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Impresso no Brasil
Printed in Brazil
IGOR PEREIRA PINHEIRO
Promotor de Justiça do MPCE, Especialista, Mestre e Doutorando em Ciências Jurídico-Políticas
pela Universidade de Lisboa, Coordenador das Pós-Graduações em Direito Político/Prática
Eleitoral, Direito Administrativo e Compliance/Repressão à Corrupção, todas da Faculdade CERS.
Autor dos livros “A Nova Campanha Eleitoral 2020”, “Acordos de Não Persecução Penal e Cível”,
“Condutas Vedadas em Ano Eleitoral”, “Crimes Eleitorais e Conexos”, “Crimes Licitatórios”,
“Improbidade Administrativa no STF e STJ”, “Lei Anticrime Comentada”, “Lei do Abuso de
Autoridade Comentada”, “Leis de Licitações Comparadas Artigo por Artigo”, “Leis Penais Especiais
Comentadas na Visão do STF, STJ e TSE”, “Nova Lei de Licitações Anotada e Comparada” e “Vade
Mecum de Direito Anticorrupção Comentado”, todos pela Editora Mizuno.
O presente e-book é uma cortesia dos autores e da Editora Mizuno, sendo parte integrante
da obra “Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Ano Eleitoral - 4ª Edição”.

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O artigo 73, §7°, da Lei n°9.504/97, diz que “as condutas enumeradas no
caput caracterizam, ainda, atos de improbidade administrativa, a que se refere
o art. 11, inciso I, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, e sujeitam-se às dis-
posições daquele diploma legal, em especial às cominações do art. 12, inciso III.”
Assim, antes da Lei n°14.230/2021, todas as condutas tipificadas no
artigo 73 da lei eleitoral representavam ipso facto atos de improbidade
administrativa com tipificação no artigo 11, inciso I, da Lei n°8.429/92.
Ocorre, porém, que esse último dispositivo citado foi revogado,
como vimos acima.
A despeito da inconstitucionalidade de tal opção legislativa (também anali-
sada no item anterior), surge uma dúvida crucial: As condutas vedadas aos
agentes públicos deixaram de ser atos de improbidade administrativa?
A resposta é: DEPENDE!
Há situações cuja resposta é positiva (o que já caracteriza um retrocesso
diante da situação anterior), e outras (a maioria) que continuam a encontrar tipi-
ficação na Lei n°8.429/92.
Pois bem, respondendo ao questionamento anterior, pode-se dizer que,
como as leis são presumivelmente constitucionais, até o surgimento de alguma de-
claração de inconstitucionalidade pelo STF da Lei n°14.230/2021 (especificamente
no tocante à revogação do inciso I do artigo 11 da Lei de Improbidade Administra-
tiva), a capitulação automática das condutas vedadas como improbidade
tal qual autoriza o §7° do artigo 73 da lei das eleições não pode mais ser
feita assim, devendo-se usar o seguinte caminho hermenêutico:

1 – Em primeiro lugar, é preciso que, diante de cada conduta vedada,


se analise o disposto nos artigos 9°, 10 e 11 da Lei n°8.429/92
para encontrar a existência de um tipo específico voltado a legi-
timar a acusação.
Nesse tocante, cumpre lembrar que, nos termos da atual legislação, a
imputação feita irá vincular (de forma inconstitucional, diga-se de pas-
sagem, por violação aos princípios da inafastabilidade de jurisdição e do

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livre convencimento motivado1) a atuação do julgador2, mas isso só será
aplicável, tendo-se como constitucional esse trecho da lei, aos casos do
artigo 11, que é o único a possuir rol taxativo. De fato, não faz sentido di-
zer que o juiz está adstrito de forma irremediável a uma capitulação feita
na petição inicial ou no despacho de saneamento após a contestação, se
a mesma lei dispõe expressamente que os atos de enriquecimento ilícito
(artigo 9°) e lesão ao erário (artigo 10) são meramente exemplificativos.
2 – Caso não haja subsunção do fato a um dos comportamentos pre-
vistos na lei e considerando que o rol dos artigos 9° e 10 são mera-
mente exemplificativos por expressa disposição da Lei de Improbidade
Administrativa, é possível acusar e condenar com base nesses artigos se
demonstrado o pressuposto fático-jurídico de cada um deles, que são:
a) enriquecimento ilícito ou vantagem patrimonial indevida, nos casos
do artigo 9°; b) perda patrimonial efetiva, desvio, apropriação, malbarata-
mento ou dilapidação de bens, nos casos do artigo 10.

Apresentados os esclarecimentos iniciais do assunto, elaboramos um quadro-


-resumo que traz a correlação entre as condutas vedadas e os atos de improbidade
administrativa estabelecidos pela legislação de regência, após as modificações reali-
zadas pela Lei n°14.230/2021. Ressalto que, nesse estudo, procuramos apresentar
também os requisitos necessários para a punibilidade ou não do agente público.

1 É regra básica, no processo civil e penal, que a vinculação do juiz é aos fatos e não à capi-
tulação legal, pois é possível que: i) a capitulação inicial seja correta, mas as provas produzidas
demonstrem a ocorrência de outro ilícito; ii) a capitulação legal seja incorreta, mas a instru-
ção revele a prática de outro ato capitulado como ilegal. No campo cível, em observância
ao artigo 10 do CPC, deve-se intimar a parte adversa, mas nunca deixar de julgar por uma
capitulação errada inicialmente, ou que ficou defasada pela realidade trazida pela instrução
probatória. Nesse sentido, aliás, convém citar a Súmula n°62 do Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), segundo o qual “os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial,
dos quais a parte se defende, e não pela capitulação legal atribuída pelo autor.”
2 O artigo 17, §10-D, da Nova Lei de Improbidade Administrativa diz que “para cada ato de im-
probidade administrativa, deverá necessariamente ser indicado apenas um tipo dentre aqueles
previstos nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei”, estando o juiz obrigado a sanear o processo após a
apresentação da contestação pelo réu para a identificação exata do tipo, que não poderá ser
objeto de mudança após tal etapa. É o que diz o §10-C do mesmo artigo 17, in verbis: “Após
a réplica do Ministério Público, o juiz proferirá decisão na qual indicará com precisão a tipi-
ficação do ato de improbidade administrativa imputável ao réu, sendo-lhe vedado modificar
o fato principal e a capitulação legal apresentada pelo autor.”

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TIPIFICAÇÃO NA
TIPIFICAÇÃO NA
MODALIDADE LEGISLAÇÃO
LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
ELEITORAL
1 – Artigo 37, §1°, da A vedação ao uso de bens públicos para finalidades políti-
Lei n°9.504/97: Nas co-partidárias está regulada genericamente pelo artigo 73,
dependências do Poder inciso I, da Lei n°9.504/97, cuja prática pode configurar 3
Uso de Bens
Legislativo, a veiculação (três) tipos de improbidade administrativa, a depender das
Públicos
de propaganda eleitoral
circunstâncias do caso concreto (veremos os enquadra-
fica a critério da Mesa
Diretora. mentos quando da análise do citado dispositivo).

Não obstante isso, o artigo 37, §1°, da Lei Eleitoral auto-


riza (ao nosso ver de forma inconstitucional) que as de-
pendências do Poder Legislativo possam ser usadas para
o fim específico de propaganda eleitoral regular (após 16
de agosto – vide artigo 36), desde que exista autorização
geral (via resolução) da Mesa Diretora da respectiva casa.
Assim, se houver propaganda eleitoral em qualquer sede
física do Poder Legislativo, dentro o período legal para
tanto e sem o ato administrativo exigido pela lei, teremos
a incidência desse dispositivo legal. A exclusão do ato só
ocorrerá quando existir a autorização e regulamentação
geral pela Mesa Diretora.
Na perspectiva da improbidade administrativa, existem al-
guns enquadramentos possíveis à luz das particularidades
do caso concreto. Abaixo, listamos algumas.
1 – QUANDO O AGENTE PÚBLICO É, AO MESMO
TEMPO, O PRÓPRIO EXECUTOR E BENEFICIÁRIO
Uso de Bens DA CONDUTA VEDADA.
Públicos 2 – QUANDO O AGENTE PÚBLICO EXECUTA,
MAS O TERCEIRO BENEFICIÁRIO TEM CIÊNCIA,
PARTICIPA, SE APROVEITA DO ATO, OU MESMO
INDUZ AQUELE A PRATICÁ-LO.
A - Tipificações Possíveis e Critério Diferenciador:
I - Artigo 9°, inciso XII, da Lei n°8.429/92: “Usar,
em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valo-
res integrantes do acervo patrimonial das entidades
mencionadas no art. 1° desta lei.”
II – Artigo 10, inciso II, da Lei n°8.429/92, in ver-
bis: “Permitir ou concorrer para que pessoa física ou
jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valo-
res integrantes do acervo patrimonial das entidades
mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância
das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis
à espécie.”
Inicialmente, cumpre destacar que os tipos previstos nos
artigos 9° e 10 da Lei de Improbidade Administrativa, mesmo

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TIPIFICAÇÃO NA
MODALIDADE LEGISLAÇÃO
LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
ELEITORAL
após a Lei n°14.230/2021, continuam a ser meramente
exemplificativos, de modo que qualquer uso de bem pú-
blico para finalidade político-eleitoral está abarcada pelas
hipóteses acima especificadas.
O que vai distinguir um ou outro enquadramento é
a questão da prova do dano efetivo ao erário, que é
exigido pelo caput do artigo 10. Assim, presunções não são
mais válidas para condenações com base nesse dispositivo,
sendo necessário que existam elementos prévios indicati-
vos do quantum debeatur.
Por fim, não há possibilidade de enquadramento
como violação aos princípios, pois o artigo 11 da Lei
de Improbidade Administrativa traz hipóteses ta-
xativas, não contemplando nenhuma que se adeque a tal
conduta.
B – Aspectos Práticos Relevantes para a Responsa-
bilização Individualizada do Executor e Beneficiá-
rio da Conduta Vedada:
I – Se o agente público executor da conduta
vedada for o próprio beneficiário direto, sua
culpabilidade é manifesta e a condenação imperiosa,
Uso de Bens pois ele não pode alegar desconhecimento quanto
Públicos ao ilícito praticado em seu favor, sendo o dolo direto
configurável ipso facto, já que usar um bem em pro-
veito próprio traz consigo a inequívoca intenção de
se beneficiar daquele comportamento. Nesse sentido,
conferir o disposto no artigo 11, §1° da Lei de Impro-
bidade Administrativa (aplicável a todos os atos ím-
probos por força do §2° desse mesmo artigo, ambos
com redação dada pela Lei n°14.230/2021), segundo
o qual “somente haverá improbidade administrativa,
na aplicação deste artigo, quando for comprovado na
conduta funcional do agente público o fim de obter
proveito ou benefício indevido para si ou para outra
pessoa ou entidade.”
Alguns exemplos recorrentes da prática podem ser
citados aqui: i) um candidato-servidor público da Casa
que saia fazendo panfletagem do próprio material de
propaganda, ou mesmo que fixe uma faixa/outdoor
nos corredores ou em frente à sua sala de trabalho;
ii) parlamentar que usa seu gabinete para praticar tais
atos, dentre outros casos de propaganda eleitoral.
Sobre os parlamentares, é importante destacar
que se o ato de propaganda ocorrer no uso da fala em
tribuna, eles estão imunizados pela regra do artigo 53

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TIPIFICAÇÃO NA
TIPIFICAÇÃO NA
MODALIDADE LEGISLAÇÃO
LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
ELEITORAL
da Constituição Federal. Há precedente do TSE so-
bre o tema (Recurso Ordinário n°1591951).
II – Se o agente público executor da conduta
vedada não for o próprio beneficiário direto, é
preciso provar, para fins de responsabilidade desse
último, que ele tinha domínio do fato, ciência (isto é,
que foi algo ajustado), que anuiu com a prática, dela
participou tirando proveito, ou, ainda, que induziu tal
comportamento.
Destaca-se não ser suficiente para a condenação
do terceiro beneficiário a simples menção de que o
mesmo, por essa qualidade, sabia ou deveria saber
de tudo. Tal conclusão decorre do disposto na nova
redação do artigo 3° da Lei n°8.429/92 (com as mu-
danças da Lei n°14.230/2021), segundo o qual “as
disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber,
àquele que, mesmo não sendo agente público, induza
ou concorra dolosamente para a prática do ato de im-
probidade.” Do contrário, estar-se-ia adotado regime
de responsabilização objetiva em sistema que exige
dolo específico.
3 – QUANDO O AGENTE PÚBLICO EXECUTA A
Uso de Bens CONDUTA VEDADA, MAS NÃO SE VERIFICA A
Públicos CIÊNCIA/PARTICIPAÇÃO, O APROVEITAMENTO
OU A INDUÇÃO DO TERCEIRO BENEFICIÁRIO.
A - Tipificações Possíveis para o Executor e Critério
Diferenciador:
I – Artigo 9°, inciso IV, da Lei n°8.429/92: “Utilizar,
em obra ou serviço particular, qualquer bem móvel,
de propriedade ou à disposição de qualquer das enti-
dades referidas no art. 1º desta Lei, bem como o tra-
balho de servidores, de empregados ou de terceiros
contratados por essas entidades.”
II - Artigo 10, inciso XIII, da Lei n°8.429/92:
“Permitir que se utilize, em obra ou serviço particu-
lar, veículos, máquinas, equipamentos ou material de
qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de
qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta
lei, bem como o trabalho de servidor público, empre-
gados ou terceiros contratados por essas entidades.
Reitera-se, aqui, tudo o que foi dito no item 1.1 sobre
quando haverá a incidência de uma categoria de tipo ou
outro.
B - Tipificação para Beneficiário:
O fato é ATÍPICO.

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TIPIFICAÇÃO NA
MODALIDADE LEGISLAÇÃO
LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
ELEITORAL
C – Aspectos Práticos Relevantes para a Responsabi-
lização do Executor e a Absolvição do Beneficiário da
Conduta Vedada:
I – No caso, o ato de propaganda eleitoral ocorre
por ato espontâneo e unilateral do agente estatal,
sendo desconhecido pelo terceiro beneficiário (pré-
-candidato, candidato, partido, coligação ou federação
partidária).
Uso de Bens II – Se não provada a ciência, o aproveitamento do-
Públicos loso, ou mesmo a indução pelo terceiro beneficiário,
a sua absolvição é medida de direito, sob pena de se
instituir regime de responsabilidade objetiva em regi-
me que exige dolo específico. Aliás tal conclusão de-
corre do disposto na nova redação do artigo 3° da Lei
n°8.429/92 (com as mudanças da Lei n°14.230/2021),
segundo o qual “as disposições desta Lei são aplicáveis,
no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente
público, induza ou concorra dolosamente para a prática
do ato de improbidade.”

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