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OS DESDOBRAMENTOS DA GUARDA DE FILHOS DE INCAPAZES

DENTRO DO ORDENAMENTO JURÍDICO

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Autor2

RESUMO: O presente artigo fala sobre a guarda em geral e seus


desdobramentos, sobre como ficou a guarda de filhos de pessoas deficiências
sob o regime jurídico das incapacidades dentro do ordenamento jurídico
brasileiro, passando pelas profundas e polêmicas mudanças sofridas após a
CDPD-Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e alterações
importantes no Código Civil pelo EPD- Estatuto da Pessoa com Deficiência.
Foi feita uma pesquisa crítica e bibliográfica das alterações mais
representativas que resultou na apresentação de discussões sobre a citada lei,
foram feitas importantes alterações normativas, políticas e jurídicas no âmbito
nacional e internacional. Quanto a guarda de filhos de pessoas com deficiência,
concluiu-se, trata-se de garantia dos direitos dos filhos, fazendo-se todo o
possível para a proteção e inclusão social dos filhos, da pessoa com deficiência
e seus filhos, apesar de haver controvérsia em alguns temas, principalmente
com relação à capacidade civil das mesmas, ainda assim, é considerado um
grande avanço, mas os casos controversos deverão ser analisados um a um,
com sua particularidade.

INTRODUÇÃO

Este artigo tem o objetivo de discutir desdobramentos que se deram ao


longo dos anos na questão de pessoas com deficiências, sejam físicas ou
mentais, provisórias ou permanentes, especificamente sobre questões relativas

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- formação acadêmica – e-mail:
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- formação acadêmica – e-mail:

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à guarda de filhos de pessoas incapazes sob à luz da Lei 13.146/2015(Lei do
Estatuto da Pessoa com Deficiência).

Nesse artigo, a Lei 13.146/2015(Lei do Estatuto da Pessoa com


Deficiência), tem o objetivo de inclusão social  é entendida como a participação
ativa nos vários grupos de convivência social e a “deficiência”, como qualquer
perda ou anormalidade de uma estrutura ou função corporal (ORGANIZAÇÃO
PAN-AMERICANA..., 2003), incluindo a função psicológica. Serão abordados
alguns setores, instrumentos de inclusão social de forma mais ampla, propondo
e analisando questões relativas às pessoas com deficiências, citaremos alguns
conceitos, com diferentes abordagens, destacando autores no sentido de
reflexão sob a perspectiva da dimensão social, política e humana, abordada
nesse artigo.

O estudo aborda o tema, focalizando-se em algumas implicações com


relação ao que está posto hoje na Lei 13.405/15, para tanto, vamos passar
pelos institutos existentes no ordenamento jurídico brasileiro, com relação a
guarda em geral, tratados na CRFB/88, na Lei 10.406/02 (Código Civil), na
Lei 8.069/90 (ECA–Estatuto da Criança e do Adolescente) e em especial às
mudanças trazidas pelo advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência
(Lei 13.146/15) e do Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15).

Além disso pretendeu-se discutir possibilidades e desdobramentos dos


direitos das pessoas portadores de alguma deficiência física ou mental e os
seus direitos em relação a quem poderá exercer atos da vida civil, nesse
aspecto, pretendeu-se compreender a possibilidade do exercício de guarda da
pessoa com deficiência de acordo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência
promulgado em 2015, abordando conceitos como deficiência e guarda,
analisando o princípio do melhor interesse da criança e o direito de convivência
familiar dos pais e dos filhos.

PALAVRAS CHAVE: Guarda, Estatuto; Deficiência; Regime das


Incapacidades; Tomada de decisão apoiada.

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1- DEFINIÇÃO DE GUARDA

A guarda é o exercício de amparo e proteção por parte dos genitores


da criança e do adolescente ou de tutores e curadores para o caso de adultos
com algum tipo de deficiência física ou mental e os idosos que necessitam de
auxílio para praticar os atos da vida civil, com zelo, proteção e custódia.

Lauria (2002, p.62) conceitua a guarda como sendo “um conjunto de


direitos e deveres que uma pessoa ou casal exerce em relação à criança ou
adolescente, consubstanciado no cuidado pessoal, moral, educacional, bem
como diversão e cuidados para com a saúde, consistindo na mais ampla
assistência à sua formação”.

Segundo Strenger (1998, p.31) a guarda de filhos menores ou de


pessoas com deficiência física ou mental é "o poder-dever submetido a um
regime jurídico-legal, de modo a facultar a quem de direito, prerrogativas para
o exercício da proteção e amparo daquele que a lei considerar nessa
condição".

Já para Casabona (2006, p.103) é o "conjunto de direitos e


obrigações que se estabelece entre um menor e seu guardião, visando seu
desenvolvimento pessoal e integração social".

Com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de


1988, considerada a constituição cidadã, marco de proteção, surgiu para o
ordenamento jurídico brasileiro com o contexto familiar como ideia de
proteção integral do menor em vários setores de desenvolvimento e em várias
diretrizes, citado no Art. 227, caput, art. 227, § 3, VI e no incentivo à guarda e
adoção, sempre fundamentado no princípio do melhor interesse da criança,
da proteção integral e da dignidade humana, dentre outros.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado


assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com
absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.

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§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os
seguintes aspectos:

VI - Estímulo do Poder Público, através de


assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios,
nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de
guarda, de criança ou adolescente órfão ou
abandonado.

Para tanto no art. 203, § IV, CF/88, o Poder Público daria estímulos
através de incentivos fiscais ou subsídios, no sentido de incentivar o
acolhimento sob forma de guarda de menores e adolescentes órfãos ou
abandonados:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem


dela necessitar, independentemente de contribuição
à seguridade social, e tem por objetivos:

IV - a habilitação e reabilitação das pessoas


portadoras de deficiência e a promoção de sua
integração à vida comunitária.

Esse incentivo do 203, CF/88, foi ratificado pelo ECA, em seu Art.34
da Lei 8.069/90, como uma forma de guarda, passaram então a ser
considerados como sujeitos de direito, não mais apenas como subordinados a
um poder familiar, colocando-os como titulares.

Art. 34. O poder público estimulará, por meio de


assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, o
acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou
adolescente afastado do convívio familiar.

Segundo Andrade (2016) não há no ordenamento jurídico brasileiro


atual, nenhuma lei que resguarde o direto personalíssimo do menor incapaz,
este instituto não é regulamentado, limitando-se como atributo do poder dos
pais, citado no CC/2002, no Título I, Subtítulo I, do Livro IV, Capítulo IX, que
teve os Art. 1.583 e 1.584 alterados pela Lei 11.698/08 (Lei da Guarda
Compartilhada), tendo também atenção especial no ECA (Lei 8.069/90) nos
artigos 33 a 35.

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No que diz respeito aos relativamente incapazes, houve modificações
importantes. A deficiência mental hoje, não mais é tratada como causa de
Incapacidades para os atos da vida civil, é considerado plenamente capaz e
segundo parte da doutrina, será considerado relativamente incapaz de acordo
com o art. 4o, III, do CC, só excepcionalmente, como por exemplo, a situação
de um deficiente viciado em tóxicos.

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos


ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei
nº 13.146, de 2015).
I – Os maiores de dezesseis e menores de dezoito
anos;
II (Revogado);
III (Revogado);
II – Os ébrios habituais e os viciados em tóxico;
(Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015);
III - aqueles que, por causa transitória ou
permanente, não puderem exprimir sua vontade;
(Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015);
IV – Os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será
regulada por legislação especial. (Vide Lei nº
13.146, de 2015).

E através do Estatuto, podemos observar que não há mais que se falar


em ação de interdição absoluta no nosso sistema civil, haja vista, as pessoas
com deficiência, passam a ser em regra, plenamente capazes para os atos da
vida civil, o que visa a sua plena inclusão social, em prol de sua dignidade.

2– HISTÓRICO DA PROTEÇÃO À PESSOA COM DEFICIENCIA NO


BRASIL

Antes no Brasil, as pessoas portadoras de deficiências físicas ou


mentais não eram consideradas como ser de direito sendo afastados do
convívio social, por medo, preconceito e desinformação. A capacidade civil
dessas pessoas era negada, a personalidade jurídica desconsiderada, seus
bens esbulhados, sua vontade e autonomia desvalorizadas.

A partir da Constituição Federal de 1988, surge uma importante


conquista nesse sentido com a aprovação do Decreto n. 5.296, de 02 de
dezembro de 2004, em toda sua extensão, regulamentando leis de 2000, que
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dariam prioridade de atendimento a pessoas com deficiência ou mobilidade
reduzida, promovendo a acessibilidade das mesmas. Esse Decreto trouxe o
entendimento de "pessoa com deficiência" na perspectiva adotada pela
Organização Mundial de Saúde, mencionada na Classificação Internacional de
Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF, 2003).

Uma segunda etapa no sentido de proteção se dá através de tratados e


convenções direcionadas para a tutela de específicos grupos como o de
mulheres, crianças, índios, negros e os dos deficientes para ampliar a garantia
dos direitos e garantias fundamentais baseado sempre no princípio da
dignidade da pessoa humana.

Foi sancionado em 6 de julho de 2015, a Lei 13.146/2015, a Lei


Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência), pensada para a inclusão das pessoas com deficiência, ratificado
pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho
de 2008, que aprovou o texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas
com Deficiência e de seu Protocolo Facultativo, assinados em Nova Iorque, em
30 de março de 2007.

O Estatuto da Pessoa Com Deficiência – Lei 13.146/2015, sancionado


em 6 de julho de 2015, trouxe algumas alterações em vários campos do direito,
principalmente no Código Civil de 2002, no que diz respeito capacidade plena
do deficiente físico ou mental.
Art. 1º É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência), destinada a assegurar e a promover,
em condições de igualdade, o exercício dos
direitos e das liberdades fundamentais por pessoa
com deficiência, visando à sua inclusão social e
cidadania.

A ONU-Organização das Nações Unidas, declarou a importância da


CDPD-Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência 3, assinada em
30 de março de 2007 na cidade de Nova York e promulgada pelo Brasil no dia
3
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: Protocolo Facultativo à Convenção
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: Decreto Legislativo nº 186, de 09 de julho de 2008:
Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009: Declaração Universal dos Direitos Humanos.

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25 de agosto de 2009 através do Decreto nº 6.949, com o intuito de garantir
uma proteção especial e também para salvaguardar uma participação na vida
em sociedade.

A CDPD-Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência,


determinou a deficiência como um impedimento ou limitação duradoura de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, para que pudessem interagir
em todas as áreas, do convívio social, sem obstáculos, desta forma foi
proposto aos Estados signatários a diminuição das então barreiras sociais e
institucionais.

A CDPD, vem em seu art. 12 assegura que as pessoas com


deficiência, pode, gozar de sua capacidade legal nos diversos aspectos da
vida, com igualdade aos demais na possibilidade de possuir e herdar bens, de
poder controlar suas financias e poder tomar medidas que visem proteger a
destruição arbitrária dos seus bens.

Muito embora a Lei 13.146/2015 tenha trazido algumas inovações no


sentido de garantir a proteção do portador de deficiência, revogou alguns
dispositivos do Código Civil muito importantes de maneira a protegê-lo.

A nova lei revogou expressamente todos os incisos do artigo 3º do


Código Civil que tratavam do absolutamente incapaz, considerando apenas o
menor de 16 anos, como absolutamente incapaz para a prática dos atos da
vida civil. No entanto, essa mudança é lesiva a aqueles que necessitam de
representação e não somente da mera assistência.

O Estatuto revogou também o inciso I do artigo 1.548 do Código Civil,


antes era nulo o casamento contraído pelo enfermo mental sem o necessário
discernimento para os atos da vida civil, agora os portadores de necessidades
especiais só não podem contrair matrimônio se houver pessoa menor de 16
anos e o art. 1550 inciso I do Código Civil antes era anulável o casamento nos
seguintes casos, I - de quem não completou a idade mínima para casar; II - do menor
em idade núbil, quando não autorizado por seu representante legal; III - por vício da
vontade.

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A Lei nº 13.146/15, em seu artigo 144, revogou expressamente o inciso
II do art. 3º e o inciso I do art. 1.548 , ambos do Código Civil , e introduz
parágrafo 2º, ao artigo 1.550 do...apresentar-se-á, doravante, apenas relativa,
diante da inclusão do revogado inciso III do art. 3º , CC , como novo inciso
acrescentado ao art. 4º do mesmo Código Civil .

O Estatuto reduziu a curatela aos atos de natureza patrimonial e


negocial, permitindo à pessoa com deficiência aderir ao processo de tomada de
decisão apoiada. Além disso, a Lei não considera mais pessoas como
absolutamente capazes quando forem maiores de idade.

Dento do ordenamento jurídico brasileiro, a curatela é um instituto que


visa a proteção daqueles que são considerados juridicamente incapazes, com
o seu fundamento legal previsto nos artigos 1.767 a 1783 do Código Civil, pelo
qual buscou-se garantir a pessoa considerada incapaz a total proteção jurídica,
tudo sob o cuidado, amparo e proteção de um curador, que pode ser
considerado de maneira transitória ou permanente e caberá ao curador a tarefa
de representar, ou assistir o curatelado na prática dos atos da vida civil em
geral, ante a hipótese de sua parcial ou total incapacidade de exercê-la por si
só.

Por fim, uma alteração de grande repercussão trazida pelo novo


instituto em seu artigo 76, diz respeito aos direitos das pessoas com
deficiência, de exercerem seus direitos políticos, podendo votar e ainda se
candidatar para o exercício de funções públicas.
Art. 76. O poder público deve garantir à
pessoa com deficiência todos os direitos políticos e
a oportunidade de exercê-los em igualdade de
condições com as demais pessoas.
§ 1º À pessoa com deficiência será assegurado o
direito de votar e de ser votada, inclusive por meio
das seguintes ações:
II - Incentivo à pessoa com deficiência a candidatar-
se e a desempenhar quaisquer funções públicas em
todos os níveis de governo, inclusive por meio do
uso de novas tecnologias assistivas, quando
apropriado;
IV - Garantia do livre exercício do direito ao voto e,
para tanto, sempre que necessário e a seu pedido,
permissão para que a pessoa com deficiência seja
auxiliada na votação por pessoa de sua escolha.

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O art. 203, &IV, CF, cita assistência ao deficiente, mas realmente só
se fizeram entender realmente com a promulgação do Estatuto da Pessoa
com Deficiência.

Após a promulgação da mesma, as crianças e os adolescentes,


passaram a ser considerados como sujeitos de direito, não mais sendo
considerados apenas como subordinados a um poder familiar, colocando-os
como titulares do direito.

É relevante notar que a guarda e a tutela em geral veem antes da


decisão da adoção. A tutela e a curatela, são medidas que visam a proteção
do patrimônio do interessado, mas a principal alteração no ECA se deu com
relação a curatela.

O Estatuto reduziu a curatela aos atos de natureza patrimonial e


negocial, permitindo à pessoa com deficiência aderir ao processo de tomada
de decisão apoiada. Além disso, a Lei não considera mais pessoas como
absolutamente capazes quando forem maiores de idade.

Ainda sobre a curatela, é necessário comprovar, no caso concreto


(quando a pessoa está sofrendo alguma espécie de limitação), que o
interessado efetivamente não possui grau de discernimento suficiente para
gerir os atos da vida civil e que há necessidade da medida para a garantia dos
seus interesses e ressalta-se que será somente para os atos que envolvam
direitos patrimoniais e negociais, não alcançando direitos pessoais, onde a
pessoa com deficiência está livre para contrair matrimônio, pois a submissão à
curatela restringe-se àqueles dois aspectos.

Anteriormente ao Estatuto da Pessoa com Deficiência, o Código Civil


Brasileiro em seu artigo 3º falava que eram considerados absolutamente
incapazes os menores de dezesseis anos; os que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento; e os que, mesmo
por causa transitória, não puderem exprimir a sua vontade.

Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer


pessoalmente os atos da vida civil:
I – Os menores de dezesseis anos;
II – Os que, por enfermidade ou deficiência mental,
não tiverem o necessário discernimento para a
prática desses atos;

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III – Os que, mesmo por causa transitória, não
puderem exprimir sua vontade.

Com o Estatuto foi revogado todos os incisos do art. 3º do Código


Civil, ficando assim a redação:

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer


pessoalmente os atos da vida civil os menores de
16 (dezesseis) anos.
I – (Revogado);
II – (Revogado);
III – (Revogado).

Muito embora a Lei 13.146/2015 tenha trazido algumas inovações no


sentido de garantir a proteção do portador de deficiência, revogou alguns
dispositivos do Código Civil muito importantes e embora sejam bem-
intencionadas tais mudanças, estas exigem notável cautela para que os
próprios protegidos não sejam prejudicados.

A nova lei revogou expressamente todos os incisos do artigo 3º do


Código Civil que tratavam do absolutamente incapaz, considerando apenas o
menor de 16 anos, como absolutamente incapaz para a prática dos atos da
vida civil. No entanto, essa mudança é lesiva a aqueles que necessitam de
representação e não somente da mera assistência.

O Estatuto revogou também o inciso I do artigo 1.548 do Código Civil


que diz que é nulo o casamento contraído pelo enfermo mental sem o
necessário discernimento para os atos da vida civil e do art. 1550 , inciso I do
Código Civil, o artigo 144 da recente Lei nº 13.146, de 06.07.29015, revoga
expressamente o inciso II do art. 3º e o inciso I do art. 1.548 , ambos do
Código Civil , e introduz parágrafo 2º, ao artigo 1.550 do...apresentar-se-á,
doravante, apenas relativa, diante da inclusão do revogado inciso III do art. 3º,
CC , como novo inciso acrescentado ao art. 4º do mesmo Código Civil, já que
são considerados pelo Estatuto, poderá os portadores de necessidades
especiais constituir família através de casamento ou união estável.

Destaca-se a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com


Deficiência e o respectivo Protocolo Facultativo, assinados pelo Brasil em
2007. Aprovada pela 61ª Assembleia Geral da ONU, em dezembro de 2006,

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está alicerçada no modelo social de interpretação da deficiência, ressaltando
as limitações funcionais impostas pelo ambiente físico e social mais do que as
condições individuais. Suas disposições abrangem os direitos sociais,
econômicos e culturais, direitos civis e políticos assinalando peculiaridades em
seu exercício por pessoas com deficiência. Em 25 de agosto de 2009, pelo
Decreto n. 6.949, o governo brasileiro promulgou tal Convenção que entende
deficiência como "um processo em evolução e resulta da interação entre
pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que
impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em
igualdade de oportunidades com as demais pessoas".

Tal Declaração de acordo com a Declaração Universal dos Direitos


Humanos, de 1948, com a Declaração dos Direitos da Pessoa com
Deficiência, de 1975, o Programa de Ação Mundial para Pessoas com
Deficiência, de 1982, dentre outros documentos internacionais, recomenda
explicitamente que sejam eliminados os obstáculos estruturais, técnicos e
atitudinais restritivos em atividades culturais, recreativas e desportivas, na
melhoria dos acessos a ambientes culturais, desportivos e turísticos.

Além dos documentos internacionais relativos aos direitos do homem,


uma segunda etapa de proteção da pessoa, através dos tratados e
convenções direcionadas para a tutela de específicos grupos como o de
mulheres, crianças, índios, negros e os dos deficientes. Seguindo também
este posicionamento, as constituições dos então estados ocidentais moveram-
se no sentido de também promoverem uma proteção mais perceptível à
pessoa, amplificando assim o registro dos direitos e garantias fundamentais,
que em sua maior parte encontra-se premido no princípio da dignidade da
pessoa humana. Devido a urgência dos direitos da personalidade as
consequências desta onda protetiva culminam no direito privado.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência trouxe também o instituto


chamado “tomada de decisão apoiada”, é um procedimento onde a pessoa
com deficiência escolhe duas pessoas de sua confiança, para ajudar na
tomada de decisão sobre atos variados da vida civil, benefício dado aqueles
que conseguem se expressar ou que tenham o desenvolvimento mental
reduzido.
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A tomada de decisão apoiada passou a existir no ordenamento
jurídico brasileiro em 2016, com a vigência do Estatuto da Pessoa com
Deficiência, art. 1.783-A do Código Civil.

Art. 1.783-A. A tomada de decisão apoiada é o


processo pelo qual a pessoa com deficiência elege
pelo menos 2 (duas) pessoas idôneas, com as
quais mantenha vínculos e que gozem de sua
confiança, para prestar-lhe apoio na tomada de
decisão sobre atos da vida civil, fornecendo-lhes os
elementos e informações necessários para que
possa exercer sua capacidade. (Incluído pela Lei nº
13.146, de 2015) (Vigência).

§ 2º O pedido de tomada de decisão apoiada será


requerido pela pessoa a ser apoiada, com indicação
expressa das pessoas aptas a prestarem o apoio
previsto no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº
13.146, de 2015) (Vigência)

O objetivo é garantir a autonomia e a capacidade plena da pessoa


com deficiência, é indicada nos casos em que a pessoa com deficiência
possua capacidade de discernimento e manifestação de vontade mas possui
alguma dificuldade para conduzir sozinha determinados atos da vida civil, o
próprio interessado deve ingressar com pedido judicial indicando no mínimo
duas pessoas de sua confiança para serem suas apoiadoras na tomada de
decisões para os atos da vida civil, conforme art. 1.783-A, §2º, do Código Civil
e indicar as limitações e o prazo de vigência no acordo de apoio ou solicitar o
término do acordo firmado no qual os apoiadores prestarão compromisso de
respeito à vontade, direitos e interesses da pessoa que devem apoiar.

A pessoa apoiada será considerada plenamente capaz e os


apoiadores devem fornecer informações e meios necessários para suprir as
vulnerabilidades do apoiado nos atos da vida civil e deverão cumprir suas
funções dentro dos limites estipulados no termo de acordo que será
acompanhado pelo juiz, assistido por equipe multidisciplinar.

Caso haja divergência entre apoiadores e apoiado, caberá ao juiz


decidir a questão e se os apoiadores assumirem compromissos patrimoniais
estará obrigado a prestação de contas.

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O Estatuto, em seu art. 6o, afirma que a deficiência não afeta a plena
capacidade civil de uma pessoa.

Art. 6o. A deficiência não afeta a plena capacidade


civil da pessoa, inclusive para:
I – Casar-se e constituir união estável;
II – Exercer direitos sexuais e reprodutivos;
III – exercer o direito de decidir sobre o número de
filhos e de ter acesso a informações adequadas
sobre reprodução e planejamento familiar;
IV – Conservar sua fertilidade, sendo vedada a
esterilização compulsória;
V – Exercer o direito à família e à convivência
familiar e comunitária; e
VI – Exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e
à adoção, como adotante ou adotando, em
igualdade de oportunidades com as demais
pessoas.

Essas alterações através do Estatuto trouxeram várias consequências


em diferentes searas do Direito Civil, dentre as quais destaca-se o não
reconhecimento de ato jurídico praticado pela pessoa com deficiência como
passível de nulidade. Outra consequência é que agora os prazos prescricional
e decadencial passam a fluir normalmente contra os deficientes, eis que não
mais considerados absolutamente incapazes.

Sendo assim, se antes do advento do Estatuto da Pessoa com


Deficiência, tanto os menores de dezesseis anos quanto os deficientes que
não tinham discernimento para a prática dos atos civis e os impossibilitados
de exprimir sua vontade eram beneficiados com o impedimento ou a
suspensão do curso do prazo prescricional, a partir da edição da Lei nº
13.146/2015, e seguindo uma interpretação literal das normas do Código
Civil, somente os menores impúberes é que estariam contemplados com a
regra protetiva do art. 198, I, do aludido Código, já que os demais deixaram
de compor o rol de seu art. 3º.

A questão, todavia, é bastante complexa, e por isso demanda uma


análise mais cuidadosa.

Essas consequências são muito criticadas e pode ser vista como


malefícios às pessoas tuteladas no Estatuto, discute-se também a

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possibilidade de submeter a pessoa com deficiência a uma curatela, mesmo
não a considerando incapaz conforme o artigo 84, §2o do Estatuto traz uma
nova forma de manifestação de vontade, a figura da tomada de decisão
apoiada.

Art. 84. A pessoa com deficiência tem assegurado o


direito ao exercício de sua capacidade legal em
igualdade de
condições com as demais pessoas.

§ 2º É facultado à pessoa com deficiência a adoção


de processo de tomada de decisão apoiada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Situações inclusivas, contemplando a diversidade da condição


humana são construídas no dia a dia das relações interpessoais, sociais e
políticas e tendem a reduzir os perversos efeitos das situações
discriminatórias, preconceituosas, excludentes a que qualquer pessoa, com
deficiência ou não, está exposta na vida social.

Importante não se esquecer de que "a humanidade específica do


homem e sua socialidade estão inextrincavelmente entrelaçadas" (Berger e
Luckmann, 1999, p. 73).

Foi feita uma análise crítica e bibliográfica, que resultou na


apresentação de discussões sobre a citada lei, importantes alterações
normativas, políticas e jurídicas no âmbito nacional e internacional. Na
construção e consolidação dos mecanismos que tratam da guarda de filhos
de pessoas com deficiência, destacaram-se valores e atitudes e concluiu-se
que trata-se de garantia dos direitos dos filhos, fazendo-se todo o possível
para a proteção e inclusão social da pessoa com deficiência, apesar de haver
controvérsia em alguns temas, principalmente com relação à capacidade civil
das mesmas.

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REFERÊNCIAS

ANDRADE, Lívia Dias. Abordagens no Código Civil, Estatuto da Criança


e do Adolescente e no Estatuto da Pessoa com Deficiência, 2016.
LINK:<https://livandrade.jusbrasil.com.br/artigos/377176388/guarda-tutela-
e-curatela>. Acessado em: jan/21

BERGER, P.; LUCKMANN, T. A construção social da realidade: tratado


de sociologia do conhecimento. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.

CASABONA, Marcial Barreto. Guarda compartilhada. São Paulo: Quartier


Latin, 2006.

DECRETO Nº 6.949 DE 25 DE AGOSTO DE 2009. LINK:


<https://www.planalto.gov.br/ccivil_3/2002/L10406compilada.htm.> Acessado
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HELTON, Thiago.O que é e como funciona o instrumento de tomada de


decisão apoiada. LINK: <https://www.aurum.com.br/blog/tomada-de-
decisao-apoiada/> Acessado em: jan/21

LAURIA, Flávio Guimarães. A Regulamentação de Visitas e o Princípio


do Melhor Interesse da Criança. Rio de Janeiro : Editora Lumen Juris,
2002.

LEI Nº 10.406 DE 10 DE JANEIRO DE 2002. LINK:


<https://www.planalto.gov.br/ccivil_3/2002/L10406compilada.htm>. Acessado
em: jan/21.

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Publicado por Flávia Teixeira Ortega,


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