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INTENSIVO II

Cleber Masson
Direito Penal
Aula 5

ROTEIRO DE AULA

Tema: PENA DE MULTA

1. Conceito

A pena de multa é espécie de sanção penal de natureza patrimonial, consistente no pagamento de determinada quantia
em dinheiro em favor do fundo penitenciário.

Observações:
✓ Há duas espécies de sanção penal: pena (privativa de liberdade, restritiva de direitos e multa) e medida de
segurança.
✓ A multa é uma sanção de origem patrimonial, ou seja, recai sobre o patrimônio do condenado.
✓ O professor destaca que, aquele que busca enriquecer ilicitamente, lesando o patrimônio alheio, deve sentir a
resposta do Estado no bolso.
✓ A multa requer o pagamento em dinheiro, o qual é revertido ao fundo penitenciário.

2. Fundo Penitenciário
O Fundo Penitenciário Nacional é gerido pelo DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional.

- Lei Complementar 79/1994: Fundo Penitenciário Nacional


O Fundo Penitenciário Nacional é regulamentado pela LC 79/1994. Essa lei preceitua que esse fundo é usado para
desenvolver melhorias no sistema penitenciário brasileiro.

✓ Tal fundo é composto por recursos e meios para o aperfeiçoamento do sistema penitenciário brasileiro.

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Existem Fundos Penitenciários Estaduais? Sim.

Os Estados podem criar fundos penitenciários próprios, conforme art. 24, CF (competência concorrente).

CF, art. 24: “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário,
financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico.”

✓ A maioria dos presídios, no Brasil, é composta por instituições estaduais. O professor destaca que, há umas duas
décadas, que ouvimos falar de presídios federais.
✓ No Brasil, a competência para legislar sobre direito penitenciário é concorrente entre União, estados e DF.
✓ O professor ressalta que as penas de multa aplicadas pela Justiça Federal vão para o Fundo Penitenciário Nacional.
As penas de multa aplicadas pela justiça estadual vão para os respectivos estados da federação.

Observações:
Em provas estaduais de magistratura e MP, o aluno deve saber qual é a lei que disciplina o fundo penitenciário do
respectivo estado.
Exemplo: no estado de São Paulo, o fundo penitenciário é disciplinado pela Lei 9.171/1995.
O professor ressalta a importância de o candidato conhecer as peculiaridades inerentes à carreira do estado em que
presta a prova.

3. Critério adotado para a pena de multa


O Código Penal brasileiro adotou o sistema do dia-multa, ou seja, os tipos penais se limitam a prever a pena de multa sem
indicar o seu respectivo valor. A Parte Geral do CP, por sua vez, fornece instrumentos para o juiz calcular a pena de multa.

✓ O professor destaca que a legislação especial pode prever regras específicas. Exemplo: a Lei 8.666/93 tinha o art.
99, o qual trazia um critério diferente para a pena de multa.
Lei 8666/93, art. 99. “A pena de multa cominada nos arts. 89 a 98 desta Lei consiste no pagamento de quantia
fixada na sentença e calculada em índices percentuais, cuja base corresponderá ao valor da vantagem
efetivamente obtida ou potencialmente auferível pelo agente.” (Revogado pela Lei nº 14.133, de 2021)

Atualmente, entretanto, os crimes em licitação têm a pena de multa disciplinada pelo art. 337 – P do CP1.

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CP, art. 337-P: “A pena de multa cominada aos crimes previstos neste Capítulo seguirá a metodologia de cálculo prevista
neste Código e não poderá ser inferior a 2% (dois por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com contratação
direta. (Incluído pela Lei nº 14.133, de 2021)”

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4. Aplicação da pena de multa

CP, art. 49: “A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada
em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.
§ 1º - O valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal
vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário.”

Para a aplicação da pena de multa, o Código Penal prevê o sistema bifásico:


• Na primeira fase, o juiz calcula o número de dias-multa (não pode ser inferior a 10 nem superior a 360); e
• Na segunda fase, o juiz calcula o valor do dia-multa (não pode ser inferior a 1/30 do salário-mínimo nem superior
a cinco vezes o salário-mínimo).

Observações:
➢ Para calcular o número de dias-multa, o juiz leva em conta tudo o que foi utilizado para aplicar a pena privativa
de liberdade (circunstâncias judiciais favoráveis e desfavoráveis; agravantes e atenuantes; e causas de aumento
e diminuição da pena).
➢ Para calcular o valor de cada dia-multa, o juiz leva em consideração a situação econômica do réu.

O sistema bifásico permite a correta individualização da pena de multa e possibilita que o patrimônio do condenado seja
atingido.

Exemplo:

Rico, primário e sem antecedentes. Pobre, péssimos antecedentes, Multirreincidente

10 dias-multa. 200 dias-multa.


Valor do dia-multa: 5 salários-mínimos Valor do dia multa: um trigésimo do salário-mínimo.

5. Multa ineficaz
Para fixar a pena de multa, o juiz leva em conta, principalmente, a situação econômica do réu. Entretanto, pode ser que
o valor de cada dia-multa, mesmo quando aplicado no máximo legal, ainda seja ineficaz em razão da situação econômica
do réu. Neste caso, o juiz deve aplicar o disposto no art. 60, §1º do CP:

CP, art. 60: “Na fixação da pena de multa o juiz deve atender, principalmente, à situação econômica do réu.

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§ 1º - A multa pode ser aumentada até o triplo, se o juiz considerar que, em virtude da situação econômica do réu, é
ineficaz, embora aplicada no máximo.”

✓ De acordo com o Código Penal, o juiz pode aumentar a pena de multa até o triplo se verificar que isso será
necessário para que a multa seja eficaz.
✓ Esse é o máximo no CP.

5.1. Multa ineficaz e legislação penal especial


Na legislação penal especial, há critérios diferenciados para a situação de multa ineficaz.

a) Lei de Drogas:

Lei 11.343/06, art. 43: “Na fixação da multa a que se referem os arts. 33 a 39 desta Lei, o juiz, atendendo ao que dispõe
o art. 42 desta Lei, determinará o número de dias-multa, atribuindo a cada um, segundo as condições econômicas dos
acusados, valor não inferior a um trinta avos nem superior a 5 (cinco) vezes o maior salário-mínimo.
Parágrafo único. As multas, que em caso de concurso de crimes serão impostas sempre cumulativamente, podem ser
aumentadas até o décuplo se, em virtude da situação econômica do acusado, considerá-las o juiz ineficazes, ainda que
aplicadas no máximo.”

Atenção: no caso do crime do art. 28 da lei de drogas, não se aplica o disposto neste dispositivo legal.

O professor destaca que houve um caso famoso em que a multa foi aumentada até o décuplo. Trata-se do processo do
traficante Juan Carlos Abadía.

b) Crimes contra a propriedade industrial – Lei 9.279/1996

Lei 9.279/1996, art. 197: “As penas de multa previstas neste Título serão fixadas, no mínimo, em 10 (dez) e, no máximo,
em 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, de acordo com a sistemática do Código Penal.
Parágrafo único. A multa poderá ser aumentada ou reduzida, em até 10 (dez) vezes, em face das condições pessoais do
agente e da magnitude da vantagem auferida, independentemente da norma estabelecida no artigo anterior.”

Nos crimes contra a propriedade industrial, a multa pode ser aumentada até o décuplo, mas também pode ser reduzida
até o décuplo (caso ela seja considerada excessiva).
Exemplo: um vendedor ambulante (camelô) que vende CDs e DVDs falsificados pode ter a multa reduzida até o décuplo.

c) Crimes contra o sistema financeiro nacional – Lei 7.492/1986

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Lei 7.492/1986, art. 33: “Na fixação da pena de multa relativa aos crimes previstos nesta lei, o limite a que se refere o §
1º do art. 49 do Código Penal, aprovado pelo Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de.1940, pode ser estendido até o
décuplo, se verificada a situação nele cogitada.”

6. Multa irrisória
A legislação brasileira não define até qual valor a multa é considerada irrisória.
Multa irrisória é aquela de valor extremamente reduzido.

Questão: A multa irrisória deve ser cobrada pelo Estado?


1ª Corrente (majoritária): Sim, a pena de multa tem que ser cobrada, independentemente de seu valor. Isso ocorre porque
a finalidade da pena de multa não é arrecadar dinheiro para os cofres públicos. A pena de multa, enquanto pena, é
imperativa.
2ª Corrente (minoritária): Não, pois o valor que será gasto na cobrança da pena de multa será superior ao valor a ser
arrecadado no final.

6. Multa excessiva
Trata-se de multa de valor elevado para a situação econômica do condenado.
O professor destaca que, em um país de miseráveis, a pena de multa, mesmo aplicada no mínimo, pode ser exagerada.

a) Lei 9.099/95
Art. 76, § 1º Nas hipóteses de ser a pena de multa a única aplicável, o Juiz poderá reduzi-la até a metade.

b) Crimes contra a propriedade industrial – Lei 9.279/1996

Lei 9.279/1996, art. 197: “As penas de multa previstas neste Título serão fixadas, no mínimo, em 10 (dez) e, no máximo,
em 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, de acordo com a sistemática do Código Penal.
Parágrafo único. A multa poderá ser aumentada ou reduzida, em até 10 (dez) vezes, em face das condições pessoais do
agente e da magnitude da vantagem auferida, independentemente da norma estabelecida no artigo anterior.”

7. Pagamento voluntário da pena de multa


O pagamento da pena de multa pode ser feito de forma voluntária, nos termos do art. 50 do CP.

CP, art. 50: “A multa deve ser paga dentro de 10 (dez) dias depois de transitada em julgado a sentença. A requerimento
do condenado e conforme as circunstâncias, o juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais.”

Exemplo: ao aplicar a pena, o juiz, exemplificativamente, condena o réu a 30 dias-multa, cada um com o valor de 1/2
salário-mínimo. Esse valor, posteriormente, deve ser liquidado para se encontrar o valor exato.

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✓ Após o trânsito em julgado da sentença, faz-se a liquidação do valor da pena de multa.
✓ Os centavos da pena são desprezados.
✓ O réu é intimado para pagar a pena de multa.

Obs.: Conforme o art. 50 do CP, é possível parcelar o pagamento da pena de multa a pedido do condenado, em parcelas
mensais, iguais e sucessivas.
O número (mínimo ou máximo) de parcelas fica a cargo do julgador, pois não há previsão legal versando sobre isso. Assim
sendo, o magistrado terá que se valer da razoabilidade para fixar tais parcelas.

É possível o pagamento da pena de multa por meio de desconto em folha de pagamento.


✓ Quando o condenado é servidor público ou celetista, o juiz pode oficiar a empresa pagadora ou a instituição
pública para que o desconto seja feito em folha de pagamento.
✓ O desconto da remuneração não pode ser inferior a um décimo da remuneração do condenado, nem superior a
um quarto dela (CP, art. 50, §2º2 e LEP, art. 168, I3).

8. Execução da pena de multa


A pena de multa deve ser executada quando ela não é paga voluntariamente. Assim sendo, execução nada mais é do que
a cobrança forçada da pena de multa.

Análise histórica
Até 1996, o art. 51 dizia que, se a pena de multa não fosse paga no prazo legal, o juiz a converteria em detenção.
A redação do art. 51 do CP foi alterada pela lei 9.268/1996 e passou a dispor que a pena de multa não paga deveria ser
considerada dívida de valor, ou seja, a partir de então não era possível a conversão em prisão.
O Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) modificou novamente a redação do art. 51 do CP e, agora, ela é executada perante
o juiz da execução penal. O MP, como titular da ação penal, tem legitimidade para executá-la.

CP, art. 51: “Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e
será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que
concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)”

Observações:

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CP, art. 50, §2º: “O desconto não deve incidir sobre os recursos indispensáveis ao sustento do condenado e de sua
família”
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LEP, art. 168, I: “O Juiz poderá determinar que a cobrança da multa se efetue mediante desconto no vencimento ou
salário do condenado, nas hipóteses do artigo 50, § 1º, do Código Penal, observando-se o seguinte:
I - o limite máximo do desconto mensal será o da quarta parte da remuneração e o mínimo o de um décimo;”

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1ª) A pena de multa não pode mais ser convertida em prisão. Ela deve ser cobrada como dívida de valor.
2ª) Mesmo sendo cobrada como dívida de valor, a multa conserva o caráter de pena e, portanto, tem natureza criminal.
Isso porque é a própria CF que dá à multa o caráter de pena (art. 5º, XLVI, “c”4) e a lei não pode alterar essa natureza
jurídica.

8.1. Legitimidade para execução da pena de multa

Súmula 521 do STJ: “A legitimidade para a execução fiscal da pena de multa pendente de pagamento imposta em sentença
condenatória é exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública.” (Súmula sem eficácia)

Atenção: O Pacote Anticrime (Lei 13.964/2019) modificou a redação do art. 51 do CP e, atualmente, a legitimidade para
execução da pena de multa é do MP perante a vara da execução penal.

CP, art. 51: “Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e
será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que
concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)”

9. Pena de multa e “habeas corpus”


Não cabe a utilização do habeas corpus para discussão exclusivamente ligada à pena de multa, pois tal remédio
constitucional depende de um risco à liberdade de locomoção. Assim, se a pena de multa não pode ser convertida em
prisão, não há risco à liberdade de locomoção.

Súmula 693 do STF: “Não cabe habeas corpus contra decisão condenatória a pena de multa, ou relativo a processo em
curso por infração penal a que a pena pecuniária seja a única cominada.”

CONCURSO DE CRIMES

1. Conceito
É o instituto que se verifica quando o agente, mediante uma ou mais condutas, pratica dois ou mais crimes.

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CF, art. 5º, XLVI: “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos”

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✓ Atenção: No concurso de crimes, pode haver unidade ou pluralidade de condutas, mas sempre haverá a
pluralidade de crimes.

2. Espécies
O Código Penal prevê três espécies de concurso de crimes:
• Concurso material (art. 69, CP5);
• Concurso formal (art. 706); e
• Crime continuado (at. 717).

O concurso material é regra geral do concurso de crimes. O concurso formal e o crime continuado são exceções criadas
para favorecer o réu.

3. Sistemas de aplicação da pena no concurso de crimes


Existem 3 sistemas de aplicação de pena no concurso de crimes:

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CP, art. 69: “Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não,
aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido. No caso de aplicação cumulativa de
penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro aquela.
§ 1º - Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa, por um
dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código.
§ 2º - Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que forem
compatíveis entre si e sucessivamente as demais. ”
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CP, art. 70: “Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-
se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto
até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes
resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.
Parágrafo único - Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código”
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CP, art. 71: Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e,
pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como
continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada,
em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa,
poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como
os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o
triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.”

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a) Cúmulo material: o sistema do cúmulo material acarreta a soma das penas, ou seja, todas as penas de todos os crimes
praticados pelo agente são somadas pelo juiz.
Esse sistema é adotado:
• No concurso material (art. 69 do CP); e
• No concurso formal impróprio ou imperfeito.

b) Exasperação: nesse caso, o juiz aplica somente a pena de um crime, aumentada de determinado percentual.
Esse sistema é adotado:
• No concurso formal próprio ou perfeito; e
• No crime continuado.

c) Absorção: nesse sistema, o juiz aplica somente a pena do crime mais grave praticado pelo agente, que absorve todas
as demais.
✓ O professor ressalta que esse sistema é criação jurisprudencial.
✓ Esse sistema foi criado na vigência da antiga lei de falências (Decreto-lei 7.661/1945).
✓ O STJ (REsp 1.617.129) tem preservado o sistema da absorção na atual lei de falências (Lei 11.101/2005).

EMENTA: “RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME FALIMENTAR. FRAUDE A CREDORES. INDUÇÃO A ERRO. ALEGAÇÃO DE
PRESCRIÇÃO COM BASE NO DECRETO-LEI N. 7.661/1945. NÃO OCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA UNICIDADE DOS CRIMES
FALIMENTARES. APLICAÇÃO. PRECEDENTES. APLICÁVEL A LEI N. 11.101/2005. PLEITO DE ATIPICIDADE. CRIAR UMA
EMPRESA. TIPO PENAL QUE TUTELA A CONDUTA QUE POSSA CAUSAR PREJUÍZO. DESNECESSÁRIA DEMONSTRAÇÃO DE
PREJUÍZO. CRIME DE PERIGO. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE AFIRMOU QUE O PREJUÍZO FICOU COMPROVADO NOS AUTOS.
REVER O ENTENDIMENTO. NECESSIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ. VENDA DE
PONTO COMERCIAL. MERO EXAURIMENTO DO 1º FATO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. PLEITO
PELA ATIPICIDADE DO 3º FATO. ALEGAÇÃO DE QUE O IMÓVEL NÃO PERTENCIA À FALIDA. REEXAME DO MATERIAL
PROBANTE. NECESSIDADE. SÚMULA 7/STJ. FRAUDE COM LOCAÇÃO DE IMÓVEL. MERO EXAURIMENTO DO 1º FATO. FALTA
DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL VIOLADO, SÚMULA 284/STF. VENDA DE PONTO COMERCIAL. MERO
EXAURIMENTO DO 1º FATO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO SOB O ENFOQUE TRAZIDO NO RECURSO ESPECIAL.
SÚMULA 282/STF. INDUÇÃO A ERRO. INFORMAÇÕES FALSAS. INFORMAÇÕES REQUISITADAS. IRRELEVÂNCIA.
POSSIBILIDADE DE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS FALSOS VOLUNTARIAMENTE. CAUSA DE AUMENTO. ART. 168, 1º,
V, DA LEI N. 11.101/2005. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE AFIRMOU QUE OS LIVROS CONTÁBEIS ESTAVAM COM O RÉU. REVER
ENTENDIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ. PRINCÍPIO DA UNICIDADE. RECONHECIMENTO DE
CRIME ÚNICO. FATOS 1 A 4. RETORNO DOS AUTOS. NOVA DOSIMETRIA DA PENA. 1. O princípio da unicidade estabelece
que, havendo o concurso de diversas condutas voltadas ao cometimento de fraudes aos credores da empresa em processo
de falência, considera-se a prática de apenas um único tipo penal, para o qual deve ser aplicada a pena do mais grave
deles (HC n. 94.632/MG, Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 20/3/2013). 2. Tratando-se de crime único, vê-se que

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o último fato descrito na denúncia ocorreu em 11 de dezembro de 2007 e, portanto, somente nessa data a fraude foi
definitivamente realizada. Consumando-se em 2007, aplicável a Lei n. 11.101/2005, cujos prazos prescricionais são
regidos pelo art. 182 da referida lei e pelas disposições do Código Penal. Delito que não se encontra prescrito. 3. Uma vez
que o tipo penal ao art. 168 da Lei n. 11.101/2005 tutela a conduta que possa causar prejuízo, desnecessária a
demonstração de efetiva prejuízo, pois o crime é classificado como de perigo. Sendo assim, não é necessário demonstrar
que a criação de uma outra empresa, no mesmo ramo comercial que a falida, efetivamente acarretou prejuízo aos
credores. 4. Ademais, verifica-se que a Corte a quo afirma que o prejuízo sofrido pelos credores ficou comprovado com a
demonstração de liquidação de débitos da Fazenda Pública estadual e Federal. Sendo assim, para rever o posicionamento,
seria necessário o reexame fático-probatório dos autos, o que não é possível em razão do disposto na Súmula 7/STJ. 5. O
fato de o pleito referente à venda de ponto comercial pertencente à falida (2º fato) ser mero exaurimento da acusação
relacionada ao 1º fato não foi debatido pelo Tribunal de origem sob o enfoque trazido no recurso especial. O tema
também não foi tratado nos embargos de declaração, motivo pelo qual o tema carece de prequestionamento, nos termos
da Súmula 211/STJ. 6. Para que se possa examinar a pretensão ventilada pelo ora recorrente para entender que o imóvel
em questão não pertencia à falida, seria indispensável compulsar os autos, a fim de verificar se todas as provas neles
constantes sustentariam a conclusão almejada. E esse revolvimento do material probante não é permitido em sede de
recurso especial, a teor da Súmula 7/STJ. 7. O pedido de reconhecimento de que a locação de imóvel é mero exaurimento
da acusação relacionada ao 1º fato não merece ser conhecido, uma vez que, com relação a ele, a defesa não indicou o
dispositivo de lei federal tido por violado. Óbice previsto na Súmula 284/STF. 8. O pleito de reconhecimento de que a
venda de ponto comercial seria mero exaurimento do 1º fato não foi debatido pelo Tribunal de origem sob o enfoque
trazido no recurso especial. Súmula 211/STJ. 9. Para configuração do crime de erro de indução na modalidade prestar
informações falsas não é necessário que as informações sejam prestadas apenas quando reclamadas, elas podem ser
apresentadas pelo réu, no processo de falência, de forma voluntária. 10. Após promoverem o exame do arcabouço fático-
probatório dos autos, as instâncias ordinárias concluíram que o réu tinha acesso aos livros contábeis. Para desconstituir
a conclusão das instâncias ordinárias, na forma pretendida pela ora agravante, implica necessariamente a incursão no
conjunto probatório dos autos, revelando-se inadequada a análise da pretensão recursal em função do óbice da Súmula
7/STJ. 11. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, parcialmente provido apenas para reconhecer a
existência de crime único entre os fatos n. 1, 2, 3 e 4 descritos na denúncia, devendo os autos retornar ao Tribunal de
origem para que proceda à nova dosimetria da pena. (REsp 1617129/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA
TURMA, julgado em 07/11/2017, DJe 21/11/2017).

4. Concurso material
O concurso material também é chamado de concurso real.

4.1. Dispositivo legal e conceito

Conceito: Concurso material ou real é a espécie de concurso de crimes que se verifica quando o agente, mediante mais
de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não.

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CP, art. 69, “caput”, 1ª parte: “Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes,
idênticos ou não, aplicam-se cumulativamente as penas privativas de liberdade em que haja incorrido.”
✓ Fórmula: pluralidade de condutas + pluralidade de crimes.

4.2. Espécies
a) Homogêneo: o concurso material é homogêneo quando os crimes são idênticos.
Exemplo: dois furtos.
b) Heterogêneo: o concurso material é heterogêneo quando os crimes são diversos. (Exemplo: roubo e estelionato).

✓ Neste caso, o CP adota o sistema do cúmulo material.


✓ O concurso material é a regra geral, pois o natural é que o agente receba penas por todos os crimes que tiver
cometido. Exemplo: se o agente cometeu 3 crimes, ele deve receber 3 penas (regra).

4.3. Momento para a soma das penas


O momento adequado para a soma das penas dependerá de algumas circunstâncias:

1º) Se houver conexão entre os crimes com a respectiva unidade processual, a soma das penas será efetuada pelo juiz (na
sentença condenatória) ou pelo tribunal (no acórdão condenatório).
Neste caso, o juiz aplica a pena de cada um dos crimes separadamente e, depois, realiza a soma de todas elas.

2º) Se não houver conexão, também não haverá unidade processual.


✓ Em caso de crimes que sejam objeto de ações penais diversas, a soma das penas será efetuada pelo juízo da
execução.

LEP, art. 66, III, “a”: “Compete ao Juiz da execução:


(...)
III - decidir sobre:
a) soma ou unificação de penas;”

4.4. Imposição cumulativa de penas de reclusão e detenção

No caso de imposição cumulativa de penas de reclusão e detenção, o condenado cumprirá primeiro toda a pena de
reclusão. Nesse tópico, o Código Penal adotou o princípio pelo qual primeiro são executadas as penas mais graves.

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CP, art. 69, “caput”, parte final: “No caso de aplicação cumulativa de penas de reclusão e de detenção, executa-se primeiro
aquela.”

4.5. Cumulação de pena privativa de liberdade com restritiva de direitos

CP, art. 69, § 1º: “Na hipótese deste artigo, quando ao agente tiver sido aplicada pena privativa de liberdade, não suspensa
(sem sursis), por um dos crimes, para os demais será incabível a substituição de que trata o art. 44 deste Código.”

Imagine que “A” tenha sido condenado por 2 crimes: para o primeiro, ele não teve sursis e está cumprindo a pena privativa
de liberdade. Para a outra condenação, em tese, haveria a possibilidade de sursis, mas o CP proíbe isso.

O professor ressalta que, quando o art. 69, §1º do CP foi redigido, havia uma sistemática diferente para as penas restritivas
de direitos (período anterior à Lei 9.714/98). Assim sendo, se o agente estivesse preso, não havia compatibilidade para
cumprir uma outra pena restritiva de direitos, já que as únicas previstas eram a prestação de serviços à comunidade, a
limitação de fim de semana e algumas hipóteses de interdição temporária de direitos.

Após a Lei 9.714/98, é necessário verificar se há compatibilidade entre a pena privativa de liberdade com a pena restritiva
de direitos, pois outras modalidades foram criadas a partir dessa lei.

✓ O art. 69, §1º do CP deve ser interpretado com um olhar diferenciado, compatibilizando a essência do dispositivo
com as penas criadas após a redação do artigo, ou seja, com a pena de perda de bens e valores e com a prestação
pecuniária.

4.6. Cumprimento sucessivo ou simultâneo de penas restritivas de direitos

CP, art. 69, § 2º: “Quando forem aplicadas penas restritivas de direitos, o condenado cumprirá simultaneamente as que
forem compatíveis entre si e sucessivamente as demais.”

✓ No caso de cumprimento de duas ou mais penas restritivas de direitos, se elas forem compatíveis entre si, poderão
ser cumpridas simultaneamente (exemplo: prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária).
✓ Caso as penas sejam incompatíveis entre si, serão cumpridas sucessivamente (exemplo: prestação de serviços à
comunidade realizada no sábado e a pena de limitação de fim de semana).

5. Concurso formal
É também chamado de concurso ideal de crimes.

5.1. Dispositivo legal e conceito

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CP, art. 70: “Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-
se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto
até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes
resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.”

Conceito: O concurso formal é a espécie de concurso de crimes que se verifica quando o agente, mediante uma só ação
ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não.
✓ Unidade de conduta e pluralidade de crimes.

5.2. Espécies e aplicação da pena

a) Homogêneo: o concurso formal homogêneo ocorre quando os crimes são idênticos.

b) Heterogêneo: o concurso formal heterogêneo ocorre quando os crimes são diversos.

c) Perfeito ou próprio: É aquele em que não há desígnios autônomos do agente no tocante à pluralidade de crimes, ou
seja, o agente não tem o dolo no tocante a todos os crimes.
✓ A pluralidade de crimes não emana de desígnios autônomos.

O concurso formal próprio ou perfeito ocorrerá:


• Entre um crime doloso e outro(s) crime(s) culposo(s); ou
• Entre crimes culposos.

No concurso formal próprio ou perfeito, o Código Penal adota o sistema da exasperação, ou seja, o juiz aplica a pena de
somente um dos crimes: qualquer delas, se idênticas; ou a mais grave, se diversas; aumentada de um sexto até a metade.
✓ Trata-se de um instituto que beneficia o réu.

Neste caso, o critério que norteia o juiz no aumento é unicamente o número de crimes praticados pelo agente.
Número de crimes Aumento da pena
2 1/6
3 1/5
4 ¼
5 1/3
6 ou mais ½

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O concurso formal próprio ou perfeito é uma causa de aumento de pena e, portanto, incide na 3ª fase de aplicação a
pena.
✓ Caso haja 6 crimes ou mais, os 6 primeiros crimes são utilizados para se chegar ao aumento máximo (1/2), os
demais são utilizados como circunstâncias judiciais desfavoráveis (art. 59, caput do CP8 - 1ª fase de aplicação a
pena).

d) Imperfeito ou impróprio: concurso formal impróprio ou imperfeito é aquele em que a pluralidade de resultados emana
de desígnios autônomos, isto é, o agente atua com dolo no tocante a todos os crimes.
Trata-se, portanto, de concurso formal entre crimes dolosos.

CP, art. 70: “Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-
se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto
até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes
resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior.”

Neste caso, a pena é aplicada pelo sistema do cúmulo material, ou seja, o juiz somará as penas de todos os crimes
praticados pelo réu.
✓ Para fins de aplicação da pena, o concurso formal impróprio ou imperfeito é um concurso material com uma única
conduta.

Exemplo 1: um assassino entra na casa com um revólver para matar os 5 membros da família. Ele dá um tiro em cada uma
das pessoas. Neste exemplo, o agente praticou 5 homicídios em concurso material.

Exemplo 2: um homicida entra na casa com um fuzil para matar os 5 membros da família. Ele amarra as 5 pessoas em fila
indiana e dá um tiro. O projétil perfura e mata todos os membros da família. Neste caso, como também houve dolo em
todos os resultados, adota-se o sistema do cúmulo material.

5.3. Teorias sobre o concurso formal


a) Subjetiva: A teoria subjetiva leva em conta a vontade do agente.
O agente tem vontade de produzir dois ou mais resultados, mediante uma única conduta.

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CP, art. 59, caput: “O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente,
aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá,
conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: (...)”

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b) Objetiva: para a teoria objetiva, admitem-se os desígnios autônomos. Neste caso, não se exige o dolo de de produzir
dois ou mais resultados, mediante uma única conduta.

O Código Penal adota a teoria objetiva, que é aquela que leva em conta o resultado produzido.
✓ O Código Penal adota a teoria objetiva porque ele admite o concurso formal com desígnios autônomos.

5.4. Concurso material benéfico

CP, art. 70, parágrafo único: “Não poderá a pena exceder a que seria cabível pela regra do art. 69 deste Código.”

✓ Para entender o que é concurso material benéfico, é necessário lembrar que o concurso formal próprio ou
perfeito foi criado para beneficiar o réu. Desse modo, se, na prática, o concurso formal próprio ou perfeito
(sistema da exasperação) prejudicar o réu, o juiz deve desprezá-lo e deve utilizar o concurso material (somando
as penas).

Obs.: o professor destaca que essa situação vai ocorrer principalmente quando houver um crime com pena muito alta e
um crime com pena muito baixa.
Exemplo: o agente pratica, em concurso de crimes, homicídio qualificado por motivo fútil de “A” e lesão culposa de “B”.
Considerando apenas a pena mínima do homicídio qualificado (12 anos) e da lesão culposa (3 meses), há o seguinte:

➢ 1º) Aplicando o concurso formal próprio ou perfeito (exasperação):


12 anos + 1/6 (2 crimes) = 14 anos.

➢ 2º) Aplicando o concurso material (cúmulo material):


12 anos (pena mínima do homicídio) + 3 meses (pena mínima da lesão corporal culposa) = 12 anos e 3 meses.

O concurso material benéfico somente pode ser aplicado quando se tratar de concurso formal próprio ou perfeito (em
que se adota o sistema da exasperação).
✓ O concurso formal impróprio ou imperfeito já é um concurso material para fins de aplicação de pena.

6. Crime continuado
O crime continuado é também chamado de continuidade delitiva.

6.1. Dispositivo legal e conceito

Conceito: Crime continuado ou continuidade delitiva é a espécie de concurso de crimes, prevista no art. 71 do Código
Penal, que se verifica quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma

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espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser
havidos como continuação do primeiro.

✓ Pluralidade de condutas + pluralidade de crimes + requisitos específicos.


✓ O professor destaca que o crime continuado é um concurso material com peculiaridades próprias.

CP, art. 71: “Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e,
pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como
continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada,
em qualquer caso, de um sexto a dois terços.”

6.2. Origem histórica


O crime continuado começou a ser desenhado na Europa (Itália) na Idade Média.

✓ Século XIV: Glosadores italianos (Bartolo de Sassoferrato e Baldo de Ubaldi).


✓ Séculos XV e XVI: Práticos italianos (Julio Claro e Próspero Farináceo).

O crime continuado foi criado para atenuar/abrandar a severidade das leis penais da época. Trata-se de instituto que foi
criado para beneficiar o réu.

Lei Carolina: “Se ficar devidamente provado que o ladrão atual se encontra na prática do seu terceiro furto, ver-se-á
considerado como ‘ladrão famoso’, não menos culpado do que os ladrões violentos, e deverá ser condenado à morte.”

Obs.: Em relação ao surgimento do instituto do crime continuado, o professor destaca que, naquela época, se um
indivíduo furtasse, por três vezes, animais de uma mesma propriedade rural em um curto espaço de tempo, pela Lei
Carolina, ele deveria ser condenado à pena de morte. Entretanto, nessa ocasião, começaram a criar uma espécie de ficção
para considerar que os crimes da mesma espécie cometidos em três dias diferentes poderiam ter sido cometidos de uma
única vez.
Nessa época começou a se desenvolver uma teoria que, posteriormente, foi sistematizada por Francesco Carrara: teoria
da ficção jurídica.
✓ Tal teoria defende que o crime continuado é composto por vários crimes independentes, mas que o legislador,
por ficção jurídica e para fins de aplicação de pena, considera como um crime só (crimes parcelares).

6.3. Natureza jurídica


O crime continuado é uma espécie de concurso de crimes (baseada na ficção jurídica).

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✓ Crimes parcelares são os vários delitos que integram a série continuada. Trata-se de vários crimes independentes,
mas que, para fins de aplicação da pena, o Direito Penal brasileiro considera como se fosse um único crime.

Atenção: A teoria da ficção jurídica vale exclusivamente para fins de aplicação da pena. Para todas as demais finalidades,
são considerados crimes independentes.

Exemplo: imagine que todos os crimes são de ação penal pública condicionada à representação. Nesse caso, a vítima terá
que representar em cada um deles separadamente.

6.4. Requisitos do crime continuado

a) Pluralidade de condutas: No crime continuado, o agente pratica mais de uma conduta, seja por ação, seja por omissão.

b) Pluralidade de crimes da mesma espécie: Não basta a existência da pluralidade de crimes, eles devem ser da mesma
espécie.

Questão: O que são crimes da mesma espécie para fins de continuidade delitiva?

• 1ª Corrente (minoritária): crimes da mesma espécie são os que apresentam características comuns entre si. Para
essa corrente, pouco importa se os crimes estão ou não no mesmo tipo penal (exemplos: roubo e extorsão; furto
mediante fraude e estelionato). Essa posição é boa para ser usada em concursos de Defensoria Pública.

• 2ª Corrente (amplamente majoritária): crimes da mesma espécie são os que se encontram no mesmo tipo penal
e ofendem os mesmos bens jurídicos.
Assim, conforme esta corrente, não basta que os crimes estejam no mesmo tipo penal.
Exemplo: o roubo e latrocínio se encontram no mesmo tipo legal (art. 157, CP), mas atingem bens jurídicos
diversos: o roubo atinge o patrimônio e a integridade física (se praticado com violência à pessoa) ou a liberdade
individual (se praticado com grave ameaça); o latrocínio ofende o patrimônio e a vida.

c) Conexão temporal: são as condições de tempo citadas pelo Código Penal.


O professor destaca que o CP não diz o que são tais condições de tempo, mas a jurisprudência adotou um critério objetivo,
afirmando que, entre um crime parcelar e o outro não pode haver intervalo superior a 30 dias.

Exemplo: imagine que 5 furtos ocorreram em momentos distintos, com intervalo não superior a 30 dias. Neste caso, tem-
se a continuidade delitiva. Veja o esquema abaixo:

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Esquema 1:

Esquema 2:

No esquema 2, o sexto crime não terá o benefício da continuidade delitiva. Neste caso, haverá uma hipótese de concurso
de crimes (5 crimes em continuidade delitiva em concurso material com o sexto crime).

d) Conexão espacial: (critério jurisprudencial)


Os crimes de mesma espécie devem ser praticados na mesma cidade ou, no máximo, em cidades contíguas.

O critério desse requisito é geográfico e pouco importa o tempo de deslocamento entre os locais de cometimento dos
crimes. Neste caso, não importa, por exemplo, que questões como congestionamento ou eventos climáticos façam com
que o deslocamento demore algumas horas.
De outro lado, exemplificativamente, se a pessoa furta um bem no aeroporto em São Paulo, pega um voo de 40 minutos
para o Rio de Janeiro e furta outro bem lá logo em seguida, isso não pode ser considerado crime continuado, pois os
crimes não foram cometidos na mesma cidade nem em cidades limítrofes.

e) Conexão modal: são as condições ligadas à maneira de execução.

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Os crimes parcelares que integram a série continuada devem ter um modo de execução semelhante.
✓ Não se exige que as maneiras de execução sejam idênticas, mas sim semelhantes.
Exemplo: imagine que o funcionário de um determinado estabelecimento (“A”), por 5 dias seguidos, pega um
determinado valor da loja. No sexto dia, entretanto, o dono da loja tranca a gaveta e “A”, para furtar o dinheiro, quebra
o móvel. Neste exemplo, a maneira de execução do crime mudou no sexto dia, ou seja, os crimes apresentam maneira de
execução diversas.

f) Outras condições semelhantes: a conexão ocasional


A conexão ocasional ocorre quando o crime posterior foi praticado em razão da facilidade proporcionada pelo crime
anterior.

Obs.: o professor destaca que essas outras condições semelhantes são boas para serem adotadas em concursos do MP,
pois, de certa forma, são prejudiciais ao réu. Isso porque, quanto mais condições são exigidas, é mais difícil caracterizar o
crime continuado e, consequentemente, é mais fácil reconhecer o concurso material.

g) Para a caracterização do crime continuado, exige-se unidade de desígnios?


Unidade de desígnios equivale à unidade de dolo, ou seja, refere-se ao fato de o agente ter o dolo de praticar toda a
empreitada criminosa (plano previamente elaborado pelo agente).
A continuidade delitiva seria fruto de um plano previamente elaborado pelo agente.
Exemplo: imagine que uma cuidadora de idosos trabalhe na casa da velhinha “A”. O filho de “A” todas as semanas visitava
a mãe e deixava R$ 1000 para a idosa. A cuidadora vê os R$ 1000 na gaveta e pode furtar o valor todo de uma só vez, mas
decide fazer isso aos poucos. Assim sendo, a cada semana, ela retira uma quantia (até completar o valor total). Este é um
exemplo de unidade de desígnios.

Para responder à questão feita, há duas teorias:


• Teoria objetiva pura ou puramente objetiva
Para a caracterização do crime continuado, basta a presença dos requisitos objetivos expressamente indicados
pelo art. 71, CP9.
Essa teoria é indicada na Exposição de Motivos do Código Penal (item 5910). A exposição de motivos não é lei e
não tem força de lei (é doutrinária).

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CP, art. 71, caput: “Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma
espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser
havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se
diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.”
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Exposição de motivos, item 59: “O critério da teoria puramente objetiva não se revelou na prática maiores
inconvenientes, a despeito das objeções formuladas pelos partidários da teoria objetivo-subjetiva. O projeto optou pelo

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• Teoria mista ou objetivo-subjetiva – Essa teoria afirma que, além dos requisitos objetivos, a caracterização do
crime continuado também exige a unidade de desígnios.
O crime continuado deve ser objeto de um plano previamente elaborado pelo agente.
✓ Essa posição é adotada pelo STF, pelo STJ e pela doutrina moderna.
Essa teoria se propõe a diferenciar o crime continuado da habitualidade criminosa.
o Crime continuado é um benefício legal, é uma ficção jurídica criada para favorecer o réu.
o Habitualidade criminosa é a situação daquele que faz da prática de crimes o seu meio de vida.
Exemplo: o agente, durante um ano todo, furta a média de 1 carro por semana nas proximidades de uma
faculdade. Nesse caso, o professor ressalta que há pluralidade de condutas, há pluralidade de crimes da
mesma espécie, há as mesmas condições de tempo e de lugar e há modo de execução semelhante.
No exemplo dado, se não se exigir a c, haverá a incidência do crime continuado e, caso se aplicasse tal
benefício ao agente, ele seria privilegiado indevidamente.

6.5. Espécies de crime continuado e dosimetria da pena

a) Simples (art. 71, caput, CP): crime continuado simples ocorre quando os diversos crimes da mesma espécie têm penas
idênticas.

Nesse caso, como as penas são iguais, o juiz pega a pena de qualquer um dos crimes.

b) Qualificado (art. 71, caput, CP): crime continuado qualificado ocorre quando os diversos crimes da mesma espécie têm
penas diversas.

Nesses casos, como os crimes possuem penas diversas, o juiz, ao aplicar a pena, deve pegar a pena mais grave e aumentá-
la de 1/6 até 2/3.

✓ Observação: o aumento da pena leva em conta exclusivamente o número de crimes.

critério que mais adequadamente se opõe ao crescimento da criminalidade profissional, organizada e violenta, cujas ações
se repetem contra vítimas diferentes, em condições de tempo, lugar, modos de execução e circunstâncias outras,
marcadas por evidente semelhança. Estender-lhe o conceito de crime continuado importa em beneficiá-la, pois o
delinqüente profissional tornar-se-ia passível de tratamento penal menos grave que o dispensado a criminosos ocasionais.
De resto, com a extinção, no Projeto, da medida de segurança para o imputável, urge reforçar o sistema, destinado penas
mais lingas aos que estariam sujeitos à imposição de medida de segurança detentiva e que serão beneficiados pela
abolição da medida. A Política Criminal atua, neste passo, em sentido inverso, a fim de evitar a libertação prematura de
determinadas categorias de agentes, dotados de acentuada periculosidade”

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Número de crimes Aumento da pena
2 1/6
3 1/5
4 1/4
5 1/3
6 1/2
7 ou mais 2/3

✓ Caso haja mais de 7 crimes, os 7 primeiros crimes são utilizados para se chegar ao aumento máximo (2/3), os
demais são utilizados como circunstâncias judiciais desfavoráveis (1ª fase de dosimetria da pena).

c) Específico: crime continuado específico é aquele que consta no art. 71, § único do CP. Ele envolve crimes dolosos,
contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa.

CP, art. 71, parágrafo único: “Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à
pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem
como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até
o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.”

Atenção: No caso de crime continuado específico, a pena pode ser aumentada até o triplo. A expressão “até o triplo”
deve ser interpretada como 1/6 até o triplo.

Questão: É possível a continuidade delitiva entre homicídios, por exemplo?


A Súmula 605 do STF afirma que não se admite continuidade delitiva nos crimes contra a vida. Entretanto, tal súmula está
superada, pois ela é anterior ao atual art. 71, § único, CP.

6.6. Crime continuado e concurso material benéfico


Como visto anteriormente, o crime continuado serve para beneficiar o réu (assim como o concurso formal). Entretanto,
se, no caso concreto, o crime continuado for prejudicial ao réu, o juiz deverá aplicar o sistema do cúmulo material.

6.7. Crime continuado e crime habitual

Crime habitual é aquele que depende de uma reiteração de atos indicativos do estilo de vida do agente.
✓ Um único ato, isoladamente considerado, é irrelevante para o direito penal. Para se falar em crime habitual, é
necessário haver uma reiteração de atos indicativos do estilo de vida do agente.

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Exemplo: exercício ilegal da medicina (art. 282 do CP11).

7. Concurso de crimes e suspensão condicional do processo

Súmula 723 do STF: “Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima
da infração mais grave com o aumento mínimo de 1/6 (um sexto) for superior a 1 (um) ano.”

Essa súmula também é válida para o concurso material e formal.

8. Multa no concurso de crimes

CP, art. 72: “No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente.”

- Aplicabilidade:
O STJ afirma que o art. 72 é válido para o concurso material e para o concurso formal. Ele não se aplica ao crime
continuado.
A pena de multa deve observar o sistema da exasperação (pois o crime continuado, para fins de aplicação da pena, é
ficção jurídica).

11
CP, art. 282: “Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização
legal ou excedendo-lhe os limites:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos.
Parágrafo único - Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa.”

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