Você está na página 1de 10

Artigo: A inconstitucionalidade da redução da MAIORIDADE PENAL

Dario José Kist e Angela Molin

Dario José Kist[1]


Professor de Direito/RS
Mestre em Direito
Professor no curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil de Gravataí/RS e no Centro
Universitário Unilasalle de Canoas/RS

Angela Molin[2]
Professora de Direito/RS
Professora das Disciplinas de Direito Constitucional e Direito Administrativo na Ulbra-Campus
Gravataí e Responsabilidade Civil e Estatuto da Criança e Adolescente no Centro Universitário
Unilasalle em Canoas
Doutora em Administração Educacional

O texto aborda a questão da redução da maioridade penal, iniciando por estudo histórico
deste instituto no Direito brasileiro, passando à avaliação da natureza das normas previstas
nos artigos 227 e 228 da Constituição Federal, para concluir que ali estão positivados direitos
e garantias fundamentais e que não são suscetíveis de modificação por serem cláusulas
pétreas.

Abstract

The text approaches the question of the reduction of the criminal majority, initiating for
historical study of this institute in the Brazilian Right, passing to the evaluation of the nature
of the norms foreseen in articles 227 and 228 of the Federal Constitution, to conclude that
they are positive right and basic guarantees and that are not susceptible of modification for
being stony clauses.

1. Noções introdutórias

A constatação de que adolescentes, praticam ou participam da prática de inúmeros atos


infracionais, muitos deles violentos, e também a opinião, comumente veiculada, de que a
legislação em vigor não fornece instrumentos eficazes para a prevenção e repressão destas
condutas, faz com que se cogite da instituição de diversas medidas repressivas, como a
previsão legal e aplicação de sanções mais severas aos infratores e, dentre outras, a redução
da assim chamada maioridade penal. Com efeito, a partir do triste episódio ocorrido com o
garoto João Hélio[3], no Rio de Janeiro, muito se tem discutido a respeito deste tema,
observando-se que, no geral, a redução da maioridade penal é elencada como uma das
soluções possíveis para o enfrentamento da criminalidade.

Nos termos da legislação vigente no Brasil, a maioridade penal inicia aos 18 anos de idade. É
o que decorre do artigo 228 da Constituição Federal, do artigo 27 do Código Penal e do
artigo 104, caput, da Lei no 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Com esta
norma, o legislador consagrou o princípio segundo o qual a pessoa menor de 18 anos não
possui desenvolvimento mental completo para compreender o caráter ilícito de seus atos, ou,
ainda que o compreenda, não tem condições de determinar-se de acordo com esse
entendimento. Com isso, foi adotado um critério puramente biológico, que considera
somente a idade do agente, independentemente da sua capacidade psíquica; ou seja, há
uma presunção absoluta de desenvolvimento mental incompleto, de modo que os menores
de 18 anos não estão sujeitos à sanção criminal ainda que plenamente apto a entender a
ilicitude do fato[4]. Na linguagem do Direito Penal, especificamente no campo da
culpabilidade, afirma-se que o menor de 18 anos não tem imputabilidade, que pressupõe a
compreensão do caráter ilícito do fato praticado e, por esta razão, não passível de sofrer a
imposição de sanção criminal[5].
A análise desta questão sob o prisma histórico evidencia que nem sempre foi assim na
legislação brasileira.

Com efeito, o Código Criminal do Império, de 1830, adotou o sistema do discernimento: a


maioridade penal iniciava aos 14 anos[6], de modo que os crimes praticados a partir de
então eram punidos de acordo com a legislação penal comum; contudo, caso se constatasse
que o autor da infração penal com menos de 14 anos tivesse discernimento acerca do ato
praticado, devia ser recolhido às casas de correção por tempo determinado pelo juiz, que
não podia exceder, entretanto, aos dezessete anos de idade[7].

O Código Penal Republicano, de 1890, passou a prever uma idade para a inimputabilidade
absoluta, qual seja, 09 anos completos; assim, até esta idade, presumia-se, de modo
absoluto, a inimputabilidade do menor[8]. Observa-se, assim, sensível alteração com
relação ao sistema anterior, que permitia que, praticada infração penal por crianças até 09
anos, analisava-se a existência de discernimento acerca do caráter criminoso do ato,
permitindo-se a punição caso positiva a constatação. Além disso, a primeira legislação penal
republicana previa a punibilidade das pessoas maiores de 09 anos e menores de 14 anos,
caso obrassem com discernimento[9].

Entretanto, o artigo 27 do Código Penal de 1890, que tratava da inimputabilidade, foi


revogado em 05 de janeiro de 1921, com a edição da Lei no 4.242, que “ Fixa a despesa
geral da República dos Estados Unidos do Brasil para o exercício de 1921”. O artigo 3o deste
diploma legal autorizou o Governo da República a organizar o serviço de assistência e
proteção à infância abandonada e delinqüente, construindo abrigos, fundando casas de
preservação, etc. Sobre a questão em debate, estabeleceu que o menor de 14 anos,
indigitado autor ou cúmplice de crime ou contravenção, não seria submetido a processo de
espécie alguma e que o menor de 14 a 18 anos seria submetido a processo especial[10].

Foi sob a inspiração desta Lei que, em 01 de dezembro 1926, passou a vigorar o Código de
Menores, instituído por Decreto Legislativo no 5.083. Sobre o tema da imputabilidade, o
Capítulo V cuidava dos “Menores Delinqüentes”; de um lado, estatuiu a impossibilidade de
recolhimento à prisão do menor de 18 anos que houvesse praticado ato infracional[11];
quanto ao menor de 14 anos, conforme sua condição de abandono ou perversão, deveria ser
abrigado em casa de educação ou preservação, ou ainda, confiado à guarda de pessoa
idônea até a idade de 21 anos ou, caso a sua periculosidade não fosse acentuada, poderia
ficar sob custódia dos pais, tutor ou outro responsável[12]; por fim, o menor de 14 a 18
anos era submetido a procedimento especial[13], podendo ser sentenciado à internação em
escola de reforma por tempo variável de acordo com a personalidade moral do menor, a
natureza da infração e o comportamento no reformatório[14].

Quando entrou em vigor o Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, que instituiu


novo Código Penal, fixou-se a idade de 18 anos como início da imputabilidade, adotando o
sistema biológico, segundo o qual, conforme já dito, há presunção absoluta de falta de
discernimento para os menores de 18 anos que, em virtude disso, deveriam ser submetidos,
não a processo criminal, mas a procedimento especial previsto em legislação própria[15].

O Decreto-Lei no 1.004, de 21 de outubro de 1969, que instituiu outro Código Penal, previa,
no artigo 33, a possibilidade de aplicação de pena ao maior de 16 e menor de 18 anos, com
redução de 1/3 até metade, desde que o menor entendesse o caráter ilícito do ato ou tivesse
possibilidade de se portar de acordo com este entendimento. A presunção da
inimputabilidade, nessa faixa etária, portanto, era relativa, restabelecendo a vigência do
critério do discernimento ou sistema biopsicológico para, por meio de avaliação psicológica,
saber se ao tempo do fato possuía discernimento sobre a ilicitude de seus atos. Contudo,
como sabido, este Código não entrou em vigor[16], e a maioridade penal permaneceu nos
moldes do estabelecido pelo de 1940, ou seja, 18 anos de idade, sujeitando os menores à
legislação especial.

Em 10 de outubro de 1969, foi instituído novo Código de Menores, por meio da Lei nº
6.697/79. Este estatuto, no tocante ao tema em questão, manteve a situação vigente[17].
Contudo, no mesmo ano foi editado o Código Penal Militar, por meio do Decreto 1.001, de 21
de outubro, que adotou a teoria o discernimento, ao fixar o limite penal em 18 anos salvo se,
já tendo o menor 16 anos, revelar discernimento[18].
Em 1984 operou-se a reforma da Parte Geral do Código Penal, por meio da Lei nº 7.209. O
artigo 27 da codificação, ainda em vigor, manteve a inimputabilidade penal para o menor de
18 anos[19].

A Constituição Federal de 1988 dispôs acerca da matéria, como já referido, no artigo 228,
constitucionalizando o direito já vigente e que determinava o início da imputabilidade penal
aos dezoito anos de idade. Consoante o dispositivo, “São penalmente inimputáveis os
menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

É nesse diapasão que também foi editada nova legislação para tratar da condição jurídica
dos menores, o que se manifestou por meio da Lei nº 8.069/90, o Estatuto da Criança e do
Adolescente que, como não poderia deixar de ser, repetiu a regra no artigo 104, caput.

2. O artigo 228 da Constituição Federal como sede de direito fundamental

2.1. Direitos fundamentais

Direitos fundamentais são os direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do


direito constitucional positivo de determinado Estado[20].

Quanto à natureza, os direitos fundamentais são classificados basicamente em três


categorias: os direitos de primeira geração ou dimensão, que são os direitos civis e políticos,
considerados aqueles correspondentes às liberdades clássicas, ou direitos negativos, de
cunho individual; os de segunda geração ou dimensão como sendo os direitos econômicos,
sociais e culturais, correspondentes aos direitos prestacionais, positivos, de cunho coletivo;
e, por fim, os de terceira geração ou dimensão, considerados aqueles difusos, de titularidade
de todos os homens, independentemente de sua vinculação a um Estado, como, p. ex., o
direito à paz, a um meio ambiente sadio etc.

Costuma-se apontar as seguintes características dos direitos fundamentais[21]: a)


universalidade: todo e qualquer ser humano é sujeito ativo desses direitos, independente de
credo, raça, cor, sexo, origem, convicções políticas etc; b) inviolabilidade: esses direitos não
podem ser descumpridos ou violados por outra pessoa, grupo ou pelo Estado; c)
indisponibilidade: esses direitos não podem ser renunciados pelos seus titulares; d)
imprescritibilidade: eles não sofrem alterações com o decurso do tempo, pois têm caráter
eterno; e) complementaridade: os direitos humanos devem ser interpretados
necessariamente em conjunto, de forma a alcançar a maior de eficácia de proteção possível;
f) efetividade: a atuação do Poder Público dever ser no sentido de garantir a efetivação dos
direitos e garantias previstos, com mecanismos coercitivos para tanto, uma vez que a
Constituição Federal não se satisfaz com o simples reconhecimento abstrato.

Na Constituição Federal brasileira vigente, os direitos fundamentais estão previstos no Título


II, subdivido em cinco capítulos, quais sejam: a) direitos individuais e coletivos:
correspondem aos direitos diretamente ligados ao conceito de pessoa humana e de sua
própria personalidade, como o direito à vida, à liberdade de locomoção, à dignidade, à
honra, entre outros; são os denominados direitos fundamentais de primeira geração,
oponíveis pelo indivíduo ao Estado; b) direitos sociais: caracterizam-se como liberdades
positivas, decorrendo do Estado Social de Direito e têm por finalidade a melhoria das
condições de vida dos hipossuficientes para concretizar a igualdade social, um dos
fundamentos do Estado Democrático; na Constituição Federal, estão consagrados a partir do
artigo 6°; c) direitos de nacionalidade: nacionalidade é o vínculo jurídico e político que liga o
indivíduo a determinado Estado, fazendo deste indivíduo um componente do povo, da
dimensão pessoal deste Estado, capacitando-o a exigir sua proteção e sujeitando-o ao
cumprimento de deveres; d) direitos políticos: representam o conjunto de regras que
disciplina as formas de atuação da soberania popular; são direitos públicos subjetivos que
investem o indivíduo do status activae civitatis, permitindo-lhe o exercício concreto da
liberdade de participação nos negócios políticos do Estado; ademais, constituem um
desdobramento do princípio democrático previsto no artigo 1°, parágrafo único, da
Constituição Federal, segundo o qual todo poder emana do povo, que o exerce por meio de
representantes eleitos ou diretamente; os direitos políticos estão regulamentados no artigo
14; e) direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos: a
Constituição regulamentou os partidos políticos como instrumentos necessários para
preservação do Estado Democrático de Direito, assegurando-lhes autonomia e plena
liberdade de atuação, para concretizar o sistema representativo.

Contudo, é sabido que o rol dos direitos fundamentais previstos nestes dispositivos não é
taxativo. De fato, é pacífico o entendimento de que há direitos e garantias individuais,
dispersos, pelo texto constitucional e mesmo infraconstitucional, como são os direitos
previstos nos artigos 227 e 228 da Constituição Federal, situados no capítulo que trata da
criança e do adolescente.

2.2. Os direitos e garantias fundamentais da criança e do adolescente na


Constituição Federal

A partir dos anos 80 do século XX, estabeleceu-se no Brasil a necessidade de retomada da


democracia e pela busca e consolidação de direitos humanos, inclusive no campo da
proteção da infância e adolescência, observando-se que no âmbito internacional já
vigoravam documentos declaratórios de direitos reservados às crianças e adolescentes. Com
a modificação constitucional havida em 1988, o legislador constituinte, atento ao tema,
estendeu às crianças e aos adolescentes alguns direitos fundamentais[22], como o direito à
vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, estabelecendo
caber à família, à sociedade e ao Estado a proteção e a promoção destes direitos - artigo
227.

Afirma-se, com efeito, que o artigo 227 da Constituição Federal consagrou a Doutrina da
Proteção Integral para as crianças e adolescentes, em substituição à “Doutrina da Situação
Irregular”, albergada pelo Código de Menores de 1979. Na realidade, estabeleceu-se, não
mera substituição, mas um novo paradigma, porquanto todas as crianças e adolescentes
passaram a ser sujeitos de proteção e de reconhecidos direitos.

Ademais, como norma consagradora de direitos fundamentais, sua aplicabilidade passou a


ser imediata, cabendo ao Estatuto da Criança e do Adolescente, editado posteriormente,
apenas a organização e aplicação da doutrina da proteção integral.

Nesse sentido, afirma Miguel Granato Velasquez que às crianças e adolescentes são
conferidos, além daqueles direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, ainda outros,
igualmente fundamentais, tal como a inimputabilidade penal e o direito à convivência familiar
e comunitária[23]. Também Andréa Rodrigues Amin salienta que o legislador constituinte
elegeu, dentre os direitos fundamentais, aqueles que são indispensáveis para o
desenvolvimento da pessoa ainda em formação, elencando-os no artigo 227 da Constituição
Federal[24].

Por outro lado, na tradicional classificação dos direitos fundamentais, o artigo 227 da
Constituição Federal consagra alguns que são de primeira dimensão, como o direito à vida, à
liberdade, à dignidade e ao respeito, impondo ao Estado um não fazer, mas também há os
de segunda dimensão, como a educação, alimentação, a saúde, etc., que demandam
prestações estatais para a sua realização.

É sabido, também, que na sistemática da Constituição Federal, os direitos fundamentais vêm


acompanhados de garantias, por meio das quais pode o indivíduo opor-se ao Estado violador
dos direitos individuais, ora para exigir a abstenção, ora para obter a prestação necessária
para a realização do direito, podendo recorrer, inclusive ao Poder Judiciário.

Nesse âmbito, importa acentuar que, como decorrência da proteção integral preconizada
pelo texto constitucional, prevê o § 3º do artigo 227 que o direito à proteção especial
abrangerá […]

IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na


relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação
tutelar específica; V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida
privativa da liberdade; […] VII - programas de prevenção e atendimento especializado à
criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins. [25]

Trata-se de prerrogativas deferidas aos menores e que têm o objetivo de materializar, no


campo do Direito Penal, a doutrina da proteção integral.

É nesse contexto que também se insere o artigo 228 da Constituição Federal, no legislador
estabeleceu o início da maioridade penal aos 18 anos completos, considerando-se, portanto,
inimputáveis penalmente as crianças e adolescentes até 18 anos incompletos. Na linha de
raciocínio exposta, trata-se de outra dessas garantias individuais das pessoas que, até
completarem 18 anos, incorrem nas condutas tipificadas na lei penal como crimes e
contravenções, e consiste em vedação de que a persecução criminal seja feita nos termos da
legislação penal comum, somente podendo sê-lo na forma instituída em legislação especial.
Nesse sentido é o ensinamento de Alexandre de Moraes:

“Assim, o art. 228 da constituição Federal encerraria hipótese de garantia individual prevista
fora do rol exemplificativo do art. 5º, cuja possibilidade já foi declarada pelo STF em relação
ao art. 150, III, b (Adin nº 939-7/DF – conferir comentários ao art. 5º, § 2º) e,
conseqüentemente, autêntica cláusula pétrea prevista no art. 60, § 4º, IV”.[26]

Portanto, o texto constitucional positivou uma série de direitos fundamentais da pessoa em


desenvolvimento e, dentre as garantias desses direitos, há previsão de um tratamento
especial das crianças e adolescentes no campo criminal, instituído em legislação especial.
Em síntese, o menor de dezoito anos recebe da Constituição Federal um especial tratamento
em relação à lei penal[27], que se traduz na garantia de ser-lhe aplicada uma lei especial,
no caso, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê que ao autor de ato infracional
sejam impostas medidas sócio-educativas, de caráter pedagógico, condizentes com sua
condição de pessoa em desenvolvimento.

3. A vedação de supressão dos direitos fundamentais

É sabido que uma das classificações divide as constituições em rígidas e flexíveis; aquelas
são as que prevêem um sistema diferenciado e mais rigoroso para a modificação do seu
texto, se comparado com aquele utilizado para a alteração da legislação infraconstitucional,
ao passo que as constituições flexíveis podem ser modificadas pela mesma forma prevista
para as demais leis. É uma classificação que se ocupa, portanto, da forma pela qual se altera
o texto constitucional. Por isso, nas constituições rígidas encontram-se limitações formais e
que dizem respeito ao procedimento de alteração do texto constitucional, ou seja, o próprio
legislador constitucional estabelece um processo legislativo próprio, com iniciativa mais
restrita do que das demais leis, necessitando de quorum diferenciado para aprovação, além
de dupla votação em cada Casa Legislativa[28]. Em síntese, são regras que pretendem
dificultar a mudança da lei maior, protegendo a rigidez constitucional e resguardando o seu
conteúdo.

Relativamente à modificabilidade do conteúdo das constituições, sabe-se que no geral, não


há restrições, senão quanto àqueles instituídos em normas conhecidas como “cláusulas
pétreas”. Ou seja, o poder constituinte reformador, por ser derivado do poder constituinte
originário, no exercício do poder de modificar a constituição escrita, encontra limites no
próprio texto constitucional que, na Constituição Federal vigente, estão inscritos no artigo
60, § 4º, onde consta que: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente
a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais”[29].

Trata-se do que se conhece por limites materiais, que representam o “[...] conjunto dos
preceitos integrantes da Constituição que não podem ser objeto de emenda constitucional
restritiva”[30], e cuja função é a preservação da identidade da constituição. Portanto, por
meio das cláusulas pétreas, o Poder Constituinte Originário assegurou a integridade da
Constituição relativamente ao núcleo do Estado Democrático de Direito[31].

A atual Constituição Federal brasileira, qualificada como “Constituição Cidadã”, resultou da


participação da sociedade organizada, sendo produto de discussões em todos os seus
âmbitos e foi editada na perspectiva de atender aos interesses da coletividade. Assim, o
Poder Constituinte Originário[32] então constituído, legislou para o futuro a imodificabilidade
de determinadas normas constitucionais no sentido de não poderem ser suprimidas. E,
dentre estas, conforme previsto no inciso IV do artigo 60, estão os direitos e garantias
fundamentais, abrangendo tanto os direitos individuais como os direitos sociais[33].

Portanto, e voltando ao tema central do presente trabalho, reconhecendo-se, como se fez,


nos artigos 227 e 228 da Constituição Federal normas que instituem direitos e garantias
fundamentais, são elas albergadas pela proibição constante no artigo 60, § 4º, inciso IV, da
Constituição Federal, resultando na sua imodificabildade.

Considerações conclusivas

A atual Consituitção Federal representou a retomada da democracia e do Estado Democrático


de Direito no Brasil, especialmente por meio do reconhecimento dos direitos fundamentais de
primeira dimensão, além de haver imposto ao Estado a obrigação de prestações positivas
atinentes aos direitos fundamentais de segunda dimensão.

No que pertine ao tratamento dado à criança e ao adolescente, o legislador constitucional foi


enfático que as pessoas em desenvolvimento estão ampardas pelos direitos fundamentais
atribuídos a qualquer nacional e, além destes, por aqueles expressamente arrolados nos
artigos 227 e 228 da Constituição Federal, superando qualquer dúvida sobre a proteção
especial conferida aos futuros cidadãos brasileiros.

Assim, especificamente sobre o início, aos 18 anos, da maioridade penal, a norma inscrita no
artigo 228 do texto constitucional representa uma das garantias decorrentes dos direitos
assegurados aos menores. E, nessa perspectiva, integra o núcleo imodificável da
Constituição - cláusulas pétreas -, de modo que, qualquer tentativa do legislador
infraconstitucional, ou mesmo do Poder Constituinte Derivado, por meio de Emenda
Constitucional, de reduzir a idade inicial da maioridade penal será inconstitucional.

Referências

ABREU, Charles Jean Início de. Estudo crítico ao estatuto da criança e do adolescente:
comentários e análises. Porto Alegre: Síntese, 1999.

BRASIL, Constituição. Brasília: Senado Federal, 1988.

CHAVES, Antônio. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2ª ed. São Paulo:


LTR, 1997.

CURY, Munir. Et al. Estatuto da Criança e do Adolescente Anotado. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2003.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva,
2006, p.186.

FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense,
16ª ed., 2003, p. 242/243.

GOMES, Luiz Flávio - Org. Código Penal. 4ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p.
222.

LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 7ª ed. São


Paulo:Malheiros, 2003.

MACIEL, Kátia e outros. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos teóricos e


práticos. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 21ª ed., São Paulo: Atlas,
2004, p. 216.

MORAES,Alexandre.Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo:


Atlas, 2003.

_____. Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Teoria Geral. Comentários aos arts.
1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil. Doutrina e Jurisprudência. 5ª Ed.,
São Paulo: Atlas, 2003.

SARAIVA, João Batista Costa. Direito penal juvenil: adolescente e ato infracional: garantias
processuais e medidas sócio-educativas. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 2002.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2003.

TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

VELASQUEZ, Miguel Granato. Relatório Azul 2005: garantias e violações dos direitos
humanos. Porto Alegre: Corag, 2005.

[1] Mestre em Direito, Professor no curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil de


Gravataí/RS e no Centro Universitário Unilasalle de Canoas/RS.

[2] Professora das Disciplinas de Direito Constitucional e Direito Administrativo na Ulbra-


Campus Gravataí e Responsabilidade Civil e Estatuto da Criança e Adolescente no Centro
Universitário Unilasalle em Canoas. Doutora em Administração Educacional.

[3] A criança João Hélio Fernandes estava no carro com a mãe quando foram abordados por
assaltantes, no bairro Osvaldo Cruz, Rio de Janeiro. A mãe foi retirada do veículo, mas não
conseguiu retirar a criança - que estava no banco traseiro, presa ao cinto de segurança. A
irmã do menino e uma outra pessoa também estavam no carro e conseguiram sair. Antes de
o menino ser retirado, um dos assaltantes assumiu a direção do veículo e acelerou. Ele ficou
pendurado e foi arrastado. (Folha on line, 08/02/2007, acessível em
http//:www.1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u131469.shtml). Um dos envolvidos no
assalto e assassinato do menino é adolescente com 16 anos de idade (Globo.com,
19/03/2007 acessível em http://g1.globo.com/Noticias/Rio/0, MUL12405-5606,00.html).

[4] Há outros sistemas para a definição da capacidade penal, como o psicológico, que se
preocupa apenas com as condições psíquicas o autor do fato para entender a ilicitude,
independentemente da idade; o sistema biopsicológico reúne o biológico e o psicológico, que
estabelece idades, como 14 a 16 ou 16 a 18 anos, e, praticado o fato criminoso durante esse
período, necessário averiguar, por meio de perícia, se o agente tinha ou não compreensão
acerca da ilicitude, dependendo disso a possibilidade de aplicação de pena.

[5] Há imputabilidade quando o sujeito é capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e


de agir de acordo com esse entendimento. Só é reprovável a conduta se o sujeito tem certo
grau de capacidade psíquica que lhe permita compreender a antijuridicidade do fato e
também a de adequar essa conduta a sua consciência. Quem não tem essa capacidade de
entendimento e de determinação é inimputável, eliminando-se a culpabilidade. (MIRABETE,
Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 21ª ed., São Paulo: Atlas, 2004, p.
210).

[6] “Art. 10. Também não julgarão criminosos: 1.º Os menores de 14 annos”.

[7] “Art. 13. Se se provarem que os menores de 14 annos, que tiverem commettido crimes,
obraram com discernimento, deverão ser recolhido á casas de correção, pelo tempo que ao
Juiz parecer, com tanto que o recolhimento não exceda á de dezessete annos”.

[8] “Art. 27. Não são criminosos: § 1.° Os menores de 9 annos completos”.
[9] “Art. 27. Não são criminosos: (…)§ 2.° Os maiores de 9 e menores de 14, que obrarem
sem discernimento”. “Art. 30. Os maiores de 9 annos e menores de 14, que tiverem obrado
com discernimento, serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriaes, pelo tempo
que o juiz parecer, comtanto que o recolhimento não exceda á idade de 17 annos”.

[10] Art. 3º, §16º. “O menor de 14 annos, indigitado autor ou cumplice de crime ou
contravenção, não será submettido a processo penal de nenhuma especie; a autoridade
competente tomará sómente as informações precisas, registrando-as, sobre o facto punivel e
sua autoria, o estado physico, mental e moral do menor, e a sua situação social, moral e
economica dos paes, ou tutor, ou pessoa sob cuja guarda viva”. E, segundo o § 20 deste
mesmo, “O menor indigitado autor de crime ou contravenção, que contar mais de 14 annos e
menos de 18, será submetido a processo especial, tomando ao mesmo tempo, a autoridade
competente, as precisas informações, a respeito do estado physico, mental e moral delle, e
da situação social, moral e economica dos paes, tutor ou pessoa encarregada de sua
guarda”.

[11] “Art. 57. Nenhum menor de 18 annos, preso por qualquer motivo ou apprehendido,
será recolhido a prisão comum”.

[12] “Art. 45. No caso de menor de idade inferior a 14 annos indigitado autor ou cumplice
de facto qualificado crime ou contravenção, si das circunstancias da infração e condições
pessoaes do agente ou de seus paes, tutor ou guarda tornar-se perigoso deixal-o a cargo
destes, o juiz ou tribunal ordenará sua collocação em asylo, casa de educação, escola de
preservação, ou o confiará a pessoa idonea, até que complete 18 annos de idade (…)”.

[13] Fragoso, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense,
16ª ed., 2003, p. 242/243.

[14] “Art. 46. Tratando-se de menor de 14 a 18 annos sentenciado á internação em escola


de reforma, o juiz ou tribunal póde antecipar o seu desligamento, ou retardal-o até ao
maximo estabelecido na lei, fundando-se na personalidade moral do menor, na natureza da
infração e circunstancias que o rodearam no que possam servir para apreciar essa
personalidade, e no comportamento no reformatorio segundo informação fundamentada do
director”.

[15] “Art. 23. Os menores de dezoito anos são penalmente irresponsáveis, ficando sujeitos
às normas estabelecidas na legislação especial”.

[16] Este ponto do Código foi um dos mais combatidos pelos juristas e outros estudiosos,
sendo umas das razões relevantes para não entrar em vigor.

[17] “Art. 1º Este Código dispõe sobre assistência, proteção e vigilância a menores: I - até
dezoito anos de idade, que se encontrem em situação irregular; (…)”. “Art. 2º Para os efeitos
deste Código, considera-se em situação irregular o menor: (…) VI - autor de infração penal”.

[18] “Art. 50. O menor de dezoito anos é inimputável, salvo se, já tendo completado
dezesseis anos, revela suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do
fato e determinar-se de acôrdo com êste entendimento. Neste caso, a pena aplicável é
diminuída de um têrço até a metade”.

[19] Nos termos da Exposição de Motivos da nova parte geral do Código Penal, “Manteve o
Projeto a inimputabilidade penal ao menor de 18 (dezoito) anos. Trata-se de opção apoiada
em critérios de Política Criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa
da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não
consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social
na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação
do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal. De resto, com a legislação de
menores recentemente editada (referência ao Código de Menores, a Lei nº 6.697/79), dispõe
o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinqüente, menor de 18
(dezoito) anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do
delinqüente adulto, expondo-o à contaminação carcerária”. (ABI-ACKEL, Ibrahim. “Exposição
de motivos da nova parte geral do Código Penal”. In: GOMES, Luiz Flávio - Org. Código
Penal. 4ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 222.

[20] Nesse sentido, não se confundem com os direitos humanos, que são os direitos
reconhecidos em documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições
jurídicas de caráter universal, que se reconhecem ao homem como tal, independentemente
de sua vinculação com determinada ordem constitucional. (SARLET, Ingo Wolfgang. A
eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 33-4).

[21] MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. Teoria Geral. Comentários
aos arts. 1° a 5° da Constituição da República Federativa do Brasil. Doutrina e
Jurisprudência. 5ª Ed., São Paulo: Atlas, 2003. p. 41.

[22] MACIEL, Kátia e outros. Curso de Direito da Criança e do Adolescente: aspectos


teóricos e práticos. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006.

[23] VELASQUEZ, Miguel Granato. Relatório Azul 2005: garantias e violações dos direito
humanos. Porto Alegre: Corag, 2005.

[24] Op.cit.,p. 35.

[25] BRASIL, Constituição. Brasília: Senado Federal, 1988.

[26] MORAES, op. cit., p. 2059.

[27] MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São


Paulo: Atlas, 2003.

[28] MORAES, op. cit., p. 1089. Na Constituição Federal vigente, consta no art. 60 que “A
Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos
membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação,
manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros”. Conforme o § 2º
deste dispositivo, “A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional,
em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos
respectivos membros”. E, nos termos do§ 3º, “A emenda à Constituição será promulgada
pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de
ordem”.

[29] BRASIL, Constituição.Brasília: Senado Federal, 1988.

[30] TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p.
54.

[31] Há também os limites temporais, que limitam no tempo as emendas à Constituição,


obstaculizando a sua modificação em determinados momentos, como o dado temporal
previsto no § 5° do art. 60: “A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida
por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa”. Há,
ainda, os limites circunstanciais, que representam uma garantia contra a instabilidade
constitucional, e estão previstasno art. 60 § 1°: “A Constituição não poderá ser emendada na
vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”. A função desses
limites é preservar a Constituição em períodos de instabilidade política e constitucional, pois
durante o estado de defesa e do estado de sítio podem ser suspensos temporariamente
direitos e garantias, o poder centralizado fica mais forte, dado que facilitaria reformas
ilegítimas e que, em momentos normais, não seriam aprovadas (FERREIRA FILHO, Manoel
Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006, p.186).

[32] Lembre-se que o Poder Constituinte Originário é caracterizado como sendo inicial,
autônomo e ilimitado.
[33] TAVARES, op. cit., p. 55.

KIST, Dario José, MOLIN, Angela. A inconstitucionalidade da redução da maioridade penal.


Disponível na internet www.ibccrim.org.br 24.01.2008.

Você também pode gostar