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55. A Leonor, de 19 anos, pretende vender um bem imóvel. Considere que a Lei n.

o
X/91 proíbe a administração de bens imóveis por menores de 21 anos. Quid iuris?

Pretende-se saber se “administração de bens imóveis” inclui a sua venda.


Argumento por maioria de razão (quem proíbe o menos, proíbe o mais – quem proibe
o usufruto, proíbe a disposição... se não posso gerir, também não posso alienar). O
elemento teleológico: proteger os menores de 21 anos, não capazes naturalmente de
fazer um bom uso dos direitos que têm.
Interpretação enunciativa.

56. Em Junho de 2007, António, de 16 anos de idade completados em Janeiro de 2006,


vendeu a Bernardo um valioso quadro que lhe tinha sido doado pelo seu Avô.
Bernardo solicita-lhe a exibição de um documento de identificação e António
mostra uma carta de condução que o apresenta como tendo 18 anos de idade. Os
pais de António tiveram imediatamente conhecimento do negócio celebrado e
pretendem requerer a sua anulação. Tendo em atenção o disposto no artigo 126.o
do CC e os elementos hermenêuticos de interpretação, considera que o Tribunal
deverá anular o negócio celebrado entre António e Bernardo?

Ver artigo 286º (nulidade), 287º (anulabilidade) e 289º (efeitos da declaração)

Nulidade – é nulo desde sempre; Anulação – é nulo desde a declaração

O artigo 126º CC dispõe que “Não tem o direito de invocar a anulabilidade o


menor que para praticar o ato tenha usado de dolo com o fim de se fazer
passar por maior ou emancipado”.

Aqui teremos de ter em conta principalmente a “unidade do sistema


jurídico”, o elemento sistemático, a partir do qual percebemos que 1º -
o artigo 126º está inserido numa subsecção chamada “Condição
jurídica dos menores”, 2º- que o artigo 122º diz que é menor quem não
tiver ainda completado dezoito anos de idade” (pelo que se conclui
que António é, de facto, menor) e 3º - que o artigo imediatamente
antes, o 125º, dispõe que os negócios jurídicos celebrados pelo menor
(neste caso, a venda do quadro) podem ser anulados por requerimento
do progenitor que exerça o poder paternal, e portanto, os seus pais
poderão requerer a sua anulação.

Quanto ao elemento teleológico, podemos dizer que a intenção do


legislador seria proibir que pessoas à partida pouco responsáveis
(menores de 18 anos) celebrassem negócios jurídicos sem a
autorização dos seus pais/representantes legais.

Assim, extrai-se do artigo 126º uma norma como: o menor não se pode
fingir maior ou emancipado ao celebrar um contrato, sob pena de não
ter poderes sobre o mesmo, sendo que os únicos que têm tais poderes
são os seus pais/representantes legais. E desta forma, o Tribunal deve
anular o negócio, a requerimento por parte dos pais de António.

57. No passado dia 25 de Outubro, por altura das comemorações dos 30 anos da
publicação da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais, e em face das reiteradas
dúvidas interpretativas relativamente ao conceito de cláusula contratual geral,
consagrado no artigo 1.o do Decreto-Lei n.o 446/85, de 25 de Outubro, o Secretário
de Estado da Justiça resolveu emanar um despacho, nos termos do qual “para todos
os efeitos, deverá entender-se como uma cláusula contratual geral toda a cláusula que não
tenha sido objecto de uma negociação individualizada e que viole os ditames da boa fé”.

Sara, jurista contratada por uma Associação de Defesa dos Consumidores, discorda
da interpretação firmada, considerando que a mesma não a vincula. Quem tem
razão? Fundamente a sua resposta.

Estamos perante uma questão de modalidades de interpretação quanto à sua fonte e


valor.
A lei que está a ser interpretada é um Decreto-Lei; e quem está a fazer a sua
interpretação é o secretário de estado da Justiça, estando a emitir um despacho (que
faz parte dos regulamentos).
Ou seja, está a fazer uma interpretação oficial (porque vem de uma norma que tem
valor inferior à que está a interpretar, não tendo eficácia externa nem caráter
vinculativo, tendo somente eficácia interna).
Portanto, Sara tem razão ao dizer que este despacho interpretativo NÃO a vincula, e
pode recorrer se considera que aquela interpretação não está conforme à fonte
superior que está a interpretar, sendo por isso ilegal. (O artigo 268º da CRP diz que
quando alguém tem uma divergência com a administração pública, tem o direito de ir
a tribunal)

59. Considere as seguintes normas do direito português no domínio da filiação:


“Presume-se que o Pai é o marido da Mãe”.
“A Mãe é quem tiver dado à luz o filho”.

Imagine que usando as modernas técnicas de reprodução artificial, Maria,


casada com Joana, dá à luz um filho, cujo património genético é parcialmente
proveniente de estranhos.

Como atribuiria a filiação na ausência de regulamentação legal para o caso?

Presunção – de um facto que conheço, retiro outro que desconheço e escuso de


provar.
Se de antemão se fala na “ausência de regulamentação legal para o caso”, então está-
se a denunciar desde logo que existe uma lacuna (uma incompletude insatisfatória do
sistema jurídico). O Direito deveria dar resposta à situação desta criança que nascerá
com a ajuda das modernas técnicas de reprodução artificial, mas não dá. Contudo,
nem por isso o juiz se pode abster de julgar (artigo 8º, nº1 CC), e por isso deverá seguir
o disposto sobre a integração das lacunas da lei no artigo 10º.

Segundo os números 1 e 2 “Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a
norma aplicável aos casos análogos e Há analogia sempre que no caso omisso
procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei.”

Portanto, dever-se-á tentar encontrar uma solução por analogia legis. É necessário
que haja um caso previsto, cujas razões justificativas possam ser transpostas para o
caso omisso.

Ora, é-nos apresentado o caso previsto “Presume-se que o Pai é o Marido da Mãe/A
Mãe é quem tiver dado à luz o filho”. As razões que levaram o legislador a regular
desta forma poderão ter sido a proteção do recém-nascido, cujos pais devem ser
identificados, e que devem passar, a partir desse momento, a assumir
responsabilidades parentais.

Assim, podemos considerar que estas razões são passíveis de ser transpostas para o
caso omisso, porque também se quererá garantir a proteção do recém-nascido, cujos
pais (em sentido lato, Joana e Maria) devem ser identificados, e que devem passar, a
partir desse momento, a assumir responsabilidades parentais, independentemente de
serem 2 mulheres e de o património genético ser proveniente de estranhos.

Ou seja, a filiação da criança seria atribuída a Maria e a Joana.

62. O DL 105/99, de 31 de Março, diz no seu preâmbulo:

«A situação de greve que se tem verificado em conservatórias do registo comercial tem


provocado sérias perturbações e constrangimentos no regular fluir do comércio jurídico,
particularmente no sector empresarial. (...). Impõe-se, por isso, a adopção de medidas de
excepção tendentes a assegurar a normalidade do comércio jurídico, garantindo-se,
simultaneamente, a segurança possível, dadas as circunstâncias actuais.».

Do articulado sobressaem os seguintes trechos:

Art. 2.o/1: «Enquanto se mantiver a situação de processo de greve nos serviços de registo
comercial, e no período de 60 dias após a sua cessação, a exigência legal, para qualquer efeito,
de apresentação de certidão do registo comercial pode ser substituída por declaração dos factos
que a mesma se destina a comprovar, prestada pelos interessados, sob compromisso de honra.»

Art. 2.o/2: «Sem prejuízo da declaração a que se refere o número anterior, podem os
interessados juntar prova dos factos sujeitos a registo comercial mediante a apresentação dos
documentos que serviriam de base aos correspondentes registos.».

No dia 15 de Abril de 1999 começou uma greve, por tempo indeterminado, dos
funcionários das conservatórias do registo predial. A sua adesão é ligeiramente
superior à verificada na greve anterior. Pergunta-se: Nos actos para que fosse
necessária a apresentação de certidões do registo predial, pode ser invocado o DL
105/99?”

In PEDRO FERREIRA MÚRIAS, op. cit., p. 31

TEM DE SE COMEÇAR COM UM ESFORÇO INTERPRETATIVO (a interpretação extensiva


não se pode fazer porque “comercial” queria mesmo dizer comercial, era aplicada
àquela situação específica de greve (elemento histórico e sistemático); não se estende
à predial)

Pretende-se saber se poderemos recorrer à analogia legis para resolver o caso omisso
da greve dos funcionários das conservatórias do registo predial, considerando que o
caso previsto é o do DL 105/99, sobre a greve nos serviços de registo comercial.

Ora, poder-se-ia integrar a lacuna desta forma, dada a similitude das situações, SE o
preâmbulo no referido DL não estivesse escrito “adoção de medidas de exceção”
expressando claramente que se trata de um conjunto normas excecionais, que
contrariam o regime-regra, dispondo para uma situação particular. Sendo assim,
temos de destacar o artigo 11º do CC “As normas excecionais não comportam
aplicação analógica”.

Conclui-se que não se pode invocar o DL 105/99 nos atos para que fosse necessária a
apresentação de certidões de registo predial. Não há lacuna e aplico o regime regra.

APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO


RETROATIVIDADE – SUSCETIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE UMA LEI
NOVA A SITUAÇÕES ANTIGAS

I. No passado dia 15 de Outubro, foi publicada uma lei que, entre outros aspectos
relativos ao arrendamento urbano para habitação nos centros históricos de
Lisboa, impôs aos senhorios uma renda máxima por metro quadrado de área útil
dos imóveis arrendados.

1. Qual o grau de retroactividade desta lei nos seguintes casos:

a) A lei nada dispõe sobre os contratos a que se aplica;


Irretroatividade – apenas dispõe para os contratos novos (porque como nada
dispõe, aplica-se o princípio geral estabelecido no art. 12º, nº1 CC)
b) A lei estatui que se aplica «aos contratos já celebrados, mas só quanto às
rendas vincendas;
Retroatividade de grau mínimo/ordinária (aplica-se aos contratos antigos, já
celebrados, mas ficam ressalvados os efeitos já produzidos) a lei nova respeita
todos os efeitos produzidos no passado, ao abrigo da lei antiga; mas abrange os
efeitos que já se produzem na sua vigência, mesmo que com origem em situações
geradas no passado). Ou seja, esta lei só se vai aplicar aos contratos com rendas
cujo prazo de pagamento ainda não acabou (os efeitos ainda se estão a produzir
depois da lei nova, e a estes, portanto, aplica-se a lei nova). ART.12º, Nº1,
segunda parte

c) A lei determina que se aplica «aos contratos de arrendamento já celebrados,


inclusive quanto às rendas vencidas mas não pagas;
Retroatividade agravada (a lei nova aplica-se a TODAS as situações com origem
no passado, mas salvaguarda os efeitos já produzidos por “cumprimento da
obrigação, sentença passada em julgado, transação ainda que não homologada ou atos
de natureza análoga” – art. 13º CC)

d) A lei estabelece que se aplica «aos contratos de arrendamento celebrados a


partir do dia 1 de Janeiro de 2017, devendo ser restituídas aos inquilinos as
rendas pagas em excesso»;
Retroatividade quase extrema (a lei nova aplica-se às situações com origem no
passado – os senhorio vai ter de pagar o passado), exceto as definitivamente
decididas por sentença transitada em julgado – quando os tribunais já não podem
modificar a decisão ou porque a sentença pelo valor da ação não admite recurso, ou porque caducou
o direito de interposição do recurso ou porque esgotaram os recursos admissíveis, art.628
Cod.Proc.Civil)

e) A lei prevê a sua aplicação «aos contratos celebrados desde o dia 1 de Janeiro
de 2017, mesmo quanto às rendas já vencidas, devendo ser restituídas aos
inquilinos as quantias pagas em excesso, mesmo nos casos em que sobre o
pagamento ou sobre a relação das partes haja sido proferida sentença transitada
em julgado.
Retroatividade extrema (a lei nova aplica-se às situações com origem no passado,
incluindo as definitivamente decididas por sentença transitada em julgado).

2. Quais os contratos a que a lei nova se aplica, e em que medida, no caso de dela
constar um artigo final dizendo apenas: «Esta lei tem eficácia retroactiva»?
Em princípio, a lei só dispõe para o futuro (art.12º, nº1 CC), portanto a lei nova só se
aplicaria para os contratos de arrendamento novos (os que forem constituídos depois
de 15 de outubro). No entanto, se o artigo final disser “Esta lei tem eficácia retroativa”,
está-se a admitir a retroatividade de grau ordinário, isto é, segundo o art.12º, nº1
segunda parte, a lei abrange os efeitos que já se produzem na sua vigência, mesmo
que com origem em situações geradas no passado, mas os efeitos já produzidos
ficam ressalvados,

2ª parte do artigo 12º, nº1 CC: “Ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva,
presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se
destina a regular.”

Conclui-se que se a lei incluir esse artigo, então aplica-se aos contratos já celebrados
cujas rendas ainda estiverem a ser pagas, ou seja, as rendas a partir de 15 de outubro vão
passar a ser pagas de acordo com esta lei, mas os pagamentos já feitos não vão sofrer
alterações.

II. Atendendo a recentes estudos que sublinham os graves malefícios dos cigarros
eletrónicos, a Lei X/2014, de 28 de Dezembro, veio proibir a sua venda, atribuindo
eficácia retroativa ao diploma.
Responda às seguintes questões:
a) A InaloVape, Exclusive Smoking Devices, Lda., tem vendido a Fulgêncio vários
cigarros eletrónicos personalizados: o primeiro já está pago e já foi entregue; o
segundo já foi entregue e encontra-se parcialmente pago; o terceiro foi entregue, mas
ainda não se encontra pago; o quarto foi encomendado pela Inalovape ao fabricante,
que ainda não iniciou a sua produção, não tendo sido ainda efetuado qualquer
pagamento. A quais destes contratos se aplica a Lei X/2014?
ATENÇÃO: venda é o momento em que se decide vender/comprar
(independentemente da entrega e pagamento)
Presume-se que a lei tem eficácia retroativa de grau ordinário, pelo que salvaguarda os
efeitos já produzidos mas abrange os efeitos que já se produzem na sua vigência,
mesmo que com origem em situações geradas no passado. (o artigo 12º, nº1,
segunda parte)
Assim, conclui-se que:
Quanto ao primeiro, segundo e terceiro cigarros não há nada a fazer porque os
efeitos da venda (entrega/pagamento) ficam ressalvados.
O quarto cigarro não foi entregue nem pago, nem começou a sua produção, por
isso não será vendido de forma nenhuma, dado que a lei X/2014 já está em
vigência e a venda seria futura.
b) Pode a InaloVape, Exclusive Smoking Devices, Lda., vender hoje cigarrilhas
eletrónicas sabendo que estas são ainda mais perigosas para a saúde?
É um problema de interpretação. Se atendermos ao elemento histórico, que podemos
considerar que são os recentes estudos que sublinham os graves malefícios dos
cigarros eletrónicos; e ao elemento teleológico (o objetivo do legislador ao fazer esta
lei seria promover a saúde pública), então fazemos uma interpretação extensiva da
palavra “cigarros”, concluindo que o legislador usou uma palavra de âmbito mais
restrito, quando queria incluir cigarrilhas, charutos e outros objetos eletrónicos
utilizados para fumar, prejudicando a saúde.

III. Admita que no passado mês de Outubro entrou em vigor uma lei que alterou as
regras pelas quais se rege a atividade das empresas que gerem e exploram os
chamados “bancos de imagens” para fins publicitários ou de comunicação
institucional. Da lei nova consta a seguinte disposição:
“1. A cedência de fotografias com imagem pessoal confere ao cedente o direito de, a
todo o tempo, manifestar junto do cessionário a sua intenção de que essas fotografias
não sejam usadas para efeitos de comunicação político-partidária, seja de que
natureza for, o que o cessionário terá de respeitar e observar.
2. O exercício, por parte do cedente, do direito a que alude o número anterior em
momento posterior ao da cedência de fotografias, confere por seu turno ao
cessionário o direito de exigir do cedente o reembolso de tudo quanto lhe tenha sido
pago como contrapartida pela cedência dos direitos de imagem, caso as fotografias em
causa nunca tenham sido usadas para outro fim”.
Carlos, modelo fotográfico, soube que a empresa a quem cedeu três fotografias suas
está a fechar com sucesso um acordo com um determinado partido político e, por isso,
pretende opor-se a que as suas fotografias sejam usadas no site ou em campanhas
eleitorais desse partido, estando na disposição de reembolsar a empresa do que esta
lhe pagou pelas ditas fotografias. A empresa, porém, disse-lhe que ele cedera as
fotografias antes da entrada em vigor da nova lei, pelo que esta não se aplica ao caso
vertente.

Os efeitos produzidos pela situação jurídica em causa só estão a acontecer


depois da entrada em vigor da lei de Outubro. Isto é, a cedência de fotografias é
a situação jurídica, e ela pode até ter surgido no passado, mas os seus efeitos (a
venda das fotografias por parte da empresa) só está a ocorrer agora. Por isso, já
se aplica a lei nova, que dispõe sempre para o futuro, e as fotografias não
podem ser usadas pelo partido, tendo Carlos de reembolsar a empresa.

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