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Lídia Gomes Naime- 2114322

Maria Eduarda de Brito Maia - 2114328

Arthur Tatossian: Depressão vivido depressivo e


orientação terapêutica
Uma análise sobre o filme As Vantagens de ser Invisível

Fortaleza, 01 de maio de 2023


Introdução
Arthur Tatossian (1929-1995) é um psiquiatra francês e que teve bastante impacto na
psicopatologia fenomenológica, sendo um dos maiores representantes dessa teoria.
Tatossian desenvolveu um modelo de psicopatologia fenomenológica a partir da clínica e
para a clínica, trazendo sempre como valorização fundamental o cuidado com a pessoa em
sofrimento e buscando articular a teoria com a prática, desenvolvendo o caminhar delas em
um caráter fenomenológico. Nesse sentido, Tatossian traz importantes estudos sobre a
depressão, nos quais destaca que, ao estudar o ser humano com depressão, não se deve
restringir-se à semiologia de sintomas em si, mas sim entender o vivido do deprimido, em
uma perspectiva global, que possa trazer o ser humano de forma unitária e não uma
categorização sistêmica de sintomas (BLOC; MOREIRA, 2014).
Portanto, neste trabalho discorreremos sobre a psicopatologia fenomenológica de Tatossian
e, em seguida, traremos uma articulação da teoria de Tatossian a respeito da depressão
com o filme “As vantagens de ser invisível”.
Depressão e tristeza
Um importante conceito que Tatossian traz é a distinção de depressão e tristeza, pois
mesmo que uma possa acompanhar a outra elas possuem diferenças; a depressão é da
ordem do humor e a tristeza é da ordem do sentimento. A partir disso, o conceito de tristeza
enquanto sentimento se vincula a um objeto particular; por exemplo, quando alguém perde
um emprego surge o sentimento de tristeza no sujeito, um triste referente a ficar
desempregado, ou seja, nesse caso algo específico estimulou o sentimento de tristeza e é
importante pontuar que tal emoção se dissipa quando o sujeito experimenta outro tipo de
pensamento ou se esforça mentalmente, sendo a tristeza apenas momentânea. Portanto, a
tristeza é algo que se pontua no espaço e no tempo, ela não é algo contínuo, por assim
dizer, apresentando começo, desenvolvimento e fim, se apresentando em intervalos
intercalada à manifestação de outros sentimentos.
Já a depressão se caracteriza de forma bastante distinta da tristeza. A depressão, no
quesito da semiologia, traz o humor triste, ansiedade, manifestações somáticas, algumas
modificações cognitivas e, às vezes, pode vir acompanhada de ideias delirantes, insônia e
etc. Para Tatossian esse transtorno de humor não é algo que pode estar especificamente
localizado no espaço e no tempo do indivíduo, ou seja, ele não se fixa a um objeto particular
assim como acontece com a tristeza, mas sim penetra todos os objetos que fazem parte da
vida do sujeito, sendo algo que invade de forma abrupta e se desenvolve de forma
contínua. Esse vivido depressivo é como se fosse uma perda de prazer total, o que está
fora perde a importância e abre espaço para uma profunda angústia sem fim. Isso pode ser
o que mais distingue a tristeza da depressão; a primeira é vista como algo que homem
consegue diferenciar o sentimento dele mesmo, é visto mais como uma característica que
tem potencial para mudança e não assume algo contínuo, já a segunda é como se fizesse
parte do sujeito e controlasse o caminhar da sua vida, assumindo uma posição
consequentemente permanente e irreversível. Esse vivido depressivo é visto então como
uma sensação de impotência por parte do sujeito, pois o mesmo não consegue responder
por si próprio a acontecimentos tanto interiores como exteriores. Por isso muitas vezes a
pessoa que tem depressão não consegue se comunicar e procura se isolar das pessoas ao
seu redor, se fechando para o mundo em que vive. Desse modo, a tristeza é algo
puramente psíquico mesmo que possa ter um estado corporal, não é algo que se percebe
no corpo pelo sujeito; já a depressão é algo que envolve um estado global e atinge todas a
circunstâncias em que o sujeito está inserido, ele permanece em uma constante
dependência do corpo em que ele nunca consegue abandonar esse mal estar que circula
seu corpo vivido, sendo justamente essa questão a base e a substância da depressão
(TATOSSIAN; MOREIRA, 2012).
Corpo deprimido e seu vivido espaço temporal

Quando falamos de depressão, Tatossian destaca muito a relação desse transtorno de


humor com o corpo vivido, no qual apresenta dois polos muito importantes e necessários
que precisam estar em um equilíbrio constante, O primeiro polo se chama o corpo-sujeito,
que seria o corpo que eu sou, e o segundo pólo se chama o corpo-objeto, que seria o corpo
que eu tenho como coisa, que seria, por exemplo, um instrumento que o ser humano tem a
sua disposição. Vale salientar que esse polo é um diferencial que o ser humano tem, pois
ele permite a capacidade de se distanciar do seu aspecto corporal, e é nesse processo em
que ocorre a intersubjetividade, na qual o sujeito vê o seu corpo como o outrem o vê, e,
como o ser humano vive em sociedade, ele está sempre em constante relação com o
outrem. Além do processo citado anteriormente, também pode-se trazer a questão da
cultura comum entre o sujeito e o outrem, algo que o animal por exemplo não tem, ele
apenas apresenta o corpo-sujeito no qual ocorre uma identificação total com o corpo
(TATOSSIAN; MOREIRA, 2012).
O desequilíbrio entre corpo-sujeito e corpo-objeto é uma possibilidade de surgimento de
uma patologia. O corpo muitas vezes é deixado de lado como segundo plano, porém
quando o sujeito experimenta uma dor, mesmo que simples, mas intensa e durável, se inicia
uma abertura entre o Eu e o corpo. A partir disso podemos trazer a questão da impotência
que tanto ela como a dor desempenham um papel fundamental nas modificações do corpo
vivido, na qual a oscilação entre corpo-sujeito e corpo-objeto se apresenta de forma bem
perceptível (TATOSSIAN; MOREIRA, 2012).
Nesse sentido, a depressão traz justamente a questão da tristeza depressiva apresentar
uma ressonância corporal; com isso é trazido o termo depressão vital, que trabalha tanto
essa parte da corporeidade como o psíquico, porém ela não é uma particularidade da
depressão, e sim uma essência dela. Dessa forma, a corporeidade é muito trabalhada e
prejudicada principalmente quando encontramos o sintoma de impotência, pois é como se o
corpo objeto, que seria o instrumento do sujeito, sumisse, fazendo com que o deprimido só
se identifique com o corpo-sujeito. Vale salientar que esse polo acaba por não ter mais um
intermediário com o mundo exterior, ou seja, é como se a pessoa não conseguisse mais se
comunicar com o mundo e nem atuar nele. O corpo depressivo acaba, por fim, a ser uma
estrutura pesada que prende o indivíduo e o impede de agir sobre o mundo, mas ao mesmo
tempo ele está, de certa forma, flutuando e privado de qualquer suporte que possa lhe
ajudar a retornar a esse mundo exterior. Diante disso, o deprimido apresenta em seu
espaço vivido uma realidade totalmente vazia e sem perspectiva, tendo uma perda de
controle sobre a sua própria projeção no mundo.
Por fim, Tatossian também traz a questão da alteração do tempo vivido, pois, na depressão
em seus vários sintomas, tem-se presente a desaceleração e a estagnação do tempo
vivido; é como se o sujeito estivesse perdido no tempo, isto é, a sincronização do tempo do
indivíduo e do mundo se perde e a pessoa acaba não conseguindo projetar um futuro, como
se fosse cotado desse momento e fosse atraído e preso a um passado que o invade e traz
junto vários sentimentos, como medo e angústia, deixando o sujeito em um profundo vazio
em que ele se encontra refém dos próprios pensamentos passados. Portanto, vale salientar
que o corpo vivido, o espaço vivido e o tempo vivido se encontram na unidade de toda
depressão. Eles podem até vir antes dessa patologia, por exemplo, em um estado “normal”,
porém não é isso que queremos trazer como ponto principal, mas sim que tanto o corpo, o
espaço e o tempo são aspectos que nos ajudam a entender melhor o ser humano e,
consequentemente, as psicopatologias que os rodam diante do mundo, visto que o corpo é
algo que busca um espaço para ser e agir no mundo em determinado tempo, e o sujeito,
como está em um quadro depressivo, sente um peso global sobre esse seu corpo, trazendo
consigo uma apatia e uma perda de interesse do corpo em agir, uma estagnação de tempo,
perda de perspectiva do futuro e entre outros, pois este corpo está no campo do "ser
depressivo". Além disso, essas conceituações ajudam muito para além de entender a
psicopatologias, como também para propor estratégias de intervenções ou alguns métodos
de tratamento (TATOSSIAN; MOREIRA, 2012).

Sinopse “As Vantagens de Ser Invisível"


O filme conta a história do protagonista Charlie, um jovem que está iniciando o ensino
médio após uma série de acontecimentos que impactaram sua vida previamente, sendo um
deles o suicídio de seu melhor e único amigo no ano anterior, o que causou grande
desequilibrio em sua vida e desencadeou memórias passadas que afetam o protagonista no
decorrer da trama. No primeiro dia de aula Charlie se vê contando o tempo para acabar logo
o ensino médio, porém novas amizades fazem com que suas perspectivas se alterem no
desenvolver da trama. Charlie luta contra a depressão e tudo que ela lhe acarreta nesse
novo grupo social no desenvolver da história, trazendo muitas memórias de seu passado e
lutando para se encaixar.

Articulando o filme com a teoria de Tatossian


Como já foi trazido antes, Tatossian compreende a depressão como um estado contínuo de
sofrimento, algo vivenciado pelo protagonista Charlie, visto que ele encontra poucos
momentos de felicidade e conta os dias para acabar o ensino médio, nos fazendo entender
que não suporta mais estar ali. Podemos observar suas chateações no início do filme, pois
ele não tem nenhum amigo no ambiente, estando sempre só e isolado, evitando participar
da aula e se mostrando exausto às atitudes dos outros estudantes ao implicarem
continuamente com ele, deixando pontual como ele se mostra impotente diante das
situações que o cercam e como se mostra prejudicada sua relação corpo-objeto.
Percebemos que momentos de felicidade para ele se mostram com raridade quando Charlie
está andando de carro com seus novos amigos, Patrick e Sam, e Patrick olha pra ele e lhe
pergunta o que ele tem por sua expressão facial e logo Charlie lhe responde dizendo que se
sente feliz, mostrando o quão difícil era para o protagonista se sentir assim.
Dando continuidade, um fator que foi um grande influenciador para a depressão de Charlie,
além da morte de seu amigo, foi o abuso que sofreu de sua tia quando criança, a qual
acabou falecendo ainda quando Charlie era pequeno. O abuso que sofreu da tia seria um
objeto encoberto que fora desencadeado anos depois em sua memória devido ao suicidio
de seu melhor amigo. O protagonista constantemente apresenta alucinações de seu
passado mesmo estando vivenciando seu momento presente, o que nos remete ao seu
vivido espaço temporal. Charlie se encontra preso a essas memórias e acontecimentos do
seu presente lhe remetem às memórias de sua tia, o fazendo perder a noção do agora e
levando-o até a desmaiar. Estagnado em seu passado, Charlie ainda se culpa pela morte
de sua tia, pois ela foi atropelada quando estava indo buscar seu presente de natal. No
fundo, Charlie não consegue aceitar e lidar com o que sua tia fez, mostrando emoções
reprimidas que vão se manifestando através de seus sintomas físicos. Charlie se reprime
em vários aspectos de sua vida, visto que sua corporeidade foi bastante prejudicada, algo
que observamos, por exemplo, em seu relacionamento com a personagem Mary Elizabeth,
onde ele se vê preso no relacionamento e não o suporta mais, porém não consegue tomar a
iniciativa de terminar e continua confinado em sua relação, prevalecendo sua impotência
diante do mundo.
A morte de sua tia e de seu melhor amigo levaram Charlie a ter todos os campos de sua
vida afetados: ele não conseguia mais se comunicar com os pais ou amigos, tanto que
guarda todas suas emoções e pensamentos apenas para si, sendo sempre o amigo calado,
se mostrava sempre inseguro diante das situações sociais e tinha dificuldade de fazer e
manter amizades. Mas, vale destacar que, mesmo com todos esses fatores, Charlie
demonstrava o desejo que tinha em ter amigos e em manter contato com eles. Sua forma
de se confortar era por meio de cartas que escrevia ao seu melhor amigo como se estivesse
se comunicando com ele, onde conta tudo que tem acontecido em sua vida e até sobre
suas questões pessoais que não comentava com ninguém.
Por fim, Charlie também não apresentava perspectivas de futuro, não tinha planos para
seguir assim como todos os seus amigos, que eram mais velhos e estavam finalizando o
ensino médio e indo para as faculdades escolhidas enquanto ele estava preso no seu
corpo-sujeito e às memórias de seu passado, ficando parado enquanto todos à sua volta se
movimentavam para seus ideais menos ele

Referências Bibliográficas
BLOC, Lucas; MOREIRA, Virginia. Arthur Tatossian: um estudo biográfico. Rev.
abordagem gestalt., Goiânia , v. 20, n. 2, p. 181-188, dez. 2014. Disponível em
<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-
68672014000200005&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 01 maio 2023.

Clínica do Lebenswelt: psicoterapia e psicopatologia fenomenológica / Arthur Tatossian,


Virginia Moreira. - São Paulo: Escuta, 2012.

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