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Belluzzo & Tavares - Uma reflexão sobre a influência da inflação contemporânea

Introdução
● Os autores trabalham com o paradigma keynesiano de determinação dos preços: o
flex-price e o fix-price.
● A hipótese é que os pressupostos keynesianos originais sobre a inter-relação e o
comportamento destes mercados foi profundamente alterada pela decadência e
posterior ruptura do sistema monetário internacional.

Parte I
I.1. O modelo keynesiano de preços
● Keynes adota o conceito marshalliano da formação de preços onde o o preço de oferta
global era um preço na qual se esperava cobrir os custos variáveis, os custos de uso
das instalações e mais uma margem normal de lucro.
● Contudo, Keynes vai além ao afirmar que o preço de oferta de longo prazo (ou preço
normal) era aquele que deveria realizar, no período de longo prazo, a valorização dos
ativos da empresa - dimensão capitalista que envolve a atualização dos valores
referentes a estoques de matérias-primas, produtos acabados e a depreciação do
capital fixo.
● Portanto o preço global de oferta podia ser planejado como um verdadeiro preço de
produção dependendo do nível previsto de utilização da capacidade produtiva da
empresa ou da indústria, que por sua vez dependia das expectativas de curto prazo
acerca do comportamento da demanda global.
● Se as expectativas fossem frustradas, só afetavam as decisões no período de produção
no que se refere a quantidade e não no preço. Logo, neste cenário, a variável de ajuste
é a variação de estoques ou do grau de utilização da capacidade produtiva.
● Então, a valorização dos ativos tinham de levar em conta as expectativas em relação a
taxa de juros de longo prazo e o custo de oportunidade em estocar matérias primas.
● Os flex-prices podiam flutuar instantaneamente ante uma modificação de demanda, ao
passo que os fix prices só subiriam no próximo processo de produção diante de um
incremento de demanda se se verificasse uma rigidez de oferta.

I.2. Ruptura do padrão monetário internacional e o modelo keynesiano de preços


● Nas condições de ruptura do padrão monetário internacional (anos 80), o modelo
keynesiano de preços não se mantém como modelo explicativo.
● As descontinuidades nos preços das matérias primas, o câmbio e o juro flutuante
derrubam a estabilidade dos contratos de dívida e dos contratos de compra das
matérias primas nos mercados fix.
● Tanto o valor dos estoques quanto os valor dos ativos passam a flutuar
descontroladamente durante o período de produção, aumentando a incerteza.
● O markup já não é mais um mecanismo seguro para cobrir os custos primários e
manter uma determinada taxa de lucro, uma vez que uma taxa fixa não é garantia de
rentabilidade.
● As expectativas de curto prazo são cada vez mais incertas por haver cada vez mais um
ajuste inesperado no preço do cálculo de oferta global.
● Os preços deixam de ser "normais" porque o cálculo dos preços de produção de longo
prazo envolve, agora, custos de oportunidade do dinheiro e das matérias-primas
estratégicas inteiramente "anormais".
● Trata-se de um choque de oferta impossível de ser corrigida já que a trajetória dos
preços de longo prazo é impossível de prever.
● Os componentes da equação de preços se tornam autonomizados em relação às
condições de valorização produtiva pois as formas de valorização do capital são
predominantemente especulativas e o caráter rentista da riqueza capitalista prevalece
sobre seu caráter produtivo.
● A instabilidade gerada por esse fenômeno faz com que uma grande parte dos custos
de produção seja estimada com uma margem de segurança.
○ Por causa disso, ainda que os custos de matéria-prima possam estar caindo, a
natureza especulativa da situação pode, por si só, alimentar a inflação.
● Não são os níveis alcançados pelas taxas de juros ou o câmbio que causam a inflação,
mas sim a instabilidade gerada pela sua alta flutuação, gerando incertezas e tornando
os preços flexíveis para cima.
● O novo padrão monetário faz com que o Banco Central não controle mais de forma
rígida e exógena a oferta de moeda pois o movimento das reservas provocadas pela
especulação no mercado internacional leva a flutuações endógenas da dívida pública e
do dinheiro, e portanto enfraquecem a instituição enquanto reguladora autônoma da
política monetária.
● A restrição de liquidez mais a instabilidade das taxas de juro é que inviabiliza o
investimento e não o nível absoluto das taxas.

Parte II
II.1: A ruptura do sistema de preços de produção internacional e as falácias das políticas de
ajustamento
● Os anos 70 foram marcados pela desagregação do sistema financeiro internacional
que colocou em cheque o sistema anterior de divisão do trabalho, preços e
pagamentos.
● Para os autores, essa ruptura é dividida em 3 estágios.
● Primeiro estágio:
○ Choque do petróleo de 73 provoca um aumento de preços nas commodities
agrícolas que muda a relação entre indústria e agricultura.
○ Os EUA, cujo o dólar estava sobrevalorizado nas commodities e
subvalorizado nas manufaturas, perde competitividade na produção de bens de
consumo duráveis, principalmente após respostas mais agressivas do ponto de
vista comercial feitas por Alemanha e Japão.
○ É um processo que favorece os países exportadores de matérias-primas e
desfavorece os exportadores de manufaturas.
○ No Brasil a alta dos alimentos exportados provocou um processo inflacionário
desses itens a despeito de um maior ganho comercial com essas exportações.
○ Com o aumento na competitividade das manufaturas, as exportações
brasileiras desses bens passam a necessitar de subsídios uma vez que não é
possível a desvalorização cambial para favorecer as exportações pois isso pode
provocar uma onda inflacionária maior ainda.
○ Os autores lembram que essa primeira alta de preços aconteceu num ambiente
de juros reais negativos, o que estimula o endividamento dos países e estimula
as fortes ondas de especulação.
● Segundo estágio:
○ Trata-se da ruptura do padrão monetário internacional ao não ser possível,
com a alta latente dos preços internacionais, manter os regimes de câmbio
fixo, sendo substituídos pelo câmbio flutuante e contou com o apoio dos
próprios keynesianos.
○ Fica em alta os debates das correntes monetaristas, que se opõem aos
keynesianos.
○ Países passam a adotar modelos diferentes para a política monetária e fiscal,
sendo mais rígida com a primeira na intenção de executar o gasto público com
maior segurança sem deprimí-lo.
○ Os keynesianos passam a atribuir às reivindicações salariais a continuidade da
inflação pois imaginavam um processo de convergência dos preços em direção
aos países com custos salariais mais baixos ou eficiência mais alta.
○ Os autores argumentam que a taxa de câmbio flutuante não ajustam a balança
de pagamentos porque uma desvalorização no câmbio para facilitar
exportações prejudica a conta de capitais uma vez que investidores privados
começam a buscar mercados cujo a moeda está mais estável. Isso provoca um
aumento ainda maior das taxas de juros, aumentando a luta especulativa das
"euromoedas".
○ Os países passam a aumentar o número de títulos públicos como forma de
atrair capitais privados, o que num primeiro momento funciona, porém o
resultado desse processo é a endogenização do déficit público, que tende a ser
crescente com a maior participação dos títulos públicos e juros altos.
○ O aumento de títulos públicos no mercado financeiro promove um maior
aperto do setor privado internacional, que necessita de socorros.
○ Dada a magnitude dos fluxos de investimentos privados, os bancos centrais
vão perdendo a autonomia de controlar a política monetária, que se torna cada
vez mais restritiva.
○ O déficit público endógeno impede o papel da política fiscal de ser a
compensadora da política monetária conservadora, passando a ter ela própria
um caráter restritivo.
○ Isso mostra que o ajuste torna-se obrigatoriamente recessivo, não sendo
possível realizar as duas combinações.
○ Não há efeito sob a queda de preços porque a flutuação do câmbio cria uma
situação de realimentação dos custos com a alta das matérias-primas dado o
processo de desvalorização junto ao novo caráter endógeno do déficit público.
○ Deste modo os preços tendem a subir continuamente quando a moeda está se
depreciando mas não caem quando se apreciam dada a dinâmica dos
mercados. Os mercados industriais tem reajustes de preços mais lentos
enquanto que os de commodities sofrem a natureza especulativa e só reduzem
num processo de recessão global.
○ Na medida em que se aceita as taxas de câmbio flutuante, a cada
desvalorização das moedas dominantes segue-se uma onda de desvalorizações
em todos os países deficitários, de tal forma que os ajustes anti-inflacionários
feitos no passado não surta mais efeitos.

II.2: A tentativa de ajuste global da década de 80


● Desde a década de 70 os EUA vinham acumulando déficits comerciais e de
pagamentos, causando um processo de desvalorização do dólar que se reverte a partir
de 1979, com um ajuste feito pelos EUA que tinha por objetivo revalorizar o dólar.
● O ajuste recessivo derrubou o preço das matérias-primas, mas também do salário real
e provocou alta no desemprego.
● As economias industriais, formadoras de preços - em especial os EUA - derrubaram a
inflação e se recuperaram rapidamente.
● O ajuste provocado pelos EUA, ao fortalecer e ampliar a hegemonia do dólar, fez com
que fosse possível um retorno ao crescimento sem pressões imflacionárias.
● As importações se tornam mais baratas dado o uso contínuo do dólar valorizado, o
que coloca menos pressão sobre os custos de produção.
● Em contrapartida, os demais países industrializados e semi-industrializados tiveram
que fazer uma quase padronização de suas políticas de ajuste.
● No fim das contas, a expansão do déficit estadunidense era bancado com as sucessivas
políticas de ajustamento dos países periféricos para tentar reduzir o déficit, ao passo
que a expansão do déficit comercial norte-americano era compensado com os
contínuos esforços dos países da periferia para exportar cada vez mais.
● No fim, as políticas contínuas de ajuste e restrição de demanda, conforme defendia a
cartilha monetarista, se aplica apenas aos países periféricos, podendo os EUA crescer
e gerar emprego sem pressões na alta dos preços.

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