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XIV SEMANA DE LETRAS/ IV SEMINÁRIO DE TESES E PESQUISAS EM ANDAMENTO (SETEPEC)/IV

SIMPÓSIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS – PROCAD/AMAZÔNIA


BNC FORMAÇÃO E CAMINHOS PARA A LICENCIATURA EM LETRAS

CINEMA DE ANIMAÇÃO KRAHÔ:


CONTRIBUIÇÕES PARA A EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA

Robbergson Andrade Duarte


robbergson@gmail.com
Francisco Edviges Albuquerque
fedviges@uft.edu.br

1. INTRODUÇÃO

Devido ao seu caráter eminentemente transdisciplinar e multissemiótico, as oficinas de


cinema de animação vêm sendo adotadas como ferramenta didático-pedagógica nas salas de
aula desde o surgimento dessa linguagem, no final do século XIX, servindo ora como um
recurso lúdico que retira temporariamente os alunos dos conteúdos mais pragmáticos, ora como
suporte para a introdução a estes mesmos conteúdos (VIEIRA, 2008). No Brasil, porém, a
contribuição dessas oficinas midiáticas para a educação básica tem sido pouco explorada,
sobretudo na educação escolar indígena.
Pensando nisso, buscamos propor nesta pesquisa 1 a realização de oficinas de cinema de
animação com alunos e professores do povo Krahô 2, tendo como objetivo principal analisar as
possíveis contribuições que este tipo de metodologia pedagógica alternativa pode trazer para a
educação escolar indígena, no que tange às suas características fundamentais, a saber, uma
educação diferenciada, específica, intercultural e bilíngue. (BRASIL, 1998);
Os principais autores consultados são Almeida e Albuquerque (2011) e Abreu (2012),
versando sobre a educação escolar indígena e o povo Krahô; Vieira, 2008), Magalhães (2015)
e Milliet (2014) sobre oficinas de cinema de animação e suas diferentes pedagogias; e Lino e
Pereira, (2019) sobre os multiletramentos na produção audiovisual em escolas. Outros autores
serão referenciados ao longo da pesquisa.
Esta pesquisa se justifica por seu ineditismo, e pela possibilidade de pensar a educação
escolar indígena dentro de suas especificidades. O estímulo aos multiletramentos e à
aprendizagem colaborativa propiciados pelas oficinas de cinema de animação são algumas das
vantagens de uma proposta do gênero, sendo a pesquisa uma forma de avaliar os resultados
dessa proposta quando na prática. Por fim, além das oficinas como ação pedagógica, visamos a
elaboração por meio delas de conteúdo audiovisual em língua Krahô, que servirá
posteriormente como material didático-pedagógico para a própria comunidade escolar.

1
A pesquisa tem previsão de duração de dois anos, de agosto de 2021 a agosto de 2023.
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Membros da Escola Indígena 19 de Abril, localizada na Aldeia Manoel Alves Pequeno, próximo ao município
de Goiatins, no Estado do Tocantins.

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2. METODOLOGIA

A metodologia adotada neste trabalho é de cunho qualitativo e exploratório; tendo


como base a pesquisa colaborativa e a pesquisa do tipo intervenção pedagógica.
Com relação à pesquisa colaborativa, podemos afirmar que é um tipo de investigação
na qual o pesquisador, junto aos docentes, desenvolve uma atividade que é ao mesmo tempo
de pesquisa e de formação; e na medida em que ambos se aliam para construir um
conhecimento partilhado, acabam por entrar em um processo de aperfeiçoamento
(DESGAGNÉ, 2007).
Já a pesquisa do tipo intervenção pedagógica, proposta por Damiani e colaboradores a
partir da Teoria Histórico-Cultural da Atividade, pode ser entendida como o tipo de pesquisa:

[...] que envolve o planejamento e a implementação de interferências


(mudanças, inovações pedagógicas) – destinadas a produzir avanços,
melhorias, nos processos de aprendizagem dos sujeitos que delas participam
– e a posterior avaliação dos efeitos dessas interferências [...] e que pode
contribuir para a produção de conhecimento pedagógico e levar à diminuição
da distância entre a prática educacional e a produção acadêmica ( Damiani
et al, 2013, p. 58).

Amparada nesses métodos, nossa pesquisa busca, ao realizar as referidas oficinas,


sugerir estratégias pedagógicas contemporâneas para a educação escolar indígena, e ao mesmo
tempo investigar os impactos e influências que elas podem trazer, através de descrição
minuciosa de suas etapas e processos.

3. ANÁLISES E RESULTADOS PARCIAIS DA PESQUISA

Por meio de três visitas técnicas realizadas até o momento à Aldeia Manoel Alves
Pequeno3, foi possível definir estratégias de ação com alunos e professores da escola local
quanto às oficinas, e desenvolvê-las na prática, adaptando e reformulando-as conforme os
desafios foram se apresentando.
Na primeira delas, nos atemos a apresentar o projeto às lideranças locais, diretora da
escola e aos professores; e depois de aprovados por estes, aos alunos.
Na segunda visita definimos as etapas das oficinas, assim como seus participantes. A
ideia era escolher uma narrativa tradicional Krahô para ser traduzida em linguagem animada, o
que demandaria agentes para atuar como ilustradores, dubladores dos personagens e
narrador(a). Juntamente à diretora da escola Taís Pôcuhtô Krahô, nossa principal colaboradora,
optamos por uma história de ninar singela e muito conhecida entre os Krahô, e que já havia sido
3
A primeira visita foi feita entre os dias 1 e 3 de dezembro de 2021. A segunda entre entre 16 e 18 de março de
2022, e a terceira de 11 a 13 de maio do mesmo ano.

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registrada em um livro4 que acabou por nos servir de base, funcionando como roteiro e
storyboard5, já que vinha acompanhado de ilustrações. A diretora, que também é professora na
escola, escolheu os alunos que iam participar do projeto.
Na terceira visita, as atividades foram postas em prática, e a primeira delas foi a
gravação dos diálogos e narração da história. Põcuhtô traduziu prontamente a narrativa do Mẽhĩ
jarkwa 6 para o Português, de maneira que pudéssemos acompanhá-la nas atividades com os
alunos. Ela mesma ficou responsável pela narração e convocou os três alunos que
representariam os animais da fábula. Estes ficaram responsáveis durante aquele primeiro dia
por buscar compreender a história em sua totalidade e por memorizar as falas de seus
respectivos personagens, atentando-se à entonação e dicção, para depois gravá-las. Até a manhã
do dia seguinte, os alunos treinaram juntos e repetidamente as falas, ora acompanhados da
diretora ou de nós pesquisadores, ora sozinhos, autorregulando o ensaio.
Na tarde do segundo dia de visita, fomos por sugestão de Põcuhtô para uma região
afastada da aldeia, próximo a uma estrada, para gravar as vozes. A justificativa para a escolha
do local foi a menor interferência de ruídos externos nas gravações, o que se provou verdadeiro.
Sentamos na areia, munidos de computador, microfone e o texto impresso para cada um dos
alunos em mão. O resultado, foram mais de quarenta áudios gravados em língua materna, num
metódico processo que se estendeu ao começo da noite; repleto de tentativas e erros, onde as
habilidades dos alunos na interpretação textual e na leitura em voz alta foram postas à prova,
aprimoradas e registradas. É preciso destacar também a constante alternância de códigos
linguísticos, na medida em que alunos e professora se comunicavam entre si em Mẽhĩ jarkwa,
e ao se reportarem a nós pesquisadores, o faziam em português.
No dia seguinte, os três alunos foram encarregados de uma nova tarefa: desenhar os
mesmos personagens que deram voz em diferentes posições, como de corpo inteiro, ou apenas
a cabeça deles de perfil. Os desenhos seriam recortados manualmente e depois utilizados em
uma animação em recorte tradicional, técnica bastante adotada nas oficinas pela praticidade; ou
em recorte digital, onde seriam digitalizados e transferidos para um programa de computador
específico.
Dispostos então sob a sombra de uma mangueira atrás da escola, e providos de material
para desenho e pintura, as crianças se entregaram ao desafio. Com o material pronto, sentamos
com Põcuhtô para escolher quais arquivos de áudio seriam utilizados na animação e quais
seriam descartados; se os desenhos seriam animados pelos alunos em uma técnica tradicional
de animação, ou por nós na técnica digital. A diretora optou pela segunda alternativa, e o
resultado pode ser visto logo abaixo.

4
O livro em questão se chama Krahô jujarẽn xà kwỳ, de 2013, organizado por Francisco Edviges Albuquerque; e
a história selecionada foi “A raposa e a rolinha”, que conta com três personagens.
5
Essencial na produção de animação, o storyboard é um roteiro desenhado em quadros, semelhante aos
quadrinhos, que serve para visualizar previamente as cenas que serão criadas em animação (VILAÇA, 2006).
6
Forma como os Krahô denominam a própria língua.

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Figura 1 - Etapas da oficina de animação. (Da esquerda para a direita: Em uma estrada vazia, alunos, diretora e
pesquisadores gravam as vozes para a animação em um computador. Depois, os alunos desenham os
personagens da história, e abaixo é possível ver alguns dos desenhos prontos. Por fim, o resultado final em
animação, feita utilizando o software Synfig.

Fonte: Compilação do autor 7.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das oficinas realizadas até o momento, pudemos constatar o envolvimento ativo
da comunidade nas atividades propostas, motivados pelo interesse, expresso nas falas dos
educadores locais e lideranças, da necessidade de novas metodologias pedagógicas alinhadas
às inovações tecnológicas; e pelos alunos, ao se engajarem com afinco no projeto. A
adaptabilidade aos desafios e a convergência de leitura e habilidades artísticas são pontos a se
destacar. Neste ano que ainda nos resta de pesquisa, esperamos apresentar em breve o resultado
final do que já foi feito para a comunidade e expandir para mais alunos da aldeia as oficinas. E
que tudo isso contribua ao mesmo tempo como método de aprendizagem, produção de material
didático e registro permanente da cultura em língua materna.
7
Montagem a partir de imagens coletadas durante as visitas técnicas e de capturas de tela. Acervo pessoal.

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REFERÊNCIAS

ABREU, Marta Virginia de Araújo Batista. Situação Sociolinguística dos Krahô de Manoel
Alves e Pedra Branca: Uma Contribuição Para a Educação Escolar. Araguaína, 2012.

ALBUQUERQUE, Francisco Edviges (Org.). Krahô Jujarẽn Xà Kwỳ. Pontes Editores.


Campinas, 2013.

ALMEIDA, Severina Alves de, ALBUQUERQUE, Francisco Edviges. Educação Bilíngue,


Bilinguismo e Interculturalidade no contexto escolar Apinayé: o professor de língua
materna em perspectiva. In: ALBUQUERQUE, Francisco Edviges (Org.). A Educação
Escolar Apinayé na perspectiva bilíngue e intercultural. Goiânia: Ed. Da PUC. Goiás, 2011.

BRASIL. Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. Ministério da


Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

DAMIANI, Magda Floriana; ROCHEFORT, Renato Siqueira; DE CASTRO, Rafael Fonseca;


DARIZ, Marion Rodrigues; PINHEIRO, Silvia Siqueira. Discutindo pesquisas do tipo
intervenção pedagógica. In: Cadernos de Educação | FaE/PPGE/UFPel . Pelotas [45] 57 –
67, maio/agosto 2013.

DESGAGNÉ, Serge. O conceito de pesquisa colaborativa: a idéia de uma aproximação


entre pesquisadores universitários e professores práticos. Revista Educação em Questão, vol.
29, núm. 15, mayo-agosto, 2007, pp. 7-35. Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Natal, Brasil.

LINO, Viviane Peres de Jesus Lino; PEREIRA, Josias. Produção de Vídeo na Escola:
Práticas de Multiletramentos no Processo de Ensino-Aprendizagem. Revista Trama, Vol.
15. N. 35. 2019. p. 25-36

MAGALHÃES, Marcos. Cartilha Anima Escola, Técnicas de animação para professores e


alunos. IDEIA | Rio de Janeiro, 2a edição. 2015.

VIEIRA, Tatiana Cubeiros. O Potencial Educacional do Cinema de Animação: Três


experiências em sala de aula. Campinas, 2008.

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