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DIREITOS AFRICANOS:

Conceitos Jurídicos e
Delimitação do Objecto
de Estudo

Amílcar Mário QUINTA (2017)


marquinta@yahoo.com
Plano da Apresentação
 Parte I: Conceitos Jurídicos e Delimitação
do Objecto de Estudo
 Definição do conceito de direito
consuetudinário;
 Elementos do direito consuetudinário;
 Características do direito consuetudinário;
 Natureza do direito consuetudinário;
 Autonomia científica dos Direitos Africanos;
 Delimitação do objecto de estudo dos
Direitos Africanos;
 Metodologia.
Conceito de direito consuetudinário
 Antecedentes:

 Heterogeneidade de sistemas
normativos da vida social;

 Anterioridade da ordem normativa


consuetudinária;

 Positivação do costume.
Conceito de direito consuetudinário
 Antecedentes:
 Ausência de uma definição unânime
de Direito Consuetudinário;
Existência de uma variedade de
denominações do Direito
Consuetudinário:
 Direito tradicional;
 Direito indígena;
 Direito informal.
Conceito de direito consuetudinário (II)
 Direito consuetudinário:
 «Conjunto de normas que resultam de uma prática
geral, constante e prolongada concernente à uma
determinada relação de facto e observada com a
convicção de que é juridicamente obrigatória.» Luis
Alberto Padilla.
 «Conjunto de faculdades e normas objectivas que
ordenam a existência colectiva e quotidiana de um
povo, a partir de sua própria filsosofia, para alcançar
uma convivência harmoniosa no seio da sociedade;
se diferencia dos demais pelo seu carácter objectivo
e humano, sustentando o seu conteúdo nos direitos
específicos de cada povo.» Débora Dorotinsky.
Conceito de direito consuetudinário (II)
 Direito consuetudinário:
 «Conjunto de normas de tipo tradicional, não escritas
nem codificadas, juridicamente obrigatórias, distintas
do direito positivo vigente em um determinado país,
ou, em termos mais gerais, o conjunto de regras,
normas, acções e costumes que formam parte do
controlo social de um grupo.» Flávio Rojas Lima.
 «Conjunto de normas costumeiras de tipo tradicional,
cujo número é equivalente ao número de tribos
existentes no Botswana e que têm suas próprias leis
resultantes daquilo que os povos fazem e aquilo que
acreditam e aceitam ser obrigatório para si.» Caso
Sekale v. Ministério da Saúde (Botswana, 2006).
Conceito de direito consuetudinário (III)
 Direito consuetudinário:
 «Os costumes e usos tradicionalmente
observados entre os povos índigenas africanos
da África do Sul e que formam parte integrante
da cultura destes povos.» Lei sobre o
Reconhecimento de Casamentos Tradicionais
(África do Sul, 1998).
 «O direito consuetudinário de [uma dada] tribo
ou comunidade, contanto que não seja
incompatível com as disposições de qualquer lei
escrita ou contrária à moralidade, humanidade
ou justiça natural.» Lei sobre o Direito
Consuetudinário (Botswana, 1969).
Elementos do direito
consuetudinário
 Elemento objectivo: Usus;

 Elemento subjectivo: Opinio juris;

 Elemento normativo: Modalidades


convencionais de aplicação do costume:

 Elemento imperativo: opinio necessitatis.


Características do direito
consuetudinário
 Assenta em fundamentos
antropológicos;
 É para a sociedade o que a lei é para o
Estado;
 É oral;
 É dinâmico;
 Tem aplicabilidade local;
 É, no contexto africano, um sistema
jurídico pré-colonial.
Características do direito
consuetudinário (II)
 Tem autonomia em relação ao direito
estadual;
 Tem autonomia em relação aos sistemas de
justiça estadual;
 Ausência de elementos processuais
complexos;
 Ausência, em regra, de um aparelho
administrativo encarregue da sua criação e
aplicação;
 É um mecanismo de resolução de litígios;
 É conciliador e consensual.
Características do direito
consuetudinário (III)
 «O estatuto jurídico do direito consuetudinário não pode
depender apenas do facto de ele ter sido aplicado de modo
consistente no passado porquanto este é um requisito que
qualquer novo desenvolvimento puderá não satisfazer. Assim, o
desenvolvimento requer algum abandono de práticas do
passado. Por conseguinte, uma regra que exija uma
concordância absoluta com uma prática passada para que um
tribunal possa reconhecer a existência de uma norma
consuetudinária, impossibilitará o reconhecimento de novos
desenvolvimentos havidos ao nível do direito consuetudinário.
Isto resultará na aplicação, pelos tribunais, de normas que as
próprias comunidades já nem sequer sigam, o que impedirá o
reconhecimento de novas normas adoptadas pelas
comunidades em resposta às mudanças eventualmente
ocorridas na sociedade sul-africana.»
Juiz Van Der Westhuizen no Caso Shilubana v. Nwamitwa (Tribunal
Constitucional da África do Sul, 2008)
Características do direito
consuetudinário (IV)
 «[S]empre que se trate do direito
consuetudinário, deve ser feito todo o
esforço no sentido de se evitar a
tendência de interpretar os conceitos do
direito consuetudinário à luz de
conceitos do common law ou de
conceitos estranhos ao direito
consuetudinário.»
Juiz Ngcobo J. no Caso Bhe and Others v.
Khayelitsha Magistrate and Others (Tribunal
Constitucional da África do Sul, 2004)
Características do direito
consuetudinário (V)
 «[A]s normas costumeiras que regem as
sociedades negras do nosso continente,
no caso, as que configuram carácter
coercitivo, logo, de cumprimento
obrigatório por todos os cidadãos das
comunidades, formam o DIREITO que é
oral e tem por base a tradição
conservada e transmitida pelos anciãos
das tribos ao longo dos tempos.»
Chicoadão
Características do direito
consuetudinário (VI)
 «Somente por abstração podemos caracterizar,
genericamente, o “Direito Tradicional” como sendo
um todo unificado ou uniforme. Neste caso, estamos
no fundo a referir-nos a uma categoria, a um tipo
que é construído a partir da conceptualização, i.e.,
da generalização das diversas realidades de
exercício do poder legítimo a partir dos diversos
sistemas jurídicos que em comum apresentam o
facto de se caracterizarem como sistemas de base
consuetudinária, ainda que cada um deles possua,
interprete e viva, à sua maneira, as suas próprias
tradições, usos e costumes.»
Carlos Feijó
Natureza do direito
consuetudinário
É eminentemente social;

Visa a reconcialiação e a harmonia


no seio da comunidade;

Está assente no consenso.


Delimitação do objecto de
estudo dos Direitos Africanos
 Na falta de homogeneidade dos Direitos
Africanos, ressaltam questões seguintes:
 Direitos consuetudinários;
 Sistemas jurídicos herdados do colonialismo;
 Direitos contemporâneos dos Estados
africanos;
 Autoridades tradicionais;
 Administração da justiça;
 Relação entre os direitos consuetudinários e
o direitos estaduais.
Metodologia
 Os Direitos Africanos exigem uma abordagem
inclusiva do conceito de «direito»;
 O seu estudo requer um enquadramento
interdisciplinar;

 Eles são um elemento de identidade étnica e


cultural de cada povo, comunidade ou Estado
africano;
 Nesse sentido, é importante o estudo de
casos concretos.
Autonomia científica dos
Direitos Africanos
 É ainda incipiente o estudo dos Direitos
Africanos;
 Os Direitos Africanos ainda são
desconhecidos pela generalidade dos
juristas;
 O seu estudo não se esgota na análise
comparativa do direito positivo vigente nos
Estados africanos;
 É ingente uma sistematização dos Direitos
Africanos.
DIREITOS AFRICANOS:

Teoria Geral

Amílcar Mário QUINTA (2017)


marquinta@yahoo.com
Plano da Apresentação
 Parte II: Teoria Geral dos Direitos
Africanos
 Origens e princípios comuns;
 Fontes de Direito;
 O costume como fonte de Direitos Africanos;
 A relação entre o direito consuetudinário e o
direito estadual;
 As ordens jurídicas plurais africanas: Da
necessidade do reposicionamento
dogmático das fontes de Direito.
Origens e Princípios Comuns
 Direitos Africanos:
 Direitos lusófonos;
 Common law (britânica);
 Direitos francófonos;
 Direito muçulmano (Sharia);
 Direitos consuetudinários.
 Redefinição do conceito de Direito;
 Coexistência de ordens normativas;
 Interpenetração mútua das ordens normativas;
 Os Direitos estaduais africanos não são meras
“transferências” dos Direitos estaduais europeus.
Fontes de Direito
 Revisitando as fontes de Direito:
 A importância do conceito de fontes de
Direito:
 Fontes como meio de pesquisa jurídica;
 Fontes como meio de aferição de
vinculatividade;
 Existência de uma pluralidade de fontes de
direito:
 Lei;
 Costume;
 Jurisprudência.
Fontes de Direito
 Costume: artigo 348.º do CC.
…«1. Àquele que invocar direito consuetudinário, local ou
estrangeiro, compete fazer a prova da sua existência e
conteúdo; mas o tribunal deve procurar, oficiosamente,
obter o respectivo conhecimento.
…2. O conhecimento oficioso incumbe também ao tribunal,
sempre que este tenha de decidir com base no direito
consuetudinário, local ou estrangeiro, e nenhuma das
partes o tenha invocado, ou a parte contrária tenha
reconhecido a sua existência e conteúdo e não haja
deduzido oposição.
…3. Na impossibilidade de determinar o conteúdo do
direito aplicável, o tribunal reconhecerá às regras do
direito [angolano].»
Fontes de Direito
 Figuras afins ao costume:
 Hábito
 Prática individual constante;
 Ausência de generalidade;
 Ausência de juridicidade.
 Uso;
 Prática individual constante;
 Dotado de alguma generalidade;
 Ausência de juridicidade;
 A sua violação é socialmente tolerada.
 Hábitos e usos podem converter-se em costume.
Fontes de Direito
 Classificação dos costumes:
 Âmbito territorial
 Internacionais;
 Nacionais;
 Regionais;
 Locais;
 Institucionais.
 Tipo de normas consuetudinárias
Internacional Constitucional Administrativo

Penal Civil Outros


Fontes de Direito
 Classificação dos costumes:
 Relação com a lei
 Secundum legem;
 Praeter legem;
 Contra legem.
 Pode a lei ser qualificada tendo com
referência o costume?
 Esta distinção é apenas útil do ponto de
vista de decisão dos tribunais estatais;
 O valor normativo do costume é autónomo
da lei.
Fontes de Direito
…«Nem sempre a opção pelo costume
contra a lei, ou pela lei contra o costume,
tem de consistir num “braço-de-ferro”
desenvolvido no terreno da luta social ou
política, à margem do direito.
[…]
…O Direito possui critérios para, na maioria
dos casos, habilitar os juristas em geral –
e os tribunais em especial – a proceder
pacificamente a uma tal opção.»
Freitas do Amaral
Fontes de Direito
 Costume V. Sanção:
 A coacção não é essencial ao Direito;
 Coercibilidade não é um elemento essencial
do costume;
 O costume africano incorpora uma
coercibilidade mística:
 Maldição dos antepassados, Deus(es),
forças sobrenaturais e da comunidade;
 Estes efeitos se estendem à família da
pessoa do agente e sua geração.
 O objectivo da sanção visa sobretudo
restaurar o equilíbrio social.
Fontes de Direito
 A relação entre costume e lei
 Existência do costume é anterior a lei;
 Costume goza de autonomia;
 Reconhecimento legal do costume tem efeitos
declarativos;
 O Caso do costume contra legem:
 Corrente positivista: nulidade do
costume;
 Corrente pluralista: a lei não tem poderes
para declarar a nulidade do costume;
 Costume e lei têm dignidade autónoma.
Fontes de Direito
 Costume V. Constituição:

 Analisar o Art. 7.º da CRA

...«É reconhecida a validade e a força


jurídica do costume que não seja
contrário à Constituição nem atente
contra a dignidade da pessoa
humana.»
PRÓXIMA AULA
 Parte III: Pluralismo Jurídico
 Introdução dos Direitos Europeus em
África;
 Características do pluralismo jurídico;
 O pluralismo jurídico em Angola;
 Os sistemas tradicionais de justiça;
 As autoridades tradicionais.
Bibliografia
 BARATA, José Fernando Nunes (2003) «A África e o Direito.» Disponível em
<https://portal.oa.pt/upl/%7B2b19b3b5-959c-4852-9753-c038b31039e4%7D.pdf>. Acesso em: 15 set., 2017.
 Chicoadão (2010), «Direito costumeiro e poder tradicional dos povos de Angola», Mayamba Editora, Luanda.
 FEIJÓ, Carlos (2012), «A coexistência normativa entre o Estado e as Autoridades tradicionais na ordem jurídica
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 FENRICH, Jeanmarie, GALIZZI, Paolo and HIGGINS Tracy E. (2011), «The Future of African Customary Law»,
Cambridge University Press, Cambridge.
 GOMES, Conceição; FUMO, Joaquim; MBILANA, Guilherme; SANTOS, Boaventura de Sousa (2003), «Os
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Transformação Social: Uma Paisagem das Justiças em Moçambique. Porto: Afrontamento, v. 2, p. 189-340.
 GUEDES, Armando Marques (2004), «O Estudo dos Direitos Africanos. Estado, Sociedade, Direito e Poder»,
Almedina, Coimbra.
 GUEDES, Armando Marques et all (2003) «Pluralismo e Legitimidade – A Edificação Jurídico Pós-colonial de
Angola», Almedina, Coimbra.
 GUEDES, Armando Marques; FEIJÓ, Carlos; FREITAS, Carlos; TINY, N’Gungu; COUTINHO, Francisco P.; FREITAS,
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 HINZ, M.O. e SINDANO, J.L. (Edts.), «Traditional Governance and African Customary Law: Comparative
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Acesso em: 15 set., 2017.
Bibliografia (II)
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consuetudinário africano», em Os Grandes Sistemas Jurídicos: 108-11, 135-146, Presença, Lisboa.
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 SANGO, André (2006), «A relação entre o direito costumeiro e o direito estatal e entre as autoridades
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