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AQUISIÇÃO LINGÜÍSTICO-CULTURAL DE ESPANHOL-LÍNGUA ESTRANGEIRA (E-LE)

MEDIADA PELO CINEMA: UM ESTUDO DE REPRESENTAÇÕES1

Maria de Lourdes Otero Brabo CRUZ2


Fábio Marques de SOUZA3
Luiz Fernando Martins de LIMA4

Resumo: Nossa preocupação com a maneira como o ensino de uma LE pode preparar o aluno
para situações reais de comunicação levou-nos a buscar um caminho que levasse o
estudante a aguçar sua sensibilidade para o impacto que a diferença cultural exerce no
processo comunicativo. Com esse objetivo planejamos e realizamos oficinas para
aquisição lingüístico-cultural de espanhol mediada por filmes hispânicos. Nesta
experiência, coletamos dados para uma pesquisa com enfoque etnográfico, num
Centro de Estudos de Línguas do Estado de São Paulo. A análise do corpus reunido
permitiu-nos observar que muitos desses aprendizes estudam o espanhol apenas
porque, segundo seu imaginário, quem tem domínio desta língua terá um emprego
melhor, pois poderá inserir-se no Mercosul com facilidade. A visão de LE como “chave
de acesso” para o mercado de trabalho é acompanhada pela crença de que esta
língua, por ser próxima do português, é fácil de ser aprendida. O cinema mostrou-se
um ótimo insumo para este contexto, proporcionando aos participantes uma forma
pluricultural de perceber o mundo e a si mesmos.

Palavras-chave: pesquisa etnográfica; Lingüística Aplicada; Espanhol-LE; cinema; crenças.

1. A IMPORTÂNCIA DO CINEMA PARA O ENSINO DO ESPANHOL-LE E A METODOLOGIA DE EXECUÇÃO DO


PROJETO DE PESQUISA
O presente trabalho enfoca a utilização do cinema como técnica para o
desenvolvimento da competência comunicativa5 do aprendiz, com ênfase na questão da
interculturalidade. Relataremos as atividades que planejamos e desenvolvemos, bem como as
observações que fizemos sobre a configuração do imaginário dos alunos em relação ao
aprendizado e suas motivações.

Compartilhando a visão dos Parâmetros Curriculares Nacionais que apresentam a


aprendizagem de Língua Estrangeira como uma possibilidade de aumentar a percepção do aluno
como ser humano e considerando que ao aprender línguas se apreende mundos, foi que
projetamos e realizamos oficinas para aquisição lingüístico-cultural de espanhol mediada pelo
cinema, com o objetivo de:

♣ Incentivar o aprendiz a desvendar as fronteiras de onde este idioma é falado e


desenvolver uma sensibilidade para perceber o impacto que a diferença cultural
exerce no processo comunicativo (Cf.: Byram & Fleming, 2001);

1
Este artigo é fruto do projeto do Núcleo de Ensino, desenvolvido em 2004 com o patrocínio da PROGRAD/FUNDUNESP.
2
Professora do Departamento de Letras Modernas – Faculdade de Ciências e Letras – UNESP – Assis.
3
Graduando em Letras – Faculdade de Ciências e Letras – UNESP – Assis
4
Graduando em Letras – Faculdade de Ciências e Letras – UNESP – Assis
5
Compartilhamos do conceito de competência comunicativa apresentado por Hymes (1979), sistematizado por Canale & Swain (1980)
e ampliado por Almeida Filho (1993).

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♣ Proporcionar aos alunos diferentes oportunidades de novas formas de
expressão, considerando as variações lingüísticas;

Trata-se esta de uma pesquisa desenvolvida em Lingüística Aplicada6: ensino e


aprendizagem de línguas, com cunho etnográfico e interpretativista. Buscamos verificar a
eficiência deste trabalho de intervenção, e isto foi feito através de observações registradas num
diário de pesquisa, que exigiram interpretação e reflexão por parte dos pesquisadores. Também
fizemos uso de outros instrumentos de coleta de dados, como entrevistas semi-estruturadas,
questionários, formulários, cartas, gravações em áudio e vídeo.

Figura 1: Instrumentos de coleta de dados.

Os dados colhidos foram triangulados e analisados em reuniões conjuntas entre os


alunos-pesquisadores e a coordenadora do projeto, nas quais foram discutidas leituras teóricas e
anotações de campo. Procuramos sempre abordar o corpus coletado com uma visão holística,
considerando as várias subjetivações que se elaboram no processo de aprendizado, envolvendo
as opiniões de todos os participantes.

A investigação, desenvolvida numa parceria universidade-escola pública, envolveu


dois alunos-pesquisadores e uma professora7 com seu grupo de vinte e três alunos (com idade
entre 13 e 17 anos) do terceiro semestre do curso que tem a duração de três anos. Este curso é
oferecido por um Centro de Estudos de Línguas (CEL)8 do interior do Estado de São Paulo -

6
Entendida aqui como lingüística transdisciplinar e não aplicação da lingüística. (Cf: Cavalcanti, 1986; Celani, 1992; Moita Lopes, 1996;
Schmitz, 2004).
7
A professora participante é brasileira, graduou-se em Letras por uma universidade pública em 1998. Desde então ela se dedica ao
ensino de E-LE em escolas públicas e particulares da cidade de Assis e região. Ministra aulas de espanhol instrumental, há dois anos,
em um curso de graduação em Administração numa faculdade particular local.
8
Este programa foi criado pelo Decreto Governamental n.º 27.270/87. Os CELs estão distribuídos na rede pública de todo o estado de
São Paulo. O Centro pesquisado oferece cursos de Alemão, Espanhol, Francês, Italiano e Japonês, nos períodos diurno e noturno,
inclusive aos sábados (manhã e tarde).

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programa que oferece aos alunos da rede pública a possibilidade de acesso a uma segunda língua
estrangeira, além da inglesa, oferecida nos currículos regulares.

Optamos por filmes pelo fato de serem amostras autênticas produzidas


contextualizadamente na língua-alvo sem manipulações com fins didáticos:

A arte cinematográfica, além de representar a vida, dá formas às inquietações e


desejos mais íntimos da alma humana. O filme reúne extraordinário volume de
informações. Nas diferentes áreas da experiência humana e por isso deve ser
utilizado, nas escolas, como um instrumento didático valiosíssimo na formação
de novas gerações.(Trevizan, 1998:85)

Assistimos vários filmes produzidos em língua espanhola com o objetivo de


selecionar três que abarcassem um pouco da diversidade cultural dos países onde este idioma é
falado. Escolhemos os filmes Fale com ela (Espanhol), O filho da noiva (Argentino) e Como água
para chocolate (Mexicano) (vide anexo 1).

O filme, além de enriquecer as aulas, torna-se uma ótima alternativa como extensão
do ambiente formal de ensino e pode contribuir com o desenvolvimento da autonomia para a
promoção da aprendizagem:

A aprendizagem ocorre de uma forma mais eficaz quando os alunos


desempenham um papel ativo no processo. Isto quer dizer que os alunos não
apenas recebem a informação, como, também, a internalizam de uma forma
significativa.(Motta, 1997:7).

Após a seleção dos filmes, contando com materiais de apoio (textos, mapas, guias,
cartazes, guias de viagens, músicas, fitas de vídeo) elaboramos atividades (dramatizações,
poemas, exercícios com foco na língua e tarefas de cunho comunicativo relacionadas com o
conteúdo presente no filme com foco no componente cultural) que foram aplicadas durante as
oficinas, totalizando uma carga de 32 horas ao longo do ano de 2004.

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Os dois primeiros filmes foram exibidos contando com o apoio da legenda na língua-
meta, já na exibição do último, tendo em vista que os alunos estavam mais familiarizados com a
compreensão auditiva deste recurso, optamos pela exibição sem legenda. Existem vários títulos
hispânicos disponíveis no mercado brasileiro, porém, é importante ressaltar que se deve procurar
uma adequação à faixa etária do público envolvido..

2. AS OFICINAS DE CINEMA DESVENDANDO A CULTURA DE APRENDER

Diversos pesquisadores da Lingüística Aplicada afirmam que a cultura de aprender


Língua Estrangeira (LE) do aprendiz é baseada em teorias implícitas que são compostas por
fatores como crenças, motivações, memórias, intuições e imagens, dentre outros (Cf: Almeida
Filho, 1993; Barcelos, 1999). Neste artigo apresentaremos reflexões sobre alguns destes
componentes na abordagem de aprendizado dos participantes, focaremos nossa atenção no
imaginário, nas crenças e na relação entre o insumo e a motivação.

2.1. O Imaginário

Os motivos pelos quais a sociedade brasileira procura aprender uma língua


estrangeira mantêm-se, de forma geral, restritos à simples busca pela inserção no mercado ou à
ascensão profissional no mundo dito “globalizado”. Através da análise dos dados coletados com os
participantes, pôde-se observar que muitos desses aprendizes estudam espanhol apenas porque,
segundo seu imaginário, quem tem domínio da língua espanhola terá um emprego melhor, pois
poderá inserir-se no Mercosul com facilidade. Estas visões estão representadas na figura 2:

Figura 2: Saber língua estrangeira significa ter emprego e ascensão financeira.

391
Podemos perceber no discurso dos aprendizes uma visão de Língua Estrangeira
enquanto “chave de acesso” ao mercado de trabalho e ao status social (vide fig.3):

– “Por que o espanhol ? Por que o mercado de trabalho é muito exigente e espanhol é a
segunda língua mais falada.” Karina, 17 anos.
– “Faço espanhol pra ter um conhecimento a mais no currículo.” Maria Júlia, 16 anos.
– “Sigo estudando espanhol porque quero completar o curso e, no final, pegar meu diploma.”
Ana Carolina, 17 anos.

Figura 3: A idéia de língua estrangeira enquanto chave de acesso ao mercado de trabalho.

A partir de dados como esses foi possível a reflexão em torno da abordagem de


ensino/aprendizagem, pois, conhecendo as expectativas que os alunos tinham em relação ao
curso, pudemos tentar modificar a idéia limitada que existia no grupo quanto à empregabilidade
que o conhecimento de uma língua estrangeira pode proporcionar.

Este estudo nos propiciou conhecer outras crenças desses aprendizes, como a de
que o espanhol, por ser uma língua próxima à língua portuguesa, é fácil de ser aprendida:

– “Eu escolhi o espanhol porque, das cinco línguas que têm aqui, eu acho que o espanhol é
mais fácil” Izabel, 14 anos.
– “Eu escolhi o espanhol porque eu achei que fosse uma língua fácil e gostosa de se falar”
Marcos, 16 anos.
– “Eu gosto do espanhol, porque é uma das línguas mais fáceis” Kamille, 14 anos.

392
Figura 4: A diferença entre aprender espanhol e outras línguas estrangeiras.

Levando-se em conta que o senso comum impõe o estudo de línguas como uma
necessidade essencial na contemporaneidade, o grupo pesquisado procura aprender espanhol,
pois, segundo o imaginário da maioria desses alunos esta é uma língua que demanda pouco
esforço do aprendiz.

Conhecer o que os aprendizes esperavam contribuiu para que procurássemos


oferecer uma experiência visando uma idéia de aprendizado mais ampla, demonstrando ao aluno
que o aprendizado de uma LE vai mais além da inserção no mercado de trabalho, levando-o a
captar o quão gratificante é aprender uma língua estrangeira aprendendo também novas culturas,
o que proporciona novas maneiras de observar o mundo e de observar a si mesmo.

Sabendo que as crenças existem e que orientam a abordagem de aprender a


língua-alvo, desenvolvemos atividades utilizando insumos autênticos e reais, buscando assim,
auxiliar os aprendizes a desmistificarem estas representações e compreenderem a complexidade
que envolve todo sistema lingüístico enquanto identidade social de um grupo.

2.2. A Motivação

Neste estudo observamos como se configurou a relação entre o insumo e a


motivação através do uso do texto fílmico no contexto de aprendizagem de espanhol pesquisado.
Como embasamento teórico compartilhamos da definição apresentada por Jacob (2002), que
considera a motivação como algo que orienta o aprendiz a tomar uma decisão consciente sobre a
busca do novo num dado momento, bem como o leva, durante o processo, a investir um maior ou
menor esforço na aprendizagem e oferece condições para que possa avaliar, negativa ou

393
positivamente, o processo em que está envolvido, tomando como base o atendimento ou não da
motivação prévia que possuía.

Antes do início das oficinas fizemos o levantamento prévio das atividades


consideradas, pelos alunos, como mais motivadoras. Utilizamos um modelo de questionário
proposto por Jacob (2002). Os resultados que obtivemos aparecem no gráfico 1:

EXPLICAÇÕES
GRAMATICAIS
VÍDEOS/FILMES
1%
10% MÚSICAS
18%
TRABALHOS COM
VOCABULÁRIO
13%
CRIAÇÃO DE
DIÁLOGOS
DRAMATIZAÇÕES 6%
4%

DIÁLOGOS
12%

PESQUISAS
EXERCÍCIOS
4% JOGOS TRADUÇÕES GRAMATICAIS
15% 13% 4%

Gráfico 1: Levantamento das atividades consideradas pelos alunos como mais motivadoras.

Antes de nossa intervenção no grupo, assistimos a algumas aulas como


observadores e pudemos notar que músicas, jogos e atividades com vídeos/filmes, consideradas
pelos alunos como mais interessantes quase não aconteciam no contexto estudado antes do
desenvolvimento das oficinas:

Poderíamos descrever uma aula típica como uma aula tradicional, a professora é
muito divertida e mantém um bom filtro afetivo – o que cria um ambiente
agradável, favorável à aprendizagem – porém, talvez pela necessidade de
terminar o livro didático, o conteúdo fica restrito a seguí-lo e nele aparecem
muitos exercícios estruturais o que demanda explicitações gramaticais e de
vocabulário muitas vezes de forma isolada e repetitiva. (Diário de Pesquisa,
17/04/04).

394
Uma análise qualitativa do corpus coletado nos permite concluir que o insumo atua
decisivamente na motivação dos aprendizes e, neste contexto, o uso do cinema propiciou cenários
de interação, o que aumentou significativamente a motivação dos alunos, refletindo na melhoria de
seus desempenhos lingüísticos. As fotos 1 e 2 apresentam alunos trabalhando em grupo, com
entusiasmo, durante o desenvolvimento das oficinas:

Fotos 1 e 2: Aprendizes confeccionando cartazes para exposição oral.

Tendo como princípio que, para haver êxito no processo de ensino-aprendizagem, o


insumo (aqui entendido como “matéria-prima” para o desenvolvimento da competência
comunicativa do aprendiz) deve ser autêntico e relevante, o cinema aparece como uma opção que
responde plenamente a esses requisitos.

3. CONTRIBUIÇÕES DESTA PESQUISA:

Ao longo de nossa trajetória pelos contextos escolares, quer seja como alunos,
professores ou pesquisadores, sempre observamos que o cinema tem sido pouco utilizado na aula
de língua estrangeira, quando não mal-utilizado. Não foram poucas as situações de nossa
trajetória de vida em que convivemos com o “vídeo-enrolação” ou o “vídeo-tapa-buraco”9.

Fatos como estes nos inquietavam, assim como nos preocupava o pouco espaço
que tem sido dado às variantes lingüísticas nos ambientes formais de aprendizado de LE. Muitas
vezes, o aluno só se da conta disso quando, após terminar seu curso, tem a oportunidade de falar
com nativos em situações reais de comunicação e então percebe que as fórmulas prontas e
estandardizadas que aprendeu não dão conta de significar em todas as situações e contextos da
vida real.

9
Estas expressões são de Moran, 1995 apud Napolitano, 2003.

395
Estes temas nos motivaram a buscar apoio nas teorias especializadas sobre
aquisição de LE (insumos, abordagem/cultura de aprender, teorias implícitas) e a buscar meios de
proporcionar caminhos para a prática neste contexto que nos foi propiciado, com muita presteza,
pela professora participante que se prontificou a refletir conosco e buscar mudanças.

Podemos confirmar que todos os envolvidos por esta experiência saíram dela
modificados. A mudança nos alunos pode ser observada no relato da professora participante –
posteriormente apresentado em um evento científico:

El principal cambio constatado en el grupo de alumnos investigado fue la


significativa pérdida de la inhibición o timidez en el momento de expresarse en la
lengua estudiada. Alumnos que no hablaban casi nada ahora preguntan en la
lengua meta y se sienten cómodos en preguntar las palabras que no conocen.10
(Oliveira, 2004)

3.1. A valorização do trabalho com filmes:

O uso de filmes na sala de aula é uma opção válida e possível de ser executada e,
no contexto estudado, proporcionou bons resultados, como pode ser observado pelo testemunho
da professora sobre o desempenho dos alunos:

“(...) yo veo que el grupo creció mucho, amadureció mucho, porque [en] los días
que yo trabajé sola con ellos la producción de las cosas fueron más rápida, la
comprensión de las cosas(...)”11

Os próprios alunos, sujeitos de nossa pesquisa, confirmam a importância das


experiências vivenciadas nas oficinas desenvolvidas neste projeto do núcleo de ensino:

– “Acho que estudando assim, aprender a língua estrangeira torna-se divertido”. Ana
Carolina, 16 anos.
– “Achei legal, pois cada semana era uma coisa diferente a se trabalhar”. Analu, 13 anos.
– “A qualidade é ótima, várias atividades diferentes(...) atividades que ensinam e divertem ao
mesmo tempo... São atividades diferentes e gostosas de fazer...” Francine, 16 anos.
– “[Meu interesse] aumentou, me fazendo pensar até em fazer Letras (espanhol)”. Andréia,
17 anos.

Com o objetivo de difundir as vantagens do uso do cinema na aquisição de outras


línguas estrangeiras (além do espanhol), foi apresentada a comunicação “Searching for learner’s
autonomy: the cinema as possible way12” na XVIII Spring Conference da Associação dos

10
A principal mudança constatada no grupo de alunos pesquisados foi a significativa perda da inibição ou perda da timidez no momento
de se expressar na língua estudada. Alunos que não falavam quase nada agora perguntam na língua alvo e se sentem cômodos ao
perguntar palavras que não conhecem.
11
“(...) eu vejo que o grupo cresceu muito, amadureceu muito, porque nos dias em que eu trabalhei sozinha com eles a produção das
coisas foram mais rápidas, a compreensão das coisas (...)”
12
Buscando a autonomia do aprendiz: o cinema como um caminho.

396
Professores de Língua Inglesa do Estado de São Paulo (APLIESP), levando em consideração a
grande quantidade de filmes disponíveis nesta língua.

3.2. Promoção da autonomia no aprendizado de línguas:

Os encontros propiciaram aos aprendizes a oportunidade de se familiarizarem com


filmes hispânicos e desenvolverem uma recepção do texto fílmico mais além das imagens,
sentindo o potencial de aprendizagem que pode gerar um vídeo e aprendendo que este recurso
pode ser usado fora da sala de aula.

O aluno preparado para aprender com filmes torna-se mais autônomo na extensão
de seu aprendizado fora de ambientes formais de ensino, estendendo para sua vida cotidiana uma
mais apurada capacidade interpretativa. Sobre esta importância do aluno participar ativamente na
construção do conhecimento, compartilhamos das idéias de Leffa (2002):

A boa notícia, para a autonomia, é que os pouquíssimos alunos que conheci


pessoalmente e que foram capazes de adquirir um conhecimento funcional da
língua estrangeira, foram alunos autônomos, alunos que por conta própria foram
muito além do que lhes foi exigido na sala de aula. Isso me leva a pensar que,
excetuados os casos de imersão, só é possível aprender uma língua estrangeira
se o aluno for autônomo. Se não for assim, ele vai ficar apenas no que é dado na
sala de aula, e isso não basta para adquirir o domínio de uma língua.

3.3. Renovação da prática da professora envolvida

Esta oportunidade proporcionou a interação da universidade com a escola pública e


o trabalho em equipe. A professora participante abriu a porta de sua sala-de-aula e compartilhou
com os alunos-pesquisadores sua experiência, participando do planejamento, análise e reflexão,
sempre através do diálogo e da partilha de responsabilidades, como pode ser identificado em seu
discurso:
(...) yo he aprendido mucho con eso también, trabajar en grupo, compartiendo,
¿no es? Porque a veces nos quedamos tan solitarios en las salas de clases. (...)
que no conseguimos darnos cuenta de cuanta cosa interesante podemos hacer
con la misma cosa, ¿no es? Entonces, bueno, yo les agradezco(...)13

Este trabalho de intervenção propiciou à professora a reflexão sobre sua prática,


adotando uma nova postura com relação ao trabalho com filmes:

(...) por lo menos yo no voy a tener coraje de poner una película para tapar un
hueco y después no hablar nada de aquello, ¿no es? Porque ahí yo voy a matar

13
“(...) eu aprendi muito com isso também, trabalhar em grupo, compartilhando, não é? Porque às vezes ficamos tão solitários nas salas
de aula. (...) que não conseguimos nos dar conta de quanta coisa interessante podemos fazer com a mesma coisa, não é? Então, bom,
eu os agradeço(...)”

397
esta película porque después no van (a) comprender mucha cosa que podrían
tener comprendido, entonces por lo menos para eso(..)14

A vivência com o projeto despertou na professora participante o desejo de envolver-


se mais na pesquisa, tendo em vista as melhorias que poderia agregar à sua prática docente.
Como conseqüência disso, ela participou conosco do I Congreso de LaS LenguaS, realizado em
2004 na cidade de Rosario (Argentina). Nesta oportunidade, ela apresentou um relato de
experiência sobre sua participação no projeto (Cf: Oliveira, 2004).

3.4. Participação em eventos e troca de experiências:

Este evento realizado na Argentina foi uma possibilidade de fortalecer ainda mais as
intenções do projeto, pois foi um espaço que privilegiou a importância das variantes lingüísticas. O
tema do congresso era “pelo reconhecimento de uma iberoamérica pluricultural e multilingüe”,
onde se levou em conta que cada variante representa uma visão particular de mundo, preservando
a identidade dos que a falam:

Dicen que tiene siete lenguas la boca del dragón. Yo no sé. Pero me consta que
muchas más lenguas tiene la boca del mundo, y el fuego de sus lenguas nos
abriga. Será siempre poco cuanto se haga para defenderlas del desprecio y del
exterminio.15
(Eduardo Galeano para el I Congreso de laS LenguaS)

Se considerarmos que “(S/C) em línguas, (S/C)em mundos”16 faz-se necessário


levar estes mundos possíveis para a sala-de-aula de língua estrangeira. Neste intuito, o cinema
torna-se mais uma vez um aliado, possibilitando ao professor apresentar diversas realidades em
um mesmo contexto e preparar o aluno para compreendê-las e respeitá-las enquanto diferentes,
porém possíveis. Nesta oportunidade, tivemos a palavra e divulgamos nosso trabalho. (Cf: Cruz et
al., 2004).

3.5. Desenvolvimento dos alunos pesquisadores:

Além de intervir na realidade da professora participante, o presente projeto aguçou o


senso crítico dos alunos-pesquisadores, futuros professores, incitando-os para a tarefa da
pesquisa como parte integrante do processo de ensino-aprendizagem:

14
“(...) ao menos eu não vou ter coragem de passar um filme para tampar um buraco e depois não falar nada daquilo, não é? Porque aí
eu vou matar este filme porque depois não vão compreender muita coisa que perderiam ter compreendido, então pelo menos para
isso(..)”
15
Dizem que tem sete línguas a boca do dragão. Eu não sei. Mas me consta que muitas mais línguas têm a boca do mundo, e o fogo
de suas línguas nos abriga. Será sempre pouco quanto se faça para defendê-las do desprezo e do extermínio.
16
“Sem línguas, Sem possibilidade de mundos ou Cem línguas, Cem mundos possíveis”. Este foi o título da XIII Semana de Letras da
UNESP – São José do Rio Preto, 2001.

398
Esse olhar reflexivo sobre a própria prática deveria começar na licenciatura (e até
antes da licenciatura) para que o profissional possa se engajar em sua formação
continuada. O desenvolvimento da proficiência e da competência pedagógica
deveria caminhar paralelamente ao desenvolvimento da competência reflexivo-
social. (Cavalcanti, 1999)

O envolvimento deles com as leituras de embasamento teórico, planejamento e


desenvolvimento das atividades do projeto resultou em participações em diversos eventos
científicos17, onde apresentaram os resultados parciais da investigação, trocaram experiências e
acrescentaram novos conhecimentos a suas formações, além de divulgarem o trabalho do Núcleo
de Ensino/UNESP.

4. DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Consideramos o cinema, como uma opção possível de insumo na aula de língua


estrangeira, tendo-se em vista que os filmes são atraentes, atuando como um recurso rico, lúdico e
extremamente sedutor, atraindo a atenção dos alunos, despertando sua motivação e engajamento
para a realização das tarefas.

Teríamos, na próxima etapa deste trabalho, o desafio de promover oficinas para


professores de línguas estrangeiras, onde fosse possível compartilhar experiências, criar, reunir e
disponibilizar materiais didáticos que facilitassem o uso de filmes.

O objetivo seria gerar material didático que não fosse imposto como uma cartilha a
ser seguida, mas que atuasse como um insumo a mais no planejamento de suas atividades
auxiliando na construção de uma metodologia que promovesse a autonomia e desenvolvesse a
capacidade interpretativa dos aprendizes de LE desde uma perspectiva intercultural.

O ideal seria envolver professores de vários idiomas e com experiência em diversos


níveis de aprendizado, formando assim multiplicadores da aquisição de línguas e culturas através
do cinema.

Acreditamos que o material reunido até esta etapa da pesquisa nos possibilitará
trabalhos futuros com a questão do imaginário, interação, crenças e histórias de aprendizes e
professores, gerando materiais que possam auxiliar aqueles que se dedicam ao ensino de línguas.

17
52.º Seminário do GEL, XIII EAIC da UEL, I Congreso de laS LenguaS da UNR (Argentina), 12.º SIIC da USP, XVI CIC da UNESP e
XVIII Spring Conference da APLIESP.

399
5. BIBLIOGRAFIA:
ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes. Dimensões comunicativas no ensino de línguas. Pontes,
Campinas,1993.
BARCELOS, Ana Maria Ferreira. “A Cultura de aprender línguas (inglês) de alunos no curso de
Letras”. In: ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes (Org.) O professor de língua estrangeira em
formação. Campinas: Pontes, 1999.
BYRAM, M. & FLEMING, M. (Org.). Perspectivas interculturales en el aprendizaje de idiomas:
enfoques a través del teatro y la etnografía. Madrid: Cambridge University Press, 2001.
CAMPANELLA, Juan José & CASTETS, Fernando. El hijo de la novia (Guión). Buenos Aires: del
Nuevo Extremo, 2002.
CANÇADO, M. Procedimentos de pesquisa etnográfica em sala de aula de língua estrangeira: uma
avaliação de potencialidades e limitações da metodologia. Dissertação de Mestrado. Belo
Horizonte: UFMG, 1990.
CANALE, M. e SWAIN, M. “Theoretical bases of communicative approaches to second language
teaching and testing”. In:Applied Linguistics, vol. 1, n.º 2, 1980.
CAVALCANTI, Marilda do Couto. A propósito de lingüística aplicada. In: Trabalhos em Lingüística
Aplicada. Campinas, 1986.
______ “Reflexões sobre a prática como fonte de temas para projetos de pesquisa para a
formação de professores de LE”. In: ALMEIDA FILHO, José Carlos Paes (Org.) O professor de
língua estrangeira em formação. Campinas: Pontes, 1999.
CELANI, Maria Antonieta Alba. “Afinal, o que é lingüística aplicada?” In: ______ & PASCHOAL,
Mara Sofia Zanotto (Orgs.) Lingüística Aplicada: da aplicação da lingüística à lingüística
transdisciplinar. São Paulo: Educ, 1992.
CRUZ, Maria de Lourdes Otero Brabo; SOUZA, Fábio Marques de; LIMA, Luis Fernando Martins
de. Adquisición de español-lengua extranjera por brasileños, ¿cuál variante enseñar?: la pluralidad
lingüística y cultural mediada por el cine. Actas del I Congreso de laS lenguaS: por el
reconocimiento de una Iberoamérica pluricultural e multilingüe. Rosario (Argentina), 2004.
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Decreto n.º 27.270/87. Dispõe sobre a criação dos
Centros de Estudos de Línguas (CELs), 1987.
______. Resolução n.º 6, de 22-1-2003. Dispõe sobre o funcionamentos dos Centros de Estudos
de Línguas (CELs) e dá providências correlatas.
HYMES, D. “On communicative competence” (extracts). In: Brumfit, C.J. e K. Johnson (Orgs.) The
Communicative approach to language teaching. Oxford: Oxford University Press, 1979.
JACOB, Lilian Karine. Diferenças motivacionais e suas implicações no processo de
ensino/aprendizagem de espanhol como língua estrangeira. Dissertação de Mestrado. São José
do Rio Preto: UNESP, 2002.
LEFFA, V.J. Quando menos é mais: a autonomia na aprendizagem de línguas. Trabalho
apresentado no II Fórum Internacional de Ensino de Línguas Estrangeiras (II FILE). Pelotas:
UCPel. Disponível em: <http://www.leffa.pro.br/autonomia.htm>. acesso em jan/2003.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. PCN: Parâmetros Curriculares Nacionais
(Língua Estrangeira), Brasília, 1998.
MOITA LOPES, Luiz Paulo da. Oficina de Lingüística Aplicada: a natureza social e educacional
dos processos de ensino/aprendizagem de línguas. Campinas: Mercado das Letras, 1996.
MOTTA, L.M.V.M. Reflexão e conscientização para o uso de estratégias de aprendizagem: dois
momentos no desenvolvimento do professor. Dissertação de Mestrado. São Paulo: PUC, 1997.
400
NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003.
OLIVEIRA, Angélica Maria dos Santos. La pluralidad lingüístico cultural en el aula. Ponencia
presentada en el I Congreso de laS lenguaS: por el reconocimiento de una Iberoamérica
pluricultural e multilingüe. Rosario (Argentina), 2004.
SCHMITZ, John. Lingüística Aplicada: novas dimensões e identidades no século XXI. Texto da
palestra proferida no 1.º Colóquio de Estudos Lingüísticos da UNESP/F.C.L. de Assis-SP, 2004.
TREVIZAN, Zizi. As malhas do texto: escola, literatura, cinema. São Paulo: Clíper, 1998.

ANEXO 1

SINOPSE DOS FILMES SELECIONADOS PARA AS OFICINAS:

• Fale com ela (Espanha, 2002, de Pedro Almodóvar): Durante o tempo suspenso entre as
paredes da clínica, a vida das quatro personagens (Marco, Lydia, Alicia e Benigno) flui em
todas as direções: passado, presente e futuro. É um filme sobre a alegria de narrar e sobre
a palavra como arma para fugir da solidão, da enfermidade, da morte e da loucura. O filme
apresenta narradores de si mesmos, homens que falam a quem possa e sobre tudo a
quem não os possa ouvir.

• O filho da noiva (Argentina, 2001, dir.: Juan José Campanella): Rafael Belvedere não está
contente com a vida que leva. Não consegue dedicar-se a suas coisas, a sua gente, nunca
tem tempo. Além disso, faz mais de um ano que não visita sua mãe que sofre do mal de
alzehimer e está internada em um asilo. Tudo que Rafael quer é que o deixem em paz.
Mas uma série de acontecimentos inesperados o obrigará a rever sua situação.

• Como agua para chocolate (Mexico, 1992, dir.: Alfonso Arau): A personagem principal é
Tita, a filha menor de mamãe Elena. Tita tem que postergar sua relação com Pedro
Musquiz porque os rígidos costumes familiares a obrigariam a cuidar de sua mãe até a
morte. A cozinha se converte em refúgio e sede de uma curiosa variante do poder feminino.
Entre a comédia, o melodrama e o realismo mágico, o filme atravessa quase que a
totalidade da história do México do século XX e apresenta algumas idéias sobre a
condição da mulher, o machismo e o amor.

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