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As reformas do Código Penal introduzidas pela Lei Nº 11.

106, de 28 de
março de 2005

1) Introdução

Como é cediço, o nosso Código Penal é datado de 1940, época de outros conceitos e
costumes. Em razão disso, muitas normas, contidas em seu bojo, perderam de certa
forma a eficácia, pois se tornaram obsoletas frente à modernidade.

Visando ajustar alguns pontos destoantes entre o Código e a atual realidade brasileira, o
Congresso Nacional está, lentamente, reformando alguns aspectos importantes da área
penal.

Recentemente (17 de junho de 2004) foi sancionada, pelo Presidente da República Luiz
Inácio Lula Da Silva, a Lei nº 10.886, que tipificou o crime de violência doméstica no
Código Penal, prevendo, para estes casos, penas de seis meses a um ano para o agressor.

Neste diapasão, foi aprovada e sancionada a Lei nº 11.106, de 28 de março de 2005,


proveniente do Projeto de Lei (PL 117/03), de autoria da deputada Iara Bernardi (PT-
SP), a qual inclusive foi autora do projeto do crime de violência doméstica, citado
acima, e do crime de assédio sexual, incluído no Código Penal em 2001, pelo então
Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Nosso foco nesse singelo artigo é a Lei 11.106/05, que revogou seis artigos do Código
Penal Brasileiro: 217, 219, 220, 221, 222 e 240. Além de acrescentar mais um (231-A) e
dois incisos (IV e V, do parágrafo 1º, do art. 148).

Revogou, ainda, três incisos (VII e VIII, do art. 107 e III do caput do art. 226), e um
parágrafo (§ 3º, do art. 231), bem como alterou a redação de três “caput” (215, 216 e
231), três incisos (I do § 1º do art. 148 e I e II do caput do art. 226) e três parágrafos
(único do art. 216, 1º do art. 217 e 2º do art. 231).

Iremos, de forma breve e sucinta, comentar essas alterações, que certamente enquadra a
lei aos valores culturais em vigência atualmente.

2) Seqüestro ou Cárcere Privado

O primeiro artigo modificado pela lei foi o que trata de seqüestro ou cárcere privado -
art. 148 do Código Penal. O caput do referido artigo não sofreu alterações, houve
modificações no rol das figuras qualificadas, trazidas pelo parágrafo 1º.

Antes de 28 de março de 2005 existiam apenas três formas de qualificação do crime de


seqüestro e cárcere privado, são elas:
Se a vítima é ascendente, descendente ou cônjuge do agente ou maior de 60 anos;

Se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;

Se há privação de liberdade dura mais de 15 dias.

Com o advento dessa lei o rol dos crimes qualificados aumentou, passando a somar
cinco. Ademais, o legislador ordinário achou por bem alterar a redação da primeira
forma qualificada, acrescentando o substantivo companheiro ao lado de cônjuge.

Tal alteração veio a calhar, pois, mesmo com a realidade da matéria introduzida pelo
Poder Constituinte Originário, quando da Constituição da República de 1988, e pelo
Legislador Ordinário, quando da promulgação do novo Código Civil, não se podia
qualificar a conduta do crime de seqüestro e cárcere privado se a vítima era apenas
companheira do agressor.

Com a modificação, o legislador imputa como crime qualificado fato certo e


previamente definido, não havendo mais interpretações ao redor da matéria.

Assim, temos as seguintes figuras qualificadas do crime do art. 148, do Código Penal.

Se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de


60 (sessenta) anos;

Se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;

Se há privação de liberdade dura mais de 15 dias;

Se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;

Se o crime é praticado com fins libidinosos.

Percebam que o legislador aumentou o rol das pessoas do inciso primeiro, e acrescentou
mais dois incisos. Agora, se houver seqüestro simples ou cárcere privado contra menor
de 18 anos ou praticado com fins sexuais a pena é de 2 a 5 anos.

Lembre-se que não se pode estender, no inciso I, o grau de parentesco para madrasta,
padrasto, pois não há previsão legal. O filho adotivo também é discutível, alguns
entendem que pode, em razão do art. 227, § 6º da Constituição. Outros entendem que
não. Ao nosso ver, não há mais que se fazer classificações entre filhos; todos, tanto o de
sangue como o adotado, são legítimos descendentes.
3) Posse Sexual Mediante Fraude

Outra modificação foi a realizada no art. 215, que tipifica o crime de posse sexual, que
possuía a seguinte redação: “Ter conjunção carnal com mulher honesta, mediante fraude
(Grifo nosso).”

Esse crime é conhecido como “estelionato sexual”, pois é o caso típico do homem,
ardiloso, que engana a vítima para que ela, somente em razão do engano, pratique atos
sexuais. Por exemplo, o sujeito que se passa por marido da vítima aproveitando o
escuro, ou o fato de serem gêmeos; o pai de santo, que leva suas vítimas à pratica sexual
em virtude de fazer acreditarem que está possuído por uma entidade.

A modificação veio tarde. Em 1940 o legislador fincou o adjetivo “honesta” ao


substantivo “mulher”, fazendo com que houvesse várias interpretações.

A partir da reforma é qualquer mulher, até mesmo a de muitos leitos. Não há mais a
horrenda discriminação que se fazia em relação às mulheres, uma vez que somente no
século XXI conseguiram amparo legal no que diz respeito aos “estelionatários sexuais”.

Frise-se que o Código Penal da década de 40 é conhecido por trazer ‘‘conceitos


negativos contra a mulher’’, como mulher honesta. Este termo é claramente
discriminatório, já que não há o conceito de ‘‘homem honesto’’.

4) Atentado Violento ao Pudor Mediante Fraude

O art. 216, do CP, que trata de atentado violento ao pudor mediante fraude também foi
modificado. A redação do caput era a seguinte: “Induzir mulher honesta, mediante
fraude, a praticar ou permitir que com ela se pratique ato libidinoso diverso da
conjunção carnal.” (Grifo nosso)

Além de melhorar a redação, o sujeito passivo passou a ser tanto o homem como a
mulher, excluindo a expressão “mulher honesta”. Em igualdade ao art. 214, do mesmo
Codex, que prevê o crime de atentado violento ao pudor.

A redação final ficou assim: “Induzir alguém, mediante fraude, a praticar ou submeter-
se à prática de ato libidinoso diverso da conjunção carnal.” (Grifo nosso)

Mais uma vez o legislador foi feliz, eis que igualou, ainda mais, a posição de homens e
mulheres. Nos dias atuais, é perfeitamente corriqueiro, quer uns queiram ou não, a
prática desse tipo de crime contra homens travestidos, sem contar outras vítimas, como
jovens.
5) Art. 226 – aumento da pena nos crimes contra a liberdade sexual e sedução e
corrupção de menores

Houve, também, mudanças no tocante ao art. 226, do CP. O referido artigo não trata de
crime qualificado, mas sim aumento da pena aos crimes contra a liberdade sexual e
sedução e corrupção de menores.

Com a lei, revogou-se o inciso III, e modificou a redação dos incisos I e II. Apesar da
modificação da redação no inciso I, não houve alteração no sentido antes fixado, haja
vista que apenas acrescentou no próprio corpo do inciso a expressão “quarta parte”.

Já em relação ao inciso II ocorreram modificações, tanto na redação, como no conteúdo.


Agora, além da pena ser aumentada pela metade, ampliou-se o rol dos sujeitos ativos,
vejamos: “...se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge,
companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro
título tenha autoridade sobre ela.”

Foram incluídos os seguintes agentes: madrasta, tio, cônjuge e companheira. E excluído


o pai adotivo. Há razões para isso. Primeiro, o rol era taxativo, não podendo abarcar por
extensão outros agentes senão aqueles previamente definidos, em respeito às mais
basilares normas (entende-se aqui princípios e regras) do Direito Penal. Em segundo
lugar, a palavra ascendente, de muito, já engloba o pai adotivo.

O inciso III, o qual, foi revogado aumentava a pena se o agente era casado. Essa regra
ficou prostrada no tempo, não mais se coaduna com os costumes do Brasil atual, muito
menos requer proteção do Direito Penal.

6) Mediação Para Satisfazer a Lascívia de Outrem.

O art. 227 também sofreu alterações. Trata de crime de mediação para satisfazer a
lascívia de outrem. O exemplo a ser dado é o seguinte: Alguém convence outra pessoa,
por induzimento, a tocar nas partes íntimas de um terceiro.

Há uma qualificação no parágrafo primeiro para esse crime. A modificação ocorreu


nessa figura qualificada, que passa a ser a seguinte: “Se a vítima é maior de 14 (catorze)
e menor de 18 (dezoito) anos, ou se o agente é seu ascendente, descendente, cônjuge ou
companheiro, irmão, tutor ou curador ou pessoa a quem esteja confiada para fins de
educação, de tratamento ou de guarda.”

A mudança foi justamente no tocante ao companheiro, pois antes só trazia a expressão


marido. Agora, sendo a vítima companheira, o crime está qualificado. Note-se que as
modificações caminham na mesma esteira, qual seja, adequar o Código a nossa
realidade, que incorporou novos conceitos e costumes. Assim, quando se fala em
cônjuge, marido, esposa, em tese, abrange também o substantivo companheiro.

7) Tráfico Internacional de Pessoas

A última alteração foi no art. 231, do CP. Este artigo tratava do tráfico de mulheres. Era
quando certas pessoas levavam mulheres para o exterior visando à prostituição. Podia
caracterizar também pela facilitação da entrada no Brasil para prostituição.

Acontece, que o crime só previa a mulher como sujeito passivo, dificultando o


enquadramento penal em relação, por exemplo, aos travestis.

Agora, esse crime passa a chamar Tráfico Internacional de Pessoas. Contendo a seguinte
redação: “Promover, intermediar ou facilitar a entrada, no território nacional, de pessoa
que venha exercer a prostituição ou a saída de pessoa para exercê-la no estrangeiro:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.”

Foi incluída a possibilidade de multa na figura qualificada do parágrafo 1º e 2º,


excluído, por óbvio, o parágrafo 3º, haja vista que este tratava de hipótese de multa, que
passou a ser perfeitamente possível.

8) Tráfico Interno de Pessoas

A lei, não obstante essas alterações, fez incluir mais um crime, tipificado no art. 331-A.
Esse artigo foi trazido à baila justamente para combater o tráfico interno de pessoas.
Agora, nós temos figura típica de tráfico internacional e nacional de pessoas. Vejamos a
redação desse novo crime: “Promover, intermediar ou facilitar, no território nacional, o
recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da pessoa
que venha exercer a prostituição: Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.
Parágrafo único. Aplica-se ao crime de que trata este artigo o disposto nos §§ 1o e 2o do
art. 231 deste Decreto-Lei."

O Capítulo V, que tem início no art. 227 e vai até o 232, passa a ser denominado: "DO
LENOCÍNIO E DO TRÁFICO DE PESSOAS".

9) As Revogações

Por fim, a lei revogou os incisos VII e VIII do art. 107, os arts. 217, 219, 220, 221, 222
e o art. 240 do Código Penal.

As possibilidades de extinção da punibilidade, trazida pelo art. 107 do Código Penal,


ficou reduzida. Com a nova lei, não mais se extingue a punibilidade pelo casamento do
agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, e nem pelo casamento da vítima
com terceiro, nos mesmos crimes, respeitadas algumas regras.

Tal medida foi calcada, entre outras coisas, em situações em que se arranjava casamento
para que o criminoso não pudesse ser punido pelo Estado. Comprava-se, no bom
português, o casamento para ganhar a liberdade.

O art. 217 já era desnecessário frente à modernidade da vida atual. Agora, se uma
mulher, independente da idade, manter conjunção carnal com um homem, por que foi
seduzida, ou torna-se uma figura atípica, ou cai, dependendo do caso, no art. 215, que é
o crime de posse sexual mediante fraude.

Os arts. 219 e 220 foram revogados, pois frente à nova forma de crime qualificado do
art. 148, parágrafo 1º, inciso V, tornou-os desnecessários, bem como as mudanças nos
costumes. Se há rapto, cerceamento de liberdade, para fins libidinoso, cai no 148, § 1º,
inciso V, que é cárcere para fins libidinosos.

Se o rapto for consensual, a figura torna-se atípica, em face de sua revogação. No


entanto, é necessário tomar cuidado, visto que pode ser que o consenso esteja viciado,
enquadrando-se, em tese, no art. 215 ou 216, do CP.

Os outros artigos (221 e 222) regulavam o rapto, então como a figura central sumiu,
revogaram-se as outras regulações a ela referente.

Por fim, cumpre observar que foi revogado o art. 240, do CP, que previa o crime de
adultério.

O crime de adultério, cuja pena variava de 15 dias a seis meses de detenção, estava em
desuso no meio jurídico.

O Direito Penal é subsidiário, ou seja, só atua quando os outros ramos do direito não
conseguirem prevenir a conduta ilícita. Desse modo, atualmente está diáfano que o
Direito Civil, por si só, regulamenta essa matéria concretamente. Não há mais risco a
paz social, como clama as balizas do Direito Penal.
 Referências Bibliográficas

BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal - Parte geral. 6. ed. São


Paulo: Saraiva, 2000.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal. 15. ed. Rio de Janeiro: Forenses,


1994.

JESUS, Damásio E. de. Direito Pena: parte geral, volume I. 23. ed. São Paulo: Saraiva,
1999.

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