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A história da profissão professor em Portugal é dividida em sete diferentes

partes: A educação pelas ordens religiosas desde a fundação do reino de Portugal; As


reformas Pombalinas de 1759 e 1772; Início do séc. XIX com as Escolas Normais; A
criação em Lisboa da Escola Normal Primária de Marvila em 1862; A reforma de
Jaime Moniz em 1894-95 (aplicada somente em 1901/02); O Estado Novo; e A
revolução de Abril, nas décadas de 70 e 80.
Como podemos perceber, estas sete fases da evolução da profissão serão
claramente influenciadas pelas alterações de políticas e mudanças de conceito de
sociedade. No entanto não podemos descorar as influências contrárias – as dos
professores na sociedade - que embora na sua maioria fosse em surdina, foram
importantes para a evolução da profissão e do seu estatuto. Tal como na evolução das
necessidades técnicas e profissionais, que a mesma sociedade foi solicitando aos
cidadãos funcionários/trabalhadores/operários.
“El ofício de maestro se ha ido configurando historicamente en el juego
interactivo entre las prácticas en que se ha materializado el ejercicio de la
profesión y las atribuciones que le han conferido a esta una identidade y la han
socializado en el imaginario colectivo. Porque, en efecto, el oficio de enseñante —
tal como lo conocemos — constituye una tradición inventada en buena medida por
los propios actores que lo representan y por las imágenes de identidad que há
creado la misma sociedad que lo reconoce y legitima”
Escolano (1999, p.26).
O ensino, e por sua vez a profissão de professor, encontraram-se divididos em
duas formas diferentes de docência: a dos Mestres de profissões técnicas e a dos
Mestres religiosos. Esta ultima durou até às reformas Pombalinas de 1759 e 1772. Até
estes momentos de mudança, as Letras, a Aritmética, Teologia, as Artes, Direito
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Romano, Cânones e a Medicina eram ensinadas quase exclusivamente dentro dos
mosteiros Beneditinos e Jesuítas, por Mestres formados dentro das próprias Ordens e
com uma grande carga ideológica religiosa. Este tipo de ensino estendia-se à corte e
somente a alguns nobres do género masculino. Neste contexto, é de registar o
“primeiro professor de leigos”, formado numa escola patrocinada pelo Bispo de Braga
durante o séc. XIII.
A outra forma de ensino, a do mestre e aprendiz, prolongou-se até aos meados
do século XVII, onde se iniciou a formação e ensino das mesmas profissões nas
Escolas Régias Pombalinas que mais tarde converter-se-iam em Liceus (1836), na
reforma de Passos Manuel. É também durante as reformas Pombalinas que se iniciam
as provas para se poder exercer a profissão de professores primários (1759) como
funcionário público e para mestres e professores régios (1772).
“11- Fora das sobreditas Classes não poderá ninguém ensinar, nem pública
nem particularmente, sem aprovação, e licença do Director dos Estudos. O qual,
para lha conceder, fará primeiro examinar o Pretendente por dois Professores
Régios (…) e com aprovação destes lhe concederá a dita licença: sendo Pessoa, na
qual concorram cumulativamente os requisitos de bons, e provados costumes, e de
ciência, e prudência (…) Todos os ditos Professores gozarão dos Privilégios de
Nobres.”
(Alvará de criação da Directoria Geral dos estudos, de 28 de Junho de 1759, pp 6-7)
A formação de professores primários inicia-se somente em 1862 com o
aparecimento das Escolas Normais de Lisboa. Uma destas, a escola de Marvila,
exclusivamente para o género masculino, funcionava em regime de internato, onde
para além do ensino da agricultura eram ministradas aulas de pedagogia com o intuito
de profissionalizar a carreira de docente. Os professores saídos de Marvila tinham um
perfil claramente definido, oscilando entre vocação e sacerdócio.
O curso prestado nesta escola tinha uma duração de dois anos e era constituída
pelos seguintes temas: 1º ano- Leitura e recitação; Escrita; Princípios elementares de
gramática; Conhecimento da língua portuguesa; Redacção; Aritmética; Sistema legal
de pesos e medidas; Geografia geral; Geografia de Portugal e suas possessões; Noções
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de história universal; História Pátria; Doutrina Cristã, moral e história sagrada;
Desenho linear; Pedagogia prática; Legislação e administração do ensino; Educação
física e Preceitos higiénicos. No 2º ano acrescentava-se as temáticas: História natural;
Filosofia; Teologia; Escrituração Mercantil e Agrícola; Funções oficiais do professor
primário; Francês e Canto. (Leite, 1892, pp 28-29 in Pintassilgo, J. et al, “A formação
dos Professores em Portugal”, pp 13-14)
Para além desta vasta e abrangente formação, tinham um horário muito
preenchido com diversas atividades. Horário esse baseado nos seminários diocesanos
da época.
Horas Actividade
6:30 Oração na Capela
7:00 Aulas de Gramática/ Canto ou estudo.
8:15 Almoço
9:00- 15:00 Aulas na escola Normal ou na escola Anexa
15:15 Jantar e Oração
16:00 – 18:00 Sala de Leitura
18:30- 21:30 Exercícios práticos
21:300 Ceia e Oração
22:00 Deitar
22:30 Silêncio
Era reservado o Domingo para o estudo.
( Livro de registo de ordens da direcção 1864-1865, pp 4-5 in Mogarro, 2006)
Os professores dos Liceus eram recrutados nos dois sistemas de ensino. Nas
disciplinas técnicas contratavam-se através de concursos de prova pública, os mestres
das profissões, e para as disciplinas eruditas os professores das escolas régias e
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“professores idóneos” da escola normal. Este sistema manteve-se até ao início do séc.
XX.
Na Reforma de 1901 ( aplicação da reforma de Jaime Moniz) reitera-se a
necessidade de formação específica e a necessidade de diploma conseguido nas
instituições específicas. Os professores liceais passam a ter formação superior
nomeadamente nos Magistérios Secundários.
Nos primeiros anos do séc. XX, existiram seis escolas Normais (duas por
cidade, Lisboa, Coimbra e Porto) e dezassete Magistérios Primários (um por cada
capital de distrito menos Santarém). Esta quantidade de escolas formou um elevado
número de professores diplomados. Formaram-se mais professores do que as
necessidades existentes, levando-os ao desemprego ou a empregarem-se em
actividades
fora da área do ensino.
No período seguinte à implantação da República, os professores foram
considerados como agentes da nova filosofia do Homem Novo. A defesa do homem
culto, laico e democrático foi um novo desafio para os professores tanto na sua
formação como nos seus ensinamentos. É aqui, Decreto de 29 de Março de 1911, que
se tenta pela primeira vez, a valorização e dignificação socioecónomica da profissão de
professor, aumentando os seus salários, fixando-os entre os 15. e os 25 escudos. Antes
deste decreto os professores eram pagos consoante o local onde leccionavam, e
raramente ultrapassavam os 7 escudos mensais. A mudança de política produziu
grandes mudanças de comportamento no corpo docente e de conteúdos
programáticos
em todas as escolas legalmente instituídas na reforma de 1916.
A utilização da profissão docente para a afirmação cultural da República, a
imagem do professor como o exemplo de virtudes cívicas e da retórica pedagogista,
com tendências escolanovistas, encobriam a dimensão marcadamente ideológica,
política e funcional-administrativa que passou a ser exigida à profissão a partir da
publicação do Decreto nº 236, de 22 de Novembro de 1913. Por este decreto, todos os
funcionários dependentes do Ministério da Instrução Pública eram obrigados a assinar
uma declaração de fidelidade à Pátria, à República e à Constituição. Acentuava-se
deste modo a funcionalização do professorado e a sua disponibilização formal para
apoiar a afirmação do novo regime político.
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Em 1916 aparecem, ligadas às Universidades de Lisboa e Porto, as Escolas
Normais Superiores para formação de Professores para os Liceus. Em 1918 é
inaugurada a Escola Superior de Educação de Lisboa. É também nesta altura que as
Ciências da Educação são, não só reconhecidas, como valorizadoras para o curriculum
de um professor, e consequentemente inseridas na sua formação O acesso à carreira é
feito através de um Exame de Estado.
Nesta época o país encontra-se outra vez com excesso de Professores Primários
diplomados, o Governo decide ampliar a rede escolar e realizar um exame de admissão
mais exigente. Acentua-se a necessidade dos conhecimentos científicos do professores
serem aprofundados com o surgimento de novas profissões ligadas à estrutura
industrial e mecânica. São introduzidas na formação as disciplinas de Psicologia,
Pedagogia, História da Educação em Portugal e Legislação.
Estas mudanças estruturais vão dar um estatuto social e económico
elevado aos professores da época. O professor é um membro importante na sociedade
portuguesa e figura fulcral no desenvolvimento económico, social e político na
localidade onde lecciona.
Na década de 20 dá-se uma mudança politica e os ideais de educação
implementados pelos republicanos vão sendo anulados e substituídos pelas ideias do
Estado Novo. O estatuto do professor mantem-se, mas altera-se a forma de ensinar e o
que ensinar. Nas palavras de Salazar, a escola era “a sagrada oficina das almas” das
crianças Portuguesas e os professores deviam ser preparados para a missão de as
educar adequadamente dentro da perspectiva oficial. Fecham os magistérios primários
de matriz republicana, reabrindo somente em 1942 sob a capa oficial de “Deus, Pátria
e
Família.
É durante o Estado Novo que o estatuto do professor como funcionário público
é tido como referência para os restantes funcionários do estado. O prestígio que a
profissão tinha entre as populações concedia-lhes o estatuto de “arauto da verdadeira
escola portuguesa”, católica, nacionalista e um exemplo a seguir em termos de conduta
social.
Apesar do estatuto, os docentes eram constantemente escrutinados pelos
inspectores (podiam visitar a sala de aula em qualquer momento), pelas famílias e
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comunidades. A aparência e vestuário de um professor encontravam-se legislados e
normalizados. As professoras tinham de solicitar por escrito, ao seu superior,
permissão
para casar, não o podendo fazer com alguém de um estrato social inferior (económico e
intelectual).
Até meados dos anos 60 do séc. XX, a actividade do professor tinha como
referência o modelo do "Bom Professor". Este exercia uma função social
transcendente, era um verdadeiro modelo moral e político, não apenas porque era
tomado como um cidadão exemplar, mas também porque era visto como um
“sacerdote” ao serviço do saber. A sua vida confundia-se com a sua missão. Ser
professor era a manifestação de uma vocação ou missão transcendente, não o
exercício
de uma profissão.
Com a revolução a 25 de Abril de 1974 acontecem acentuadas modificações na
profissão e no seu estatuto. Os debates sobre a educação eram vastos e com várias
teorias Em cinco anos existiram quatro reestruturações curriculares e quatro planos de
estudos. Mudam-se disciplinas na formação dos professores, saneiam-se professores
por ligações ao regime anterior, e começa a não existir professores suficientes para as
necessidades do estado. A convulsão política “destrói” parte do rigor na educação. O
professor passa a ser um profissional revolucionário, atento e percutor do “real social”.
A imagem anterior do professor foi destruída. A sua acção estendia-se contudo
para além da esfera ideológica, exercia-se também no terreno da selecção social, onde
escudando-se em critérios neutros faziam uma sistemática eliminação dos alunos
oriundos das classes populares, sobretudo à medida que os mesmos frequentavam os
níveis de ensino que se afastavam da escolaridade obrigatória. Embora com um
aumento da remuneração (1978), a classe sentiu-se, então mais do que nunca,
descontente. Percebeu que havia perdido o seu estatuto social de excepção. Ao mesmo
tempo inicia-se a profissionalização de professores em serviço.
A imagem do professor no princípio dos anos oitenta era tudo menos altruísta,
ou descomprometida com estratégias de poder. Pelo contrário, os professores
respiravam envolvimento político. As Ciências da Educação não tardaram em descobrir
as lutas internas que percorriam as escolas, onde os ganhos de uns significam perda
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para outros. Administram-se os primeiros cursos superiores para Educadores de
Infância (1983)
É neste contexto turbulento que emerge um novo discurso sobre os professores,
onde estes são encarados acima de tudo como profissionais empenhados na defesa do
profissionalismo da sua classe. No seguimento desta necessidade de uma carreira
profissional estruturada que aparece a Lei de Bases do Sistema Educativo ( LBSE) a
14 de Outubro de 1986. Esta vem definir todos os parâmetros que regem o sistema
educativo português (com alterações ao longo do tempo) e o acesso à carreira
profissional dos Educadores de Infância, Professores do 1º, 2º e 3º ciclo e Secundário e
Professores do Ensino Superior. O Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e
dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 139-
A/90, de 28 de abril vem definir as dimensões da carreira docente (até aos dias de hoje
foi rectificada onze vezes).
A história do professor universitário Português segue a mesma linha de
mudanças politicas que os restantes, no entanto são o que tem uma história mais
antiga.
A primeira universidade Portuguesa “nasce” em Lisboa a 1290, transferindo-se entre
Lisboa e Coimbra cinco vezes, no período de 160 anos. Fixou-se nesta última em 1537.
Até esta data o corpo docente era reduzido e quase exclusivamente vindo do clero.
Quase nenhum professor vindo do estrangeiro por lá passou até essa data. Em 1559 é
fundada a Universidade de Évora que é entregue ao cuidado dos Jesuítas. A abertura
aos professores laicos acontece no fim do período Barroco, com a formação das
Academias. Com a construção das Escolas Normais, Magistérios Primários e
Secundários, aparece uma nova linha de professores universitários laicos, de matriz
humanista, e vindos da sociedade civil burguesa. Na alteração para o Estado Novo
alguns destes professores foram saneados, presos e entram na carreira os primeiros
“aspirantes” políticos e seguidores do regime. Em 1974 e 1975 as Universidades são
tomadas pelas revoluções ideológicas e há uma quase total renovação do corpo
docente
universitário, maioria com pouca preparação científica. Até 1978 as regras para
lecionar numa Universidade eram aleatórias, pouco definidas em termos científicos,
prejudicando gravemente a qualidade e por arrastamento os diplomados
universitários.
(há registos de uma grande percentagem de alunos em algumas universidades ter
transitado de ano por passagem administrativa)
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Com a LBSE, a carreira docente universitária passa a ter normas e o acesso há
docência configura-se mais rigoroso e credível. Em 1979 aparece a primeira
universidade privada, Universidade Livre, que durante alguns anos foi confrontada com
a falta de rigor académico por parte do seu corpo docente o que levaria ao seu
encerramento.

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