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DIREITOS AFRICANOS

Conceitos Jurídicos e Delimitação do


Objecto de Estudo

Amílcar Mário QUINTA


marquinta@yahoo.com
Plano da Apresentação
 Parte I: Conceitos Jurídicos e Delimitação
do Objecto de Estudo

 Existirão os Direitos Africanos?


 Direito Africano ou Direitos Africanos?
 Conceito de Direito Costumeiro
 Elementos característicos dos Direitos
Africanos
 Autonomia científica dos Direitos
Africanos.
Existirão os Direitos Africanos?

 Corrente Positivista

 Direito = lei

 Negação do costume

 Eurocentrismo
 Corrente Histórica/Pluralista

 Enquadramento da realidade social local.


Direito Africano ou Direitos Africanos?

 Diversidade étnico, cultural e religiosa

 Pluralidade normativa costumeira

 Pluralidade normativa religiosa e afim

 Pluralidade de normativa positiva

 Período colonial

 Período pós-independência.
Direito Africano ou Direitos Africanos? (2)

 Direitos Africanos Costume


 Direito Costumeiro
 Direito Positivo (pré e pós-colonial)
 Anglo-saxónico
 Continental/romano-germânico
 Romano-holandês
 Direito Islâmico
 Direito Internacional Africano.
Conceito de direito costumeiro
 Antecedentes:

 Heterogeneidade de sistemas
normativos da vida social

 Anterioridade da ordem normativa


consuetudinária

 Desafios da positivação do
costume.
Conceito de direito costumeiro
 Antecedentes:
 Ausência de uma definição unânime
de Direito Costumeiro
 Existência de uma variedade de
denominações do Direito
Costumeiro:
 Direito Tradicional
 Direito Indígena
 Direito Informal.
Conceito de Direito Costumeiro (II)
 Direito Costumeiro:
 «Os costumes e usos tradicionalmente
observados entre os povos índigenas africanos
da África do Sul e que formam parte integrante
da cultura destes povos.» Lei sobre o
Reconhecimento de Casamentos Tradicionais
(África do Sul, 1998)
 «O direito costumeiro de [uma dada] tribo ou
comunidade, contanto que não seja
incompatível com as disposições de qualquer lei
escrita ou contrária à moralidade, humanidade
ou justiça natural.» Lei sobre o Direito
costumeiro (Botswana, 1969).
Elementos do Direito Costumeiro

 Elemento objectivo: Usus

 Elemento subjectivo: Opinio juris

 Elemento normativo: Modalidades


convencionais de aplicação do costume

 Elemento imperativo: opinio necessitatis.


Fundamento do Direito Costumeiro
 Antiguidade:
 Ancestralidade
 Sacralidade

 Consentimento da população:
 Expresso ou tácito
 Conveniência social
 Hierarquização social
o O papel dos Mais Velhos

 Racionalidade/Entendimento:
 Adaptabilidade ao contexto social
 Equilíbrio social
 Interesse social.
Características do Direito Costumeiro

 Tem fundamentos antropológicos


 É para a sociedade o que a lei é
para o Estado
 Oralidade
 Informalidade
 Dinâmico
 Aplicabilidade local
 É pré-colonial (África).
Características do Direito Costumeiro (II)

 Autonomia v. direito estadual


 Autonomia v. justiça estadual
 Ausência de elementos processuais
complexos
 Ausência de um aparelho
administrativo encarregue da sua
criação e aplicação
 Mecanismo de solução de litígios
 É conciliador e consensual.
Características do Direito Costumeiro (III)

 «O estatuto jurídico do direito costumeiro não pode depender


apenas do facto de ele ter sido aplicado de modo consistente
no passado porquanto este é um requisito que qualquer novo
desenvolvimento poderá não satisfazer. Assim, o
desenvolvimento requer algum abandono de práticas do
passado. Por conseguinte, uma regra que exija uma
concordância absoluta com uma prática passada para que um
tribunal possa reconhecer a existência de uma norma
consuetudinária, impossibilitará o reconhecimento de novos
desenvolvimentos havidos ao nível do direito costumeiro. Isto
resultará na aplicação, pelos tribunais, de normas que as
próprias comunidades já nem sequer sigam, o que impedirá o
reconhecimento de novas normas adoptadas pelas
comunidades em resposta às mudanças eventualmente
ocorridas na sociedade sul-africana.»
Juiz Van Der Westhuizen no Caso Shilubana v. Nwamitwa (Tribunal
Constitucional da África do Sul, 2008)
Características do Direito Costumeiro (IV)

 «[S]empre que se trate do direito


costumeiro, deve ser feito todo o esforço
no sentido de se evitar a tendência de
interpretar os conceitos do
direito costumeiro à luz de
conceitos do common law ou de
conceitos estranhos ao direito
costumeiro.»
Juiz Ngcobo J. no Caso Bhe and Others v.
Khayelitsha Magistrate and Others (Tribunal
Constitucional da África do Sul, 2004)
Características do Direito Costumeiro (V)

 «[A]s normas costumeiras que regem as


sociedades negras do nosso continente,
no caso, as que configuram carácter
coercitivo, logo, de cumprimento
obrigatório por todos os cidadãos das
comunidades, formam o DIREITO que é
oral e tem por base a tradição
conservada e transmitida pelos anciãos
das tribos ao longo dos tempos.»
Chicoadão
Características do Direito Costumeiro (VI)
 «Somente por abstração podemos caracterizar,
genericamente, o “Direito Tradicional” como
sendo um todo unificado ou uniforme. Neste
caso, estamos, no fundo, a referir-nos a uma
categoria, a um tipo que é construído a partir da
conceptualização, i.e., da generalização das
diversas realidades de exercício do poder
legítimo a partir dos diversos sistemas jurídicos
que em comum apresentam o facto de se
caracterizarem como sistemas de base
consuetudinária, ainda que cada um deles
possua, interprete e viva, à sua maneira, as suas
próprias tradições, usos e costumes.»
Carlos Feijó
Natureza do Direito Costumeiro

 É eminentemente social

 Visa a reconcialiação e a harmonia


no seio da comunidade

 Está assente no consenso.


Delimitação do Objecto de
Estudo dos Direitos Africanos
 Na falta de homogeneidade dos Direitos
Africanos, destaca-se o seguinte:
 Direitos costumeiros
 Sistemas jurídicos herdados do colonialismo
 Direitos contemporâneos dos Estados
africanos
 Autoridades tradicionais
 Administração da justiça tradicional
 Sistemas normativos de base religiosa e afins
 Direito Internacional Africano
 Relação entre os direitos costumeiros e
os direitos estaduais.
Metodologia
 Os Direitos Africanos exigem uma abordagem
inclusiva do conceito de «direito»
 O seu estudo requer um enquadramento
interdisciplinar

 Eles são um elemento de identidade étnica e


cultural de cada povo, comunidade ou Estado
africano
 É importante o estudo de casos concretos.
Autonomia Científica dos
Direitos Africanos
 É ainda incipiente o estudo dos Direitos
Africanos
 Os Direitos Africanos ainda são
desconhecidos pela generalidade dos
juristas
 O seu estudo não se esgota na análise
comparativa do direito positivo vigente nos
Estados africanos
 É ingente uma sistematização dos Direitos
Africanos.
DIREITOS AFRICANOS

Teoria Geral

Amílcar Mário QUINTA


marquinta@yahoo.com
Plano da Apresentação
 Parte II: Teoria Geral dos Direitos
Africanos
 Origens e princípios comuns
 Fontes de Direito
 O costume como fonte de Direitos Africanos
 A relação entre o direito costumeiro e o
direito estadual
 As ordens jurídicas plurais africanas: Da
necessidade do reposicionamento
dogmático das fontes de Direito.
Origens e Princípios Comuns
 Direitos Africanos:
 Direitos lusófonos
 Common law (britânica)
 Direitos francófonos
 Direito muçulmano (Sharia)
 Direitos costumeiros
 Redefinição do conceito de Direito
 Coexistência de ordens normativas
 Interpenetração mútua das ordens normativas
 Os Direitos estaduais africanos não são meras
“transferências” dos Direitos estaduais europeus.
Fontes de Direito
 Revisitando as fontes de Direito:
 A importância do conceito de fontes de
Direito:
 Fontes como meio de pesquisa jurídica
 Fontes como meio de aferição de
vinculatividade
 Existência de uma pluralidade de fontes de
direito:
 Lei
 Costume
 Jurisprudência.
Fontes de Direito
 Costume: artigo 348.º do CC.
«1. Àquele que invocar direito costumeiro, local ou
estrangeiro, compete fazer a prova da sua existência e
conteúdo; mas o tribunal deve procurar, oficiosamente,
obter o respectivo conhecimento.
…2. O conhecimento oficioso incumbe também ao tribunal,
sempre que este tenha de decidir com base no direito
costumeiro, local ou estrangeiro, e nenhuma das partes
o tenha invocado, ou a parte contrária tenha
reconhecido a sua existência e conteúdo e não haja
deduzido oposição.
…3. Na impossibilidade de determinar o conteúdo do
direito aplicável, o tribunal reconhecerá às regras do
direito [angolano].»
Fontes de Direito
 Figuras afins ao costume:
 Hábito
 Prática individual constante
 Ausência de generalidade
 Ausência de juridicidade
 Uso
 Prática individual constante
 Dotado de alguma generalidade
 Ausência de juridicidade
 A sua violação é socialmente tolerada
 Hábitos e usos podem converter-se em costume.
Fontes de Direito
 Classificação do costume:
 Âmbito territorial
 Internacional
 Nacional
 Regional
 Local
 Institucional
 Tipo de normas consuetudinárias
Internacional Constitucional Administrativo

Penal Civil Outros


Fontes de Direito
 Classificação do costume:
 Relação com a lei
 Secundum legem
 Praeter legem
 Contra legem
 Pode a lei ser qualificada tendo com
referência o costume?
 Esta distinção é apenas útil do ponto de
vista de decisão dos tribunais estatais
 O valor normativo do costume é autónomo
da lei.
Fontes de Direito
«Nem sempre a opção pelo costume
contra a lei, ou pela lei contra o costume,
tem de consistir num “braço-de-ferro”
desenvolvido no terreno da luta social ou
política, à margem do direito.
[…]
O Direito possui critérios para, na maioria
dos casos, habilitar os juristas em geral –
e os tribunais em especial – a proceder
pacificamente a uma tal opção.»
Freitas do Amaral
Fontes de Direito
 Costume V. Sanção:
 Coacção não é essencial ao Direito
 Coercibilidade não é um elemento essencial
do costume
 Costume africano incorpora a
coercibilidade mística:
 Maldição de antepassados, Deus(es),
forças sobrenaturais e da comunidade
 Estes efeitos se estendem à família da
pessoa do agente e sua geração
 Objectivo da sanção visa, sobretudo,
restaurar a harmonia social.
Fontes de Direito
 Relação entre costume e lei
 Existência do costume é anterior a lei
 Costume goza de autonomia
 Reconhecimento legal do costume tem efeitos
declarativos
 Costume contra legem:
 Corrente positivista: nulidade do
costume
 Corrente pluralista/histórica: lei não
declara a nulidade do costume
 Costume e lei têm dignidade autónoma.
Fontes de Direito
 Costume v. Constituição:

 Art. 7.º da CRA (Costume)

«É reconhecida a validade e a força


jurídica do costume que não seja
contrário à Constituição nem atente
contra a dignidade da pessoa
humana.»
PRÓXIMA AULA
 Parte III: Pluralismo Jurídico
 Introdução dos Direitos Europeus em
África
 Características do pluralismo jurídico
 Pluralismo jurídico em Angola
 Sistemas tradicionais de justiça
 Autoridades tradicionais.
Bibliografia
 CHICOADÃO (2010), «Direito costumeiro e poder tradicional dos povos de Angola», Mayamba Editora, Luanda.
 FEIJÓ, Carlos (2012), «A coexistência normativa entre o Estado e as Autoridades tradicionais na ordem jurídica
plural angolana», Almedina, Coimbra.
 FENRICH, Jeanmarie, GALIZZI, Paolo and HIGGINS Tracy E. (2011), «The Future of African Customary Law»,
Cambridge University Press, Cambridge.
 GOMES, Conceição; FUMO, Joaquim; MBILANA, Guilherme; SANTOS, Boaventura de Sousa (2003), «Os
Tribunais Comunitários.» In: SANTOS, Boaventura de Sousa; TRINDADE, João Carlos (Org.). Conflito e
Transformação Social: Uma Paisagem das Justiças em Moçambique. Porto: Afrontamento, v. 2, p. 189-340.
 GUEDES, Armando Marques (2004), «O Estudo dos Direitos Africanos. Estado, Sociedade, Direito e Poder»,
Almedina, Coimbra.
 GUEDES, Armando Marques et all (2003) «Pluralismo e Legitimidade – A Edificação Jurídico Pós-colonial de
Angola», Almedina, Coimbra.
 GUEDES, Armando Marques; FEIJÓ, Carlos; FREITAS, Carlos; TINY, N’Gungu; COUTINHO, Francisco P.; FREITAS,
Raquel B.; PEREIRA, Ravi A.; FERREIRA, Ricardo do N. (2003), «Pluralismo e Legitimação. A edificação jurídica
pós-colonial em Angola», Coimbra: Almedina.
 GUERRA, José Morais (2003) «Em Defesa do Direito costumeiro Angolano», in OLIVEIRA, Ana Maria de (Coord.),
1.º Encontro sobre a Autoridade Tradicional em Angola, Ministério da Administração do Território, Editorial
Nilza, Lda., Luanda, (155-164).
 HINZ, M.O. e SINDANO, J.L. (Edts.), «Traditional Governance and African Customary Law: Comparative
Observations from a Namibian Perspective.» Conferência Estado, Direito e Pluralismo Jurídico – Perspectivas a
partir do Sul Global, organizada pelo Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Coimbra, Maio de
2007. Disponível em <http://www.kas.de/upload/auslandshomepages/namibia/HumanRights/hinz.pdf>.
Acesso em: 15 set., 2017.
 LOSANO, Mário G. (1983), «A difusão extra-europeia do Direito codificado» e «O direito costumeiro africano»,
em Os Grandes Sistemas Jurídicos: 108-11, 135-146, Presença, Lisboa.
Bibliografia (II)
 MENESES, Maria Paula (2003) «O Moderno e o Tradicional no Campo das Justiças: Desafios Conceptuais a Partir
de Experiências Africanas, in SANTOS, Boaventura de Sousa e MENESES, Maria Paula, FUMO, Joaquim, MBILANA,
Guilherme e GOMES, Conceição, «As Autoridades Tradicionais no Contexto do Pluralismo Jurídico», in SANTOS,
Boaventura de Sousa e TRINDADE, João Carlos (org.), Conflito e Transformação Social: Uma Paisagem das Justiças
em Moçambique, 2.º volume, Porto, Edições Afrontamento, (341-425).
 MENSAH-BROWN, A. Kodwo (1976), «Introduction to Law in Contemporary Africa.» Nova York: Conch Magazine
Limited Publishers.
 MENSKY, Werner (2006), «Comparative law in a global context: The legal systems of Asia and Africa.» Cambridge:
Cambridge University Press.
 NETO, Conceição (2004), «Respeitar o passado – e não regressar ao passado.» In: MINISTÉRIO DA
ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO (Org.). Encontro Nacional sobre a Autoridade Tradicional em Angola,1. Luanda:
Ed. Nzila, p. 177-186.
 NTAMPAKA, Charles (2005), «Introduction aux systèmes juridiques africains.» Namur: Press Universitaires de
Namur.
 PACHECO, Fernando (2012), «A terra no contexto da reconstrução e da democratização em Angola.» In: SANTOS,
Boaventura de Sousa; VAN DÚNEN, José Octávio S. (Org.). Luanda e justiça: pluralismo jurídico numa sociedade em
transformação. Coimbra: Almedina, p. 463-496, 2012.
 SANGO, André (2006), «A relação entre o direito costumeiro e o direito estatal e entre as autoridades tradicionais
e o estado.» In: HEINZ, Manfred (Org.). The Shade of New Leaves: Governance in Traditional Authority – a
Southern African Perspective. Berlim: Lit Verlag, p. 121-132.
 RAÚL, David (1997) «Da justiça tradicional nos Umbundos.» INALD: Luanda.
 SANTOS, Boaventura; VAN-DÚNEM, José Octávio (2012) «Sociedade e Estado em Construção: Desafios do
Direito e da democracia em Angola», vol I, II, III. Editora Almedina.
 WOLKMER, Antonio Carlos (2006) Pluralismo jurídico, direitos humanos e interculturalidade. Seqüência: Estudos
Jurídicos e Políticos, [S.l.], p. 113-128, jan. Disponível em
https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15095 . Acesso em: 15 Abril, 2023.
DIREITOS AFRICANOS

Conceitos Jurídicos e Delimitação do


Objecto de Estudo

Amílcar Mário QUINTA


marquinta@yahoo.com

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