 
 
 
 
 
 
 
 
 
   

APRENDER A COMPREENDER A RAIVA E AS SUAS CAUSAS 
 
  Aprender a lidar com a raiva de forma saudável, sem fazer mal a nós próprios ou aos 
outros, é uma parte importante de nossa vida. Embora seja importante para todos nós, sermos 
capazes de enfrentar de forma eficaz a nossa raiva, para alguns, isso se torna especialmente 
importante. 
  Se  estivermos  em  recuperação  das  drogas  e  do  álcool  ou  de  problemas  emocionais, 
podemos correr o risco de uma recorrência desses problemas se não aprendermos a controlar 
a nossa raiva. 
  “Irrita‐me tanto”. 
  A maior parte de nós pensa que são as outras pessoas ou situações que nos fazem ficar 
irritados. Achamos que o que as outras pessoas fazem ou o que nos acontece que isso é o que 
causa a nossa raiva. Atiramos para cima dos outros a responsabilidade da nossa raiva “eles me 
deixam loucos”. Ou achamos que temos um gênio ruim, como se fôssemos sempre desse jeito 
e não poderíamos mudar. Achamos que não podemos mudar esses sentimentos perturbados 
sem  que  as  “causas”  (pressões  exteriores  ou  outras  pessoas)  mudem.  Acusar  nos  permite 
racionalizar a nossa raiva. Arranjamos desculpas para os nossos sentimentos de raiva, colocamos 
a culpa nos outros e nos recusamos a mudar o nosso jeito. 
  Para alguns de nós, culpar outras pessoas ou situações pela nossa raiva nos fornece uma 
desculpa para usar álcool ou drogas. Para outros, essa acusação constitui uma justificação para 
a nossa raiva, e por isso não a largamos. 
  Contrariamente à crença comum sobre a raiva (de que os casos ou as situações é que 
nos fazem ficar irritados) o que realmente nos faz sentir e pensar com raiva sobre as coisas que 
nos acontecem. Aquilo que pensamos ou que contamos a nós mesmos sobre um acontecimento 
é que nos faz sentir raiva, e não o acontecimento em si mesmo. 
  Normalmente, quando julgamos ou avaliamos qualquer coisa de forma negativa ficamos 
perturbados.  Se  julgarmos  ou  avaliarmos  uma  coisa  de  forma  menos  negativa  ou  mais 
positivamente, nos sentimos de forma geral, melhor. 
  Basicamente, não são os acontecimentos que nos perturbam, mas sim a nossa forma de 
pensar sobre esses acontecimentos. Por outras palavras, sentimos como pensamos. 
 
UM EXEMPLO 
 
  Uma mãe leva o filho de 1 ano para visitar uma amiga. A criança engatinha pelo chão 
enquanto as duas mulheres conversam. Certa hora, a criança se estica até a mesinha onde estão 
algumas revistas e então começa a jogar as mesmas no chão. 
  A mãe afasta a criança da mesa, coloca as revistas na mesa e continua a conversar com 
a  amiga.  A  criança  volta  a  engatinhar  até  a  mesinha,  se  estica,  e  começa  de  novo  a  jogar  as 
revistas no chão. A mãe observa a situação e pensa consigo mesma: “‐Ele não devia fazer isto...” 
“Não  devia  ser  tão  irritante...”  “Não  devia  interromper  a  minha  conversa...”  “Não  devia  me 
aborrecer...” A mãe grita e bate na criança, e a criança a chorar. 
  A amiga também observou a criança jogando as revistas no chão e pensa com ela: “É 
próprio de uma criança de 1 ano mexer nas coisas” “Teria sido melhor se eu tivesse preparado 
a  sala  para  poder  receber  uma  criança  antes  de  chegarem”  “A  criança  precisa  se  distrair.”  A 
amiga diz então: “Vamos ver se encontramos outras atividades que interessam ao seu filho.” 
Este exemplo demonstra como sentimos da forma como pensamos. 
  Com base na forma como encararam a situação, uma das mulheres ficou irritada e a 
outra  não.  Aquilo  que  pensaram  ou  disseram  a  si  próprias,  a  forma  como  avaliaram  as 
circunstância determinou o que sentiram. 
  Então, o que estamos dizendo realmente é que o nosso pensamento a respeito de uma 
situação é que causa a nossa raiva, e não a situação em si. A maneira de pensar que provoca em 
nós sentimentos de raiva tem a ver com a nossa necessidade de controle e a nossa exigência de 
   

que  tudo  seja  feito  da  nossa  maneira.  A  sequência  começa  quando  queremos  que  as  coisas 
corram segundo a nossa vontade, o que é um exemplo normal do egocentrismo que todos nós 
temos. Quando esse desejo não se realiza e não conseguimos aquilo que queremos, podemos 
ficar com raiva. 
  No entanto, o que acontece com a nossa raiva, é que a nossa forma de pensar muda ou 
se desvia quando queremos que tudo seja exatamente do nosso jeito (tem que ser como eu 
quero!). Quanto mais sentimos raiva, mais exigimos que as coisas sejam do nosso jeito, mas não 
conseguimos. 
 
EGOCENTRISMO: A necessidade de controlar “Conseguir o que quero”. 
 
FLEXÍVEL  RÍGIDO 
Querer que as coisas corram como eu quero  Exigir que as coisas corram como eu quero e 
e não conseguir. Eu quero, desejo ou prefiro  não conseguir. Devia ter, tenho que ter uma 
uma  coisa  e  não  obtenho:  consequência  –  coisa e não consigo: consequência – ira, ódio, 
raiva (sentimento de perturbação normal).  rancor (sentimentos de perturbação intensa). 
CONSEQUÊNCIAS DA NOSSA RAIVA 
 
  As consequências da nossa raiva movida por ressentimentos ou crenças errôneas, serão 
sempre tentando conseguir o que queremos sendo agressivos, verbal ou fisicamente (gritando, 
berrando ou batendo). O que acontece com a nossa relação com os outros, se usarmos a raiva 
para conseguir o que queremos? Como é que os outros nos veem? Evitam‐nos? Ignoram‐nos? E 
como é que isto nos atinge sobre a aceitação que temos de nós próprios? 
 
UM EXEMPLO: 
 
  É sábado de manhã e você faz questão de arrumar uma cadeira de madeira do pátio, 
que se partiu. Desce até a sua oficina no porão, abre a porta e descobre que seu filho de dez 
anos deixou todas as suas ferramentas espalhadas pelo porão. Observa a cena e pensa “O que 
é que se passa com aquele rapaz?” “Ele deveria saber que não pode deixar as minhas jogadas 
no chão”. “Ele tem que se lembrar do que eu disse sobre arrumar as coisas”. “Não devia ter feito 
isso”.  “As  minhas  ferramentas  tem  de  ficar  arrumadas  como  deve  ser”.  “Vai  ver  o  que  vai 
acontecer quando chegar em casa”. Em consequência disto, você sente raiva. Procura então o 
martelo  e  não  consegue  encontrá‐lo  e  pensa:  ”Não  devia  perder  meu  tempo  procurando  o 
martelo” e cada vez se sente mais furioso. Finalmente encontra o martelo e os pregos, e começa 
a arrumar a cadeira. Com a irritação, acaba entortando um dos pregos e pensa novamente “Isto 
não deveria acontecer” e fica cada vez mais furioso. Ao tentar endireitar o prego, bate com o 
martelo em seu polegar e grita “Não posso aguentar isto!” Enche‐se então de raiva (fica irado e 
irritado)  e  joga  o  martelo  longe,  que  acaba  batendo  no  banco  que  estava  contra  a  janela, 
quebrando o banco e a janela. Arrasta‐se pesadamente pelas escadas. Tendo por costume usar 
álcool ou drogas para aliviar a sua raiva, pode ser que se dirija para uma destas saídas. Abre a 
geladeira, pega uma cerveja e vai para a sala beber enquanto assiste Palmeiras x Corinthians na 
TV, pelo resto da tarde. Depois se torna implicante e critica os outros membros da família até o 
fim do dia. Ou, se não for dependente químico, pode talvez subir as escadas, sentar‐se numa 
cadeira cozinhando a sua irritação até que seu filho de dez anos chegue em casa. Então grita 
com ele dizendo‐lhe que é “um irresponsável, que não presta para nada, e que não pode confiar 
nele para nada”. Depois, o manda para o quarto e o deixa de castigo por todo o fim de semana. 
Nesse  exemplo,  foram  as  exigências  do  pai  de  que  o  filho  não  devia  ter  deixado  as  suas 
ferramentas  jogadas  pelo  chão  e  que  deveria  fazer  as  coisas  do  seu  jeito  e  isso  acabou  o 
irritando. Se ele tivesse alterado as suas exigências para as preferências, não teria ficado como 
raiva. O diálogo interior poderia ter sido estruturado dessa forma: 
“Teria sido melhor se ele tivesse arrumado as ferramentas quando acabou.” 
   

“Era melhor se ele deixasse as coisas arrumadas como eu deixo.” 
Com estas preferências mais realistas, o pai poderia então ter conversado com o filho a respeito 
do assunto, e explicado sobre as vantagens da ordem e do respeito pelas coisas dos outros. Há 
outro aspecto a considerar no desenrolar dos sentimentos de raiva. Quando ficamos com raiva 
por  causa  daquilo  que  pensamos,  essa  raiva  pode  distorcer  os  nossos  pensamentos  ou 
percepções sobre a situação, tal como se víssemos as coisas através de “óculos da raiva”. É difícil 
observar uma situação positivamente ou com realismo quando estamos com raiva, é provável 
que agir segundo estas percepções distorcidas, torne a situação ainda pior ou agrave perante as 
suas consequências negativas. A maior parte de nós poderá recordar situações em que a raiva 
nos impediu de observarmos e compreendermos claramente o que se estava a passar.  
 
APRENDER A CONTROLAR NOSSA RAIVA 
Como poderemos então controlar os nossos sentimentos de raiva? Se for a nossa maneia irada 
de  pensar  que  causa  a  nossa  raiva,  terá  de  trabalhar  para  modificar  ou  substituir  os  nossos 
pensamentos irados de forma a reduzirmos ou controlarmos essa raiva. Podemos alternar as 
exigências que estão na base dos nossos pensamentos irados (não deveria discordar de mim, eu 
não devia cometer erros, tem de ser pontual) e nos esforçarmos para deixar de controlar tudo 
ao nosso redor. Isto poderá parecer simples e evidente, mas como é que se aprende a modificar 
a nossa forma irada de pensar? Para começar, podemos fazer um “inventário pessoal”. Fazer 
um inventário pessoal sobre a nossa raiva, nos ajuda a desenvolver uma maior consciência e 
compreensão  quanto  a  sua  origem,  quanto  às  suas  consequências  de  ficarmos  amarrados  a 
essas situações e quanto ao que nossos sentimentos e a tomar consciência da nossa necessidade 
de controle. Pode usar o esquema “ABC” para ajudar a compreender a “anatomia” da raiva. 
 
A = Situação 
O problema que nos desperta certos sentimentos que perturbam ou enraivecem.  
 
B = Convicções 
O que pensa ou o que diz a si mesmo (as suas exigências) a respeito da situação. 
 
C = Sentimentos e ações 
Como se sente (perturbado ou enraivecido) a propósito da situação por causa do que pensa, e 
como se comporta ou atua por causa do que sente: as consequências derrotistas ou dolorosas. 
 
UM EXEMPLO 
 
A = Situação 
Vou para a cozinha esperando que o meu almoço esteja pronto, antes de ir trabalhar. Encontro 
minha mulher ajudando nossa filha com os deveres da escola. Sendo assim, meu almoço ainda 
não está pronto. 
 
B = Convicções 
Acho que minha mulher poderia ter feito meu almoço e que minha filha deveria fazer os deveres 
da escola sozinha. 
 
C = Sentimentos e ações 
Sinto‐me cheio de raiva. Grito com ela. Digo que meu trabalho é mais importante do que os 
deveres  da  escola  de  uma  criança  e  saio  violentamente  de  casa.  Chego  ao  trabalho  muito 
irritado. 
 
Se eu tivesse analisado essa situação de forma objetiva ou realista, teria compreendido que a 
minha mulher já tinha feito uma opção ao ajudar a nossa filha nos deveres da escola. As coisas 
   

do meu jeito apenas refletiam as minhas exigências egocêntricas, e geraram a raiva que tive em 
casa e levei comigo ao trabalho. 
 
FAZER UM “DIÁRIO DE BORDO” 
Como parte do processo de aprendizagem para fazer um inventário pessoal sobre a sua raiva, é 
muito útil fazer um “diário de bordo”. Para começar, tome nota de acontecimentos ou situações 
passadas ou recentes em que sentiu raiva. Ao descrever essa experiência, use o esquema "ABC”. 
 
 A    B    C  
Situação  Convicções  Sentimentos e ações 
 
Depois de ter alguma prática na descrição de manifestações da sua raiva, passadas ou recentes, 
pode considerar útil trazer consigo um pequeno bloco para fazer um registro diário das suas 
manifestações  de  raiva.  Ao  longo  do  dia,  pode  usar  o  esquema  “ABC”  para  tomar  nota  de 
exemplos  dos  seus  sentimentos  de  raiva.  Fazer  um  diário,  o  ajuda  a  desenvolver  uma  maior 
consciência da sua raiva, das causas e consequências. Fazer um  diário o ajuda também a  ter 
contato com os seus sentimentos.  
 
USAR O PROCESSO “ABC” – ABRANDAR A “FERRADURA” 
 
  A primeira parte do processo ABC para o controle dos sentimentos de raiva pode ser 
comparado à analogia entre a chaleira e a raiva. Podemos imaginar a nossa raiva como sendo a 
água dentro de uma chaleira sobre o fogão. Se a água continuar a aquecer, sairá pela chaleira 
em forma de vapor. 
  Com a nossa raiva acontece o mesmo (quanto mais sentimos raiva, mais provável que 
ela se exteriorize abertamente). Algumas pessoas acreditam que a melhor forma de lidar com a 
raiva é ficarem aliviadas, será como a chaleira. 
  No entanto, se apagar o fogo debaixo da chaleira não terá o jato de vapor. Aquilo que o 
processo ABO nos mostra é que se “diminuirmos a chama” dos pensamentos irados que estão 
“fervendo” da nossa raiva, não haverá necessidade de expelir essa raiva. Mantendo‐nos alerta 
para detectar os primeiros sinais de raiva e nos dirigindo uma mensagem de auto ajuda, não 
ficaremos tão “enfurecidos” que tenhamos que “despejar o vapor”. 
 
USAR O D – PÔR EM QUESTÃO A NOSSA FORMA DE PENSAR 
 
  O passo seguinte na aprendizagem do controle da raiva consiste em acrescentar um D 
ao esquema ABC, a fim de provocar uma mudança. É aqui que começamos a modificar os nossos 
sentimentos de raiva ao questionarmos os nossos pensamentos irados (as nossas exigências). 
Praticando  o  inventário  pessoal  ABC  aprendemos  a  identificar  os  pensamentos  perturbados, 
exigentes e negativos que nos fazem sentir raiva. Em seguida, vamos por os seguintes tipos de 
questões: Quem disse isso? Por quê? Que provas eu tenho? Haverá outra forma  que me possa 
ser  mais  útil  na  análise  da  situação?  Por  fim,  respondemos  as  nossas  perguntas...  Voltemos 
agora ao exemplo da condução previamente citado, e o colocamos em formato ABC. 
 
UM EXEMPLO 
A = Situação 
  Estou seguindo em uma estrada atrás de um carro que vai a 50Km tendo a estrada o 
limite de 80Km e estou atrasado para um compromisso. 
 
B = Convicções 
  Esta pessoa devia dirigir de acordo com o limite de velocidade. Não devia me atrasar. 
Tenho que chegar a tempo para o meu compromisso. 
   

 
C = Sentimento 
  Raiva. 
 
D = Discussão 
  Quem é que disse que ele devia andar a 80Km? (fui eu). Porque ele não pode ir à minha 
frente? Não há razão para que eu tenha sempre de fazer a minha vontade. Porque eu deveria 
chegar  na  hora  certa?  Não  vai  ser  nenhuma  desgraça  se  eu  chegar  atrasado;  iriam  me 
compreender. Deixe de controlar tudo a sua maneira. Talvez a pessoa esteja dirigindo o mais 
rápido que é capaz. Era melhor eu esperar e ultrapassar quando seguro. 
 
  No passo D do esquema ABC, iniciamos o processo de enviar a nós mesmos algumas 
mensagens novas para afastarem ou tomarem o lugar dos nossos pensamentos egocêntricos e 
exigentes. Este “gênero” de mensagens novas que nos dirigimos e que nos prestam auxílio são 
mais  realistas  e  menos  perturbados,  e  podem  nos  ajudar  a  reduzir  a  nossa  necessidade  de 
controle. 
 
RESOLVER OS PROBLEMAS – ACRESCENTAR E, F e G 
 
  Usar o esquema ABC como inventário pessoal nos ajuda a ter uma visão mais clara dos 
fatores que contribuem para sentirmos raiva e saber como começar o processo de mudança. 
  Compreender isto nos leva a seguir os passos (E, F e G) do esquema ABC. Mantendo um 
simples diário sobre a nossa raiva, podemos desenvolver uma maior consciência a seu respeito 
e  a  respeito  das  suas  consequências.  Podemos  então  começar  a  modificar  a  nossa  forma  de 
pensar  irada  e  exigente,  nos  fazendo  perguntas  que  ajudem  a  reduzir  a  raiva  que  sentimos. 
Descobriremos  que  determinadas  situações  provavelmente  nos  perturbarão  ou  enraivecerão 
menos, se colocarmos em questão a nossa forma de pensar. 
  Quando estivermos menos perturbados, poderemos analisar o problema claramente e 
decidir  como  fazer  para  que  a  situação  se  desenrole,  criando  objetivos  realistas  para  nós 
mesmos (E). Podemos nos perguntar: “O que eu posso mudar nesta situação e o que eu tenho 
que  aceitar?”  Isto  se  aplica  na  Oração  da  Serenidade:  “Concedei‐me  Senhor  a  serenidade 
necessária, para aceitar as coisas que não posso modificar, coragem para modificar aquelas que 
eu posso e sabedoria para distinguir uma das outras.” 
  Tendo decidido aquilo que quer que aconteça, pode perguntar a si mesmo: O que eu 
posso fazer de útil para obter aquilo que quero? Como consequência começa a perceber quais 
são as opções construtivas (F) para alcançar os seus objetivos. Seleciona então uma opção e põe 
ela em prática (G). 
 
 
A = Situação 
  A  situação  problemática  que  está  causando  alguns  sentimentos  que  o  perturbam  ou 
enraivecem. 
 
B = Convicções 
  O que pensa a respeito da situação ou o que diz dela a si mesmo (as suas exigências). 
 
C = Sentimentos e Ações 
  O que sente (perturbação ou raiva) a respeito da situação por causa do que pensa, e 
como age por causa do que sente (as consequências derrotistas ou dolorosas). 
 
D = Discussão 
   

  Questionar  e  desafiar  os  pensamentos  que  o  perturbam  ou  enraivecem  as  suas 
exigências. Quem disse isso? Por quê? Haverá uma maneira mais eficaz de encarar a situação? 
 
E = Objetivos realistas 
  Novos objetivos realistas em relação a situação. O que gostaria de ver acontecer? O que 
quer? 
 
F = Opções construtivas 
  O que poderá fazer de útil para obter o que deseja? 
 
G = Coloque a sua opção em prática 
  Selecione uma opção e a coloque em prática. Ação construtiva! 
 
UM EXEMPLO: 
A = Situação 
  Fim  de  tarde.  Você  está  na  cozinha  seguindo  com  todo  o  cuidado  uma  complicada 
receita  de  bolo  e  pesando  os  ingredientes.  De  repente,  os  seus  filhos  entram  na  cozinha 
correndo, gritando e pedindo bolachas. Eles se esticam por cima da bancada para chegar à lata 
de bolachas; fazendo isso derrubam a tigela com os ingredientes que você estava pesando. 
 
B = Convicções 
  Pensa consigo mesmo: “O que essas crianças têm?” “Não são capazes de ver que estou 
ocupado e não posso ser interrompido?” “Não deviam entrar correndo desta maneira.” “Deviam 
ter mais consideração por mim.” “Não suporto que me interrompam assim.” 
 
C = Sentimentos e Ações 
  Se sente cheio de raiva. Grita com os seus filhos. Os chama de “egoístas e estourados”. 
Não os deixa comer. Manda‐os para o quarto e diz a eles que não poderiam sair de lá antes que 
os chame. 
 
D = Discussão 
  Começa  a  questionar  as  suas  exigências:  Quem  é  que  disse  que  eu  não  poderia  ser 
interrompido?  Fui  eu  quem  disse.  As  interrupções  acontecem.  Se  eu  tivesse  olhado  para  o 
relógio tinha visto que as crianças estavam chegando Por que é que não iriam correndo para 
cozinha comer? Eu sei que o dia de escola é muito comprido para elas e que esperam lanchar 
quando  chegam  a  casa.  Seria  melhor  se  mostrassem  mais  consideração  pelas  minhas 
necessidades,  mas  eu  também  tenho  de  mostrar  consideração  pelas  necessidades  delas.  Era 
melhor  se  não  me  interrompessem  quando  estou  na  cozinha,  mas  posso  aguentar  as 
interrupções! Se sente agora desapontado e frustrado, mas não com raiva. 
 
E = Objetivos realistas 
  No  futuro,  gostaria  de  poder  acabar  de  cozinhar  sem  ser  interrompido,  mas  gostaria 
também de evitar ter discussões com os meus filhos quando chegam da escola. 
 
F = Opções construtivas 
  Podia  preparar  a  comida  para  uma  ocasião  em  que  as  probabilidades  de  ser 
interrompido fossem menores. Quando for possível, planejarei o trabalho de forma que esteja 
pronto quando os meus filhos chegarem a casa. Terei alguma coisa preparada para comerem 
quando chegarem. 
 
G = Colocar as opções em prática 
   

  A próxima vez que fizer um bolo, o farei de manhã, depois do almoço talvez. Durante 
esta semana, pelo menos três tardes, deixarei em lanche para quando as crianças chegarem. 
Também deixarei em tempo livre para quando as crianças voltam da escola e mostrar interesse 
pelas atividades que tiveram durante o dia. 
Controlar a raiva que sente através do processo ABC, você terá que praticar muito até 
conseguir alguns resultados. É por isso que muitos de nós nos tornamos “especialistas” em ficar 
com raiva. A raiva se torna a forma habitual de lidar com situações problemáticas, quando as 
coisas não acontecem como gostaríamos. O que isto significa, é que iria precisar de muita prática 
para  aprender  a  controlar  a  raiva  através  do  processo  ABC,  e  “desaprender”  os  seus  velhos 
hábitos. 
 
MAIS SOBRE O PROCESSO ABC 
 
  Pode usar o processo ABC quando começar a sentir raiva. Começa treinando a perceber 
os sinais iniciais dos seus sentimentos de raiva, e os utiliza como sinais de “STOP”. Foca‐se ao 
entrar em contato com os seus sentimentos de raiva no momento exato em que começar a se 
sentir  perturbado.  É  mais  fácil  fazer  qualquer  coisa  para  controlar  e  transformar  esses 
sentimentos de frustração e desapontamento, quando está começando a se sentir perturbado, 
do que quando já está furioso ou com um acesso de fúria. 
  Controlar  os  nossos  sentimentos  é  como  controlar  um  carro.  É  mais  fácil  controlar  a 
velocidade de um carro que vai a 20Km por hora do que daquele que vai a 80Km. Da mesma 
forma,  é  mais  fácil  acalmar  os  nossos  sentimentos  antes  que  eles  comecem  realmente  a  se 
tornar incontroláveis. 
  O que isto significa é que cada um de nós tem de desenvolver uma maior consciência 
dos  sinais  ou  indicações  da  nossa  raiva,  igual  como  cerramos  os  dentes  e  passamos  mal  do 
estômago. As formas como cada um exterioriza a sua raiva são diferentes. Uma das primeiras 
tarefas para aprendermos a controlar a raiva é aprendermos a identificar as suas manifestações 
de  forma  que  podemos  usar  como  avisos  para  pararmos.  Então,  enviando  mensagens  mais 
realistas, podemos nos sentir frustrados e desapontados com o comportamento das pessoas, 
mas não teremos raiva nem jogaremos pragas nelas. 
 
USAR MENSAGENS ÚTEIS 
 
  O passo seguinte no processo ABC consiste em utilizar estas pistas como sinal inicial para 
sua raiva, para poder controlar este sentimento. Para fazer isto, poderá enviar uma mensagem 
eficaz,  que  se  oponham  as  habituais  mensagens,  exigentes  e  prejudiciais,  que  provocam  os 
sentimentos de raiva. 
  Uma mensagem que poderá achar particularmente eficaz é: “Devagar se vai ao longe, 
não se irrite”. 
  De início poderá achar necessário endereçar mensagens mais longas a fim de suspender 
as velhas mensagens, negativas e exigentes. Provavelmente praticou tanto a forma de pensar 
com raiva que poderá ser necessário, a princípio, conversar mais consigo mesmo para conseguir 
“largar” ou modificar essa forma de pensar. 
  Mensagens  suplementares  que  ajudarão  a  melhorar  a  situação  são  aquelas  que  o 
colocam  em  contato  com  o  seu  egocentrismo  e  necessidade  de  controle.  Pare  de  ser  tão 
exigente. Por que é que tem que ser sempre como eu quero? Por que é que os outros não fazem 
o que eu quero? Continuará a sentir alguma perturbação (querer usar a TRE não faz calar os seus 
sentimentos), mas vai se sentir frustrado ao invés de sentir raiva. 
  Inicialmente, aprender a controlar os seus sentimentos poderá ser difícil  em relação a 
certas situações que o perturbaram no passado igual aqueles que envolveram problemas com o 
seu parceiro (a), os seus filhos ou no seu trabalho. 
   

  Devido aos seus sentimentos de raiva, geralmente intensos no decorrer das situações, 
terá que recorrer a um pequeno intervalo. Afastar‐se da situação para que isso o ajude a alterar 
esse sentimento. Como parte desse intervalo, pode praticar exercícios de respiração profunda 
para ajudar a descontrair ou pode querer utilizar a técnica da imagem. Poderá por exemplo, 
imaginar  que  está  num  local  onde  se  sinta  em  paz  e  com  tranquilidade.  A  descontração  e  a 
técnica da imagem podem ajudar a aprender a reduzir a sua agitação em situações associadas à 
raiva intensa. 
 
RESUMINDO 
 
  Depois de termos reduzido ou modificado os nossos sentimentos de raiva aplicando a 
primeira parte do processo ABC, estamos agora em melhor posição para observar a situação de 
forma  mais  realista  do  que  através  dos  óculos  da  raiva.  Podemos  reavaliar  ou  redefinir  a 
situação. O que se passa realmente nessa situação? O passo seguinte dentro do processo ABC 
será  fazermos  a  nós  mesmos  a  grande  pergunta:  “O  que  posso  fazer  de  eficaz  nessas 
circunstâncias?” 
  É aqui que a Oração da Serenidade pode ser aplicada como um guia que nos auxilia: 
“Terei  eu  nessa  situação  que  me  esforçar  para  aceitar?”  “Será  o  comportamento  das  outras 
pessoas?”  “O  que  eu  poderei  fazer  para  modificar  esta  situação?”  “Geralmente  é  só  o  meu 
comportamento.” Decidi o que poderia fazer de útil, em seguida terei que analisar as opções 
construtivas que irei escolher para realizar os objetivos da Oração da Serenidade. Finalmente 
fazer uma opção e coloca‐la em prática. 
 
CONTROLAR A NOSSA RAIVA – SETE BREVES PASSOS 
 
  Exige  tempo  e  prática  para  aprender  esse  processo  ABC  de  controle  dos  seus 
sentimentos de raiva, ao mesmo tempo em que “desaprende” os seus velhos comportamentos 
irados. A princípio irá achar que é útil trazer junto com você uma breve descrição do processo, 
como aquela que se segue. Com o tempo, aprenderá por intuição a ir de um passo para outro. 
  Comece  pelos  sentimentos  que  o  perturbam.  Os  identifique.  Use‐os  como  sinais  de 
“STOP”.  Os  sentimentos  que  o  perturbam  são  sinais  de  que  está  dizendo  a  si  coisas 
perturbadoras.  Você  poderá  se  tornar  um  melhor  observador  dos  seus  sentimentos.  Isto 
equivale a entrar em contato com os seus sentimentos. 
  Neutralize  os  sentimentos  que  o  perturbam  endereçando  a  eles  uma  mensagem 
positiva. Coloque uma trava nos seus sentimentos. Diga para si mesmo: “Acalme‐se, simplifique. 
Não fique tão nervoso.” 
  Identifique os pensamentos irritantes dentro da situação que estão te provocando raiva. 
O que você está exigindo? O que é que está tentando controlar? Examine os pensamentos que 
o perturbam. Pergunte a si mesmo: “Por que é que tem que ser como eu quero?  Por que é que 
o outro tem que fazer o que eu quero?” E depois responda as perguntas. 
  Torne  a  situação  clara  para  si  próprio.  Pergunte‐se:  “O  que  realmente  me  deixa  com 
raiva? Em que consistem os fatos e quais são as minhas opiniões sobre eles? Haverá uma forma 
mais eficaz de encarar a situação? Pode então ficar desapontado com a situação, mas não com 
raiva contra as pessoas que a criaram. 
  Em seguida, estabeleça para si objetivos mais realistas em relação às circunstâncias que 
levantaram o problema. Pergunte a si próprio. O que posso fazer que seja eficaz a respeito desta 
situação? Seja específico e concreto.  Aplique a Oração da Serenidade. O que posso mudar (o 
meu comportamento) e o que terei de aceitar (o comportamento dos outros) nesta situação? 
  Faça  uma  lista  das  opções  construtivas  por  meio  das  quais  pode  alcançar  os  seus 
objetivos.  Pergunte‐se:  “Que  ações  construtivas  pode  empreender  para  atingir  os  meus 
objetivos?” Escolha uma opção construtiva para alcançar o seu objetivo e atue de acordo com 
ela. O resultado final do processo ABC é uma ação positiva da sua parte. 
   

 
UM EXEMPLO 
 
  A  situação  consiste  numa  conversa  com  a  minha  mulher  sobre  as  nossas  finanças. 
Começamos na discordar e, depois, começamos a discutir. 
Começo a detectar os primeiros sinais de raiva: estou a serrar os dentes. 
  Digo a mim mesmo,: “Acalme‐se, não complique. Não fique tão zangado.” 
  Depois  digo‐me:  “O  que  estou  pensando?  Ela  não  devia  perguntar  quanto  é  que  eu 
ganho. Ela não devia brigar por causa das contas. Trabalho muito – devia poder gastar o dinheiro 
como bem entendesse. Ela não devia estar sempre contestando a forma como eu gasto o meu 
dinheiro.  Tendo  identificado  alguns  dos  pensamentos  que  me  perturbam,  começo  então  a 
analisá‐los: Por que é que ela não se preocuparia com o dinheiro? É ela quem paga as contas. 
Ela também trabalha e traz dinheiro para casa. Por que é que eu teria que gastar dinheiro só 
comigo  mesmo?  O  restante  da  família  também  quer  coisas.  Pare  de  exigir  que  ela  faça  tudo 
como você quer. Pare de tentar controla‐la. 
  Não gosto de algumas idéias da minha mulher, nem do seu tom de voz, mas estando 
mais  calmo,  consigo  reexaminar  a  situação.  Parece‐me  que  temos  mesmo  alguns  problemas 
com as nossas finanças. As contas parecem realmente estar aumentando. A minha mulher tem, 
de  fato,  algumas  preocupações  legítimas  com  as  nossas  finanças.  Temos  ambos,  as 
responsabilidades neste ponto. 
  Pergunto então a mim mesmo: “Perante esta situação o que é que eu posso fazer que 
seja eficaz?  O  que posso  mudar para  que nos  tornemos mais capazes de  governar as nossas 
finanças de uma forma agradável para ambos?” 
  Faço uma lista de algumas opções que tenho: 
‐ Combinar uma ocasião habitual durante a semana para falar sobre as nossas finanças. 
‐ Estabelecer em conjunto algumas prioridades na forma de gastar o dinheiro. 
‐ Combinar um novo orçamento familiar com a minha mulher. 
‐ Rever regularmente esse orçamento e modificá‐lo quando necessário. 
  Para começar, a minha mulher e eu acordamos numa ocasião regular todas as semanas., 
quando  não  estivermos  cansados  e  não  for  provável  sermos  incomodados,  para  discutir  os 
problemas do nosso orçamento. 
 
USAR UM INVENTÁRIO PESSOAL PARA BATER OS RESULTADOS POSITIVOS 
 
  Controlar os sentimentos de raiva através do esquema ABC pode ser considerado como  
um inventário pessoal. No início, este inventário pessoal exigirá de si muito tempo e esforço. 
Começa com a utilização de um diário a fim de desenvolver uma maior conscientização das suas 
causas e consequências. 
  A partir deste diário, poderá aprender a identificar os sentimentos que o perturbam e 
estão na base da sua raiva. 
  Pode  então  prosseguir,  praticando  o  processo  ABC  como  meio  de  modificar  os  seus 
sentimentos de raiva ao modificar também a sua forma irada de pensar. 
  Segue‐se a resolução dos problemas que fazem parte daquelas situações difíceis que o 
perturbam. 
  Com a prática continuada deste processo, chegará muito provavelmente à conclusão de 
que os seus esforços estão gradualmente a ser recompensados. Será mais capaz de controlar ou 
de modificar a sua raiva do que a sua raiva de controlar a si. 
  Com a prática continuada do controle dos seus sentimentos de raiva pelo processo ABC, 
poderá eventualmente, reduzi‐lo a um esquema mais simples de quatro passos. 
 
  Use os primeiros sinais de raiva como sinais de STOP. 
  Diga a si mesmo, acalme‐se, simplifique. Não se zangue. 
   

  Pergunte‐se: O que poderei fazer nestas circunstâncias, que seja útil? 
  Depois atue de acordo com as suas opções construtivas. 
 
  O  processo  ABC  pode  ser  instrumento  muito  útil  no  processo  de  recuperação  de 
problemas emocionais  ou de problemas relacionados com o abuso do álcool ou outras drogas. 
O processo representa uma forma valiosa de enfrentar a perturbação emotiva que se encontra 
muitas  vezes  associada  aos  problemas  ligados  ao  abuso  do  álcool  e  outras  drogas  ou  com 
problemas  emocionais.  Se  não  aprender  a  lidar  construtivamente  com  as  perturbações 
emocionais, poderá estar em risco de uma recaída, já que as situações que envolvem problemas 
fazem parte inevitável da vida. 
O  processo  ABC  nos  proporciona,  pelo  fato  de  não  termos  as  nossas  percepções 
obscurecidas  pela  desordem  das  emoções,  uma  maneira  diferente  de  ver  as  coisas.  O  nosso 
sentimento a respeito das coisas modifica‐se à medida que a nossa maneira de pensar a respeito 
delas se modifica – Sentimos como pensamos! 
 
O QUE É ESPIRITUALIDADE? 
 
  Em relação aos Alcoólicos Anônimos ouvimos com frequência que “o nosso programa é 
um programa espiritual”. Mas o que significa “espiritual”? 
  Será uma palavra que se refere só a Deus, ou talvez a religião ou tenha um significado 
mais abrangente? 
  Muitas pessoas, ao se darem conta de que o Programa de Recuperação dos 12 Passos 
dos Alcoólicos Anônimos é um programa espiritual desanimam. Interrogam‐se: “Será que tenho 
que me tornar religioso para poder me recuperar?” Este capítulo destina‐se a ajudar as pessoas 
em  recuperação  a  compreenderem  o  que  significa  a  palavra  “espiritual”  e  “espiritualidade”. 
Também se destina a ajudar os leitores a verem que a “espiritualidade” já faz parte das nossas 
vidas sem nos darmos conta disso. 
  No  programa  dos  12  Passos  de  AA  a  palavra  “espiritual”  aparece  ligada  à  palavra 
“despertar”. Isto é o que acontece depois de termos feito o nosso caminho ao longo de todos 
os passos tivemos um despertar espiritual, o primeiro problema que aparece no Primeiro Passo: 
“Admitimos que somos impotentes perante nossa adicção e que tínhamos perdido o domínio 
sobre nossas vidas”. 
  Apesar de a primeira vista não parecer uma constatação de um problema espiritual, mas 
é na realidade! 
  Para podermos ver isso claramente, precisamos começar a desenvolver uma definição 
de espiritualidade com a qual trabalhar. Uma das maneiras de definí‐la é constatando todas as 
áreas de vida as quais a espiritualidade se liga, assim espiritualidade é: A qualidade do nosso 
relacionamento com quem quer que seja de mais importante na nossa vida. 
  Esta simples definição pode nos ajudar a perceber como a espiritualidade faz parte da 
vida  de  qualquer  pessoa.  Consideramos  o  seguinte  raciocínio.  Todos  nós  temos  pessoas  ou 
coisas  que  são  importantes  para  nós.  Uma  vez  que  temos  estas  relações  importantes  para 
nossas vidas alguma deve ser “a mais importante”. Que este “algo” seja maneira, ou pessoa ou 
grupo de pessoas, tem que existir alguma coisa que seja prioritária na nossa vida. O “quem” 
quer  que  seja  ou  o  que  quer  que  seja  “mais  importante”  define  o  principal  foco  da  nossa 
espiritualidade. 
  Podemos dizer que a espiritualidade faz parte da condição humana. Assim como todos 
nós  temos  um  lado  físico  e  um  lado  emocional  também  temos  um  lado  espiritual. 
Reconhecemos  que  somos  pessoas  com  um  lado  espiritual.  Abre‐nos  a  possibilidade  de 
descobrirmos o quanto este lado da nossa vida nos afeta. É um erro pensarmos que não temos 
um lado espiritual se não acreditarmos em Deus. Deus é apenas um dos muitos focos espirituais 
possíveis.  Podemos  vir  a  descobrir  na  nossa  vida  alguns  focos  e  efeitos  espirituais  muito 
surpreendentes, se tivermos a coragem de explorar essa parte do nosso ser.   
   

 
 
Uma  vez  que  está  relacionada  com  que  (ou  quem)  é  importante  para  nós;  a 
espiritualidade está intimamente ligada a valores, prioridades, objetivos e preocupações. Tem a 
ver com o que quer que seja que está no centro da nossa vida. Gastamos muito do nosso tempo, 
energia,  pensamentos  e  nos  entregamos  ao  nosso  foco  ou  centro  espiritual,  porque  a 
espiritualidade  tem  a  ver  com  relações  que  estão  intimamente  ligadas  a  coisas  como  amor, 
confiança e compromisso. Um resultado espiritual pode ser qualquer coisa que toque a nossa 
relação com os outros mais ou menos amorosos e desvelados. 
  Como  se  disse:  há  muitos  focos  espirituais  possíveis.  O  foco  da  nossa  espiritualidade 
podia ser o álcool ou outros químicos. Quando o álcool é o foco da nossa espiritualidade tem 
tendência  para  descrever  o  alcoolismo  como  uma  doença  espiritual.  O  alcoolismo  pode  ser 
descrito como uma expressão destrutiva da espiritualidade. Assim, uma maneira de descrever o 
problema  do  alcoólico,  será  dizer,  “o  álcool  tornou‐se  demasiado  importante”.  Demasiado 
tempo  e  energia  são  absorvidos  para  beber.  A  relação  tornou‐se  um  fardo  tremendamente 
destrutivo. Esta qualidade destrutiva cresce, e à medida que cresce, destrói o alcoólico. 
  O  alcoolismo  é  descrito  como  uma  doença  progressiva.  Nos  termos  da  definição  da 
espiritualidade  isto  implica  que  o  álcool  se  torna  mais  importante  à  medida  que  a  doença 
progride, e este crescimento tem muitas repercussões. Na nossa definição de espiritualidade, 
quando alguma coisa aumenta na sua importância, as outras coisas têm necessariamente que 
diminuir e ficar para trás. À medida que o álcool se torna mais importante, a nossa família, por 
exemplo, é necessariamente negligenciada por causa desta nova e poderosa relação. A família 
é apenas uma das muitas relações que é afetada pela importância crescente do álcool.  
O trabalho será afetado. Ao invés de se devotar com energia e tempo inteiro ao trabalho, 
o alcoolismo é capaz de viver ou utilizar outras drogas durante o trabalho. Talvez, o fato de beber 
na noite anterior comece por afetar a sua capacidade de ser pontual e estar desperto durante o 
trabalho. Se o alcoólico for estudante, as festas, beber ou usar outras drogas, ou até vendê‐las 
para ser financeiramente possível continuar a usá‐las. Estas são apenas algumas das áreas da 
vida  afetadas,  à  medida  que  o  álcool  se  torna  cada  vez  mais  importante.  À  medida  que  o 
alcoolismo se torna crônico, cada vez mais relações de toda a espécie serão alteradas na vida do 
alcoólico.  Sabemos  que  se  a  doença  progride  sem  ser  reconhecida,  causará  eventualmente 
enormes perdas em todas as áreas da vida e até a perda da própria vida. 
Os  membros  da  família  do  alcoólico  podem  facilmente  se  tornar  vítimas  de  uma 
mudança da sua própria espiritualidade. Os valores, os objetivos e as relações dos membros da 
família são fatalmente afetados à medida que a doença do alcoolismo progride. À medida que 
o  alcoólico  se  torna  menos  responsável,  os  membros  da  família  podem  focar  cada  vez  mais 
energia na tentativa de o “endireitar” e fazer funcionar melhor. A sua mulher pode despejar as 
garrafas na tentativa de parar o excesso de bebida; os pais podem de um momento para o outro 
começar a discutir com a filha adolescente numa tentativa para que pare de usar; um adicto 
numa família perturba o equilíbrio familiar. Encontrar uma solução para este problema pode 
levar a uma grande perda de tempo e energia. À medida que os membros da família começam 
a se preocupar com o adicto, há outros aspectos das suas vidas que começam a sofrer com isso. 
Tentar lidar com o comportamento do adicto pode desviar a família de uma vida normal. A coisa 
mais importante na vida da família de um adicto pode tornar‐se uma tentativa desesperada de 
controlar  seu  uso  e  comportamentos  decorrentes  disso.  Essa  preocupação  em  “endireitar”  e 
controlar o adicto pode transformar‐se num doloroso foco espiritual. Uma organização de apoio 
como  os  Programas  de  Familiares  (Al‐anon  e  Nar‐anon)  pode  ser  necessária  para  ajudar  os 
membros da família a recuperar o equilíbrio e a serenidade. 
A palavra espiritualidade tem na sua raiz a palavra “espírito”. Outra maneira de pensar 
em espiritualidade é nos perguntar onde se foca o espírito de cada um. “Espírito”, neste sentido, 
não fará nenhuma diferença, se o considerarmos como, por exemplo, o espírito de equipe num 
jogo de futebol. Um grupo de jogadores e expectadores poderá estar muito entusiasmado com 
   

a vitória de um jogo. Um craque pode incitar de modo a criar mais entusiasmo e espírito no 
grupo. O foco espiritual é energicamente dirigido para “ganhar o grande jogo”. Em outras áreas 
da  espiritualidade  encontramos  espírito  e  entusiasmo  como  sendo  o  reflexo  exato  onde  se 
centra a espiritualidade dessa pessoa. As coisas que na vida nos fazem brilhar os olhos e mexer 
por dentro estão intimamente ligadas à espiritualidade. Espiritualidade tem a ver com as coisas 
que  são  os  grandes  “amores”  da  nossa  vida.  Descobriremos  que  o  nosso  coração  está 
fortemente ligado às áreas espirituais da vida. 
  O  espírito  e  entusiasmo  pela  bebida  é,  as  vezes,  óbvio  na  vida  de  um  alcoólico.  O 
alcoolismo,  quando  começa,  pode  ser  como  um  namoro.  Para  um  alcoólico  talvez  nada  se 
compare ao ato de beber às escondidas ou do adicto a usar. Pode ter passado a última hora de 
aula desejando ansiosamente a oportunidade de beber. Para outros alcoólicos esta relação pode 
ir  crescendo  muito  lenta  e  gradualmente  até  que,  só  anos  depois  possa  dar  conta  desta 
necessidade  permanente  de  beber.  O  entusiasmo  e  espírito  persistem  muitas  vezes  mesmo 
quando,  o  relacionamento  com  o  álcool  se  tornou  destrutivo  e  a  energia  e  o  entusiasmo  da 
pessoa  em  outras  áreas  da  vida  foram  seriamente  afetadas.  No  meu  próprio  trabalho  com 
pessoas em recuperação lembro‐me de inúmeros indivíduos dizendo, “Beber tornou‐se a coisa 
mais importante da minha vida e isso aconteceu de tal maneira que nem me percebi. Chegou 
ao ponto de já não me dar nenhum prazer, apenas me ajudar a sentir bem neste momento, mas 
tinha que beber”. É este o ponto difícil em que uma pessoa está na verdade “agarrada” à bebida, 
mesmo, quando ele ou ela possam dar‐se conta que beber já não funciona da mesma maneira. 
Contudo, está agarrada pela impotência, dependente da própria causa da sua destruição. 
  Mas, como é que começam a se desenvolver essas relações espirituais destrutivas tão 
poderosas? Como é que alguém pode se envolver  numa relação  como a acima descrita, que 
pode levar à morte, suicídio ou à loucura se não tiver ajuda? 
   As relações espirituais evoluem da maneira como uma pessoa vive a vida e como ela 
consegue lidar com as situações da sua própria vida. A nossa espiritualidade pode ter um foco 
consideravelmente diferente se tivermos tido um conjunto variado de experiências de vida. Ter 
o  álcool  e  a  droga  como  foco  espiritual  destrutivo  na  nossa  vida,  é  o  resultado  da  nossa 
experiência com o álcool e da capacidade com que ele tem de ir ao encontro de algumas das 
necessidades básicas humanas. Nem todas as pessoas reagem ao álcool e à droga da mesma 
maneira, e por isso nem todos desenvolvem o mesmo tipo de relação com ele. Quando uma 
pessoa  começa  a  ligar‐se  ao  álcool  pode  ser  por  aquilo  que  ele  ou  ela  viram  ou  ouviram  da 
experiência dos outros. Os amigos podem nos ter encorajado a beber. Eventualmente existe o 
momento em que a pessoa bebe pela primeira vez e essa foi a sua primeira experiência com o 
álcool. Dependendo dessa primeira experiência uma pessoa pode desenvolver um padrão de 
abuso do álcool e drogas, ou beber moderadamente com pouco entusiasmo. Se a experiência 
for muito negativa a pessoa pode nunca mais tornar a beber; se o interesse da pessoa pelo álcool 
aumenta  é  porque  efetivamente,  ele  vai  ao  encontro  de  alguma  necessidade.  O  famoso 
psicólogo Carl Jung descreveu uma vez o alcoolismo do fundador dos AA, Bill W., como uma 
“doença espiritual que tem na sua base o impulso para plenitude...” Sentir‐se meio e completo 
é uma necessidade humana básica. 
  A  maneira  como  o  álcool  vai  ao  encontro  da  nossa  necessidade  de  nos  sentirmos 
satisfeitos não é difícil de compreender. Se uma pessoa é naturalmente acanhada o álcool pode 
ajuda‐la  a  tornar‐se  mais  ousada  e  desinibida.  Se  uma  pessoa  está  cheia  de  raiva  e 
ressentimentos, o álcool pode ajuda‐la a acalmar‐se e encontrar alguma paz. Se uma pessoa está 
sem alento, deprimida, pode ir a um bar e “esquecer de tudo”. Uma pessoa pode beber porque 
gosta da imagem de quem bebe ou usa. À medida que a doença da adicção progride beber ou 
usar  torna‐se  necessário  para  que  se  possa  viver  e  sentir  “normal”.  Todos  estes 
comportamentos são uma tentativa para encontrar ou manter a “plenitude”. 
  Outra  necessidade  básica  humana  é  o  relacionamento  com  os  outros.  Beber  é  uma 
atividade social. O álcool e outras drogas tendem a juntar pessoas. Olhando para trás podemos 
ver os amigos apenas como “amigos do uso” ou “amigo dos copos”, mas pelo menos havia uma 
   

espécie  de  “estarmos  juntos”,  de  camaradagem.  Beber  era  uma  maneira  de  ter  um  contato 
pessoal e “passar um bom bocado” ao fazê‐lo. 
O álcool e as drogas enganam as pessoas porque, até certo ponto, vão de encontro de 
necessidades humanas. Mas em longo prazo não o fazem da melhor maneira para o adicto. A 
busca espiritual que acaba na adicção pode ter começado por um simples desejo de ser feliz. 
Talvez ajude a entender a adicção como uma tentativa legítima de ser saudável e feliz. Ajuda‐
nos a evitar alguns julgamentos e críticas que possamos ter à tentação de usar contra nós ou 
outros adictos em recuperação. 
  Um olhar mais atento para algumas das palavras que são usadas para espiritualidade 
podem ajudar a aprofundar a compreensão desta palavra. Definir espiritualidade como qualquer 
coisa que tem a ver com o mais importante na nossa vida. Se alguma coisa é importante para 
nós isso significa que lhe damos valor e importância. O processo de dar valor a qualquer coisa 
chama‐se valorização ou veneração. Quando veneramos alguma coisa estamos a falar de uma 
relação com o objetivo da adoração, do tipo da que temos com Deus. Por vezes no programa 
podemos ouvir alguém dizer “o álcool e as drogas tinham‐se tornado meu deus”. Muitas vezes 
isto  é  uma  constatação  exata  mesmo  que  nunca  tenhamos  pensado  assim  nesta  relação.  À 
medida que a doença do alcoolismo progride, podemos dizer que a relação com um deus que 
esquece o indivíduo. Esta relação já não é a solução perfeita porque já não vai de encontro às 
necessidades da pessoa. 
  Mesmo que insistamos que não queremos uma relação com Deus (com um D grande), 
assim  como  é  impossível  evitar  a  espiritualidade  como  um  fato  na  nossa  vida,  também  é 
impossível evitar relacionamentos do tipo do que se tem com (um) deus. Quer os reconhecemos 
claramente ou não, eles fazem parte da nossa vida. Afetam‐nos. 
  Uma  relação  do  tipo  da  que  se  tem  com  deus,  tem  uma  relação  interessante  com  a 
palavra “entusiasmo”, palavra essa que está  ligada a espiritualidade. A palavra “entusiasmo” 
vem do grego “em‐theos” que significa “em deus”. Outra maneira de vermos as coisas pelas 
quais temos um grande entusiasmo é dizermos que elas refletem a nossa compreensão e relação 
com o nosso deus. 
  Para o alcoólico cuja vida está sendo destruída. O desafio da recuperação é encontrar 
uma nova relação da do tipo que se tem com deus, um novo foco para a sua espiritualidade, um 
novo  centro.  Alguma  coisa  tem  que  substituir  o  álcool  e  as  drogas  como  principal  centro  de 
interesse na vida de uma pessoa. Esta é a razão pela qual a recuperação não consiste apenas em 
não beber. Por a rolha na garrafa não quer dizer necessariamente que outra coisa qualquer se 
tornou nosso centro de interesse da vida de uma pessoa. Somente parar de beber sem outro 
crescimento e mudanças apenas frustrará uma pessoa que não aprendeu outro modo de ir ao 
encontro das necessidades humanas básicas. 
  A irmandade de AA encara o desafio de ajudar os alcoólicos a encontrarem um novo 
centro de interesse espiritual. A sua missão é muito parecida com a de ajudar alguém a saltar 
de um barco que se afunda para outro barco. Pode ser muito traiçoeiro. A missão envolve o 
conseguir  ganhar a confiança e  eventualmente o coração da pessoa. De algum modo, com a 
ajuda dos Doze Passos dos AA, com a irmandade das reuniões e, nas novas relações com gente 
sóbria, um alcoólico ou adicto em recuperação começará a entregar‐se a um novo centro de 
interesse  espiritual.  A  pessoa  em  recuperação  procura  ir  de  encontro  às  suas  necessidades 
humanas de uma maneira completamente nova à medida que descobre o modo de vida de AA. 
  O  foco  espiritual  dos  que  estão  em  Anônimos,  tem  muito  a  ver  com  um  “Poder 
Superior”; “Deus, como nós o compreendemos”, e as pessoas da irmandade. Os passos Dois e 
Três dos AA começam esta nova relação e iniciam o novo foco espiritual. Para o que quer que 
entreguemos  a  nossa  vontade  e  a  nossa  vida,  isso  tem  que  necessariamente  ser  muito 
importante para nós. O Passo Três foi sabiamente deixado tão aberto quanto possível para que 
ninguém seja excluído. Embora a palavra Deus esteja escrita com D maiúsculo, no Passo Três, 
temos que entender que há alternativas de como este Passo pode ser abordado. Para aqueles 
que  não  compreendem  a  idéia  de  Deus  no  sentido  tradicional,  o  Terceiro  Passo,  pode,  por 
   

exemplo, ligar‐se ao grupo básico de AA. Um grupo de pessoas é um poder maior do que nós 
mesmos, e podemos dar‐lhe o poder divino de nos mostrar o que precisamos fazer. Poderemos 
ver que aceitarmos ser guiados pelas pessoas do programa pode ser melhor do que continuar o 
caminho que sabemos, que acabará na destruição. Outros recém‐chegados ao programa podem 
falar de Deus atuando através do grupo. Podem dizer que Deus é um espírito de amor que se 
exprime pelo amparo, carinho e orientação que o grupo tem para oferecer. Haverá outros que 
acreditam nisso e também ligar‐se a Deus por outros caminhos, tais como a oração e a leitura 
devotada. O Passo Três permite variedade e flexibilidade na maioria como os relacionamentos 
com um Poder Superior. 
  Quando as pessoas olham pela primeira vez para os passos Dois e Três, muitas vezes 
tomam uma de duas posições extremas. A primeira é rebelarem‐se e dizerem que tal programa 
não é para elas. Os seus sentimentos podem ser traduzidos por este sentimento “não quero ser 
um  fanático  religioso!  Não  acredito  nesta  história  de  Deus”.  A  outra  reação  é  ultrapassar 
rapidamente estes passos e dizer para si próprio: “Sempre acreditaram em deus. E depois?” 
  Nenhum destes dois extremos ajudará muito. A espiritualidade é uma área da vida em 
que precisamos descobrir muito sobre nós próprios. Não se pede a ninguém que acredite em 
alguma coisa em que não pode acreditar. Acreditar não é algo que se possa forçar. Acreditamos 
naquilo  que  acreditamos.  Normalmente  aquilo  em  que  acreditamos  resulta  da  nossa 
experiência. Do que sabemos da experiência dos outros e do que nos ensinaram. O segredo da 
mudança do foco espiritual é ter um  espírito aberto, e nos permitir experimentar algo diferente 
– muito como fazer uma experiência com a nossa vida espiritual. 
  A maneira que temos de experimentar algo diferente na nossa vida espiritual provém 
da  ajuda  que  as  pessoas  em  recuperação  oferecem.  Não  estamos  sós,  estamos  com  outras 
pessoas  que  trabalham  na  sua  recuperação  e  que  podem  tornar‐se  amigos  de  verdade.  A 
experiência  de  recuperação  das  pessoas  na  irmandade  dá  uma  informação  prática,  preciosa 
sobre o que precisamos fazer de modo a vivermos uma vida sóbria e feliz. Dirão coisas como 
“vive um dia de cada vez”. Em outras palavras não queira ultrapassar e não se preocupe hoje 
com as coisas do amanhã. A força de hoje é a que precisa para os problemas de hoje, outra 
maneira que as pessoas na irmandade têm de se ajudar e confrontarem‐se mutuamente com a 
realidade. Muitas vezes não conseguimos ver claramente como nos magoamos a nós mesmos 
com as nossas atitudes emocionais e com a maneira como pensamos nas coisas. Outras pessoas 
podem nos ajudar a resolver problemas e a esclarecer a nossa situação. Outra maneira simples 
de encontrar plenitude está na capacidade de falar com outra pessoa sobre como nos sentimos. 
Partilhar  tem  o  efeito  de  “dividir  o  nosso  fardo”  e  “duplicar  as  nossas  alegrias”.  Na  partilha 
podemos encontrar alívio dos sentimentos negativos de desânimo, medo e raiva. 
  As pessoas no programa, quase sem exceção, farão igualmente parte da espiritualidade 
que descobrimos à medida que recuperamos. O que aprendemos com elas e o apoio emocional 
que nos podem dar são quase impossíveis de atingir numa experiência, qualquer, solitária. Um 
“slogan” popular no programa é “Eu preciso das pessoas como Eu”. 
  Vamos olhar agora para espiritualidade x religião.  
  Há  muita  confusão  no  que  diz  respeito  a  relação  da  espiritualidade  e  religião.  Para 
complicar as coisas, as pessoas usam indiferentemente as palavras e, às vezes, com o mesmo 
significado. 
  Melhor do que tentar definir o que é religião e o que é espiritual precisamos nos lembrar 
da  nossa  definição  de  espiritualidade.  Quando  dizemos  “espiritualidade  tem  a  ver  com  a 
qualidade da nossa relação com o que é mais importante na nossa vida”, não excluímos nada 
nem ninguém associado à religião como sendo um foco espiritual. Por exemplo, é muito possível 
ter como a coisa mais importante da nossa vida uma relação com Deus como numa tradição 
religiosa. A nossa definição de espiritualidade não inclui ou exclui necessariamente tudo aquilo 
que na nossa mente está associado à “religião”. 
  Um exemplo pode ajudar a clarificar a diferença entre ser aparentemente “religioso” e 
estar espiritualmente concentrado em outra coisa. 

Você também pode gostar