Você está na página 1de 64

Howard Becker

e a “teoria da
rotulação”

ESEM – 2021

3º ANO

SOCIOLOGIA

Prof. Daniel Soares R. Rodrigues


Lançado em 1967, Outsiders
– Estudos de Sociologia do
Desvio, é um clássico das
ciências sociais. Nele, Becker
avança uma “teoria da
rotulação” ou o que chama
Howard Becker (1928-)
de “teoria interacionista do
é um dos grandes
desvio”.
nomes da chamada
“Escola de Chicago”.
O que nós chamamos hoje de “Escola de
Chicago” insere-se no que se convencionou
chamar de “microssociologia”. Dentro dessa
ampla tradição das “microssociologias”, a
“Escola de Chicago” associa-se mais
fortemente à sociologia de Simmel, ao
“interacionismo simbólico” e ao
“pragmatismo”.

Para se aprofundar, veja o texto de


apoio na plataforma!!
Em geral, se costuma dividir a “Escola de Chicago” em duas gerações; a
primeira acompanha o nascimento da própria Universidade de Chicago em
1895 e estende-se até meados do século XX. E outra que é levada adiante
sobretudo por Erving Goffman (1922-1982) e Howard Becker (1928-).

Da primeira geração, destacam-se vários nomes: Albion Small (1854-1926),


Robert Erza Park (1864-1944), Louis Wirth (1897-1952), William Thomas (1863-1947),
Everett Hughes (1897-1983), Herbert Blumer (1900-87), Ernest Burgess (1886-1966),
Willian Foote Whyte (1914-2000), Donald Pierson (1900-95), dentre outros.
Donald Pierson (representante da
primeira geração da Escola de
Chicago) publicou, com base em
pesquisa de campo realizada na
Bahia em 1935, o estudo Negroes
in Brazil, a study of race contact
Donald Pierson
at Bahia – traduzido como Pretos (1900-1995)

e brancos na Bahia (1942).


Depois do grande incêndio de 1871,

a cidade de Chicago renasceu das

cinzas. No início do século XX já era

uma das cidades mais

industrializadas do país, atraindo

milhares de estrangeiros. Em 1900,

por exemplo, metade da

população de Chicago havia

nascido fora da América.


A Universidade de Chicago foi fundada em
1895, como parte do esforço de reconstrução
da cidade, tendo recebido doação milionária
do magnata do petróleo, John Rockfeller
(Standard Oil), em 1900.

O departamento de Sociologia da universidade


iniciou suas atividades em 1910. Foi neste
departamento, que reunia também
antropólogos e filósofos, que os trabalhos do que
hoje chamamos de Escola de Chicago foram
produzidos.
As consequências do crescimento (urbano,

demográfico, populacional e econômico)

foram a segregação socioespacial, a formação

de guetos e gangues, o aumento da

criminalidade, da pobreza e da delinquência

juvenil. A cidade também abrigava grande

efervescência cultural, com a explosão do jazz.


Nesse cenário, os primeiros teóricos da Escola
de Chicago buscavam produzir um
conhecimento comprometido com a reforma
da cidade; a sociologia é entendida como um
saber técnico que pode auxiliar –
cientificamente – na produção de políticas
públicas e ações de governo com vistas ao
melhoramento da gestão urbana. O espírito
era o de estudar problemas para auxiliar na
construção de soluções técnicas.

9
A Escola de Chicago, marcada pelo
interacionismo simbólico, pelo pragmatismo e
pela sociologia de Georg Simmel, enfatiza o
aspecto “micro” e “interacionista” da vida social;
quer dizer, diferentemente, por exemplo, de
autores como Durkheim e Bourdieu, os autores da
Escola de Chicago acreditam que as pessoas
não são pré-determinadas por estruturas e
esquemas gerais e coercitivos, mas, pelo
contrário, estão continuamente engajadas nas
definições dos termos das situações nas quais
estão inseridas.
10
Isso significa dizer que as regras que
orientam as condutas e os sentidos das
ações estão sempre e a todo momento
sendo objeto de disputa pelos agentes
sociais; a “realidade”, assim, está sempre
“sob negociação” e é resultado das
interações dos indivíduos e dos significados
por eles atribuídos às coisas, situações e
pessoas.

11
“As regras sociais, longe de serem
fixas e imutáveis, são continuamente
reconstruídas em cada situação,
para que se ajustem à conveniência,
à vontade e à posição de poder de
vários participantes” (BECKER, 2008,
p. 192).

12
Não há, portanto, “estrutura social” anterior,
exterior e superior que explica as interações; ao
contrário, as estruturas sociais são sempre
provisórias e resultantes das micro-interações
entre os indivíduos. Assim, a ordem ou a
estrutura não aparecem como princípio
explicativo, constituindo-se naquilo que deve
ser explicado por meio da análise das
interações dos indivíduos.

13
✓ ÍNDICE
1 – O desvio é resultado de um processo social de
formação de regras e de rotulação das pessoas que
as infringem como desviantes.

2 – Tabela classificatória e suas interpretações.

2.1 – As carreiras desviantes, as subculturas desviantes


e a profecia autorrealizadora.

3 – Empreendedores morais: os criadores de regras e os


impositores de regras.
1
Outsiders são pessoas que são vistas como

marginais ou desviantes porque infringem

alguma regra social ou coletivamente

compartilhada – regra essa que pode ser

jurídica ou não (portanto, trata-se de crime

ou não). Assim, Becker entende que não há

nada no ato em si que seja

necessariamente (universalmente ou

essencialmente) desviante.
Isso significa dizer que é parte
constitutiva do que chamamos de
desvio (ou comportamento desviante)
o processo de constituição de regras e
de rotulação das pessoas que as
infringem como desviantes.
Isso diferencia Becker, por exemplo, de teorias que entendem o desvio de maneira
exclusivamente estatística – seria desviante tudo o que foge à média estatística
padrão (Durkheim); o diferencia, também, de teorias que patologizam o indivíduo
desviante – por exemplo quando “o comportamento de um homossexual ou de
um viciado em drogas é visto como o sintoma de uma doença mental, tal como a
difícil cicatrização dos machucados de um diabético é vista como um sintoma de
sua doença” (BECKER, 2008, p. 19); ou quando o uso da maconha é visto como
“entrega desenfreada a um prazer perverso” ou como uma “implacável
compulsão psíquica para tranquilizar conflitos interiores” (idem, p. 200).
“O desvio não é uma qualidade simples, presente em alguns
tipos de comportamento e ausente em outros. É antes o
produto de um processo que envolve reações de outras
pessoas ao comportamento. O mesmo ato pode ser uma
infração das regras num momento e não em outro; pode ser
uma infração quando cometido por uma pessoa, mas não
quando cometido por outra; algumas regras são infringidas
com impunidade, outras não. Em suma, se um determinado ato
é desviante ou não, depende em parte da natureza do ato
(isto é, se ele viola ou não alguma regra) e em parte do que
outras pessoas fazem acerca dele” (idem, p. 26).
“O desvio não é uma qualidade que reside no
próprio comportamento, mas na interação entre
a pessoa que comete um ato e aqueles que
reagem a ele” (idem, p. 27).

“Se um ato é desviante ou não, portanto,


depende de como outras pessoas reagem a ele”
(idem, p. 24).
“O desvio é criado pela sociedade. Digo isso no sentido de
que grupos sociais criam o fenômeno do desvio ao construir
as regras cuja infração constitui o desvio e ao aplicar essas
regras a pessoas particulares e rotulá-las como outsiders.
Desse ponto de vista, o desvio não é uma qualidade do ato
que a pessoa comete, mas uma consequência da aplicação
por outros de regras e sanções a um ‘infrator’. O desviante é
alguém a quem esse rótulo foi aplicado com sucesso; o
comportamento desviante é aquele que as pessoas rotulam
como tal” (idem, p. 21-2 – grifos do autor).
2
O “falsamente acusado” remete aos casos em que a pessoa não agem de modo
a infringir regra nenhuma e, contudo, é rotulada como desviantes. Há muitos
exemplos desse tipo nos casos de seletividade da justiça penal. Sobre esse tópico,
Becker recorre a um exemplo que nos lembra o filme Marshall – Igualdade e Justiça
[indicado ao Oscar – 2018], em que é contada a história real do primeiro negro a
chegar à Suprema Corte dos EUA. No filme, um caso emblemático do protagonista
do filme (então advogado) é a defesa de um negro falsamente acusado de
estuprar uma mulher branca.
“Sabe-se muito bem que um negro que supostamente atacou uma mulher branca
tem muito maior probabilidade de ser punido que um branco que comete a
mesma infração” (ibidem).
Trailer:

https://www.youtube.com
/watch?v=HYg5JYC6_8c

12/10/2021
“Um tipo de caso ainda mais interessante é encontrado no outro extremo, o desvio
secreto. Aqui, um ato impróprio é cometido, mas ninguém o percebe ou reage a
ele como uma violação das regras. Como no caso da falsa acusação, ninguém
sabe realmente em que medida o fenômeno realmente existe, mas estou
convencido de que a quantidade é bastante grande, muito mais do que
pensamos. Uma breve observação me convence de que isso é verdade. A maioria
das pessoas vê o fetichismo sadomasoquista como uma perversão rara e exótica.
Vários anos atrás, no entanto, tive ocasião de examinar o catálogo de um
vendedor de fotografias pornográficas destinadas exclusivamente a devotos dessa
especialidade (...)
Cada página servia de amostra para nada menos que 120 fotos estocadas pelo
vendedor. Um cálculo rápido revelou que o catálogo anunciava para venda
imediata entre 15 e 20 mil diferentes fotografias. O próprio catálogo era
dispendiosamente impresso, e esse fato, ao lado do número de fotos à venda,
indicava que o vendedor tinha um negócio florescente e uma clientela bem
grande. No entanto, não topamos com sadomasoquistas a toda hora.
Obviamente, eles são capazes de manter-se em segredo” (idem, p. 32-3).
Trailer:
https://www.youtube.com/w
atch?v=m7DTTRDuLh4
2.1

As carreiras desviantes, as
subculturas desviantes e a Vamos ler o texto de apoio!

profecia autorrealizadora.
Exemplos de “carreiras desviantes”, “(sub)culturas desviantes”
e “profecia autorrealizadora”:

1) Mundo do Crime → roubo e tráfico de drogas // sistema penitenciário


2) Questão LGBTQIA+
3) Músicos
4) Desempenho escolar
5) Usuários de drogas
Questão LGBTQIA+

CULTURA
BALLROOM

Trailler → https://www.youtube.com/watch?v=e_gHbMfsgP4
trailler →
https://www.youtube.com/watch?v=RZ1qVu976wM
VOCÊ ENCONTRA O TEXTO AQUI:

https://www.ibdsex.org.br/collec
tion/estudos-sobre-diversidade-
sexual-e-de-genero-atualidades-
temas-objetos/
trailler →
https://www.youtube.com/watch?v=HxahJR71wJY
Trailer: https://www.youtube.com/watch?v=hF05_CB81c0
Link do doc. → https://www.youtube.com/watch?v=rjan_Yd0C5g&t=31s
Karim Aïnouz
(1966-)

Trailler → https://www.youtube.com/watch?v=T18PzElnbDo (2002)


Mundo do Crime → roubo e tráfico // sistema penitenciário

Foucault e a crítica da crítica da prisão


HOMEM NA ESTRADA

1993
1997
Os álbuns dos Racionais são interessantes, dentre outras coisas, porque
expressam as vozes e o universo das periferias do Brasil. As vozes do ladrão,
do traficante, do egresso do sistema prisional, do usuário de drogas, do
jovem que busca ascender por meio dos estudos, da mãe que, sozinha, é
chefe de família, do pastor evangélico, da mãe de santo, do jovem atraído
pelos encantos da sociedade de consumo e acossado pela violência
policial etc. etc.
“FUNK PROIBIDÃO”: exemplo de subcultura
desviante [faixa de gaza]
Tese disponível na
plataforma
Entrevista interessante

Link → https://www.youtube.com/watch?v=K6kRpsoqeC8
4 OS EMPREENDEDORES MORAIS

No seio de sua “teoria da rotulação” ou “teoria interacionista


do desvio”, Becker, como não podia deixar de ser, confere
particular atenção ao que chama de “empreendedores
morais”, que ele entende como sendo de dois tipos: os
criadores de regras (os cruzados morais) e os impositores de
regras (a força policial).
Os processos de construção de regras e de rotulação de pessoas e
comportamentos como desviantes são processos de lutas e disputas.

“Outsiders, do ponto de vista da pessoa rotulada de desviante, podem


ser aquelas que fazem as regras de cuja violação ela foi considerada
culpada” (idem, p. 27). Assim, “uma pessoa pode sentir que está sendo
julgada segundo normas para cuja criação não contribuiu e que não
aceita, normas que lhe são impostas por outsiders” (idem, p. 28).
“As regras criadas e mantidas por processos dessa
rotulação não são universalmente aceitas. Ao contrário,
constituem objeto de conflito e divergência, parte do
processo político da sociedade” (idem, p. 30).
Quem impõe é quem tem poder

“Em que medida e em que circunstâncias pessoas tentam impor suas regras a
outros que não as aprovam? (...) À medida que um grupo tenta impor suas
regras a outros na sociedade, somos colocados em face da seguinte questão:
quem, de fato, obriga outros a aceitar suas regras e quais são as causas de seu
sucesso? Esta é, claro, uma questão de poder político e econômico. →
(...) As pessoas estão sempre, de fato, impondo suas regras a outras, aplicando-
as mais ou menos contra a vontade e sem o consentimento desses outros (...)
Diferenças na capacidade de fazer regras e aplica-las a outras pessoas são
essencialmente diferenciais de poder (seja legal ou extralegal). Aqueles grupos
cuja posição social lhes dá armas e poder são mais capazes de impor suas
regras. Distinções de idade, sexo, etnicidade e classe estão todas relacionadas
a diferenças em poder, o que explica diferenças no grau em que grupos assim
distinguidos podem fazer regras para outros” (idem, p. 29-30).
“As consequências mais obvias de uma cruzada moral
bem-sucedida é a criação de um novo conjunto de
regras, com o que é gerado um novo conjunto de
agências de imposições e de funcionários. Por vezes,
claro, agências existentes assumem a administração
da nova regra, mas na maior parte das vezes se produz
um novo conjunto de impositores de regras. A
imposição da Lei Harrison pressagiou a criação da
Agência Federal de Narcóticos, assim como a
aprovação da 18ª Emenda levou à formação de
agências policiais encarregadas de aplicar a Lei Seca.

Com o estabelecimento de organização de
impositores, a cruzada torna-se institucionalizada. O
que começou como uma campanha para convencer
o mundo da necessidade moral de uma regra torna-se
finalmente uma organização dedicada à sua
imposição (...) O resultado final da cruzada moral é
uma força policial” (idem, p.160).
CAMPANHAS ou CRUZADAS MORAIS
59
60
61
63
64

Você também pode gostar