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INTENSIVO I

Cleber Masson
Direito Penal
Aula 02

ROTEIRO DE AULA

9.2.3. Quanto ao resultado: declaratória, extensiva ou restritiva

Interpretação declaratória (declarativa ou estrita) é aquela em que há perfeita coincidência entre o texto da lei e a vontade
da lei. Não há nada a ser acrescentado ou suprimido.

Interpretação extensiva é aquela em que a lei disse menos do que queria (Minus dixit quam voluit). Neste caso, o
intérprete amplia a interpretação do texto legal.

✓ A interpretação extensiva é cabível no Direito Penal e não se confunde com a analogia in malam partem. Na
analogia in malam partem, existe lacuna da lei. Na interpretação extensiva, a atividade não é de integração da lei,
mas apenas de interpretação, ou seja, a lei já existe (não há lacuna) e o intérprete apenas retira dela o verdadeiro
significado.

Exemplo 1: o art. 235 do CP1 trouxe o crime de bigamia. Entretanto, a poligamia também é criminalizada.
Exemplo 2: o art. 148 do Código Penal2 trouxe o crime sequestro ou cárcere privado.

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CP, art. 235: “Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:
Pena - reclusão, de dois a seis anos.
§ 1º - Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido
com reclusão ou detenção, de um a três anos.
§ 2º - Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se
inexistente o crime.”
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CP, art. 148: “ Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: (Vide Lei nº 10.446, de 2002)

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Tanto no sequestro quanto no cárcere privado, a vítima é restrita em sua liberdade de locomoção. No sequestro, a vítima
tem uma menor restrição em sua liberdade de locomoção. No cárcere privado, essa restrição é maior.

O art. 159 do Código Penal3 trouxe o crime extorsão mediante sequestro, que também abrange a extorsão mediante
cárcere privado.

Interpretação restritiva é aquela que busca diminuir o alcance da lei


✓ Interpretação restritiva é aquela em que a lei disse mais do que queria (Plus dixit quam voluit). Exemplo:
falsificação de cosmético.

9.2.4. Interpretação progressiva, adaptativa ou evolutiva

Interpretação progressiva, adaptativa ou evolutiva é aquela em que se busca adaptar a lei que foi editada no passado à
realidade atual.
Exemplo: ato obsceno (art. 233 do CP) - No passado, mulheres que usavam biquini fio dental cometiam ato obsceno.

Obs.: O professor traz a discussão sobre a diminuição da maioridade penal à baila por conta das mudanças da sociedade
e da realidade atual.

Pena - reclusão, de um a três anos.


§ 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:
I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta)
anos; (Redação dada pela Lei nº 11.106, de 2005)
II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;
III - se a privação da liberdade dura mais de quinze dias.
IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos; (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005)
V – se o crime é praticado com fins libidinosos. (Incluído pela Lei nº 11.106, de 2005)
§ 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral:
Pena - reclusão, de dois a oito anos.”
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CP, art. 159: “Seqüestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou
preço do resgate: Pena - reclusão, de oito a quinze anos..
§ 1o Se o seqüestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o seqüestrado é menor de 18 (dezoito) ou maior de 60
(sessenta) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha. Pena - reclusão, de doze a vinte anos.
§ 2º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de dezesseis a vinte e quatro anos.
§ 3º - Se resulta a morte: Pena - reclusão, de vinte e quatro a trinta anos.
§ 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do
seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.”

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9.2.5. Interpretação analógica ou intra legem (não se confunde com a analogia)

A interpretação se refere ao esclarecimento sobre o conteúdo da lei. A analogia é forma de integração da lei (pois há
lacunas).

A interpretação analógica ocorre quando a lei penal traz uma fórmula casuística (fechada), seguida de fórmula genérica
(aberta – O legislador não consegue prever todas as situações que podem ocorrer no caso concreto).
Exemplo: o art. 121, § 2.º, I, do CP afirma que é qualificado o homicídio praticado mediante paga ou promessa de
recompensa (fórmula casuística) ou por outro motivo torpe (fórmula genérica).
✓ Motivo torpe que qualifica o homicídio é aquele de natureza abjeta, vil e repugnante, que revela a insensibilidade
moral do agente.
✓ Paga e promessa de recompensa são motivos torpes, mas não são os únicos.
✓ A fórmula genérica ocorre porque o legislador não consegue prever todas as possibilidades.

Tema: Princípios do Direito Penal

1. Introdução

Princípios são valores fundamentais que inspiram a criação e a aplicação do Direito Penal.
Obs.: Em relação à afirmação de que os princípios são valores fundamentais que inspiram a criação e a manutenção do
ordenamento jurídico, a “criação” refere-se ao fato de que os princípios se dirigem ao legislador. Além disso, a
“manutenção” dos princípios é voltada ao aplicador do direito penal.

Obs.: O professor explica que as normas se subdividem em regras e princípios.


• Regras são rígidas, formais e inflexíveis.
• Os princípios são informais e flexíveis. Admitem uma conformação no caso concreto.

A finalidade dos princípios é limitar o poder punitivo do Estado.

Existem princípios que se encontram expressamente positivados no ordenamento jurídico brasileiro (exemplos: reserva
legal e anterioridade). Entretanto, também existem princípios que, embora não tenham sido positivados na legislação
brasileira, são extraídos da lógica e da completude do sistema jurídico. Como exemplos de princípios implícitos, há o
princípio da insignificância e princípio da ofensividade.
✓ Tanto os princípios expressos quanto os implícitos são admitidos no Direito Penal.

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2. Princípio da Reserva Legal ou Estrita Legalidade

2.1. Origem

Quando se fala em princípio da reserva legal, é possível lembrar do brocardo: nullum crimen, nulla poena sine lege.
✓ A ideia desse princípio é de que a lei tem um monopólio para a criação de crimes e para a cominação de penas.

O princípio da reserva legal não surgiu no Direito Romano, pois este não deu muita atenção ao Direito Penal.
✓ O Direito Romano se preocupava com o direito privado, com o Direito Civil, pois esse povo queria expandir o seu
território e, para tal, eles se preocupavam com o patrimônio.

O princípio da reserva legal surgiu em 1215, na Inglaterra, no contexto da “Magna Carta” do rei João Sem Terra.
✓ Law of the land = Somente a lei da terra pode criar um crime e definir a respectiva pena.
✓ Nesse contexto, o princípio surge com a ideia de que nenhum homem livre poderia ser submetido à pena sem
uma prévia lei prevista naquela terra.

Posteriormente, o princípio da reserva legal foi desenvolvido por Feuerbach, com base na chamada “Teoria da coação
psicológica”. Tal teoria afirma que o Estado só pode ameaçar alguém de impor uma pena mediante a existência de uma
lei.

2.2 Previsão normativa e conceito

CP, art. 1º. “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”
✓ As palavras “anterior” e “prévia” se referem ao princípio da anterioridade da lei penal.

Previsão normativa: o princípio da reserva legal está previsto no art. 1º do CP, juntamente com o princípio da
anterioridade.

Questão: Se o legislador revogar o art. 1º do CP, o princípio da reserva legal deixa de existir?
É claro que não, pois o princípio da reserva legal também está previsto no art. 5º, XXXIX, CF.

CF, art. 5º, XXXIX: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.”

O princípio da reserva legal é um direito fundamental do ser humano e é cláusula pétrea.

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Conceito: a lei tem o monopólio para realizar a criação de crimes e a cominação de penas.
✓ A lei é a fonte formal e imediata do Direito Penal.

2.3. Fundamentos
São três os fundamentos do princípio da reserva legal:

a) Fundamento jurídico: juridicamente, o que legitima este princípio é a taxatividade, a certeza ou a determinação.

A lei deve descrever com precisão o conteúdo mínimo da conduta criminosa.


✓ Se fosse exigido mais do que o conteúdo mínimo, os crimes culposos, os tipos penais abertos e as normas penais
em branco seriam inconstitucionais.

Questão: Qual é a consequência automática da taxatividade do Direito Penal?


O efeito automático é a proibição da analogia in malam partem no Direito Penal.
✓ Se a lei deve descrever com precisão e com detalhes o conteúdo mínimo da conduta criminosa, não é possível
aplicar a lei criada a um caso em que há omissão legislativa de forma a prejudicar o réu.

b) Fundamento político:
O princípio da reserva legal é direito fundamental de 1ª geração (ou de 1ª dimensão).

Obs.: O professor explica que o termo “dimensão” é mais abrangente do que “geração”, pois este dá a ideia de
substituição (a geração posterior tomaria o lugar da anterior), enquanto aquele dá a ideia de continuidade/complemento
e evolução dos direitos.

Os direitos fundamentais de primeira geração são aqueles que buscam proteger o ser humano do arbítrio do Estado.
✓ Assim, em regra, o Estado não pode interferir na liberdade do indivíduo, exceto se este cometer fato definido em
lei como crime ou contravenção penal.

c) Democrático ou popular:
Este fundamento é o que o STF chama de “a dimensão democrática do princípio da reserva legal.”
✓ Em relação a esta definição, é necessário esclarecer que o fundamento democrático do princípio da reserva legal
se refere ao fato de que o povo, por meio dos seus representantes, define quais são os crimes e quais são as
respectivas penas.

2.4. Princípio da reserva legal e medidas provisórias

Questão: As medidas provisórias podem ser utilizadas pelo Direito Penal?

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Neste ponto, há duas posições:

1ª) SIM, desde que a MP seja favorável ao réu.


Essa posição foi encampada pelo STF.
Exemplo: Quando o Estatuto do Desarmamento entrou em vigor, havia um prazo para as pessoas que possuíam armas
ilegais entregarem-nas ao Estado. O prazo legal acabou, mas, posteriormente, houve várias medidas provisórias que
prorrogaram o período de entrega do armamento.
Assim sendo, dentro daquele período estabelecido para a entrega de armas, a pessoa não poderia ser detida pelo porte
de arma de fogo ilegal, porque ela ainda teria a chance de entregar o armamento ao Estado.

Em suma: No Brasil, firmou-se o entendimento (inclusive no STF) de que MPs podem ser utilizadas no Direito Penal para
favorecer o agente.

2ª) NÃO. As medidas provisórias não podem ser utilizadas no Direito Penal nem para favorecer e nem para prejudicar o
réu.
Essa é uma posição que consta no art. 62, §1º, I, “b”, CF:

CF, art. 62, §1º, I, b:


“Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de
lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria:
I – relativa a:
(...)
b) direito penal, processual penal e processual civil;”

✓ A Constituição Federal não aceita medida provisória no Direito Penal, não importa se é para favorecer o réu ou
não.

2.5. Princípio da reserva legal e princípio da legalidade

Questão: Princípio da reserva legal (estrita legalidade) e princípio da legalidade são a mesma coisa?
Existem autores que tratam esses princípios como sinônimos. O professor discorda desse posicionamento, pois a
Constituição Federal possui dois incisos diversos para tratar dos dois princípios separadamente.

Princípio da legalidade Princípio da reserva legal (estrita legalidade)


O princípio da legalidade está no art. 5º, II da CF/88: Esse princípio está no art. 5º, XXXIX, da CF/88:

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CF, art. 5º, II “Ninguém será obrigado a fazer ou CF, art. 5º, XXXIX: “Não há crime sem lei anterior que o
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de defina, nem pena sem prévia cominação legal.”
lei.”
O princípio da reserva legal depende de lei em sentido
O princípio da legalidade se contenta com a lei em estrito (é uma lei em sentido formal e material).
sentido amplo, ou seja, qualquer comando
normativo estatal (lei ordinária, lei delegada, Obs.:
resoluções, portarias, decreto legislativo, MP etc.). Lei em sentido formal: é aquela criada de acordo com o
Exemplo: Em 1997, na cidade de São Paulo, processo legislativo previsto na Constituição Federal.
começou a restrição de circulação de carros Lei em sentido material: é aquela que trata de matéria
(“rodízio”) e isso foi feito por um decreto do constitucionalmente reservada à lei.
prefeito. Na época, muitas pessoas ingressaram em
juízo com um mandado de segurança para garantir
o direito líquido e certo à circulação com veículo
automotor, pois “ninguém pode ser obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em
virtude de lei” e, naquele momento, não existia lei
para tal. A mesma lógica se aplicava à proibição de
fumar em locais públicos fechados (que também
surgiu por decreto).
Na análise destes casos, o Poder Judiciário não
considerou as demandas procedentes, pois a lei a
que se refere o art. 5º, II da CF/88 é lei em sentido
amplo e abrange qualquer comando do poder
público.

2.6. Os mandados de criminalização e suas espécies


O professor destaca que a expressão “mandados de criminalização” surgiu, pela primeira vez, em um concurso do MP/GO
em 2009. Na segunda fase, o examinador pediu que o candidato discorresse sobre os mandados de criminalização e suas
espécies.

✓ A palavra “mandado” significa ordem, determinação, mandamento.

Os mandados de criminalização ou mandados constitucionais de criminalização são ordens emitidas pela Constituição
Federal ao legislador ordinário, no sentido de criminalizar determinados comportamentos.

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✓ Nestes casos, a CF/1988 determina que o legislador crie um crime e comine uma pena para determinadas
situações e o legislador ordinário não tem discricionariedade e deve cumprir a ordem recebida.

Espécies:

a) Expressos: são aqueles em que a ordem de criminalização está explícita no texto constitucional.
Exemplo:
CF, art. 225, §3: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas
ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”

✓ O mandado de criminalização do art. 225, §3º da CF já foi atendido, pois há a Lei 9.605/1998, a qual prevê crimes
ambientais tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas.

b) Tácitos: são aqueles em que a ordem está implícita no texto constitucional. A ordem, neste caso, é extraída do espírito
da Constituição.
Exemplo: O combate à corrupção no poder público.

Obs.: O professor destaca que, se o combate à corrupção estivesse expresso no texto constitucional, isso significaria que
o Brasil assume que há corrupção no poder público e isso não seria “bonito” ou “bem visto”.

Em nenhum momento a Constituição Federal cita expressamente o combate à corrupção. O art. 1º, CF, ressalta que o
Brasil é uma República (a palavra república vem do latim res publica, ou seja, se a coisa é pública, ela não pode ser tomada
por poucos). Trata-se, portanto, de um fundamento implícito.
Outro fundamento é o disposto no art. 37, caput, CF – LIMPE (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência), pois todos esses princípios são incompatíveis com a corrupção.

CF, art. 37: “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal
e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também,
ao seguinte: (...)”

3. Princípio da anterioridade

O princípio da anterioridade também está previsto no art. 1º, CP; e no art. 5º, XXXIX da CF:

CP, art. 1º. “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”

CF, art. 5º, XXXIX: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.”

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O princípio da anterioridade também é cláusula pétrea.
Em um Estado Democrático de Direito, o princípio da anterioridade é inseparável do princípio da reserva legal.

Conceito: De acordo com o princípio da anterioridade, a lei penal deve ser anterior ao fato que se pretende punir, ou seja,
a lei penal apenas poderá ser aplicada para os fatos praticados após a sua entrada em vigor.

Questão: Qual é o efeito automático do princípio da anterioridade?


O efeito automático é que a lei penal não retroage, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL, CF).
✓ Assim, o desdobramento lógico do princípio da anterioridade é a irretroatividade da lei penal.

3.1. Princípio da anterioridade e vacatio legis:

A vacatio legis é o período entre a vacância da lei e a sua entrada em vigor.

Questão: Aplica-se a lei penal ao fato praticado durante a vacatio legis?

Exemplo: Imagine que surja uma lei dizendo que trajar, em via pública, ou possuir a camiseta do time X é crime, com pena
de reclusão de X a X anos e multa. Entretanto, esta lei apenas entrará em vigor 180 dias após a publicação. Ocorre que,
antes de a lei entrar em vigor, a pessoa comete o fato descrito em lei como proibido. Neste caso, há crime?
Resposta: não há crime quando o fato foi praticado durante o período de vacância da lei. Para se atender ao princípio da
anterioridade, não basta que a lei exista, é imprescindível que ela esteja em vigor.

4. Princípio da alteridade (alterius)

O princípio da alteridade preceitua que não há crime na conduta que prejudica somente quem a praticou, ou seja, para
se falar em crime, é necessário que a conduta ultrapasse a figura do agente.

✓ Se a pessoa quiser fazer mal para a sua própria vida, o Estado não pode interferir e criar um crime para puni-la. O
crime somente deve existir se houver invasão à esfera de outras pessoas.

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Questão de prova oral: imagine que, em determinado dia, uma pessoa corta o próprio braço. Esta pessoa comete algum
crime?
O candidato da prova oral respondeu que não havia crime, desde que a conduta não tivesse sido praticada:
1º) para se livrar do serviço militar obrigatório;
2º) para fraudar uma seguradora.
O examinador insistiu, questionando por que motivo a conduta não constituía crime.
O candidato disse que o ordenamento jurídico brasileiro não pune a autolesão.
O examinador insistiu ainda mais, questionando por que o ordenamento jurídico não pune a autolesão.
O candidato não soube responder. A resposta correta seria a que citasse o princípio da alteridade como fundamento para
a impossibilidade de se punir a autolesão. Quem se autolesiona prejudica somente a si próprio e, portanto, não há crime.

Este princípio foi criado a partir dos estudos de Claus Roxin.

Stuart Mill: “Nenhuma lei criminal deve ser usada para obrigar as pessoas a atuar em seu próprio benefício; o único
propósito para o qual o poder público pode exercitar-se com direito sobre qualquer membro da comunidade civilizada,
contra sua vontade, é para prevenir danos a outros. Seu próprio bem, seja físico ou moral, não é uma razão suficiente.”

Exemplo 1: suicídio não é crime.


Exemplo 2: art. 28 da Lei de Drogas (porte de drogas para consumo pessoal).

Art. 28, Lei de Drogas: “Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal,
drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.(...)”

✓ Não há crime no uso pretérito da droga.


✓ O professor chama a atenção para o fato de que, entre os verbos do caput do artigo 28, não há o verbo “usar”.
Isso porque a conduta de usar é irrelevante para o Direito Penal, pois os crimes da Lei de Drogas são crimes contra
a saúde pública. Se a pessoa já usou droga, ela prejudicou apenas a sua própria saúde.

5. Princípio da lesividade ou ofensividade

O professor destaca que, no início dos anos 2000, alguns oficiais do exército foram a um apartamento no bairro Botafogo,
RJ e prenderam 2 militares porque eles eram um casal. Quando o caso chegou ao STF, esses homens foram colocados em
liberdade, pois o direito penal moderno é direito da proteção do bem jurídico. O direito penal apenas é legítimo quando
há lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico penalmente tutelado.

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Francesco Palazzo afirma que o princípio da ofensividade é um fator de delimitação do Direito Penal, ou seja, ele coloca
limites para saber onde o Direito Penal é legítimo ou não.
✓ Esse fator de delimitação se aplica tanto ao legislador como ao aplicador do Direito Penal.

Questões:
➢ O que são bens jurídicos?
São valores ou interesses relevantes para a manutenção e o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade.

➢ Todo bem jurídico é bem jurídico penal?


Não. Apenas os bens jurídicos mais importantes comportam a proteção do Direito Penal.
Neste caso, é necessário fazer um juízo de valor positivo para escolher, dentre todos os bens jurídicos que existem no
direito brasileiro, quais merecem ser tutelados pelo Direito Penal.

6. Princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos

O papel do Direito Penal moderno é proteger bens jurídicos. O Direito Penal não deve se ocupar de questões morais,
religiosas, éticas, políticas, filosóficas, econômicas etc.

O professor destaca que, ao longo de toda a história, o Direito Penal já foi muito desvirtuado. Exemplo disso ocorreu no
direito alemão que, até o começo da década de 1980, contemplava o crime de “praticar qualquer tipo de comportamento
homossexual”. Assim, a homossexualidade era crime na Alemanha e a esfera privada da vida e intimidade de cada um
não deve ser abrangida pelo Direito Penal.

➢ Quem escolhe quais são os bens jurídicos que devem ser tutelados pelo Direito Penal?
A escolha é feita pela Constituição Federal. Nesse diapasão, surge a chamada “Teoria Constitucional do Direito Penal”.

6.1. A teoria constitucional do Direito Penal


O Direito Penal apenas é legítimo quando tutela valores consagrados na CF.
A Teoria Constitucional do Direito Penal informa que a criação de crimes e a cominação de penas somente é atividade
legítima quando protege um bem jurídico consagrado na Constituição Federal.

Exemplo: o homicídio é crime porque a CF/1988 assegura a todos o direito à vida.

Obs.: Como a CF/1988 não impõe a ninguém nenhum tipo de orientação sexual, então não é possível incriminar nenhum
comportamento desse tipo.

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Claus Roxin: “Um conceito de bem jurídico vinculante político-criminalmente só pode derivar dos valores garantidos na
lei fundamental, do nosso Estado de Direito baseado na liberdade do indivíduo, através dos quais são marcados os limites
da atividade punitiva do Estado”.

6.2. A espiritualização de bens jurídicos no Direito Penal

Obs.: O professor destaca que uma prova de segunda fase do TJ/BA, que ocorreu em 2010/2011, trazia a seguinte questão:
“Discorra sobre a espiritualização de bens jurídicos no Direito Penal”.

✓ Roxin criou a expressão “espiritualização de bens jurídicos”.

Na sua origem, o Direito Penal apenas se preocupava com os crimes de dano contra bens jurídicos individuais. Porém,
com a evolução da humanidade, o Direito Penal antecipou a sua tutela, assumindo um papel preventivo. Nesse diapasão,
ele passou a punir os crimes contra bens jurídicos difusos e coletivos.
O Direito Penal passa a desempenhar um papel preventivo. Assim, cria um crime de perigo para tentar evitar um crime
de dano contra um bem individual.
Exemplo: o porte ilegal de arma de fogo é crime porque quem porta arma ilegal faz isso como objetivo de praticar
um crime mais grave. Assim, punindo o crime de perigo contra um bem jurídico difuso (segurança pública) o
legislador quer evitar o dano a bens individuais.
✓ O que Roxin chama de espiritualização de bens jurídicos também é chamado de “liquefação” ou
“desmaterialização” de bens jurídicos.

Crimes de dano x crimes de perigo


• Crimes de dano são os crimes de lesão. Eles reclamam a efetiva lesão ao bem jurídico.
• Crimes de perigo são os crimes de risco. Eles se consumam com a mera exposição do bem jurídico a um risco de
dano.
Eles se subdividem em:
- Concreto ou real – a consumação do delito reclama a efetiva exposição do bem jurídico a uma probabilidade de
dano.
- Abstrato ou presumido – a situação de perigo é presumida pela lei. Exemplo: tráfico de drogas.

STF: “A criação de crimes de perigo abstrato não representa, por si só, comportamento inconstitucional por parte do
legislador penal. A tipificação de condutas que geram perigo em abstrato, muitas vezes, acaba sendo a melhor alternativa
ou a medida mais eficaz para a proteção de bens jurídico-penais supraindividuais ou de caráter coletivo, como, por
exemplo, o meio ambiente, a saúde etc. Portanto, pode o legislador, dentro de suas amplas margens de avaliação e de

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decisão, definir quais as medidas mais adequadas e necessárias para a efetiva proteção de determinado bem jurídico, o
que lhe permite escolher espécies de tipificação próprias de um direito penal preventivo” (HC 102.087).

7. Princípio da proporcionalidade

7.1 Denominação

O nome mais comum é princípio da proporcionalidade, o qual é originário da Alemanha. Na Itália, é mais comum se falar
em razoabilidade. Nos EUA, fala-se muito em “convivência das liberdades públicas”.

7.2 A dupla face do princípio da proporcionalidade

Questão: Qual é o conceito de princípio da proporcionalidade?


No passado, falava-se que a proporcionalidade significava que o Direito Penal deveria ser aplicado de maneira equilibrada,
devendo ser uma atividade vantajosa para a sociedade.

Modernamente, há o entendimento da existência da dupla face do princípio da proporcionalidade, ou seja, não há uma
única definição para o princípio em tela.

São faces desse princípio:


a) Proibição do excesso: não se pode punir mais do que o necessário para a proteção do bem jurídico.
Exemplo: o crime do art. 273 do CP traz penas absurdas para falsificação de medicamentos e cosméticos.
A proibição do excesso visa a proteger o acusado.
b) Proibição da proteção deficiente (ou insuficiente) de bens jurídicos: não se pode punir menos do que o
necessário para a proteção do bem jurídico. A proibição da proteção deficiente visa a proteger a sociedade.

“Garantismo negativo” e “garantismo positivo”


O garantismo penal é uma linha de pensamento criada pelo italiano Luigi Ferrajoli, na obra “Direito e razão”. Em síntese,
o garantismo penal é o direito penal que respeita os direitos e garantias previstos na CF e nas leis.

✓ A proibição do excesso caracteriza o “garantismo negativo” e a proibição da proteção deficiente caracteriza o


“garantismo positivo”.

O garantismo negativo associado a um garantismo positivo caracterizam o garantismo integral.

✓ O garantismo não se opõe à persecução penal, à condenação e à punição. O garantismo se refere ao respeito aos
direitos e garantias fundamentais.

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Atenção: O garantismo penal não pode ser monocular, ou seja, não pode proteger apenas um dos lados da relação
jurídica, ou seja, está preocupado apenas com o acusado ou apenas com a sociedade.
O garantismo penal também não pode ser um garantismo monocular hiperbólico, ou seja, exagerado (apenas para um
lado da relação).

7.3 Espécies de proporcionalidade

a) Legislativa ou abstrata: é aquela que tem como destinatário o legislador no momento da criação do crime e da
cominação da pena.
No momento da criação do crime e da cominação da pena, já deve haver proporcionalidade (ainda que precária).
Exemplo: o furto possui uma pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa. Um roubo (furto + violência ou grave
ameaça), por sua vez, possui uma pena de reclusão de 4 a 10 anos.

b) Judicial ou concreta: é aquela efetuada pelo magistrado e tribunais no momento da aplicação da pena.
Essa proporcionalidade deve levar em conta os dados concretos do crime e a personalidade do agente.

c) Executória ou administrativa: é aquela que deve ser observada na fase da execução da pena (fase de
cumprimento da pena).
Exemplo 1: um condenado que possui um ótimo comportamento e trabalha durante o cumprimento da pena terá
progressão e remição de pena.
Exemplo 2: um condenado que não trabalha nem estuda e possui um péssimo comportamento, participando de
motins, terá a regressão.

O STF se baseou no princípio da proporcionalidade ao declarar a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei de Crimes


Hediondos que determinava o “regime integralmente fechado”. Segundo o STF, esse dispositivo violava a
proporcionalidade na fase judicial (pois tiraria do juiz o direito de escolher o regime prisional adequado) e na fase
executória/administrativa (porque todos os condenados teriam o mesmo tratamento, independentemente do
comportamento).

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