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DA CONCORRENCIA DESLEAL

José Lobo d'Avila Lima


Doutor em Direito

COIMBRA
IMPRENSA DA UNIVERSIDADE
1910
Ao

Illustríssimo e Excellentissimo Senhor

Homenagem de muito respeitoso


affecto e indelevel reconhecimento do

AUCTOR
Dissertação para o concurso ao
magisterio na Faculdade de
Direito da Universidade de
Coimbra.
INTRODUCÇÃO

A orientação livre dos factores economicos das so-


ciedades modernas gerou este assumpto de ambito tão
impreciso e tão rude açambarcamenlo: a concorrencia
desleal.
Melhor deduzido e mais salientemente revelado no
embate das forças de producção economica, o problema
da concorrencia desleal denuncia-se outrosim em outros
aspectos da actividade social, onde quer que o pleno
e concorrente exercício das faculdades humanas, seja
na estricta area das puras utilidades materiacs ou na
elevada esphera das artes e letras, dêem margem á
insidia, ao sophisma, a quaesquer perfidos manejos
de sempre desleal adulteração...
Assim, pois, a liberdade degenerou em licença, á
medida que taes factos foram assumindo, por seu nu-
mero e importancia, uma feição claramente altentato-
ria das garantias individuaes. El desde esse momento
e se bem que, na expressão pittorescamenle grave de
EECKHOUT (1), a liberdade continuasse e continue a ser
(i) EECKHOUT, La répression de la concurrence déloyale en Alle-
magne, 1905, pag. 1-2.
VIII

«a base official da legislação economica moderna»,


surgiu a necessidade duma nova disciplina jurídica,
chamada a compellir os abusos, os ímprobos e multi-
plicados artifícios da concorrencia desleal. Tal a apre-
sentação do problema, cuja analyse nos propuzemos
em um dos seus mais melindrosos e vastos capítulos:
a propriedade industrial.
Por nossa parte não alimentamos duvidas ácerca da
temeridade do emprehendimento: este trabalho modes-
tíssimo pretende ter tão sómente o benefico intuito de
appellidar a allenção de outrem mais esclarecido para
um ramo do saber jurídico, tão clamoroso quanto in-
explorado. E já agora valha-nos, á guiza de attenuante
a declaração de VIDAM (1) de que «questo delia con-
correnza sleale è uno dei temi piú difficile di diritto
industriale. Criteri sicuri e generali non vi sono affato,
a meno di contentara di vaghe generalilà che conchiu-
dono assai poco e nulla insegnano alla stregua dei
fatti».

(1) VIDARI, Corso di diritto commerciale, XIV, cot. 29.


IX

*
* *

Não queremos terminar estas breves linhas sem


confessar que um sincero empenho patriotico nos
attrahiu á analyse do presente assumpto.
Portugal, dés que perfilhou moldes ultra-protec-
cionistas para estimulo e defesa de suas energias in-
dustriaes, complementarmente organisou e applaudiu
aquellas medidas que, nos domínios do Estado por-
tuguês ou no mais amplo perímetro da sociedade
internacional, successivamente teem sido votadas para
segurança da propriedade industrial e repressão dos
expedientes da desleal-concorrencia.
Desses expedientes, um particularmente nos importa:
as indicações de falsa proveniencia, atlentá a sua intima e
frequente incorporação com os productos vinícolas. Os
vinhos são a nossa maior riqueza, o mais poderoso
factor do nosso activo mercantil. A sua pro-ducção,
distribuída pelas treze regiões vinícolas do continente e
ilhas e que actualmente se póde compu-
B
lar sem exaggero em 8 milhões de hectolitros, assigna-
la-nos, no mappa da producção mundial, o sexto logar
em quantidade, e em valor (24:000 contos) o quinto ou
facilmente o quarto, uma vez que as cotações se man-
tenham no seu nivel normal(1). Os productos vinícolas
constituem, pois, o artigo primeiro da nossa exportação,

(1) No que toca á producção vinícola, a galhardia do solo por-


tuguês é immensa, opulentamente attestada por cêrca de 300 castas
de videira ou postos, originando a mais exhuberante variedade de
vinhos, desde as castas fidalgas e de eleição, os vinhos generosos e
licorosos—vinhos príncipes—e os vinhos communs, genuínos, de
pasto ou de consumo directo até aos de lote, com que por largos
annos o commercio de Bordéus preparou os seus vinhos de expor-
tarão, e os vinhos de caldeira, de queima ou proprios para distilla-
ção (Cf. sohre o problema vinícola: SB. CINCINNATO DA COSTA, Pro-
ducção e commercio dos principaes generos agrícolas de Portugal,
11)08, pag. 7 e seg.; Sn. SERTORIO DO MONTE PEREIRA, A producção
vinícola, apud Notas sobre Portugal, vol. 1, pag. 331 e seg.; SR. D.
Luiz DE CASTRO, Semente lançada á terra, 1909, pag. 69 o seg.; idem
La crise viticole en Portugal, separata da Recue d'économie politique,
1908; idem, Aspectos economicos do projecto vinícola, conferencia
realisada a 27 de janeiro de 1907 na Sociedade de sciencias
agronomicas de Portugal).
XI

a plataforma do nosso commercio externo, merecendo


como taes a attenção de todos aquelles que pretendam
trazer a lume aspectos oteis da vitalidade econoomica
da nossa terra. Demais, as ameaças são frequentes (1),
reclamando uma constante e energica vigilancia: é ver
o zelo e sobre-aviso, com que a França acompanha e
assegura a marcha mercantil dos seus vinhos (2).
Identico procedimento se nos impõe tanto mais
que, consoante a conclusão numericamente documen-
tada do SR. CINCINNATO DA COSTA, as quantidades ex-

(1) Adiante teremos ensejo de nos referir mais largamente á im-


portante questão do vinho da Madeira (Cf. Usage illicite du nom de
Madère—procédure, plaidoiries, jugements, arrêts et documents—
1900), que constituiu uma das mais importantes ameaças contra o
nosso patrimonio vinícola. Já, após tal litigio, houve a chancella-ria
portuguesa de occupar-se de uma nova e importante tentativa de
concorrencia-desleal, uma falsificação das nossas marcas vinícolas
por parte de negociantes hespanhoes (Cf. Livro branco, de 1905,
parte III, «apprehensão no Rio de Janeiro de vinhos hespanhoes
falsamente denominados portugueses», pag. 5 e.seg.).
(2) MAURICE LAIR, Le problème viticole français, apud Revue
économ. int., vol. II, n.° 1, pag. 34 e seg.
XII

portadas de vinhos do Porto diminuíram no período


1904-1907, decrescendo bem assim os valores totaes
da exportação para esta classe de vinhos generosos,
sendo a causa de tal facto «a concorrencia illicita que,
nos mercados de consumo, estão fazendo as imitações
aos verdadeiros vinhos do Porto e da Madeira, sendo
sobretudo para notar-se que é nos mercados do Bra-
zil e da Inglaterra, que os vinhos de imitação teem to-
mado boa parte do logar que de direito só pertence
aos vinhos genuínos de Portugal, com prejuízo dos
produclores, do commercio sério, e dos consumido-
res» (1).
Só o vinho do Porto conhece estas curiosas moda-
lidades : Porto-Tarragona, Porto-Hamburgo, Australian-
Port e Palestina-Port! Até os Logares Santos rivalisam
com os maravilhosos amphithealros durienses...
No dia em que os nossos agentes commerciaes lo-
grarem exterminar, com o apoio insophismavel dos

(i) SR. CINCINNATO DA COSTA, obr. cit., pag. 17; e artigo Vinhos,
no Portugal Agrícola, de fevereiro de 1909, pag. 39 e seg.
XIII

accordos internacionalistas e a resolução energica da


chancellaria portuguesa, as variadas mixordias, que
correm por esse mundo apregoando descaradas adul-
terações das mais preciosas marcas vinícolas da nossa
terra, ler-se-ha marcado um grande e fecundo triumpho
para a economia nacional.
INDICE

PARTE I
THEORIA DA CONCORRENCIA DESLEAL

CAPITULO I

Deducção e critica da livre-concorrencia


Pag.
1. A evolução da troca e a livre-concorrencia. — 2. Apreciação do
phenomeno da livre-concorrencia: o optimismo
individualista. — 3. A critica socialista.... 1—12

CAPITULO II
A concorrencia desleal: essenoia e fórmas

4. A livre-concorrencia e a concorrencia desleal. Como


definir aconcorrencia desleal ? Opiniões de EECKHOUT,
GIANNINI e POUILLET.—5. Classificação das fórmas
de concorrencia desleal. O seu enunciado jurídico,
consoante a opinião de LAURENT e GIANNINI.—6. So
luções apresentadas sobre a natureza do direito de
propriedade industrial: a) representa um elemento
constitutivo da individualidade de seu sujeito;
b) deve ser equiparado ao direito de auctor; c) é de
natureza especial, constituindo uma creação jurí
dica moderna........................................................... 13-24
XVI

CAPITULO III

O instituto da propriedade e a propriedade industrial


Pag.
7. omportancia sociologica do instituto da propriedade.
Elle acompanha e integra-se na evolução de toda a
phenomenalidade social, diz CARLE : é a lei de orien
tação mental de suas transformações. — 8. As theo-
rias sobre a origem da propriedade: concepções
aprioristicas de GUMPLOWICZ, Grocio, BURLAMAQUI,
PUFFENDORFF e ROUSSEAU; o racionalismo de KANT,
LOCKE e AHRENS. — 9. Systemas negativos: «a
propriedade é um roubo» clama PROUDHON. —
10. As ideias collectivistas e a reforma da proprie
dade privada, segundo ANTON MENGER.—11. A
propriedade é uma instituição existente e como tal
deve ser apreciada. A evolução da propriedade e as
suas raizes sociologicas: a necessidade, o trabalho
e o interesse. —12. Estes mesmos elementos justi
ficam a propriedade industrial. Caracter relativo das
garantias jurídicas deste instituto............................ 25-53

CAPITULO IV

A concorrenoia desleal e o abuso do direito

13. O direito de livre-concorrencia e suas limitações. — 14. A


theoria do abuso do direito: essencia e razões de sua
acceitacão. — 15. Criterio regulador da mesma theoria. — 16
Integração da concorrencia desleal na theoria do abuso do
direito .......... 55-80
PARTE II
MOVIMENTO HISTORICO-LEGISLATIVO

CAPITULO V
Legislações estrangeiras
17. Os mais recuados vestígios histOricos da propriedade
industrial: As investigações de MAILLARD DE MA-
BAFY, BRAUN e KOHLER. —18. A propriedade in-
dustrial na Edade-Média: o regimen terrorista dos
edictos. — 19. A Revolução FrancÊsa e as suas
consequencias economicas e sociaes. — A physio-
cracia: laissez-faire e... era a plena liberdade de
fraude. — A moderna elaboração legislativa em
França.—20. Allemanba.—21. Austria-Hungria.
— 22. Inglaterra. — 23. Italia. — 24. Belgica. —
Estados-Unidos.—26. Hespanha. — Outros países.

CAPITULO VI
Legislação portuguêsa

27. Traços historicos da legislação portuguêsa sobre pro


priedade industrial.—28. O codigo civil: deducção
do nosso direito commum sobre concorrencia desleal:
—29. Legislação especial.—30. Ministerio das
Obras Publicas, Commercio e Industria: organi-
sação actual.............................................................

CAPITULO VII
Propriedade industrial internacionalista

31. A sociedade dos Estados c a propriedade industrial.


— 32. A mais recuada elaboração: as convenções
sobre propriedade industrial accessorias dos tra-
XVIII

Pag.
tados de commercio. — 33. O Regimen das Uniões:
os congressos de Vienna (1873) de Paris (1878,
1880 e 1883). — A convenção de 30 de março de
1883: importancia e fins.—34. A conferencia de
Roma de 1886. — 35. A conferencia de Madrid de
1890. Suas resoluções: a) convenio concernente
á repressão das indicações de falsa proveniencia;
b) idem registo internacional de marcas; c) proto-
collo respeitante á dotação da repartição interna
cional da união protectora da propriedade indus
trial. — 30. As conferencias de Bruxellas de 1897
e 1900. Actos addicionaes: resolução concernente
á concorrencia desleal................................................ 139—160

PARTE III

LEGISLAÇÃO ESPECIAL

CAPITULO VIII
Objecto da concorrencia desleal
37. Enumeração legal dos casos de concorrencia desleal. 163-166
§ 1 º Semelhança de
aspecto.
38. Classificação dos casos de concorrencia desleal: as
marcas...................................................................... 167-168

SECÇÃO I
Das marcas de fabrica e de commercio em geral
39. Conceito e objectivo das marcas.—40. Seus caracte-
res fundamentaes. — 41. Collocação das marcas.—
42. Especies de marcas.—43. Propriedade da
marca: systemas declarativo c altributivo.—44. Ca
tegorias do marcas...................................................... 169-197
XIX

SECÇÃO II
Denominações e nomes
Pag.
45. Denominações: conceito e especies. — 46. Nomes.—
47. Homonymia ...................................................... 198-211
SECÇÃO III
Emblemas, envolucros, recipientes, etc.
48. Emblemas, envolucros, recipientes, etc........................... 212-220
SECÇÃO IV
Fórmas do producto
49. Fórmas do produeto ..................................................... 221-223
§2º
Indicações de falsa proveniencia
50. Natureza e fundamento da indicação do logar de
proveniencia. — 51. Alcance de tal designação. —
52. Restricções ao direito de indicação do logar de
proveniencia. —53. Nomes ou denominações gene
ricas. —54. As indicações do logar de proveniencia
e os produetos vinícolas.—55. Poder-se-ha usar,
indifferentemente e com identica protecção legal,
das indicações dos legares de producção ou fabrico
dos produetos vinícolas?............................................. 224-251
§3.°
Usurpação de formulas, modelos e segredos de fabrica
56. Segredos de fabrica. - 57. Formulas e modelos.... 252-258

CAPITULO IX
Procedimento judicial e penalidades

58. Competencia.—59. Processo. - 60. Penalidades. 259-269


PARTE I

THEORIA DA CONCORRENCIA DESLEAL


CAPITULO I

Deducção e critica da livre-concorrencia

1. — A evolução da troca e a livre-concorrencia.


2. — Apreciação do phenomeno da livre-concorrencia: o opti-
mismo individualista. 3. — A critica socialista.

1. O culminante aspecto do viver economico das


sociedades modernas—a concorrencia —tem desafiado
a analyse dos representantes do pensamento sociologico
por forma tão abundante e alcance tão recuado, que
facil tarefa é hoje ao estudioso reconstituir seus ante-
cedentes.
Perante o deficit natural das aptidões humanas em
confronto com as suas necessidades, o individuo, ao
qual exclusivamente anima o movei sociologico de in-
teresse, começa de praticar uma rudimentar permuta (i),

(1) DE GREEF, Lois sociologiques, pag. 153 e seg.; MIRAGLIA,


4

sob cuja inspiração egoisla (1) cada qual combate, na


medida de seus recursos, a soffreguidão das exigencias
economicas, gerando-se, presupposla a utilidade diffe-
rencial dos produclos, a troca ou seja a presiação e
conlra-prestação de utilidades ou mercadorias,
incluindo a mercadoria-trabalho (2).
A troca, localisada com penosa investigação nos
tempos primitivos (3), assume uma significação diversa
nos differentes períodos da evolução economica.
Acompanhando a classificação de KARL BÜCHER,
modificada por EUGEN VON Philippovich (4),
patenteiam-se racio-

Filosofia del Diriytto, pag. 322 e seg.; FONTANA-RUSSO, Traité de


Politique Commerciale, (trad. de FÉLIX POLI), 1908, pag. 1 e seg.
(1) CHARLES GIDE, Cours d'Êconomie Politique, 1909, pag. 37
e seg.; YVES GUYOT, La Science Économique, 1907, pag. 74. GUYOT
formula um conceito altruísta da troca, em virtude do qual cada um
produz não o que lhe é precizo mas aquillo de que os outros têm
necessidade.
(2) SR. DR. MARNOCO E SOUZA, A troca e o seu mecanismo, pag.
98 e 99; MAHAIM, Économie politique, (prelecções, Liège, 1907),
pag. 7 e seg.
(3) LEROY-BEAULIEU, Traité théorique et pratique d'économie
politique, tomo III, pag. 3 e seg.; BROCA, MORTILLET, QUATREFAGES E
JOHN EVANS concluem da exhumação de fragmentos de remota pro-
veniencia, coevos, em sua simples factura, das mais longinquas
manifestações do engenho industrial dos homens, a existencia da
troca nos tempos prehistoricos. Seja assim. (Cf. SR. DR. MARNOCO E
SOUSA, ob. cit., pag. 169-171).
(4) EUGEN VON PHILIPPUVICH, Grundriss der Politischen Ocko
5

nalmenle as phases de tal evolução, trazida desde a


inicial economia domestica (Antiguidade e Edade-Média
até seculo XI), caracterisada fundamentalmente pelo
facto de todo o processo economico se realizar no cir-
culo da familia, percorrendo cada producto todo o cyclo
da extracção da materia prima até ao seu acabamento,
e passando ao consumo sem intervenção de qualquer
intermediario; seguindo-se a economia urbana, typica-
mente desenvolvida nas cidades da Edade-Media, e
na qual a producção, accenluada a divisão do tra-
balho, se realiza directamente para o consumidor,
apresentando o consumo dos productos um caracter
local, visto não passar geralmente da cidade e imme-
diações; e succedendo-lhe, como effeito das tendencias
de concentração politica manifestadas nos fins da Eda-
de-Media, a economia nacional, politica economica esta
que encontra uma affirmação plena na pratica das
ideias mercantilistas, adquirindo a troca, neste período,
um caracter geral, breve, porém, suffocado pela mul-
tiplicidade de prescripções regulamentares derivadas
da intervenção exaggeradamente minuciosa dum re-
gimen cada vez mais absoluto e centralisado.
Mas a tal regimen, posto á prova durante largos
annos, impossível se tornava conter a expansão do

nomie, pag. 22 e seg., (apud SB. DR. MARNOCO E SOUSA, ob. ctí.,
pag. 174 e seg.).
6

progresso industrial e commercial das sociedades. Um


generoso individualismo doutrinario, apregoando as
beneficencias dum regimen natural e livre, acalentava
uma forte reacção na ordem economica e politica, pela
acceitação dos postulados francamente naturalistas
da physiocracia. A liberdade economica, consagrada na
orientação doutrinal, obtem seu complemento pratico;
a troca revigora-se pelo desapparecimento de todos os
obstaculos que se oppunham ao seu desenvolvimento,
bem como o credito, a industria, o commercio e os
mercados, que assumem definitivamente um caracter
internacionalista, pelo nivelamento da producção e do
consumo nos diversos paizes (1); e, na verdade, desde
então se regista na historia economica da humanidade
um novo e rasgadissimo período de evolução — a troca
mundial —em que a troca Iransmille ao phenomeno
da concorrencia a sua maxima intensidade e a sua ex-
pressão mais ampla e verdadeiramente moderna.

2. Assim claramente deduzida duma transfor-


mação livre da estructura economica e social, a concor-
rencia é originariamente a grande lei sob a qual se
realiza a producção e a troca ou seja, no melhor con-

(1) Sr. DR. MARNOCO E SOUSA, ob. cit., pag. 177 e seg., e 186 e
seg.; GHINO VALENTI, Principii di Scienza Economica, pag. 224 e
seg.; Loria, La Sintesi Economica, 1909, pag. 1 a 3.
7

ceito de MOLINARI, BULLOCK, BEAUREGARD, RAYNAUD E


SR. DR. MARNOCO E SOUSA, a competencia que se esta-
belece entre os indivíduos, que aspiram ás mesmas van-
tagens e porfiam em as obter.
Como resultante, pois, do livre estadio do com-
mercio e da industria, a concorrencia, com um caracter
de necessidade que levou o individualista LEROY-BEAU-
LIEU a dizer que ella representa para o mundo organico
o que a gravitação é para o mundo inorganico, seguiu
seu curso natural, garantido e ampliado pela procla-
mação da liberdade dogmatica do trabalho, pelos
progressos incessantes da grande industria e pelas
conquistas do engenho do homem em lodos os ramos da
actividade economica.
As consequencias da applicação natural da livre-
concorrencia, a cuja sombra se têm suscitado os mais
clamorosos conflictos que agitam o capital e o trabalho,
têm desafiado apaixonadamente a apreciação de todos
as escolas economicas. Merece as hosannas e a calo-
rosa defeza dos individualistas, desde a feição mode-
rada dos eclecticos-liberaes até as radicaes exigencias
de ÀMMON, HAEKEL e SPENCER—unanime e fervorosa-
mente convictos da efficaz constituição dum meio livre,
como diz MOLINARI (1), em que as leis naturaes da

(i) MOLINARI, ob. cif., pag. 23 e seg., e Journal des


Économistes
8

concorrencia, — poderoso fermento social, prestigiosa


e fecunda força do mundo economico, cuja descoberta,
na opinião de LEROY-BEAULIEU (1) foi a suprema gloria
da escola scientifica do seculo XIX — exerçam segu-
ramente e sem sophismas as beneficas consequencias
da sua acção reguladora.
D'onde, taes considerarem o regimen da concorrencia
como o mais perfeito de lodos os que se podem con-
ceber, assegurando a cada productor a melhor remu-
neração do seu trabalho, garantindo aos consumidores
o justo preço do producto, estabelecendo o equilíbrio
constante entre a producção e o consumo, consti-
tuindo o estimulo mais energico que pode existir na
humanidade, tornando possível a applicação á indus-
tria da lei do mínimo esforço e promovendo no mais
alto grau o progresso technico da producção (2).
Assim faliam os individualistas, cujos mais avançados
espíritos emittem sobre a concorrencia uma extranha
apreciação: o darwinismo social. A analyse biologica

(novembro de 1907), artigo Le monopole-La concurrence productive


et économique.
(1) LEROY-BEAULIEU, ob. cit., pag. 624 e seg.; LÉON SAY e
Chailley, Nouveau Dictionnaire d'Economie Politique, tomo II, artigo
Liberté Economique de ANDRÉ LIESSE, pag. 166 e seg.
(2) SR. DR. MARNOCO E SOUSA, ob. cit., 193 e seg.; GIDE, Cours
d'Economie Politique, cit., pag. 146 e seg.; SUPUNO, Economia
Politica, pag. 159 e seg.
9

denunciou a constante porfia das especies, debatendo-


se em sua diversa vitalidade, no triumpho das
unidades mais fortes, adaptaveis e uteis.
E, transpostos os limites do mundo sociologico, as
preoccupações naturalistas atlenlam na mesma selecção,
apontando no viver social uma identica conflagração
de elementos existentes, qual o mais forte, mais bem
dotado ou mais são, animados das mesmas tendencias
selectoras, traduzindo-se desta forma e desapiedada-
mente as sociedades numa formula de destruição sob a
regencia imperiosa duma lei negativa. A concorrencia,
encarada pelos naturalistas sob uma forma optimista,
será o pleno triumpho dos melhor adaptados, o rigido
preceito á sombra do qual não terá medida nem termo a
onda da desgraça, da anniquilação e da dôr! (1).

(i) GRAZIANI, Istituzioni di Economia Politica, 1908, pag. 526 e


seg.; VARRI, Lezioni de Filosofia del Diritto, pag. 390 e seg.; VAC-
CARO, La lotta per 1'esistenza, pag. 30 e seg.; ALFRED FOUILLBE, Le
socialisme et la sociologie réformiste, 1909, pag. 283 e seg.; HERBERT
SPENCER, Príncipes de Sociologie, tomo II, pag. 261 e seg.; SCHATZ,
L'individualisme économique et social, pag. 7 e seg.; La Grande En-
cyclopédie, vbo concurrence, tomo XII, pag. 324; FELIX LE DANTEC,
La lutte universelle, pag. 282 e seg.; PIETRO CHIMIENTI, II diritto di
proprietá, pag. 19 e seg.; CESAREO CONSOLO, Lavoro e Capitale,
Socialismo e Democrazia, pag. 423 e seg., e 494 e seg.; G. SERGI,
La Sociologia di Herbert Spencer, apud Rivista Italiana di Sociologia
de setembro - dezembro de 1903, pag. 479 e seg.
10

3. Mas a livre-concorrencia tem sido, por egual, o


alvo de todos os ataques socialistas, que nella apontam
um dos mais nefastos vehiculos da oppressão das
classes proletarias, flagelladas pelo triumpho da grande
industria, pelo exito crescente das mais fortes e exclu-
sivistas formulas monopolisadoras do capitalismo, pela
diminuição uniforme do custo da producção, pela baixa
progressiva dos salarios e consequente depreciação
da mercadoria-trabalho.
E estas palavras de dura accusação repetem-se per-
tinazmente no texto dos generosos theoricos collecti-
vistas, num supremo appello á pratica da funcção
regulamentadora do Estado, escorrendo sinceramente
e com límpida fluencia da bocca dos tribunos da plebe,
a quem compele a missão prestigiosa de conduzir as
legiões do trabalho por essa larga estrada da vicloria,
na esperança remota duma egualitaria e bem remune-
rada democracia...
Para esses a concorrencia apresenta (1) não menos in-
convenientes que vantagens, attento que ella exige um

(1) SUPINO, ob. ct., pag. 165 e seg.; SR. DR. MARNOCO E
SOUSA, ob. cit., pag. 195 e seg.; GIDE, ob. cit., pag. 147 e seg.
Em nossos dias a concorrencia atravessa uma interessantissima
phase negativa, denominada pelos economistas o suicidio da
concorrencia, visto que tal elemento do dynamismo economico se
11

perfeito conhecimento do estado do mercado, o que é


quasi impossivel; suppõe nos concorrentes um proce
estagna e condensa nas mais exorbitantes e
accrescidas formulas do monopolio e da
socialisação.
A concorrencia, cuja essencia a alguns
economistas se affigurava de perenne combatividade
— eterna conservação de deseguaes energias, diz
GIDDINGS — provoca nos limites da producção um
verdadeiro estado de equilíbrio pela confluencia das
forças productoras, polarisadas em colligações de
producção — trusts, carteis, pools e comptoirs —;
colligações de especulação — corners; e ainda syndi-
catos financeiros de maior ou menor extensão e
varia organisação interna. A concorrencia
determinando o armistício da producção, a sua
propria paralysia-eis um extranho phenomeno, mas
em summa, pbenomeno claramente incluído nos
tramites da evolução economica, originado na
grande empreza e na consequente concentração
capitalista, perante a qual e Estado deve
desempenhar um papel de preventiva e rigorosa
vigilancia.
A monopolisação das industrias, na sua feição
característica e norte-americana do trust, seguirá seu
curso; e, a não ser que novas e repetidas borrascas
financeiras as ameacem subverter num formidavel
crak, as grandes potencias argentarias continuarão
seu prestigioso mando, e já agora ROCKEFELLER, se
Deus lhe dér vida e saude, não terá de alterar o seu
primeiro cuidado matutino de fixar o preço do
petroleo em toda a parte do mundo.. .. (Cf. SR. Da.
MARNOCO E SOUSA, ob. cit., pag. 202 e seg.; GIDE, ob.
cit., pag. 200 e seg.; RIPLEY, Trusts, pools and
corporations, pag. 21 e seg.; MONTEMARTINI,
Municipalizzazione dei publici servigi, pag. 172 e seg.;
MARTIN SAINT-LÉON, Cartells et trusts, pag. 14 e seg.;
MAU-RICE BOURGUIN, La concentration industrielle et
commerciale, apud Révue Économique Internationale,
anno 1, vol. I, n.° 2.°, pag. 404 e seg.).
12

dimento leal e correclamente moralista, bem como a


eguialdade de condições entre os mesmos; estabelece
feroz contenda entre as grandes e pequenas emprezas,
nem sempre assegura o melhor preço dos productos,—
inconvenientes estes que se aggravam com o progresso
industrial.
CAPITULO II A concorrencia

desleal: essencia e fórmas

4.—A livre-concorrencia e a concorrencia desleal. Como definir


a concorrençia desleal? Opiniões de EECKHOUT, GIANNINI E
Pouillet.
5. —Classificação das fórmas de concorrencia desleal. O seu enun
ciado juridico, consoante a opinião de LAURENT e GIANNINI.
6.—Soluções apresentadas sobre a natureza do direito de proprie
dade industrial:
a) representa um elemento constitutivo da individuali
dade de seu sujeito;
b) deve ser equiparado ao direito de auctor;
c) é de natureza especial, constituindo uma creação jurí-
dica moderna.

4. As transformações do regimen da troca até ao


esladio contemporaneo da livre-concorrencia melhor,
porém, se comprehendcm pela evolução dos factores
commercio e industria, sem que tal implique a con-
fusão dum e outro phenomeno (1).

(1) Tal confusão existia manifesta no animo e nos escriptos da


economia classica, dos plhysiocratas, emquanto consideravam a con-
correncia como a liberdade do trabalho e do commercio, a ausencia
14

O absorvente rigorismo, que foi a essencia das con-


dições do trabalho no período da meia-edade e nos
primeiros seculos da epoca moderna, eslava natural-
mente condemnado, pela força de factores historicos
de varia monta, cujo impulso demolidor successivamenle
se patentearia na esphera economica como no mundo
politico, mercê da intensa propaganda individualista.
Ensejo teremos de apreciar mais documentadamente
'as vastas transformações, que o ultimo quartel do se-
culo XVIII assignalou na historia do trabalho e da
pessoa humana. Para a apresentação sociologico-juri-
dica do phenomeno da concorrencia desleal, basta-nos
por ora e tão sómente registar que essa evolução se
realisou num sentido plenamente livre, provocando os
largos limites adentro dos quaes se agita a concorren-
cia desleal em seus multiplos aspectos (1).

de restricções e a suppressão do toda e qualquer regulamentação


imposta á livre actividade do homem.
«A liberdade do commercio c da industria, conclue o SR. Dr.
MARNOCO E SOUSA, é uma condição para que se possa dar este phe-
nomeno na ordem economica, mas o phenomeno não se póde con-
fundir com ella. Ainda assim, Schmoller na Allemanha, MARSHALL na
Inglaterra e LEROY-BEAULIEU em França continuam a considerar a
concorrencia como a liberdade economica, em harmonia com o
criterio da theoria classica» (Cf. SR. DR. MARNOCO E SOUSA, A troca e
o seu mecanismo, pag. 191 e segg.).
(1) «Qu'est-ce que la concurrence déloyale? pergunta
EECKHOUT. II est assez témeraire d'en hasarder une définition.
Affranchie des
15

Defini-la com rigor, confessam-no os tratadistas, é


uma verdadeira e temeraria dificuldade. Dados os nu-
merosíssimos alvitres (1) a que recorre em sua colos-

règies que trace la probité, ia concurrenee a suscité une variété iu-


finie de procédés indélicats; elle recourt aux artífices les plus divers,
et couvre la fraude d'apparences toujours changeantes. Tantôt le
concurrent peu scrupuleux attribuc à ses produits des qualités pu-
rement imaginaires. tantôt it trompe le consommaleur sur la quan-
tité des marchandises vendues, ou bien il sollicite l'acheleur par
1'apparence avantageuse de prix artificieux; un tel offre des pro-
duits frclatés; un autre denigre perfidement son rival; tons, pour
s'attirer la faveur du public, suscitem les confnsions et provoquent
les méprises» (EECKHOUT, La répression de la concurrence déloyale
en Allemagne, pag. 2).
(1) Taes alvitres assim os expõe GIANNINI: «Industriali e com-
mercianti corrono il palio per allargare la cerchia dei committenti
o dei compratori, e si afffretano a cogliere ogni occasione e a
profittare di ogni mezzo per attirare gli aguardi del pubblico sovra
se stessi e i loro prodotti e per alletarlo aaa'aquisto. Le Esposizioni
diventate ogni di piú frequenti e speciali, offrono modo per mettersi
in evidenza; i commessi viaggiatori percorrono le Pro-vincie e gli
Stati, e battono a tutte le porte; i negozi, le succursale degli.
stabilimenti o degli empori si aprono com vere solemnità
inaugurali. Non anno altro scopo che quello di cattivari l'attenzione e
la benevolenza del pubblico, le elargizioni benefiche e le sommi-
nistrazione gratuite fatte dei commercianti. Nessun mezzo rimane
intentato; dagli annunzi e dagli articoli abilmente laudativi sopra i
giornali, ai manifesti grandi e piccoli distribuiti per le vie e portati
in giro per la città, affissi al impalcature deite costruzioni, ai muri,
alle vetture pubbiche, alle tele dei teatri, dalle circolari, dà catalo-
ghi disseminati ai migliaia, ai regali di oggetti di uso quotidiano,
16

sal expansão o industrialismo moderno, claramente se


comprehende uma larga area de deslealdade commercial,
feita das praticas e artifícios mais ou menos adultera-
dos, de que a má fé dura concorrente lança mão, já
para lesar o patrimonio industrial doutrem já para illu-
dir e mystificar o consumidor — o publico. Por isso
observa com justiça EECKHOUT que a concorrencia des-
leal é essencialmente movele variavel, emquanto o seu
exilo está na razão directa da multiplicidade e rapidez
de suas transformações.
Os vícios da concorrencia são, pois, innumeros; tão
bastos que o jurisconsulto POUILLET se permittiu um
elegante arrojo litterario, denominando-a ura Proteu de
fórmas illimitadamente variaveis (1), phrase que GIAN-

che sotto variatissime forme, rammentano il nome di un fabbricanto,


dei suo prodotto o del suo stabilimento. Questa invazione dei gior-
nali, del pareti cittadine, delle orecchie del pubblico constituisce
quello che con parola espressiva, e senza equivalente in italiano, si
dice réclame «la tromba di raimé che senza cessa soffia ai quattro
venti per attirare 1'attenzione universale».

Questi mezzi, accanto al credito, al buon nome, alla modicità


relativa dei costo, sono i fattori odierni della prosperità commer-
ciale: essi constituiscono da ieri le armi e gli strumenti di una lotta
ignota ad epoche, nelle quali neppure essi erano conosciuti» (Cf.
GIANNINI, Concorrenza Sleale, pag. 22-23).
(1) «La concurrence déloyale, escreve POUILLBT, esl un véritable
Protée. Ses armos sont innombrables, souvent ingénieuses, toujours
17

nini repula mais repleta de poesia que de exactidão,


vendo antes como indispensavel construir uma classi-
ficação tão rigorosa e systemalizada quanto possível
das numerosas e complexas modalidades da mesma
concorrencia. Isso nos habilitará ao menos a affirmar
se possível é definir com rigor — a concorrencia desleal.

5. Varias lêem sido as classificações das fórmas


de concorrencia desleal apresentadas pelos tratadis-
tas (1). O systema mais commummente adoptado procura

perfides; sa forme est parfois presque insaisissable et c'est même


lá, pour certains commerçants, qu'est l'habilité.
«Nous n'avons ni la prétention ni 1'espoir d'énumerer toutes ses
transformations; celle d'hier n'est pas celle d'aujourd'hui» (Cf.
POUILLET, Traité des marques de fabrique et de la concurrence
dé-loyale, edição de 1906, introduct., pag. VIII).
(1) Escriptores mais recuados, taes como BLANC, MATER, WAEL-
BROECK, aggrupam os factos da concorrencia desleal consoante o
seu objecto: nomes, emblemas, marcas, etc.
ALLART, seguido por DARRAS, assim divide os factos da concor-
rencia desleal: 1.°) factos provocadores de confusão entre estabele-
cimentos; 2.°) idem, entre mercadorias; 3.°) factos causadores de
desvio de clientela; 4.°) factos de concorrencia attentatorios de con-
tractos realizados.
ÉMILE BERT acompanha outrosim tal classificação, reduzindo-a,
porém, emquanto funde as duas primeiras: factos provocadores de
confusão entre estabelecimentos e productos. (BERT, Traité théorique
et pratique de la concurrence déloyale, pag. 24).
THALLER distribuo os actos da concorrencia desleal por esta fórma: o)
actos cujo objectivo é provocar o descredito doutro concorrente 2
18

condensar suas categorias, apontando uma situação de


concorrencia desleal:
a) quando se provoca confusão ou troca entre o pro-
prio estabelecimento ou producto e o estabelecimento
ou producto de outrem, mediante a confusão, casual ou
intencionada, e modernamente tão facil, de todos aquel-
les meios—nomes, etiquetas, emblemas, marcas, for-
mas e involucros do producto — destinados a tutelar
e garantir aos olhos do consumidor a identidade duma
cousa ou pessoa.
Em taes casos c seja qual fôr o meio executorio
da confusão ou troca, o effeito essencial é induzir em
erro ácerca da qualidade e natureza dos objectos, me-
diante uma substituição verdadeiramente desleal que

ou da sua mercadoria por meio de falsas declarações com o fim de


lhe usurpar a clientela: é a antiga actio injuriarum; b) actos hypo-
critas com o fim de confundir dois estabelecimentos, empregando
indevidamente um concorrente meios attractivos da clientela de
outrem (Cf. THALLER, Traité élémentaire de Droit Commercial, pag.
19).
Dentre os tratadistas, porém, nenhum mais radical que VALLOTON
sustentando sem rebuço a inutilidade e exactidão de qualquer pru-
rido systematisador: «les formes de la concurrence délovale sont
innombrables, los moyens qu'elle employe sont si divers, que nous
sommes obligés de les réunir tant bien que mal d'une manière arti-
ficielle et souvent peu systématique, nous le craignons» (VALLOTON,
La concurrence déloyale et la concurrence illicite, pag. 83).
19

furta ao consumidor as probabilidades duma escolha


livre e consciente;
b) quando se procura impor as proprias mercadorias
e estabelecimento, attribuindo-lhes títulos de evidencia
legitimamente adquiridos e privativos de outro concor-
rente;
c) quando ainda por outros meios se tenta desviar
a clientela de outrem, mediante a appropriação dum
segredo de fabrico, suborno de artífices (embauchage
d'ouvriers), alarde de recompensas que se não possuem,
suppressão do nome ou etiqueta dos competidores,
etc;
d) e finalmente na hypothese de violação dum con-
tracto, por força do qual se estipulou renuncia á con-
corrência. Tal póde ser o caso do transferente dum
estabelecimento, que a despeito de se ter obrigado a
não explorar identico commercio na visinhança não
duvida quebrar deslealmente o pacto realisado (1).
GIANNINI criticando a classificação exposta não es-
conde quanto de arbitrario e de praticamente inutil
acompanha sua deducção. Aparte a categoria ultima

(i) Ás citadas categorias accrescentam alguns auctores uma


outra, inspirada na lei allemã de 27 de maio de 1896, e compre-
hendendo factos desleaes por que se pretende dar a uma mercado-
ria qualidades desmedidamente vantajosas e quiçá inverosímeis
(Cf. EECKHOUT, obr. cit., pag. 153; e GIANNINI, obf. cit., pag. 31).
20

— violação dum pacto realisado, por virtude do qual


mais nítida se revela a iniciativa duma acção por
perdas e damnos que um facto de evidente concorren
cia desleal — as restantes correspondem objectiva
mente a uma mera enumeração e, no que respeita a
seus agentes, tal importa uma serie de razões de or
dem recondita—a bem dizer o mecanismo psychologico
da altenção.
A essa enumeração empírica—verdadeira mytho-
logia jurídica como incisivamente a denomina REULING
— importa substituir outra directriz de analyse, attenlo
que o assumpto pelo seu caracter latitudinario (1) dif-
ficilmente soffre os termos precisos duma definição ou
duma escala. Dar-se-ha, porventura, um passo logico,
mas delle resultará apenas e em ultima analyse um
debate meramente escolastico.
E assim que MAYER (2) escreve: «Comprehende-se
vulgarmente sob a rubrica de concorrencia desleal uma
variedade infinita de factos que se não podem consi-
derar legitimamente derivados do direito de livre-

(1) «Questo delia concorrenza sleale, confessa VIDAM, é uno dei


temi piú difficile di diritto industriale. Criteri sicuri e generali non vi
sono affato, a meno di contentarsi di vaghe generalità che con-chindono
assai poco e nulla insegnano alla stregua dei fatti» (Cf. VIDARI, Corso
di diritto commerciale, XIV, col. 29).
(2) MAYER, Die concurrence déloyale, n.° 36.
21

concorrencia»; para BROWNE (i) a expressão concor-


rencia desleal traduz todos os meios de perfida e des-
honesta rivalidade no campo mercantil, e segundo
SAVATIER (2) ella é a conquista do exito pela pratica
de meios nem sempre conformes á moral social e atten-
tatorios dos direitos de outrem ou do interesse publico.
Conceitos estes que mais ou menos gravitam em torno
da definição hoje classica de POULLET : «la concurrence
déloyale, le mot lui-même 1'indique, est celle qui em-
ploie des moyens détournés, frauduleux, des menées
que la droiture et 1'honêteté reprouvent». E adeante:
«si les moyens sont varies à l'ínfini, le but reste tou-
jours le même: c'est le détournement de la clientèle
d'autrui. Qu'elle usurpe une marque, un nom ou une
enseigne, ou bien qu'elle se pare de qualilés qu'elle
n'a pas, la concurrence déloyale cherche, dans tous
les cas, à s'emparer indúment de la faveur du public
et, par suite, a s'altirer une clienlèle. qui, sans ces
manoeuvres, pourrail s'adresser ailleurs. A ce signe,
quel quesoit son masque, il est facile de la reconnaitre».
Todos estes tratadistas proseguindo o intuito de apre-
sentar uma noção, ponlo de parlida para a analyse do
phenomeno jurídico da concorrencia desleal, a verdade

(1) BROWNE, Treatrise on the Law, apud GIANNINI, obr. cit,


pag. 39.
(2) SAVATIER, La concurrence déloyale, pag. 12.
22

é que pouco mais logram que affirmar; a concorrencia


é desleal... quando não c leal.
Taes noções são demasiado theoricas e vagas. E
deixando tão sómente trasladada a fórma como o in-
dustrialismo moderno suscita com frequencia o facto
da concorrencia desleal, busquemos sua figuração ju-
rídica, concluindo com LAURENT e GIANNINI : a concor-
rencia desleal representa o abuso dum direito e a vio-
lação do direito de outrem. Determinar qual seja tal
direito é bem o enunciado do problema jurídico pre-
sente á nossa analyse.

6. Os termos objectivos do problema juridico, que


acabamos de enunciar, deduzem-se da situação e com-
plexa iniciativa do agente mercantil. O commerciante,
escreve GIANNINI, áparte a mercadoria e o capital,
dispõe duma serie de meios (propaganda) que esta-
belecem e garantem o seu contacto com o publico.
Marcas de fabrica, etiquetas, firmas, denominações
de phantasia e demais especies de reclame são outros
tantos elementos postos em pratica para individualisar
peranie o consumidor o seu estabelecimento e os seus
productos.
São taes recursos de emprehendimento mercantil
que tomam espaço como objecto do direito, sanccio-
nando-os uma triumphanle corrente de jurisconsul-
tos como uma categoria jurídica, tornada já, como
23

adeante mais largamente apreciaremos, uma vasta pre-


occupação legislativa. Qual é, porem, a natureza desse
direito? Confrontemos os varios pareceres.
a) Auctores ha para os quaes o direito cm questão
representa puramente um elemento constitutivo da in
dividualidade do seu sujeito. Distingue o, caracteriza o,
a elle perlence por completo, sendo, em summa, uma
emanação da sua propria personalidade.
A expressão sociologicamente mais definida desta
theoria traduzem-na aquelles que apresentam o direito
em analyse como um legitimo corollario dos direitos
fundamentaes do individuo, como uma consequencia
necessaria da sua liberdade e da livre afirmação ex-
terna de suas iniciativas individuaes. Em todos os
tempos a lei o reconheceu: a actio doli e a adio inju-
riarum longe o confirmam.
b) Para outros o direito de propriedade industrial
é equiparado ao direito de auctor: ambos devem ser jus-
lamente catalogados como direitos inlellectuaes, allento
que o seu commum objecto é uma creação da intelli-
gencia, reclamando da lei uma tutela por egual efficaz.
Tal theoria, pois, não cura de medir e ponderar o
differente esforço intellectual que patenteiam as crea-
ções mais diversas do campo litterario, artístico ou
simplesmente industrial.
Para taes auctores, a Venus de Milo e o rotulo dum
frasco de conservas são uma e a mesma coisa...
24

c) Finalmente, ainda para outros tratadistas e não


são os menos numerosos, o direito em questão tem
uma natureza especial. Para taes escriptores a trilo-
gia do velho Digesto é insufficiente; sendo mistér accres-
centar-lhe esta nova categoria juridica: a de direito
sobre a marca commercial, do direito de producção
intellectual nas suas diversas modalidades.
Em todos os citados pareceres encontra GIANNINI um
pronunciado e nebuloso sabor germanico: são demasiado
subtis e doutrinarios, e o auctor italiano aconselha pru-
dencia.
Qual a natureza e razão de ser do direito de pro-
priedade industrial? Interpretá-lo imporia abordar um
dos mais latos problemas antepostos â moderna ana-
lyse sociologica. Tentá-lo-hemos, para uma completa
deducção.
CAPITULO III

O instituto da propriedade e
a propriedade industrial

7.—Importancia sociologica do instituto da propriedade. Elle


acompanha e integra-se na evolução de toda a phenome-
nalidade socia], diz CARLE : é a lei de orientação mental
de suas transformações.
8. —As theorias sobre a origem da propriedade: concepções
apriorísticas de GUMPLOWICZ, GROCIO, BURLAMAQUI, PUF-
FENDORFF e ROUSSEAU; o racionalismo de KANT, LOCKE
e AHRENS.
9 .— Systemas negativos: «a propriedade é um roubo» clama
PROUDHON, e as apostrophes communistas perdem-se no
deserto.
10. — As ideias collectivistas e a reforma da propriedade privada,
segundo ANTON MENGER.
11. — A propriedade é uma instituição existente e como tal deve
ser apreciada. A evolução da propriedade e as suas raízes
sociologicas: a necessidade, o trabalho e o interesse. 13. — Estes
mesmos elementos justificam a propriedade industrial. Caracter
relativo das garantias juridicas deste instituto.

7. Ha nos domínios da sociologia e na controvertida


historia das instituições humanas um problema que, pela
sua complexidade e primacial importancia,
26

tem arrastado os espíritos ao mais desencontrado e


difficil debate: o problema da propriedade. Elle tem ge-
rado as mais diversas e apaixonadas theorias c pren-
dido a attenção culta dos historiadores, que porfiam
cm recompor a sua primitividade; tem inspirado os
mais estranhos systemas de reacção, reforma e demo-
lição resoluta; e como certo é que a ordem economica
tem na propriedade o seu mais amplo fundamento, in-
fluenciando os mais encarecidos e melindrosos aspe-
ctos do viver social, o mesmo instituto occupa um pro-
eminente logar na sciencia sociologica, constituindo de
todos os tempos uma funda preoccupação de philoso-
phos, economistas, jurisconsultos, estadistas e socio-
logos.
Representando, pois, a essencia dos mais impor-
tantes litígios, que pendem no campo economico e ju-
rídico (1), a propriedade tem provocado modernamente
uma vasta e notavel elaboração scientifica. Á sombra
do irrefragavel principio da transformação social, cum-
prida não dum modo brusco e interrupto mas numa
medida contínua de racional e evolutiva successão,
CARLE (2) não tardou cm formular uma lei que, inte-

(i) Loria, Les bases économiques de la constitution sociale, trad.


de BOUCHARD, pag. 95 e seg.; CARLE, La vida del derecho en sus
relaciones con la vida social, trad. do FLOREZ LAMAS e GINER DE LOS
RIOS, tom. II, pag. 317 e seg.
(2) CARLE, Le origine del diritto romano, pag. 62 e seg.
27

grando o instituto da propriedade no complexo de to-


dos os institutos e phenomenos sociaes, que como elle
nascem, subsistem e vingam uma natural sequencia,
consubstanciou o extensivo principio de que a proprie-
dade tem acompanhado em seus metamorphismos os
tramites evolutivos de toda a organsação social.

8. Desta fórma nova luz incidiu sobre a confusa


origem da propriedade, desde logo submettida a uma
investigação concreta, puramente deduzida dos factos
e vestígios da mais recuada primitividade, recolhidos
em longos annos pela paciente tenacidade dos inves-
tigadores. Pretendeu-se banir todo o arbítrio, repudiar
de vez as concepções depuradamente doutrinarias, que
vinham assignalando ao instituto da propriedade bases
e motivos de existencia perfeitamente artificiaes.
Não era assaz explicação da propriedade considerá-la
em sua origem, como simples resultante de uma disputa,
repartição ou conquista de gente forte, sequiosa de
posse e dominio, como queria GUMPLOWICZ ; ou como
um facto de comprehensão aprioristica, justificando-se,
como entendiam GROCIO e BURLAMAQUI, a primeira re-
lação entre o individuo e os bens do mundo physico,
por uma decisão prompta daquelle a assumir a feição
juridica de occupante; ou ainda ligando a um conven-
cionalismo mais ou menos artificial a causalidade do
instituto da propriedade, erguido do nada por um es-
28

tranho accordo dos primeiros homens—accordo que


poderia ser a convenção da propriedade de PUFENDORFF,
O contracto social de ROUSSEAU, OU uma singela o
das exigencias materiaes da harmonica vida do Estado
— derivando-se da lei, numa incomprehensivel petição
de principio, a primordial razão de ser do instituto
da propriedade (i).
Para outros, que assenlam seu raciocínio numa
sincera coordenação das garantias e forças do indivi-
duo e da sociedade, a propriedade, como a interpreta-
vam KANT, HEGEL, LOCKE, KRAUSE, FICHTE e AHRENS,
era uma deducção das mais fundamentaes condições
de existencia e progresso sociaes, um indispensavel
complemento da liberdade individual, affirmando-se
externamente pela appropriação e posse de bens ma-
teriaes. Theoria esta, em que os economistas se apres-
saram em introduzir a interferencia do agente econo-
mico, attrahindo ao patrimonio individual e modificando

(1) GUMPLOWICZ, Derecho politico filosofico, pag. 496 e seg.; BOR-


DIER, Vie des sociétés pag. 200 e seg.; SR. DR. MARNOCO E SOUSA,
Historia das instituições do direito romano, peninsular e português,
pag. 309 e 313 e seg.; ROUSSEAU, O contracto social, trad. pelos
redactores do Compilador, pag. 18 e seg., e 26 e seg.; SPENCER,
Príncipes de Sociologie, tomo III, pag. 715 e seg.; CARLE, La filo-
sofia del diritto nello stato moderno, tomo I, pag. 76 e seg.; Gro-
TIU8, De jure belli ac pacis, liv. II, cap. II, § VI; VELARDITA, Prin-cipii
di Sociologia, pag. 193 e seg.
29

pelo cunho de sua iniciativa laboriosa esses elementos


destacados da natureza (1).
Taes as ideias que apresentava a mais ingenua phi-
losophia do direito, num completo desprendimento dos
factos e de sua exclusiva significação, dando azo a
que contemporaneamente medrassem nos limites duma
explendida divagação theorica as mais avançadas con-
cepções demolidoras da propriedade, ao tempo em que
MORE, CAMPANELLA, ROBERT OWEN e CABET (2) navega-
vam de animo leve para a Icaria, dispostos resoluta-
mente a lançar na ilha da Utopia os alicerces da mais
excelsa promiscuidade (3).

(1) LAVELEYE, La propriété et ses formes primitives, pag. 543 e


seg.; LILLA, Manual di filosofia del diritto, pag. «130 e seg.;
WAGNER, Grundlegung der Politischen Oekonomie, pag. 150 e seg.;
FRANCK, Philosophie du Droit Civil, pag. 117 e seg.; AHRENS,
Cours de Droit Naturel, tomo II, pag. 146 e seg.; FRANCESCO DE
LUCA, La Sociologia di fronte alla Filosofia del Diritto, pag. 77 e
seg.; PIETRO CHIMIENTI, IL diritto di proprietà, pag. 4 e seg.
(2) RAMBAUD, Histoire des doctrines économiques, pag. 375 e
seg. e 415 e seg.; BOUCTOT, Histoire du communisme et du socia-
lisme, pag. 1 e seg. e 54 e seg.; SR. DR. MARNOCO E SOUSA, Sciencia
economica, pag. 237 e seg.
(3) Schönberg, Handbuch der politischen Oekonomie, pag. 12 e seg.;
YON SCHEEL, Socialismus und Kommunismus, pars prima, cap. III;
LICHTENBERG, Le socialisme au XVIII siècle, pag. 7 e seg., e 28 e
seg.; KAUTSKY, Thomas More und seine utopie, pag. 6 e seg.; e
PAUL LOUIS, Les étapes du socialisme, pag. 15 e seg.
30

9. O factor culminante dessa facção negativa é


PROUDHON, o estoico e elevado Proudhon, que afastava
de suas doutrinas os communistas artificiosos, procla-
madores da religião da miseria, com o mesmo gesto de
superior desdem com que relegava para o nada a phi-
losophia dos homens e a religião dos deuses—julgando
a divindade a suprema nephelibatice destes pobres
mortaes.
PHOUDHON, para quem ROBESPIERRE era ainda assim
um aristocrata talon rouge, é o mais altivo e nobre de-
molidor que regista a historia dos systemas economi-
cos de todos os tempos, e o proudhonismo é na verdade
o mais forte libello que se tem articulado contra a pro-
priedade.
Dizendo-se interprete dos sentimentos e aspirações
da humanidade, elle pretendeu pulverisar os funda-
mentos da propriedade, atacando-a em suas bases ju-
rídicas de occupação e trabalho, attribuindo-lhe os mais
nefastos effeitos corrosivos da egualdade humana, con-
cluindo energicamente pela abolição dessa suprema es-
poliação social, e substituindo-a pela posse commum,
egual e permanente para todos os homens (1).

(1) PHOUDHON, Systhème des contradictions économiques, pag. 179


e seg., e 248 o seg.; De la création de l'ordre dans l'humanité, pag. 7
e seg.;»Qu'est-que la propriété?» pag. 31 e seg., e 131 e seg.;
RAMBAUD, obr. cit., pag. 430 e seg.; FRANCK, obr. cit, pag. 157
31

A magnifica obra intellectual do grande pensador


não tardou, porém, em expirar na fallencia da Banque
du Peuple, e a sociedade burgueza não esqueceu con-
duzir mansamente PROUDHON perante as justiças, con-
demnando-o em tres mezes de prisão e quatro mil
francos de multa!

10. A critica da propriedade assume feição mais


moderada nas proposições colleclivistas, cujas imposi-
ções economicas, gravitando em torno da appropriação
collectiva dos meios de producção, revestem na hora
presente uma plausível viabilidade, pois que nos par-
lamentos se escutam já as reclamações do proletariado,
o que é para muitos um symptoma seguro e um
primeiro passo para o estabelecimento do Estado po-
pular do trabalho.
Interessa-nos um aspecto particular do doutrina-
rismo colleclivista: a parte com que a seita socialista
concorre para a discussão do problema da propriedade.
Em face da evolução dos systemas socialistas e tendo

e seg., e 181 e seg., obra onde se contém uma bem deduzida critica
ás tremendas allegações do grande revolucionario; CHARLES GIDE ET
CHARLES RIST, Histoire des doctrines économiques, 1909, pag. 332 e
seg.; M. LAIR, »Proudhon»: père de 1'anarchie, nos Annales des
Sciences Politiques, de 15 de setembro de 1909.
32

em vista aa mais recentes affirmações de seus propu-


gnadores, o colleclivismo procura revestir em nossos
dias moldes praticos e transitorios, que lhe permitiam
apresentar-se claramente como uma aspiração legitima
e remodeladora da actual sociedade capitalista. Elles
não desdenham da mentira convencional da urna, que
faz ascender os seus corypheus ás cadeiras das assem-
bleias parlamentares; e conscios da irrealisação de
qualquer advento impetuoso, que subverta calastrophi-
camente os elementos vigorosos das sociedades consti-
tuídas de seguro direito, accommettem num plano pa-
cifico, gradual e habilidoso, convergindo suas forças
n'uma obra de sereno e commedido ataque. Não são
já revolucionarios, são reformistas; acceilam a parlilha
do poder e por essa fórma arrostam de bom grado com
as incongruencias do seu mais radical doutrina-
rismo (1).

(1) GEORGES SOREL, Réfléxions sur la violence, 1908, pag, 23 c


seg., 125 e seg., e 141 e seg.; MILLERAND, Socialisme réformiste,
pag. 5 e seg.., e La politique sociale sous la troisième republique, apud
Revue politique et parlementaire, 1906, II, pag. 6 e seg.; GEORGES
DEHERME, La démocratie vivante, pag. 220 e seg.; HESSE, Le parti
socialiste et les réformes, apud Revue socialiste, de setembro de 1908,
pag. 221 e seg.; MARC SANGNIER, La lutte pour la démocratie, pag.
6 e seg., e 59 e seg.; CHALLAYE, Syndicalisme révolutionnaire et
syndicalisme réformiste, 1909, pag. 7 e seg.; OSTROGORSKY, La
démocratie et les partis politiques, tomo II, pag. 516 e seg.; VICTOR
33

Assim, pois, o socialismo transita habilmente para


uma organisação pratica; e como quer que o fulcro dos
seus programmas seja a reforma da propriedade, im-
porta summariamente apreciar as suas contestações.
Os systemas collectivistas condemnam unanimemente
a propriedade privada. ANTON MENGER, trasladando nas
paginas dum bello e notavel livro a estructura do fu-
turo «Estado socialista», esplana lucidamente o objecto
e Gns de tal reivindicação.
A organização juridica da sociedade actual está
ainda profundamente embuida do espirito romanista,
na influencia poderosa duma absorvente tradição his-
torica (1). A propriedade é um dos mais vivos e palpi-
tantes exemplos: ella é ainda o poder illimiíado attri-
buido ao individuo sobre uma cousa. A accumulação
pratica dos effeitos jurídicos de tal preceito cimentou,
no decorrer das edades historicas, o triumpho das mi-
norias opulentas, das soberanias argentarias... Roc-
KEFELLER com a sua brutal finança é o legitimo e insup-
portavel successor do duque de Borgonha, que em
tempos medievaes foi o mais nobre senhor feudal de

GRIFFUELHS, L'action syndicaliste, pag. 21 e seg.; TABBOUBIECH, La


cité future, pag. 10 e seg.; FOUÍLLÉE, Les erreurs sociologiques et
morales des démocraties, apud Revue des Deux-Mondes de 15 de no-
vembro de 1909, pag. 315 e seg.; SOMBABT, Sozialismus und soziale
Bewegung, pag. 12 e seg.
(1) Cf. YON IHERING, Der Zweck tn Recht, tomo I, pag. 519 e seg.
3
34

vastas terras de regadio, forte pelas homenagens de


seus abundantes vassallos.
Essas fórmulas de Direito, a despeito das succum-
bidas e humanitarias aspirações dos fins do seculo XVIII,
reflectiram-se amplamente nas falseadas garantias do
regimen contractual c do direito successorio, geraram
o mal social, a suffocação das energias do proletario,
eternamente oppresso pelas exigencias do hyper-tra-
balho de MARX. E os socialistas tal não puderam ver,
sem que os olhos se mareassem de lagrimas: abaixo a
propriedade privada !
Como substituir, porém, o edifício da propriedade dos
Estados modernos, tão profundamente barbaricos em
sua organização, injustos senhores duma terra, arran-
cada a seus legítimos possuidores na violencia extrema
duma longínqua invasão de raça?
MENGER distingue para tal effeito e dentro da pro-
priedade privada tres categorias de bens: bens consu-
míveis, bens de uso e meios de producção.
A propriedade privada dos bens consumíveis, que
são aquelles cuja utilisação implica a sua destruição
completa ou pelo menos a destruição sensível de sua
substancia, deve ser mantida na futura organização
socialisla, em suas disposições essenciaes, plenamente
reproduzidas quanto ao direito de uso, e quanto ao di-
reito de disposição ou alienação, apenas com certas re-
striçcões derivadas do preceito de que nenhumas relações
35

de divida poderão subsistir entre particulares no Estado


popular do trabalho, mas tão sómente entre o Estado
e o cidadão.
Os bens de uso, ou sejam as riquezas que são para o
individuo objecto de utilidade immediata, sem consump-
ção, isto é, sem destruição ou diminuição sensivel de
sua substancia, podendo assim ser utilisadas simultanea
ou successivamente por multiplas pessoas,—taes bens
devem ser em principio retirados do domínio privado,
cuja essencia é incompatível tanto com os chamados
bens de utilidade publica como em larga escala com a
especie de bens de uso, dispostos por sua natureza
a serem usufruídos pelos indivíduos ou pelas famílias.
O uso destes poderá ser concedido ao particular
pelo Estado ou outra organização publica, numa es-
phera, porém, restricta, sem a livre disposição dos
fructos e colheitas, que se devem considerar um meio
de producção, e por isso tão somente por fórma passa-
geira, incompleta e simplificada, sem as monstruosas
exigencias formalistas do actual cadastro.
E quanto aos meios de producção, cujo fim normal
é produzir, com ou sem cooperação do homem, novas
utilidades e facilitar a repartição das existentes? Os
meios de producção ou instrumentos de trabalho (1),

(1) Entre os meios de producção devem particularmente incluir-se


os seguintes, com suas partes componentes e accessorias: 1.° os
36

como em geral são designados pela lilteratura socia-


lista, repellem por sua natureza a propriedade privada.
A importancia capital, diz MENGER, que têem na vida
economica do Estado os meios de producção, im-
pede necessariamente a sua exclusiva apropriação por
qualquer individuo no futuro Estado popular do tra-
balho.
A propriedade de todos os meios de producção deve
pois reverter exclusivamente para Estado e para as
outras corporações publicas (1), libertando taes meios

bens naturaes e terrenos, reproductores de novas utilidades, como


campos, florestas, minas, rios e mais cursos d'agua; 2.° fabricas e
demais estabelecimentos industriaes; 3.° meios de transporte, em
seu mais vasto sentido, comprehendendo não só os caminhos de ferro,
vias maritimas, estradas e cursos navegaveis de agua mas ainda os
armazens e instituições accessorias destinadas á distribuição normal
das riquezas; 4.º as materias primas destinadas á producção
(MENGER, L'Etat Socialiste, pag. 129 e 130).
(1) MENGER refuta assim implicitamente a admissão dos collec-
tivismos parciae, como sejam o collectivimo agrario (HENRY GEORGE,
Progress and Poverty, livro VIU, cap. I e seg.; RUSSEL WALLACE, Land
Nationalisation, pag. 1 e seg.; RAMBAUD, Histoire des doctri-nes
économiques, pag. 612 e seg.), o collectivismo industrial (RAMBAUD,
ob. cit., pag. 466 e seg.; Schäffle, Quintessence du socia-lisme, pag.
10 e seg., e 20 e seg.), e o collectivismo municipal (MONTEMARTINI,
Municipalizzazione dei publici servigi, pag. 47 e seg., 56 e seg., e 91 e
seg.), e bem assim o neo-collectivismo, em-quanto este admilte,
com intuitos opportunistas, a pequena propriedade; (Cf. SR. DR.
MARNOCO E SOUSA, Sciencia Economica, pag. 288 e seg.; e CHARLES
GIDE, artigo Le Neo-collectivisme, na Revue d'Eco-
37

de todas as formas de adquisição constitutivas do di-


reito privado, e banindo-os por completo da influencia
da mais nociva inimiga de qualquer systhema juridico
racional: a prescripção.
Áo individuo, pois, nem simples direito de uso dos
meios de producção deve ser concedido, attento que a
sua fruição, no Estado popular do trabalho, constituirá
um mero estado de facto, tal qual o que hoje é dado
ao salariado industrial ou rustico, e sempre por conta
e domínio directo do Estado e mais entidades publicas.
Consequentemente, os meios de producção estarão fóra
da area economica da troca, e MENGER conclue que
será até a estricta observancia e cumprimento de tal
preceito juridico a condição essencial de exito da fu-
tura organisação collectivista (1).

nomie Politique, tomo VIII, pag. 423 e seg.). O collectivismo de


ANTOH MENGER traduz pois mais caracteristicamente as ideias am-
plas do collectivismo integral de BENOIT MALON (Socialisme integral,
tomo I, pag. 200 e seg., 253 e seg. e 304 e seg.), se bera que numa
condensação mais lucida, numa analyse mais rigida e justaposta á
maclúna do futuro Estado popular do trabalho.
(1) MENGER, Ob. cit., pag. 107 e seg., 111 e seg., 126 e seg., e
129 e seg.; WANDERVELDE, El Colectivismo, trad. de Roberto
Robert, bijo, pag. 22 e seg., 115 e seg., 140 e seg., e 174e seg.;
FODILLÉE, La propriété sociale et la démocratie, pag. 10 e seg.;
EDMONO VILLEY, Socialismo contemporain, pag. 78 e seg.; DESLI-
NIÈRES, L'application du système collectiviste, pag. 23 e seg.; DIEHL,
Uber Socialismus, pag. 5 e seg., e 34 e seg.; JEAN GRAVE, La so-
38

E cremos ter condensado pela palavra de alguns de


seus mais notaveis tratadistas, auclorisados e esclare-
cidos combatentes, a ponderavel argumentação dos so
cialistas contra a radicada e secular instituição da pro-
priedade.

11. Que pensar deste extremado conflito de opi-


niões ? Poder-se-ha attribuir á propriedade uma origem
puramente derivada das conveniencias dos indivíduos
ou dos aggregados sociaes, uma razão de ser abstracta
e universal, que bem pode ser o peccado original, como
quer a mais sobrenatural theologia ? Ou pelo contrario
ser-nos-ha forçoso desistir de toda a invesligação em
busca dum terreno primario, que seja os alicerces de
justiça da propriedade privada, apontando-a como uma
fonte de iniquidade e permanente oppressão social ?
Até em materia scientifica se nos adigura a tole-
rancia uma grande virtude. A custo apercebidas as
forças e leis do todo sociologico, admitte-se que uma
sociologia natural existe, tão firme e poderosamente

ciété future, pag. 10 e seg.; TABBOURICH, Essai sur la propriété,


pag. 21 e seg.; FOUILLÉE, Le socialisme et la sociologie réformiste,
1909, pag. 325 e seg.; BONNAUD, L'État Socialitte, no Journal des
Économistes de 15 de setembro de 1909, pag. 326 e seg.; LORIA,
Verso la giustizia sociale, pag. 446 e seg.; CESAREO CONSOLO,
Lavoro e Capitale, Socialismo e Democrazia, pag. 370 e seg.
39

cumprindo sua missão, como firmes e poderosas são


as mais palpaveis e urgentes leis naturaes. A sociedade,
sendo a manifestação concreta do instincto da sociabi-
lidade, é no domínio psychologico a mais extensa e por
isso a menos remunerada das necessidades individuaes:
a autonomia do individuo dilue-se nas exigencias da
colleetividade, que mais póde e melhor se impõe pelo
numero e pela somma das suas vontades e energias
constitutivas, cumprindo os preceitos duma demar-
cada marcha social, numa relação constante entre a
abscissa e a ordenada e como resultante complexa
de todos os factores de civilisação. Eis porque o
socialismo nos não surprehende e ante a sua passagem
sinceramente nos descobrimos, saudando nelle uma
legitima, proxima e quiçá proveitosa illação do pro-
cessus historico-evolutivo. São ideias novas, de original
conteúdo, é a rajada impetuosa dum Direito nascente
que quer demolir desapiedadamente as velhas formulas,
arrancar de raiz as seculares instituições, e como certo
é que o communismo era já uma bella figura de
rhetorica tecida sob o portico philosophico de PLATÃO,
o socialismo, sua attenuada succedanea, pode bem ser
a humanidade que vem de retôrno, mais numerosa e
esclarecida, dignificada pelo trabalho e pela cruciante
selecção de muitos e dolorosos annos...
Elles pretendem arrazar para todo o sempre a pro-
priedade privada; mas ella é uma instituição viva e
40

amplamente frondosa, é o fundamenta) terreno jurídico


de todas as nacionalidades e civilisações, reflecte a sua
constituição em todos os ramos da actividade sociolo-
gica e tem ainda o culto e confirmação unanimes de
todos os codigos e legislações.
A mais vasta investigação historica esplana com a
precisão possível os tramites da sua evolução, adap-
tando a regra abstracta de suas transformações—no
conceito de CARLE, que atraz citamos, e que, como bem
observa o Sn. DR. MARNOCO E SOUSA, importancia tem
como lei de orientação mental e não como lei historica
— ás transformações mesmas das communidades hu-
manas.
A mais recuada formula será assim, pois, a com-
munidade de aldea, seguida da communidade de fa-
mília, e finalmente a propriedade individual, libertada,
em sua motivada fragmentação, do domínio colleclivo,
pela affirmação da posse individual (1).

(1) LAFARGUE, L'origine e l'evoluzione delia proprietá, pag. 12


e seg. 124 e seg.; COGKETTI DE MAIITUS, Le forme primitive della
evoluzione economica, pag. 10 e seg.; GUMPLOWICZ, Sociologie et
politique, pag. 168 e seg.; SR. Dr. MARNOCO E SOUSA., ob. cit., pag.
321 seg., 327 e 339 e seg ; TARDE, Les Transformations du Droit,
pag. 64 e seg.; D'AGUANNO, La genesi e l'evoluzione del diritto ci-
vile, pag. 03 e seg.; KOWALEWSKY, Le passage historique de la
propriété collective à la propriéeté individuelle, nos Annales de l'insti-
tut International de Sociologie, tomo II, pag. 175 e seg. LETOURNEAU,
41

Qual será a mais racional explicação sociologica da


genese da propriedade ? Plenamente integrado no
quadro evolutivo de todas as instituições humanas, o
pheuomeno social da propriedade desdobra-se, a nosso
ver, em dois elementos: o objectivo, ou seja a sua base
material, os bens e cousas do mundo exterior, e o
elemento subjectivo, que se cifra fundamentalmente e
em todos os tempos nos motivos associados da neces--
sidade, trabalho e interesse.
E, na verdade, a analyse do phenomeno da proprie-
dade, ainda em sua mais recuada feição communitaria,
demonstra que é uma mais urgente necessidade de
subsistencia, de fixação, um laço puro e simples de
ordem economica, que prende a collectividade e o
homem á terra, ligando-se numa communhão tão na-
tural e legitima, como legitimas e naturaes são as demais
instituições da humanidade — a familia, a arte, a re-
ligião, a moral e a politica....

L'evolution de la própríété, pag. 30 e seg.; MORASSO, Evoluziane


del diritto, apud Sr. Dr. MARNOCO E SOUSA, ob. cit., pag. 37 e seg.;
SPENCER, Justice, pag. 110 e seg., e 313 e seg.: o grande pensador com-
bate a theoria do communismo primitivo, sustentando que entre as
mais recuadas populações se encontram vestígios da propriedade in-
dividual e privada. NARDI GRECO, Sociologia giuridica, pag. 33 e seg.,
124 e seg., e 171 e seg.; LESTER WARD, Pure Sociology, pag. 233 e
seg.; BARTHÉLEMY TERRAT, DU régime de la propriété dans le rode
civil, apud Livre du Centenaire do codigo civil francês, vol. I, pag.
332 e seg.
42

Certo é, não o contestamos e antes o admittimos


como irrefragavel principio, que a propriedade é uma
cathegoria historica (1), no sentido de que as transfor-
mações successivas das sociedades lhe têm imprimido
uma differente organisação.
Mas nas suas mais variadas modalidades, tornada
commum ou de estricta posse individual (2), na des-
medida vigencia de sua absorpção por esta ou aquella
classe — hontem cifrando-se no feudalismo nobiliar-
chico, hoje no do capital, e amanhã no do Estado (que
as aspirações socialistas consagram, a nosso ver, o
feudalismo do Estado-providencia), a propriedade terá
sociologicamente e sempre identica justificação e fun-
damento na necessidade economica de fruir suas uti-

(i) Assim pensaram SPENCER, Príncipes de Sociólogie, pag. 717


e seg., e LASSALLE., Capital et travail, pag. 15 e seg., apud Sn. Dn.
CAEIRO DA MATTA, O Direito de Propriedade e a utilidade publica,
pag. 28.
(2) A analyse positiva, escreve o Sn. Dn. CAEIRO DA MATTA,
vendo na propriedade, não uma instituição sagrada, nem um roubo,
mas simplesmente um phenomeno, indica como causas que provo-
caram a genese e determinaram o desenvolvimento da propriedade
o augmento progressivo da população e do numero e intensidade
das necessidades. E a natureza da cultura intensiva, as exigencias
do trabalho humano, o desenvolvimento da familia, do individuo e
do Estado, explicam a transformação da propriedade collectiva em
individual e livre, a unica que, no dizer de CAUWÉS, pode prestar á
actividade economica a força de expansão indefinida que o pro-
gresso das sociedades reclama, (ob. cit., pag. 29-30).
43

lidades, adjudicadas ao individuo, a uma classe ou a


toda a aggremiação numa reduzida faculdade de uso.
Mas a propriedade, uma vez no patrimonio privado,
tem um consolidado reagente de transformação: é o
trabalho no estimulo directo do interesse. O trabalho
individualisa a propriedade e fecunda-a, arranca á
materia prima todas as suas energias productivas, é
energia e força, gera as industrias, multiplica as
utilidades; e porque util é a producção de qualquer
especie (1) —util é uma norma de moral, como uma
concepção de arte, como uma manufactura — o tra
balho é, em ultima analyse, o nobre, fertil e comple
mentar motivo de legitimidade do instituto da proprie
dade no seio dos estatutos de lei e em face das
exigencias collectivas. Tal a theoria sociologica da
propriedade que reputamos mais racionalmente accei-
tavel.

13. Os estadios mais ou menos vinculados da


pessoa humana são-nos revelados pela evolução mesma
da propriedade, desde as formulas communitarias da
collectividade primeira (2) até á sua expressão livre,

(1) Cf. YVES GUYOT, La Science Économique, 1907, pag. 13 e


seg,, 57 e seg,, e 74 e seg.
(2) Cf. SUMMER MAINE, Études sur 1'ancien droit et la coutume
primitive, pag, 383 e seg.; BRUGÍ, La Proprietá, 1908, pag. 10 e
44

surgindo do concurso dynamico e da complexa influencia


das necessidades, tornadas mais extensas e exigentes,
tal qual como a população, o solo, a família e o Es-
tado (1).
No ambiente da organisação social moderna e a
despeito da critica que vimos ser-lhe dirigida, o insti-
tuto da propriedade restaura a sua feição plenaria e a
bem dizer absolutista do velho dominium romano.
A construcção juridica da propriedade privada de
novo traduzindo-se como uma plena in re poíesías re-
conhece e garante a completa autonomia do direito do
proprietario, cifrando-se numa relação directa e im-
mediata entre o titular e a cousa, facto economico e
social, cujos effeitos jurídicos residem com o caracter
passivo de dever nas demais unidades sociaes (2).

seg., 31 e seg.; Sn. Dr. MARNOCO E SOUSA, Historia das instituições do


direito romano, peninsular e português, 1904, pag. 418 e seg.;
LAVELEYE, De la propriété et de ses formes primitives, pag. 5 e seg.
(1) LILLA, Manual di filosofia del diritto, pag. 140 e seg.;
XÉNOPOL, Sociologia e historia apud Rivista Italiana di Sociologia,
fase. de maio-agosto de 1905, pag. 308 e seg.; DE LUCA, ob. cit.,
pag. 79 e seg.
(2) A opinião de que os direitos reaes assim se resolvem numa
relação entre sujeitos, tal qual como os direitos pessoaes, tem sido
vivamente impugnada por alguns jurisconsultos; (Cf. SR. DR. GUI-
LHERME MOREIRA, Instituições do Direito Civil Português, pag. 123
e 331 e seg.; Duguit, L'État, le droit objectif et ta loi positive,
45

Assim resurgiu, em principio, o extremo conceito


individualista da propriedade, abrangendo em sua area
e sob uma mesma rubrica — bona — não só aquellcs
valores integrados nas cousas corporeas materialmente
consideradas, como os direitos denominados cousas in-

tomo I, pag. 175 e seg.; CAPITANT, Introduction à l'étude du droit


civil, pag, 78. Em sentido contrario: MICHAS, Le droit réel consi-
déré comine une obligation passivement universelle, pag. 66 e seg.;
PLANIOL, Traité élémentaire de droit civil, tomo I, pag. 679 e seg.;
SR. DR. CAEIRO DA MATTA, O direito de propriedade e a utilidade
publica, pag. 32 e seg.).
«Un rapporto d'ordine giuridico, escreve SORGE-VADALA no seu
recentíssimo trabalho: «I Rapporti di vicinato», non puó esistere
fra una persona e una cosa, sarebbe un controsenso: dare un di-ritto
all'uomo sulla cosa equivarrebbe a imporre una obbligazione alla
cosa verso 1'uomo, il che é assurdo. Un diritto reale qualunque é
portanto un rapporto giuridico stabilito fra una persona come
«soggetto attivo» e tutti gli altri come «soggetto passivo».
»E ció giustamente, perché che cosa è il diritto? Tra quali enti
puó esistere il diritto? II diritto è ordine degli interessi umani, é un
rapporto tra persone; il diritto esiste solamente fra personne; jus est
realis atque personalis proportio «hominis ad hominem» diceva DANTE
; é impossible dunque concepire un diritto existente fra una persona
ed una cosa, perché mentre nel primo caso, ché il vero, il reale, ad
ogni diritto dal lato attivo corrisponde necessariamente una
obbligazione dal lato passivo, nel secondo caso tale corrispon-denza
non ci sarebbe, né potrebbe esserci, perche la cosa per sua natura
non potrebbe avere dei doveri. Tale era pure il conceito del KANT,
dello IHERING, del FOUILLÉE», etc. (Cf. I Rapporti di vicinato, 1909,
pag. 53-54).
46

corporeas e que sobre essas mesmas cousas se podem


exercer (1).
Seja, porém, qual fôr o aspecto sujeito á analyse,
crêmos que as bases sociologicas da teoria succinta-
mente supra-exposla justificam a propriedade privada
em qualquer de suas modalidades: tanto a propriedade
material como a propriedade industrial, luterana e ar-
tística.
A necessidade é o seu permanente fundo sociologico,
valorisado pelos títulos do trabalho e do interesse, na
garantia dos preceitos positivos de lei.
A natureza, legitimidade e limites juridicos da pro-
priedade industrial (2) têm, não obstante, concitado a

(1) SR. DR. GUILHERME MOREIRA, ob. cit., pag. 336-339; GRAS-
SERIE,De la classification scientifique du droit, pag. 12; DERNBURG,
Pandekten, pag. 48; ROGUIN, La Règle du Droit, n.° 119 e seg.;
OLIER, De la distinction des droits réels et des droits personnels, na
Recue critique, 1896, pag. 470 e seg.
(2) Referimo-nos capitalmente á propriedade industrial, attento
que ella, ao menos em algumas de suas modalidades, constituirá
posterior objectivo da nossa analyse.
Sobre a rubrica de propriedade industrial se podem incluir, em
latitudinaria comprehensão, todos os problemas relativos á proprie-
dade emanada de qualquer fonte de acquisição de origem industrial
ou de industria: a propriedade industrial, diz MIRAGLIA por uma
forma vaga e assaz imprecisa, tem sua origem na manufactura,
denominada, em especial sentido, industria (Filosofia del Diritto,
pag. 293}. Nesta ordem de ideias a propriedade industrial abran-
gerá questões do mais lato alcance, como sejam as que dizem res-
47

critica a um amplo debate. Contra ella se têem deduzido


os mesmos argumentos, expendidos em largo alcance
demolidôr ou reformista contra o instituto da proprie-
dade. Não falta, outrosim, quem derive sua natureza
e fundamentos jurídicos de mera convenção ou simples
essencia de lei, como BÉDARRIDE, OU a considere como
RENDU uma criação espontanea de direito natural (1).

peito aos elementos da producção, ao insaciavel conflicto entre o


capital e o trabalho. A propriedade industrial acceita, porém, uma
interpretação restricta, incluindo-se sob tal epigraphe tão somente
os títulos de propriedade de patentes da invenção e introducção de
novas industrias, marcas de fabrica e de commercio, nomes indus-
triaes. E egual distincção cabe em materia legislativa, no duplo
aspecto de: legislação do trabalho propriamente dita ou legislação
social, e legislação sobre propriedade industrial. Impunha-se-nos es-
tabelecer tal desdobramento, aliás legitimo, pois que a nossa analysc
se reporta ao segundo aspecto.
(1) BÉDARRIDE, Brevets d'invention, tomo III, pag. 62 e seg.;
BRAUN, Nouveau traité des marques de fabrique et de commerce, du
nom commercial et de la concurrence déloyale, n.° 10; RENDU, Codes
de la propriété industrielle, tomo III: Marques de fabrique et de com-
merce, n.° 113; MIRAGLIA, Filosofia del Diritto, pag. 294 e seg.;
LÉON SAY E CHAILLEY, Nouveau Dictionnaire d'Économie Politique,
tomo II, vbo propriété, pag. 641 e seg.; DEVILLENEOVE, MASSÉ ET
DUTRUC, Dictionnaire du Contentieux commercial et industriei, vbo
Propriété industrielle; POUILLET, Traité des marques de fabrique et
de commerce, pag. 106, n.° 77; LUCIEN BRUN, Les marques de fa-
brique et de commerce, pag. 292 e seg.; POUILLET, MARTIN SAINT
LÉON ET PATAILLE, Dictionnaire de la propriété industrielle, artistique
et litteraire, vbo Propriété industrielle.
48

Razões estas já conhecidas, cuja apreciação atraz


deixámos summariamente expressa. Contrariamente,
atlribuimos á propriedade, e agora extensivamente a
qualquer de suas modalidades, motivos mais fundos
de sua existencia sociologica, totalmente inspirados no
primacial factor de necessidade, completado pelo tra~
bailio e interesse individuaes.
A propriedade industrial é legitima, a despeito da
má Tontade de PHOUDIION, LOUIS BLA.NC, CHEVALIER e
CAREY (1), cujas opiniões extremas pretendem conduzir

(1) PBOUDHON (Majorats litteraires), Louis BLANC (Organisation


du Travail), e CAREY (Lellers on International Copyright) dirigem
especialmente seus ataques á propriedade litteraria e artística, jul-
gando-a incompatível com qualquer remuneração material, cuja
offerta, no dizer de PROUDHON, é aviltante, rebaixando a uma escala
mercantil a cathegoria dos creadôres das coisas bellas, justas e ver-
dadeiras (!), ou mesmo injusta, pois que, conforme pensa CABEY,
os trabalhadores intellectuaes vão buscar seu peculio e materia ao
fundo commun dos conhecimentos humanos, como quem tece
capellas com as flôres colhidas no jardim de outrem .......... Crêmos
piedosamente que GAREY foi o primeiro a renegar a sua theoria.
Com vista ao assumpto são interessantes e dignas de leitura as
paginas escriptas por ALEXANDRE HERCULANO no tomo II dos Opus-
culos, (Questões publicas): A Propriedade litteraria, pag. 55-114, e
Appendice, pag. 115-150.
«Se o auctor de qualquer invenção ou descoberta, diz COMTE,
adquirisse ipso facto a propriedade exclusiva da mesma invenção ou
descoberta, seguir-se-hia que desde esse momento ninguem, senão
elle, a poderia pôr em pratica. 0 primeiro homem, que ti-
49

a uma cominam espoliação, falsamente egualitaria e


improductiva. E se certo é que praticamente se não
demonstra uma egual interferencia da intelligencia
do individuo que forneça base para uma equiparação
da propriedade litteraria e artística á propriedade in-
dividual, nem por isso é menos de attender e respeitar
o fundo material, que concretisa o objecto de taes
institutos, e quanto de actividade intellectual estes di-
versamente representam, reclamando uma justa com-
pensação juridica. Ao inventôr ou ao industrial devem,
pois, em principio garantir-se os títulos de propriedade
de suas descobertas, marcas, nomes e recompensas,
etc, como tal é assegurado ao titular de bens pura-
mente materiaes, e bem assim ao creadôr e legitimo
usufructuario duma obra litteraria ou duma execução
de arte (1).

vesse e executasse a ideia de transformar um pedaço de páu num


par de tamancos, ou um pedaço de coiro em um par de sandalias.,
ficaria com o direito exclusivo de calçar o genero humano». Apud
ALEXANDRE DE SEABRA, A propriedade, pag. 181.
(1) «La propriété des ceuvres de l'esprit, escreve ALLART, n'est-ellc
pas la plus légitime de toutes, surtout si l'on suit les idées modernes
suivant lesquelles le travail seul doit fonder la propriété? L'invention,
1'ouvrage d'art ne sont-ils pas au plus haut point 1c fruit du travail?
Dès lors pourquoi en protéger la propriété moins que celle portant
sur d'autres objets? L'oeuvre de 1'esprit est 1'émanation de ce qui
est le plus personnel, le plus intime chez 1'homme, elle est le fruit
de sa pensée, elle est 1'homme lui-méme. Comment dès lors lui 4
50

Mas a propriedade industrial e suas constitutivas


garantias jurídicas não são absolutas — é uma segura
conclusão inspirada na propria essencia de todo o prin-
cipio de lei.

refuser une protection énergique? Plas que toute nutre elle y a droit.
La violer c'est porter atteinte non seulement à la propriété, mais à
la personnalité de 1'auteur. C'est lai prendre ce qui soavent est
1'oeuvre do sa vie entière, sa propre histoire, avec tout son cortège
de souvenirs, de déboires et d'espérances. L'auteur est tout entier
dans son oeuvre et c'est pour cela que violer 1'une, c'est violer
1'autre. lntérêt moral, intérét matériel, voilà ce que représente pour
son auteur 1'oeuvre de 1'esprit. Osera-t-on dire que l'on en puisse
faire abstraction dans une législation qui protége l'homme dans ses
biens, comine dans sa personne? Est-ce bien le moment de venir
parler de 1'intérét national? Et d'ailleurs celui-ci a-t-il avantage à
ce qu'une impunité scandaleuse couvre et encourage ces actes de
déprédation commis à 1'encontre des inventeurs et des auteurs? N'y
a-t-il pas au contraire un interêt primordial à ce que la loyauté
règne partout? Le commerce comme les arts, ('industrie comme le
niveau intellectuel du pays, ne se ressentent-ils pas de la bonne foi
qui y règne ? Que deviendront-ils si 1'inventeur voit sa découverte
mise au pillage, si 1'auteur voit son oeuvre vilipendée et déslionorée
par des reproductions grossières qui, outre ses intéréts matériels,
lèsent ce qui lui est plus cher encore, sa réputation et sa gloire?
N'aboutira-t-on pas à decourager les uns et les autres, pour le plus
grand dommage de 1'intérét public?
Cesont là, nous semble-t-il, des raisons suffisantes à justifier pour
la contrefaçon la répression pénale, parce qu'elle est la plus éner-
gique do toutes les sanctions. Cf. ALLART, Traité théorique et pra-
tique de la contrefaçon, 1908, pag. 6 e 7.
51

A norma juridica, como garantia coactiva para sa-


tisfação das necessidades collectivas, é ura preceito de
caracler universal, gerado nos confins. soberanos do
Estado, cujo supremo prestigio auctoritario não é filho
do arbítrio, mas concepção justa dictada pela con-
sciencia do maior numero. Por isso a justiça se não
pode comprehender como creação fortuita ou de mera
elaboração do enlevado capricho duma suffocada mi-
noria, derivando antes seu poder do complexo das mais
lídimas aspirações sociaes, redundando por seu accôrdo
na força obrigatoria do Direito.
É esta a condição intrínseca da vitalidade de todos
os institutos jurídicos, e consequentemente a da pro-
priedade, que não é uma instituição no espaço, erguida
pelo arbítrio e ambição dum pleno senhor. Á funcção
de seu utilitarismo implica, quatenus juris ratio patitur,
rcstricções de ordem convencional ou legal, limitações
positivas ou negativas, que representam a base de
sustentação do equilíbrio e harmonia das sociedades,
para que, na coexislencia das capacidades jurídicas
individuaes, lodos os direitos conjunclamente se satis-
façam e se não subvertam (1).

(1) COCCHIA, I limiti delia propriélá, pag. 3 c seg.; DUGIÍT, L'État,


le droit objectif et la loi positive, tomo 1, pag. 80 e seg.; GROPPALI,
IL problema del fundamento intrínseco del diritto nel positivismo
moderno, pag. 176 e seg.; NOYELLE, Lesrestrictions appor-
52

É relativa a propriedade industrial, pois seria con-


trariar a essencia juridica do mesmo instituto e as
livres c concorrentes tendencias do mondo economico
moderno ceder ao industrial ou ao inventor a eterna,
absoluta e illimitada posse, uso e fruição dos objectos
de seu dominio.
E consequentemente se por um lado é licita a qual-
quer a valorisação jurídica de seus títulos de proprie-
dade industrial, não menos certo é que taes títulos e tal
propriedade se devem comprehender e praticar com as
necessarias restricções inspiradas nas imposições livres
do mundo economico e do meio social, porque a lei
não cria e não contem a essencia innata da existencia
das multiplas manifestações da actividade social, mas
sim delias resulta, reconhecendo-as e patrocinando-lhes
as condições de seu racional e progressivo desenvol-
vimento (1).
E agora que demonstrada deixamos a legitimidade
sociologica do instituto da propriedade industrial, mais
segura e lucidamente nos encaminhamos para a sua

tées au droit de propriété dans 1'intérêt prive, pag. 20 e seg.; SORGE-


VADALA, I Rapporti di vicinato, 1909, pag. 50 e seg.
(1) ÉMILE DESCHAMPS, Étude sur la propriété industrielle, pag.
5 e seg.; LAMBERT, Manuel de la propriété industrielle et commer-
ciale, pag. 10 e seg.; DR. OSTERRIETH, Lehrbuch des gewerblichen
Rechtsschutzes, 1908, fase. 1.°, pag. 1 e seg.
53

apreciação no campo jurídico, procurando delimitar


com maior rigôr sua essencia e seus justos termos. É
agora o momento de apreciar a conciliação juridica do
instituto da propriedade industrial com as tendencias
da livre concorrencia moderna.
CAPITULO IV

A concorrencia desleal e o abuso do direito

13. — 0 direito de livre-concorrencia e suas limitações.


14. — A theoria do abuso do direito: essencia e razões de sua
acceitação.
15. — Criterio regulador da mesma theoria.
16. — Integração da concorrencia desleal na theoria do abuso do
direito.

13. Uma vez lograda a justa demarcação do in-


stituto da propriedade industrial na vasta área e in-
fluencia do phenomeno da concorrencia-livre, ter-se-
hão formuladas as bases jurídicas da concorrencia
desleal.
Vimos como por uma gradual emancipação de suas
fundamentaes garantias ao individuo foi dado transmit-
tir ao corpo social a sua liberrima feição economica e
parallelamente o não menos livre reconhecimento de
sua legitima posse e fruição dos bens. Dum mesmo
passo, pois, e convergentemente se pôz a lume a jus-
tificação sociologica da propriedade em qualquer dos
56

seus aspectos e as transformações do mundo economico


num sentido plenamente desembaraçado.
A essencia dum e outro instituto, porém, se não
pode dilatar ao infinito, attento que ambos contêm
interesses, conteúdo de direitos, cuja reciproca limi-
tação (1) é uma condição primaria da harmonia social.
O direito da livre-concorrencia, emanando da basilar
garantia da liberdade individual, conheceu necessaria-
mente restricções (2), gerando direitos e deveres, pois

(1) «Tout droit individuel, diz Huc, est limité par le droit égal et
semblable appartenant á autrui». «Non ci sono, observa SORGE-
VADALA, diritti illimitati, perché se la natura umana si porta a
questa concezione indefinita, il potere sociale, che ha il compito di
frenare e di rigolare 1'istinto individuale, deve assicurare la limi-
tazione e la regolamentazione dei diritti privati». «Non si puó con-
cépire, escreve HABTMANN, la proprietá come diritto per ('individuo
assolutamente isolato ed astraendo da qualsiasi societá umana:
quindi il potere individuale deve trovare i suoi limiti negli interessi
prevalenti di cotesta comunitá, e non esiste proprietá assoluta, libera
da ogni riguarto sociale. La proprietá è il piu ampio e intenso dei
diritti reali, ma non é un potere illimitato: essa comporta non solo,
ma esige limiti licitamente tracciati nell' interesse sociale.» (Cf.
SORGE-VADALA, ob. cit., pag. 56-57 reportapdo-se a Huc, Court de
Code Civil, n.°9.; e HARTMANN, Jahrbücher für Dogmatike», XVII,
pag. 124 e seg.).
(2) «La concurrence, sans doute, escreve EECKHOUT, est le droit
de tous. La liberté industrielle ouvre un même champ au
déploiement de toutes les activités, et nul ne peut revendiquer un
domaine exclusif sur ce terrain, oú toutes les forces individuelles
57

que a sua extensão infinitesimal seria a permanente


e desenfreada lucta, o chaos, a subversão da mesma
liberdade e concomitantes direitos do cidadão, dados
solemnemente á luz no anno historico de 1789 (1).
O abuso da livre-concorrencia é a concorrencia
desleal, já o deduzimos. Na inspiração dessas conse-
quencias sociologicamente lastimaveis a critica juridica
teceu a moderna teoria interpretativa dos razoaveis
limites do exercício de qualquer direito, procurando
formular o criterio da sua mais justa e util efecti-
vação.
E assim, ao passo que nos codigos, herdeiros da
soberba elaboração jurídica de Roma, se foram judi-
ciosamente inscrevendo preceitos de plena garantia e
protecção de lei para aquelle que seu direito exerce,
parallelamente se retomou com fertil alcance uma outra
maxima romanista, por virtude da qual o direito se
deve considerar como uma força essencialmente rela-

sont appelées á s'exercer et á se combattre. Mais la liberté de cba-cun


doit se concilier avec les droits personnels d'autrui; celui qui
provoque les confusions et s'approprie ainsi la réputation commer-ciale
ou le crédit d'un rival, celui qui dénigre un concurrent ou déprécie
ses produits, empiéte injustement sur la personnalité d'au-trui, et viole
un droit prive» (Cf. EECKHOUT, ob. cit., pag. 25—26). (i) DUGUIT,
Droit Constitutionnel pag. 477 e seg.
58

tiva, uma formula não só de vida mas de convivencia


social, uma garantia, em summa, que levada ao ex-
tremo será abuso, será supremo desacato social: sum-
mum jus, summa injuria.
Desde logo a doutrina, procurando estabelecer os
equitativos limites do exercicio de qualquer direito,
demarcou-lhe primeiramente as indiscutíveis restricções
do interesse geral, da utilidade publica e da equidade,
uma vez transladadas em textos de lei.
Essa affirmação foi por muitos julgada superior a
qualquer debate, como constituindo intangível e sufi-
ciente medida do perimetro social do direito; mas não
tardou a analyse jurídica em demonstrar que ella era,
na verdade, susceptível de contemporisar com situações
prejudiciaes por seu desenvolvimento, attento que a
circumstancia exclusiva de se não conhecer opposição
de lei ao pleno exercicio dum direito justificaria por
parte de seu auctor o ser causa de damno, quando
ampliando desmesurada e emulativamente o conteúdo
desse mesmo direito. Dahi surgiria a collisão, o des-
equilíbrio, o mal estar social, e consequentemente a
necessidade de regular por modo geral a effectivação
dos direitos, mediante a consagração dum criterio mais
salutarmente equitativo.
Tal a origem da teoria do abuso do direito que, a
despeito da opposição de alguns jurisconsultos, se vac
59

assignalando por uma triumphante e progressiva accei-


tação (1).

(i) A theoria do abuso do direito tem sido, de facto, objecto de


viva impugnação por parte de alguns jurisconsultos. JOSSERAND
syntetisa essas criticas adversas, distribuindo-as por duas catego-
rias: a critica adjectiva ou os críticos de fórma, que affirmam ser a
nova expressão jurídica-inutil e sem sentido; e os críticos de sub-
stancia, que atacam a essencia do doutrinarismo em questão repro-
vando in limine as suas tendencias como attentatorias de toda a
organisação jurídica.
Julgam os primeiros a teoria do abuso do direito uma formula
inane e dispensavel, visto que as situações jurídicas, que tal teoria
pretende remediar, cabem lestamente na alçada dos princípios geraes
da responsabilidade civil. A theoria do abuso do direito é, pois, sim-
plesmente superflua. E os críticos com tal orientação entram num
verdadeiro malabarismo terminologico, apontando uma expressa e
absurda contradicção na phrase mesma — abuso do direito. «Os
jurisconsultos e legisladores modernos, escreve PLANIOL, pronun-
ciam-se no sentido de que o uso de um direito pode tornar-se num
abuso e constituir portanto uma injuria... Esta nova doutrina ba-
seia-se por completo numa linguagem viciosa; «uso abusivo de di-
reito» é uma logomachia, porque se uso do meu direito, o meu acto
é licito, e se é illicito é porque excedo o meu direito e sem elle
procedo — injuria, como dizia a lei Aquilia.
Negando o uso abusivo dos direitos, não é de modo algum in-
tuito meu justificar a pratica de certos actos prejudiciaes que a
jurisprudencia reprimiu sob tal rubrica; pretendo apenas observar
que todo o acto abusivo, por isso só que é illicito, não é o exercício
dum direito, e que o abuso do direito não constitue uma categoria
distincta dos actos illicitos. Não nos illudamos com palavras,
conclue o jurisconsulto francês: o direito cessa, onde o abuso
60

14. Poi a empolgante e modernisada noção da


solidariedade humana (1) que, bafejando todo o viver
social, veio impulsionar decisivamente para tal senda a
elaboração juridica. A noção de direito, despida de
toda a abstracção, encerra em sua finalidade o prose-

começa, não podendo haver «uso abusivo» de qualquer direito, pela


razão irrefutavel de que um só e mesmo acto não pode ser ao
mesmo tempo conforme e contrario ao direito». (Cf. PLANIOL,
Traité élémentaire de droit civil, 3.ª edição, tomo II, pag. 284).
Os criticos de substancia, esses, como já dissémos, vão ao ex-
tremo radicalismo: «Ceux qui les (taes criticas) formulent, escreve
JOSSERAND, ne se contentem pas de dénier á la théorie de Tabus des
droits toute originalité, toute valeur théorique; ils désapprouvent les
solutions concrétos auxquelles elle aboutit; ce n'est pas seule-ment
la manière qu'ils jugent inopportune ou dangereuse, ce sont les
dócisions jurisprudentielles qu'ils déplorent et, avec elles, la
tendance subjective et moralisatrice dont elles procèdent: à leur gré,
il conviendrait de faire table rase de celle-ci comme de celles-lá pour
en revenir à la saine et stricte application des droits dont l'exercice,
même malicieux, ne doit pouvoir donner lieu à des dom-mages-
intérèts. (Cf. JOSSERAND, De 1'abus des droits, pag. 83).
(1) Cf. GIDE, Cours d'économie politique, 1909, pag. 35-37;
BOUGLÉ, Le solidarisme, 1907, pag. 5 e seg.; BOURGEOIS, La solidarité,
pag. 3 e seg,; FLEURANT, La solidarité, 1907, pag. 9 e seg.; GARCIA
MARTI, Ensayo sobre la solidaridad social, 1909, pag. 3 o seg.; e para
mais amplas refencias, cf. Pic, Traité élémentaire de législation
industrielle, 1908, pag. 44 e seg.; CHARLES GIDB ET CHARLES RIST,
Histoire des doctrines économiques, 1909, pag. 671 e seg.; Duguit,
L'État, le droit objectif et la loi positive, 1901, tomo I, pag. 23 e seg.
61

guimento dum legitimo interesse de qualquer ordem.


E visto que em direitos ou interesses redunda toda a
susceptibilidade do individuo ou pessoa jurídica, com-
prehende-se como indispensavel se torna uma coorde-
nação, para que as unidades componentes possam rea-
lisar harmonicamente seus fins, dando a cada um o
que lhe pertence e doseando com equidade os benefícios
e garantias sociaes (1).
Uma vez que o conservador criterio da limitação ex-
pressa da lei se manifestou insuficiente, outro surgiu
mais amplo, circumscrevendo a extensão dos direitos
pela interferencia do seu fim economico e social, termo
de legitima aspiração (2) que não póde manifestamente

(1) Cf. CAPITANT, Introduction à 1'étude du droit civil, pag. 328


e seg.; FRANCK, Philosophie du droit civil, pag. 9 e seg.; VANNI,
Lezioni di filosofia del diritto, pag. 119 e seg., 338 e seg., e 369 e
seg.; MIRAGLIA, Filosofia del diritto, pag. 133 e seg., e 155 e seg.;
GIORGIO DEL VECCHIO, I presuposti filosofici della nozione del diritto,
pag. 95 e seg.; GRAZIANO GRAZIANI, Verso 1'eguaglianza, pag. 49 e
seg.; CICALA, Rapporto giuridico—Diritto subiettivo e pretesa, 1909,
pag. 43 e seg., 78 e seg., e 162, nota.
(2) Aspiração ou motivo legitimo, que JOSSERAND classifica de
leitmotif da teoria do abuso do direito e que deve ser apreciado por
fórma evolutiva de molde a rasgar á mesma teoria os seus mais
latos limites: «Ainsi s'illimite la théorie de 1'abus des droits, es-
creve JOSSERAND. en liant ses destinées à la notion du motif légitime;,
par là méme elle s'assure, outre un rayonnement sur le droit tout
entier, un avenir indéfini et une perpétuelle opportunité, car, sui-
62

ser a de causar um damno, molestando as unidades


sociaes circumvizinhas e perturbando repercutivamenle
o equilíbrio social.

vant les besoins de l'époque et suivant les préjugés, conformément


aux nécessites économiques et aux aspirations sociales, le motif lé-
gitime se modifiera ou méme se transformera et avec lui la notion
de Tabus des droits. Ordinairement, c'est dans le sens d'une plus
grande précision que l'évolution se produira; le progrès consiste à
assigner aux prérogatives individuelles un sens toujours mieux de-
terminé, à le causer toujours plus exactement; c'est ainsi que la
liberté de contracter comme le droit de résilier unilatéralement cer-
tains contrais ont revétu, au cours du sièole dernier, une physiono-
mie plus précise, des limites subjectives leur ayant été assignées par
la jurisprudence ou par la loi.
«Grâce à cette flexibilité, le motif légitime fait de la notion de 1'abus
des droits une force évolutivo de premier ordre, un instrument de
progrès et d'assouplissement qui permet d'adapter aux besoins de la
société toujours em marche des institutions vieillies mais, grâce à
lui, sans cesse rajeunies. Les formes juridiques ne se figeront plus
dans une immobilité qui leur serait bientôt mortelle; elles gardent le
contact avec le monde des réalités; elles vivent et elles se réa-lisent
dans le milieu pour lequel furent créés.
Ainsi comprise, la théorie de Tabus anime véritablement les
droits en les causant; elle convie le législateur, le juge et Tinte-prète
a scruter les diffèrentes prérogatives concédées aux individus pour
en découvrir et en fixer le ressort. Et cet examen de cons-cience
n'est pas pour demeurer stérile; il est bon de savoir Tessence des
droits comme il importe de connaitre le tempérament des individus,
afin de pressentir la direction dans laquelle doivent se pour-suivre
leurs destinées». (Cf. JOSSERAND,, De l'abus des droits, pag. 58-
59).
63

Se difficil é á analyse o determinar com precisão os


extremos confins da iniciativa juridica pertinente a
cada individuo, não soffre contestação que ella cessa
palpavelmente uma vez manifestado o damno, como fim
exclusivo do exercício dum direito, cuja expansão recua
racionalmente perante o effeito prejudicial (1).

(1) Cf. PORCHEROT, De l'abus de droit, pag. 5 e seg., 72 e seg.,


86 e seg., e 148 e seg.; JOSSERAND, De l'abus des droits, pag. 43 e
seg., e 68 e seg.; SALEILLES, Étude sur la théorie générale de l'obli-
gation d'après te premier projet de code civil pour 1'empire allemand,
pag. 356 e seg. e De Vabus de droit, estudo inserto no Bullet. de la
Soc. d'études législatives, IV, 1905, pag. 325 e seg.; GIERKE, Der
Rechtsgrund des Schutzes gegen unlauteren Wettbewerb, apud Zeits-
chrift für Gewerblichen Rechtschutz, 1895, pag. 109; CHARMONT,
L'abus du droit, na Revue trimestrielle de droit civil, 1902, pag. 112 e
seg.; KOHLER, Ueber den unlauteren Wettbewerb und seine Behan-
dlung in Recht, apud Neue deutsche Rundschau, de dezembro de
1894, pag, 1221; BUTTIN, L'usage abusif du droit, pag. 221 e seg.;
WINDSCHEIDO, Pandette, tomo I, pag. 475 e seg.; SR. DR. GUILHERME
MOREIRA. Instituições de direito civil português, 1907, pag. 632 e
seg. e Estudo sobre a responsabilidade civil, A responsabilidade civil
e o abuso do direito, apud Revista de Legislação e Jurisprudencia,
vol. 39.°, pag. 353 e seg., e 369 e seg.; BIAGIO BRUGI, Istituzioni di
diritto civile italiano, 1905, pag. 188 e seg.; MANZINI, Trattato di
diritto penale italiano, vol. I, pag. 130 e nota, e 366; SALANSON, De
l'abus du drott, 1903, pag. 22 e seg.; NOTO-SARDEGNA, L'abuso del
diritto, 1907, pag. 7 e seg., e 41 e seg.; MARC DESSEBTEAUX, ABus de
droit ou conflit de droits, apud Rev. trimest. de Droit Civil, tomo
5.°, n.° 1, pag. 119 e seg.; SORGE-VADALA, obr. cit., pag. 151 e
seg.; JEAN BOSC, Essat sur les élements constitutifs du délit civil, pag.
76 e seg.
64

Taes os fundamentos c racionalissimos intuitos da


teoria do abuso do direito, por cujo exilo militam ra-
zões, a nosso ver irrefutaveis, e as quaes JOSSERAND
assim resume suggestivamente:
«C'est d'abord le succès mème de la théorie, 1'essor
rapide qu'elle a pris tant dans la pratique et la légis-
lation françaises qu'à 1'étranger; lorsqu'une idée s'em-
pare du monde c'est qu'elle est actueillement nécessaire;
en fait, nous ne possédons pas un plus sur critérium
de la légitimité de nos institutions.
«Cest aussi 1'heureuse symétrie, la filiation certaine
qui existe entre la théorie nouvelle et une théorie voi-
sine, celle du détournement de pouvoir en droit admi-
nistratif. Un administraleur ne peut pas user de ses
pouvoirs en vue d'un objectif quelconque; comment
donc les particuliers, plus favorisés, seraient-ils admis
à exercer dans toutes les direclions les droits qui leur
ont été confies? En definitivo, et au travers de mul-
tiplos difféerences de détail, tous les droits se ressem-
blent dans leur essence; tous, ils constituent des pré-
rogatives concédées par le pouvoir social; dès lors ils
doivent tous être exercés socialement, conformément
à 1'esprit de 1'institution, ceux des particuliers aussi
bien que les pouvoirs des administrateurs, pouvoirs qui
ne sont en somme que 1'expression concrète des droils
des personnes morales publiques, État, départements,
communes, etc.
65

«C'est encore cette considéralion décisive qu'un


droit n'est pas une abstraction, mais une réalité, qu'il
ne représente pas un aboulissant, mais bien un moyen
qui, si on le sépare de son but, n'a plus de raison
d'être et ne saurait plas constiluer qu'un péril social;
il ne peut pas davantage aller contre sa finalité qu'un
cours deau ne peut remonter à sa source: conféré aux
individus pour fortifier la famille, il ne doit pas pou-
voir être utilisé afin de la détruire; reconnu aux écri-
vains pour assurer le triomphe de 1'idée juste, la ma-
nifestation de la vérité, il ne saurail être mis au service
de rancunes ou d'intérêts égoïstes: en aucun cas, sous
aucun prétexte, il ne doit se prêter à une parodie
éminemment périlleuse qui compromettrait à jamais son
auctorité.
«Toutes ces considérations, et quelques autres encore,
ont été déjà indiquées el c'est pourquoi noos nous
conlenterons, pour elles, de ce bref rappel. Mais, sur
le domaine rationnel, il est un argument auquel nous
n'avons pas fait allusion jusqu'ici et qui peut paraltre
à bon droit péremptoire: le moment est venu de le
présenter.
«Il se rattache à une distinclion des droits, hier
encore inobservée, aujourd'hui bien établie et coaram-
ment admisse: la distinction entre les droits définis el
ceux qui, n'ayant pas encore acquis d'individualilé, se
confondent, pêle-mêle, dans la liberté.
5
66

«Les droits définis sont ceux qui ont revêtu des li-
mites précises, une physionomie particulière, qui ont
conquis leur autonomie. Tels le droit de propriété, le
droit d'esler en justice, le droit de grève. On les appelle
encore droils détermines, droits posilifs: nous les quali-
fierions volontiers de droils nommés.
« On leur oppose les droits qui, privés d'individua-
lité, n'étant pas parvenus à 1'autonomie, se résument
en une même prérogative, la plus large et la plus
sacrée qui se conçoive: la liberté. Liberté que le droit
de circuler à sa guise; liberlé que le droit de penser
et d'agir. Toutes ces prérogatives sont encore impré-
cises; elles consliluent ce qu'on pourrait appeler des
droits innomés.
«Or, il est uni versellement admis que la liberlé est
susceptible d'abus. Nul esprit sensé ne soutiendra que
la liberté de chacun des membros d'une collectivité
puisse ètre illimilée: fatalement, elle doit être com-
primée par la liberté d'autrui. Notamment, elle ne sau-
rait être utilisée méchamment, dans un but nocif: tout
usage malicieux qui en est fait engage la responsabi-
lilé civile, et parfois pénale du coupable. La jurispru-
dence a bien souvent mis en oeuvre cette idée. Voilà
par exemple un patron qui fait défense à ces ouvriers
de fréquenter tel établissement; en édiclant celle pro-
hibition, il n'use pas d'un droit précis mais il manifeste
sa liberlé: le proprietaire de 1'élablissement visé va-t-il
67

pouvoir lai réclamer une indemnité à raison da préju-


dice résultant pour lui de cette mise à 1'index? Tout
dépend du mobile qui inspira la décision du patron:
ce mobile était-il légitime? La prohibition l'est elle-
même et l'immunilé de celui qui l'a portée est com-
plète. Si au contraire le patron a agi méchamment, dans
la pensée de nuire à 1'établissement visé, sa responsa-
bilité est engagé, parce qu'il a réalisé anlisocialement
sa liberté, parce qu'il en a fait abus.
«Ainsi tant qu'un droit fait corps avec la liberté il
est assurément susceptible d'abus. Et alors, toute la
question revient à savoir s'il en est autrement losqu'il a
conquis son individualilé et qu'il est parvenu à l'état de
droit défini, de droit nommé. Et vraiment la queslion est
parmi celles dont on a coulume de dire que, les
poser, c'est aussi les résoudre. Car, un droit a beau se
préciser, il ne change pas d'essence; toujours il cons-
tituie une émanalion de la liberté. Si, lorsqu'il se con-
fondait avec elle, il ne pouvait pas être exercé dans
une pensée quelconque et par exemple méchamment,
la même réserve doit continuer à limiter son exercice
lorsqu'il a revêlu sa physionomie particulière et conquis
son individualilé. L'eslampille officielle n'a pas dû faire
de lui une arme pour la malveillance, sans quoi il
faudrait regretter qu'ellc lui eut été conférée. La pré-
cision n'a dú lui être donnée que dans un désir de plus
grande clarté, de plus complète sécurité sociale: com-
68

ment aurait-elle pu faire de lui un instrument anti-


social ?
«La distinction que l'on prélendrait élablir entre les
droits innommés serait d'autant plus regrettable qu'il
n'est pas toujours facile de savoir si une prérogative
doit être rangée dans l'une ou dans l'autre catégorie.
Soit par exemple le droit de libre concurrence: doit-on
y voir un droit suffisament spécialisé ou bien ne con-
vient-il pas de le confondre encore avec la liberté ?
Les liens qui unissent un droit à la source commune
et première ne se brisent pas d'un seul coup; il se
relâchent peut à peu à mesure que se dessine plus net-
tement sa physionomie: à quel moment pourra-t-on
les considérer comme complètement rompus et que dé-
ciderait-on, pendant la période de transition, pour la
question de l'abus ?
«Admettre l'abus de la liberté (et il n'est pas possi-
ble de le nier) c'est donc admettre du même coup
Tabus des droits, puisque la liberté n'est autre que le
droit souche, la malière première sur laquelle tous les
droits nommés sont pris et dont ils ne sont en défini-
tive que la monnaie ayant cours certain et légal».

15. Serão, porém, a ausencia dum fim legitimo e


o concomitante damno objectivo os elementos essenciaes
para qualificar o abuso do direito? Nem lodos os seus
sequazes assim pensam, ligando ainda capital impor-
69

tancia ás intenções do seu agente, reclamando por tal


fórma a indispensavel interferencia do elemento culpa
para constituição do abuso e consequente responsabi-
lidade.
Taes auctores pretendem avultar o caracter essen-
cialmente subjectivo do abuso do direito, cujo criterio
deve assentar não nos resultados damnosos verificados
ou seja na intensidade do damno alheio, mas antes no
estado de alma do seu agente: o abuso do direito é,
em ultima analyse, um phenomeno de volição...
Esta tendencia, que parece reflectir um exaggerado
receio de invasão do domínio da responsabilidade civil
pelas teorias objectivas ou eliminadoras da culpa (1)

(1) Cf. ORLANDO, Saggio di una nuova teorica sul fondamento


giuridico delia responsabilità civile a proposito delia responsabilità
diretla dello Stato, no Archivio di diritto publico, 3.° anno; SAIN-
CTELLETE, Responsabilité et garantie, pag. 141 e seg.; SR. DR. GUI-
LHERME MOREIRA, obr. cit., pag. 587 e seg. e Estudo sobre a respon-
sabilidade civil, apud Revista de Legislação e Jurisprudencia, vol. 37.°
38.° e 39.°; Sn. DR. PINTO COELHO, Da responsabilidade civil ba-
seada no conceito da culpa, pag. 21 e seg.; COVIELLO, La responsa-
bilità senza colpa, na Rivista italiana per la science giuridiche, XXIII,
1807, pag. 208 e scg.; JOSSERAND, De la responsabilité du fait des
choses inanimées, pag. 3 e seg.; P LANIOL, obr. cit., tonto II, pag.
278 e seg.; GONARIO CHIRONI, LO stato di necessità nel diritto pri-vato,
pag. 87 e seg.; IHERING, La faute en droit prive pag. 45 e seg.;
PUGLIESE, IL rischio professionale; contributo alla teoria delia
responsabilità oggetiva, 1909, pag. 11e seg.
70

suscitou justamente a mais vigorosa critica, salientan-


do-sc contra ella GÉNY, SALEILLES e entre nós o SR. DR.
GUILHERME MOREIRA. «Rien n'est plus dangereux, en
effet, escreve SALEILLES, ou sinon rien n'est plus inutile,
que de voir s'en remeltre uniquement à la psychologie
individuelle le soin de fournir le critérium de l'abus
de droit: il n'est personne qui ait, en pareil cas, Tinge-
nuité d'avouer qu'il n'avait d'autre but que de nuire à
autrui. Il sera toujours facile d'alléguer un intérêt in-
dividuei». E o illustre jurisconsulto conclue: «La véri-
table formule serait celle qui verrait Tabus de droit
dans Texercice anormal d'un droit, exercice contraire
à la destination économique ou sociale du droit subje-
ctif» (1).
«Je suis, quant à moi, escreve por sua vez GÉNY,
plutôt porté à croire que Ton ne découvrira la mesure,
jusle et vraie des droits individueis, qu'en scrutant leur
but économique et social, et en comparant son impor-
tance à celui des intérèts, qu'ils conlrarient» (2).
«O elemento subjectivo ou a intenção do agente não

(1) SALEILLES, Théorie générale de 1'obligation, pag. 370. Regis-


temos lealmente quo o illustre jurisconsulto francês se converteu
posteriormente ao criterio subjectivo, por elle tão lucidamente criticado
nas palavras transcriptas (Ct. JOSSERAND, obr. cit., nota a pag. 44).
(2) GÉNY, Méthode d'interprétation et sources en droit privé po-
sitif, pag. 544.
71

é, opina o SR. DR. GUILHERME MOREIRA, O elemento a


que se attende para determinar se no exercício do di-
reito houve ou não a intenção de causar prejuízo. Essa
intenção resulta do proprio exercício do direito, quando,
tendo-se em consideração todas as circunstancias, elle
só póde explicar-se pelo intuito de causar um damno.
É por isso que no codigo civil suisso se diz (1) abuso
manifesto e que no codigo allemão se declara (2) que
o exercício não póde ter outro fim senão o de causar
prejuízo.
«E assim que, se o aclo realisado se póde explicar
por outra cousa que não seja a de causar damno, não
haverá abuso do direito.
«E sem duvida deve ser permittido, a quem exerce
um direito, allegar e provar quaesquer factos por que
prove que não teve só por fim causar damno, mas rea-
lisar um interesse legitimo. Dando-se esta circunstan-
cia e provando-se, o aclo praticado não deve conside-
rar-se illicito, embora a pessoa que exerceu o direilo

(1) No codigo civil suisso de 19 de dezembro de 1907, que deve


começar a vigorar em 1 de janeiro de 1912, declara-se (art. 2,°) que
«todos são obrigados a exercer os seus direitos e executar as suas
obrigações em harmonia com as regras da boa fé» e que «o abuso
manifesto do direito não é protegido pela lei».
(2) «L'exercice d'un droit n'est pas admissible, lorsqu'il a seu-
lement pour but de nuire à autrui» (Cod. civil allemão, trad, de LA
GRASSERIE, art. 226.°),
72

tivesse a consciencia de que ia prejudicar os interesses


doulrem. Desde que se usa dos poderes attribuidos
pela lei, e dentro dos limites por ella fixados, para
realisar um interesse legitimo, o facto praticado não
póde considerar-se illicito, não ha abuso de direito, e
consequentemente não póde imputar-se ao seu auctor
a responsabilidade por quaesquer prejuízos que desse
facto resultem.
«A figura-se-nos que, nos termos expostos, a teoria
do abuso do direilo deve ser sanccionada. Se na sua
applicação ha um certo arbilrio por parte dos
tribunaes, esse arbítrio de modo algum póde
considerar-se um perigo social, desde que a
organisação do poder judicial corresponda á elevada
funcção que elle exerce. E, perante a manifesta
incompetencia dos parlamentos para o exercício da
funcção legislativa, o facto de se attribuir ao poder
judicial, quanto a cerlas relações jurídicas, a faculdade
de apreciar os factos e decidir em harmonia com as
circunstancias, contribuirá sem duvida para o
progresso das instituições jurídicas» (1).

16. Cremos que uma integral applicação da teoria


do abuso do direito nos conduz á inslallação jurídica
do phenomeno da concorrencia desleal nas suas relações
com o instituto da propriedade industrial.

(1) SR. DR. GUILHERME MOREIRA, obr. cit., pag. 638-639.


73

Paginas atrás, apreciando os varios pareceres apre-


sentados pelos tratadistas no intuito de caracterisar os
factos da concorrencia desleal, concluímos antes com
LAURENT e GIANNINI que o enunciado do problema ju-
rídico da concorrencia desleal melhor se traduzia por
esta fórma: a concorrencia desleal representa o abuso
dum direito e a violação de direito de outrem. Após a
exposição feita, afigura-se-nos que nos é dado recorrer
mais comprehensivelmente aos elementos demonstra-
tivos da affirmação feita.
A concorrencia desleal representa o abuso dum di-
reito: o direito de liberdade, na sua mais ampla acce-
pção economico-social, enfeixando a serie de funda-
mentaes garantias que assistem a cada individuo para
sua conservação e para seu desenvolvimento e perfe-
ctibilidade social.
Este conceito latitudinario, tão extensivamente de-
duzido no domínio da pura sociologia, urgia corrigi-lo,
mediante o racional criterio expendido — a teoria do
abuso do direito. Direito de liberdade—tal se com-
prehende e se justifica, emquanto acompanhando a di-
rectriz normal dum direito, no proseguimento dum fim
legitimo e util; direito de liberdade, emquanto effecti-
vando-se nos limites do verdadeiro raio de actividade
jurídica do seu possuidor, sem que o seu abusivo exer-
cício redunde em perturbação da liberdade alheia ou
em violação do direito de outrem; direito de liberdade,
74

em summa, mas condicionado pelas restricções impos-


tas pelo interesse collectivo ou seja pelas liberdades
alheias.
Em materia de propriedade industrial, a livre-con-
correncia conhece restricções, sejam as derivadas dos
fundamentaes preceitos inscriptos nos codigos com o
fim de determinar a area de vigencia dos chamados
direitos absolutos (1), sejam ainda aquellas restricções,
que a necessidade regulamentadora tem successiva-
mente transladado em normas especiaes.
Qualquer ataque ou lesão da propriedade industrial,
provocado por um excesso delictuoso da livre-concor-
rencia, v. g., a usurpação duma patente ou a contra-
facção duma marca nas suas innumeras modalidades —
deve caber na vigencia de taes disposições, gerando uma
relação de direito, constituindo por fórma generica um
facto illicito, do qual deriva uma situação de
responsabilidade, filiada na injuria objectiva ou seja na
offensa dos interesses alheios—o quantum mihi

(1) Cf. ORLANDO, Primo tratatto completo di diritto amministra-


tivo italiano, tomo I, pag. 115 e seg.; LONGO, La teoria dei diritti
publici subiettivi, pag. 1 e seg.; GIORGIO DE VECCHIO, I presupposti
filosofici della nozione del diritto, 1905, pag. 31 e seg.; JELLINEK,
L'Êtat moderne et son droit, trad. de GEORGES FARDIS, 1904, pag.
159 e seg.; DOGUIT, obr. cit., vol. I, pag. 303 e seg.; PERREAU, Des
droits de la personnalité, apud Rev. trimest. de Droit Civil, n.° 3 de
1909, pag. 501 e seg.
75

abest, quantumque lucrari potui — e ainda e em prin-


cipio na imputabilidade causal da mesma injuria, tor-
nando seu auctor uma origem culposa de damno(i).

(1) Cf. SR. DR. GUILHERME MOREIRA, Instituições do direito civi


português, 1902-1903, pag. 161 e seg., e 192 e seg.; e obr. cit-, pag.
375 e seg. e 585 e seg.; SR. DR. DIAS DA SILVA, Estudo sobre a
responsabilidade civil connexa com a criminal, vol. I, pag. 1-2, 25 e
seg., 110 e seg., e 191 e seg.; PLANIOL, obr. cit., tomo II, pag. 278 e
seg.; GONARIO CHIRONI, obr. cit., pag. 55 e seg., e 87 e seg.; JEAN
Bosc, Essai sur les elements constitutifs du délit civil, pag, 8 e seg.,
e 57 e seg.; SALEILLES, Théorie générale de 1'obliga-tion, pag. 359
e seg.; BRUNETTI, Il delitto civile, 1906, pag. 190 e seg.; BRUSA,
Dell'illecito civil e dell'illecito penale, 1907, pag. 5 e seg.;
VENEZIAN, Danno e risarcimento fuori dei contratti, n.° 27 e seg.;
HENRI LEROY, Du voisinage, 1908, pag. 245 e seg.

Apresentando no texto o problema juridico da


concorrencia desleal na sua maxima generalidade e
procurando fixar as suas bases em harmonia com
os princípios mais vulgarmente acceites sobre
responsabilidade civil, entendemos não reportar os
fundamentos do mesmo problema aos da teoria do
locupletamento á custa alheia.
De facto, afigura-se-nos, em face da justa
interpretação que esta ultima e referida teoria tem
merecido á critica jurídica, que estranhos lhe são
por sua natureza os casos abusivos do direito de
livre-concorrencia no domínio da propriedade
industrial. Taes casos representam, como já
dissemos, uma expansão nociva e imputavel dum
direito, gerando legitimamente uma bem
caracterisada situação de responsabilidade. Ora a
teoria do não locupletamento á custa alheia, observa
o SR. DR. GUILHERME MOREIRA, assenta em principio
diverso da responsabilidade civil. Nesta, a
obrigação de indemni-sação tem a sua causa num
facto illicito considerado não só objectivamente mas
subjectivamente, e a indemnisação abrange todos
os
76

Taes factos illicilos poderão acarretar mera respon-


sabilidade civil ou, quando revestindo por sua natureza
e alcance um caracter mais complexamente lesivo, re-
clamar consequEncias jurídicas de ordem penalista —
caso em que o facto illicito origina, por força de pre-
ceito expresso, uma saneção de dupla ordem, integran-
do-se o illicito civil com o illicito penal (1).

Damnos que desse facto hajam sido consequencia,


quer o lesante se haja locupletado, quer não pelo
facto illicito. A teoria do não locu-plotamento à custa
alheia, fundando-se em principio na illegitimidade
duma situação de facto objectivamente considerada,
mas que não póde, pela falta de culpa, considerar-se
subjectivamente um facto illicito, apenas obriga a
restituir o que, havendo sido indevidamente
recebido, alguem tenha em seu poder ou lhe haja
servido de proveito, augmentando o seu patrimonio
ou conservando-o. (Cf. Sr. DR. GUILHERME
MOREIRA, obr. cit., pag. 621 e seg., e o estudo do
citado professor A responsabilidade civil e o não
locupleta/mento á custa alheia, apud Revista de
Legislação e Jurisprudencia, vol. 39.°, pag. 337 e
seg.; PAUL CIIAINE, L'enrichissement sans cause
datis le droit civil français, 1909, pag. 5 e seg. e 31 e
seg.).

(1) MANZINI assim escreve, justificando a tutela penal de um di-


reito ou interesse privado: «Vi sono fatti lesivi di norme giuridiche
disciplinanti interessi e rapporti individuali, che ora non escono
dall'ambito del diritto privato, ora invoco sono repressi ancho dal
diritto penale; cosi che le conseguenze giuridiche civili dei fatti ille-
citi servono talora a supplire l'effetto dela sanzione di diritto penale
e talora ad accrescorlo. Si tratta di fatti dolosi o colposi, o presunti
civilmente tali, di quelli cioè commessi con la volontà di violare un
comando giuridico.
«Si suol dire che, logicamente, la cosciente rebellione alla legge
77

Estes se nos afiguram ser os termos teoricos, que dovrebbe costituire


sempre violazione d'uno di quei precetti di mo-rale mínima che sono
indispensabili alla civile convivenza d'un popolo politicamente
organizzato, e che quindi ogni lesione dolosa di diritti privati
dovrebbe essere colpita dal diritto penale. Se non che, come
abbiamo già dimostrato, la trasformazione giuridica del minimo etico
viene com piuta da tutto il diritto obiettivo dello Stato, e non dal solo
diritto penale, il quale, per il rigore stesso che gli è proprio, si limita
a raccogliere il minimo del minimo. E questo processo di selezione
etico-giuridica e di distribuzione giuridica avviene in base a criteri
storici e politici, che mancano di quella determina-tezza e generalità
che sono proprie dei criteri giuridici.
«La politica penale può indurre a incriminare un fatto doloso o
colposo lesivo di diritti privati sia per impossibilita di applicargli le
sanzioni civili, sia perchè queste sole sarebbero inadeguate allo
scopo, sia perché si riconosce 1'insuficenza del privato a difendersi
da sè contro fatti fraudolenti o violente lesioni al suo diritto, sia per
la importanza del bene giuridico aggredito, sia per la frequenza con
cai certe specie illecite si manifestano, sia in base a nuove scoperte
scientifiche insalubritá di certe sofisticazioni di derrate alimentari;
efficacia pellagrogena del mais guasto, ecc). E inoltre lo stesso
fatto può dar luogo a sanzioni penali o civili a seconda che i mezzi
adoperati per eseguirlo si reputano o no pregiudizievoli, oltre che al
privato, anche alla collettivittà.
«Insomma, l'incriminazione avviene sempre quando il cosi deito
legislatore si persuade che, oltre aU'interesse privato, vi è un inte-
resse sociale da tutelare, consista questo semplicemente nella
opportunità di assicurare 1'ordine giuridico con sanzioni adeguate
ed idonee, che il dirilto privato non potrebbe da solo fornire, o nella
convenienza di reagire il piú energicamente posible contro fatti
ledenti privati, le cui conseguenze si repercuotono dannosa-mente
sul tutto sociale. E d'altra parte, il criterio politico può far
78

melhor comportam os fundamentos jurídicos da con-


correncia desleal (1). Si che un fatto doloso o colposo
rimanga nell'àmbito del dirilto pri-vato o perchè
tenue è l'interesse leso, o perchè il danno è sicura-
mente e facilmente risarcibile, o perchè, pur esscndo
irreparabile il danno, viene richiesta al privato una
straordinaria diligenza nel provvedere ai propri
affari, come accade in materia commerciale, o
perchè la punizione recherebbe maggior danno
dell'impunitâ come nel furto tra parenti, ecc.
«É appunto in base a un criterio politico che i
fatti colposi ven-gono solo cccezionalmcntc
incriminati, mentre di regola essi danno luogo
soltanto a responsabilità civile. Ed anche quando
può aversi un reato colposo, questo è punibile solo
allora che si riconosca nel rapporto di produzione
un nesso immediato di causa ad effetto». (Cf.
MANZINI, obr. cit., pag. 125-126).
(1) Melhor diriamos da concorrencia desleal strictu sensu, em
homenagem á distincção dos tratadistas, a qual tambem se infere da
nossa exposição: a) factos de concorrencia desleal previstos ex-
pressamente em leis especiaes; b) e factos não particularmente pre-
vistos e cuja repressão procurámos fundamentar na mais moderna
teoria interpretativa da area de licita actividade jurídica do indi-
viduo.
É ácerca da referida distincção, que ÉMILE BERT, já ha um par de
annos, assim dizia no seu excellenle Traité théorique et pratique de
la concurrence déloyale: «Nous avons vu que diverses lois (as leis
especiaes) ont érigé en délits certains faits qui tendent à attirer frau-
duleusement la clientèle d'autrui. Ces dispositions législatives ont
pour but de protéger d'une façon effcace les inventions brevetées,.
les dessins et modèles de fabrique, les marques de fabrique, les mé-
dailles, et récompenses industrielles. En prononçant des sanctions
pénales, qui laissent place d'ailleurs aussi à des dommages-intéréts
79

Resta-nos, portanto, apontar o corpo legislativo vi-


gente em materia de propriedade industrial no que
ou réparations civiles, la loi a fait, des droits ainsi
protégés, des monopoles au profi t des particuliers,
monopoles parfaitement justofiès par la nécessité
d'une protection dont la pratique avait de jour en
jour plus impérieusement démontré la nécessité.
Lorsqu'une atteinte est portée aux droits privatifs
reconnus en ces diverses matières, il y a done un
véritable délit classé dans la législation pénale et
don-nant lieu à une aclion publique et à une action
privée. Les faits que ces lois ont pour but de
réprimer peuvent rentrer dans la concurrence
déloyale envisagée lato sensu ; observons toutefois
que la concurrence n'est pas seulement alors
déloyale, mais qu'elle est aussi illégale ou
délictueuse.
«Mais ce ne sont pas là les faits de concurrence déloyale dont
nous voulons parlei. Ils restent en dehors de la théorie de la concur-
rence déloyale telle que nous avons à 1'étudier et constituent ce que
l'on appelle les délits de la contrefaçon. La concurrence déloyale
dont nous entreprenons d'exposer la théorie s'entend des faits que
aucune loi n'a réprimés, mais qui cependant peuvent motiver des
poursuites fondées, en vertu des principes généraux du droit, soit
sur une idée d'équité, soit sur les conventions intervenues entre les
parties. Nous verrons qu'il est intéressant, spécialement au point de
vue de la compétence, de distinguer les uns des autres les faits de
la contrefaçon et les faits de concurrence déloyale proprement dite.
«On comprend que le champ d'application de la théorie de la
concurrence déloyale, telle que nous 1'entendons, c'est-à-dire res-
treinte aux faits non définis, ait dú se trouver diminué chaque fois
que des lois nouvelles sont venues ériger en droits privatifs des fa-
cultés ou des avantages qui jusqu'alors n'auraient pas été protégés à
ce titre».
80

respeita á livre concorrencia, ou seja a evolução legislativa referente á


concorrencia desleal, para depois e mais detalhadamente entrarmos na
analyse de suas di-posições em relação ás diversas categorias suscitadas.
A historia da concorrencia desleal será—visto que esse é o aspecto que
nos interessa—a historia mesma da propriedade industrial. Uma acompanha
a outra, cm seus primordios longínquos, em sua lata expansão con-
temporanea.
PARTE II

MOVIMENTO HISTORICO-LEGISLATIVO
CAPITULO V

Legislações extrangeiras

17. — Os mais recuados vestígios historicos da propriedade in-


dustrial: As investigações de MAILAARD DE MARAFY,
BRAUN e KOHLER.
18. — A propriedade industrial na Edade-Média: o regimen ter-
rorista dos edictos.
19. —A Revolução Francêsa e as suas consequencias economicas
e sociaes.—A physiocracia: laissez-faire e... ora a
plena liberdade de fraude. — A moderna elaboração le-
gislativa em França.
20. —Allemanha.
21. — Austria-Hungria.
22. —Inglaterra. 23.
—Italia.
24. — Belgica.
25. —Estados-Unidos.
26. — Hespanha. —Outros países.

17. Por entre a vastissima bibliographia, com que


se tem trazido á luz da critica a mais completa e variada
esplanação de todos os aspectos de propriedade
84

industrial, não se dirá com verdade que o aspecto his


torico lenha sido menosprezado.
Citam-se com justiça os nomes de BRAUN, KOHLER,
DUPINEAU e do conde MAILLARD DE MARAFY, que ver-
sando pacientemente o assumpto em trabalhos ex-
haustivos se abalançaram, com mais curioso que util
estimulo, a rebuscar no passado, na leitura das in-
scripções appostas nos fragmentos materiaes reco-
lhidos dos escombros, um testemunho interessante do
mais recuado e concorrente engenho industrial dos
homens.
As marcas de fabrica e de commercio, presupposta
a longínqua genese sociologica do phenomeno da con-
correncia, serão, pois, e de bom grado, de lodos os
tempos... MAILLARD DE MARAFY, O de mais ousada
investigação que nos foi dado topar, conta-nos sobre
o caso fundas revelações: bem longe, na epocha da
pastoricia, marcas animaes existiram para distinguir
os rebanhos; uso identico se installou entre as errantes
populações dos pampas e as gentes nomadas da Arabia,
que faliam das marcas como duma instituição divina,
gratamente transmittida aos filhos do deserto por seu
pae commum Ismael; e MARAFY conclue convictamente
que os pastores chaldaicos, antes de inventar a astro-
nomia, inventaram com certeza as marcas...(1).

(1) MAILLARD DE MARAFY, Antiquité des marques, apud Grand


85

Da antiguidade classica sobrevivem numerosos ves-


tígios, extrahidos da historia economica da Grecia e
Roma. De longa data se lançou mão de nomes, signaes
figurativos e variadas composições lineares, applicados
pelos commerciantes e artífices cm seus objectos e mer-
cancias, como estygma duradouro de propriedade. Re-
líquias numerosas da fastigiosa opulencia artística de
CORINTHO, PARTHENOPE, CARTHAGO E SYBARIS compro-
vam-nos claramente o facto, tendo as descobertas ar-
cheologicas recolhido até hoje, segundo refere BRAUN (1),
mais de seis mil signaes distinctivos (sigillum), gra-
vados em preciosos exemplares existentes, principal-
mente de faiança, registando timbres da mais extranha
e variada concepção (2).
Entre os romanos o uso das marcas era geral.
MARAFT transportou-se a Pompeia em paciente in-
vestigação. Mal era dobrada a quina da rua Ca-
vecanen deparou-se-lhe no n.° 8 um thermopolium,
em cuja entrada eslão duas dolia de terra-cota, com
marca de fabrica figurativa; e perto da porta Sta-
bia é a locanda dum tal Lucius Volusus Faustus, que

Dictionnaire international de la propriété industrielle, tomo 1, pag.


595 e seg.
(1) BRAUN, Traité des marques de fabrique, pag. pag. 23.
(2) Collecções artísticas contém exemplares de faiança grega,
marcados com os nomes dos artífices ou com marcas figurativas,
v. g., um caduceu, uma abelha ou uma cabeça de leão.
86

vendia entre outras uma bebida condimentada por um


dos seus predecessôres, donde a seguinte marca no-
minal impressa nas amphoras: » liquorem optimum
M. Volusi».
Pelo que respeita ás garantias jurídicas do uso e
fruição duma determinada marca, o emprego do nome
doutrem com intuito fraudulento constituía um falum (1)
e diz KOHLER, que não se podendo affirmar dum modo
preciso que a usurpação de qualquer marca fôsse, como
a do nome, punida penalmente, em virtude da lei Cor-
nelia — de falsis —, dava pelo menos e com certeza
direito a intentar uma acção civil, que era, segundo os
casos, actio injuriarum ou actio doli (2).

18. Em tempos mais modernos, uma assaz abun-


dante documentação historica attesta a pratica geral
das marcas de fabrica e de commercio. Assim o de-
monstra DUPINEAU, num curioso estudo retrospectivo
publicado em 1725, e onde se contêm claras refe-
rencias ao amplo uso por parte dos mercadores e ar-
tífices de signa insígnia, appostos nos productos de
sua arte e fabrico, citando-se a proposito textos de

(1) La Propriété industrielle, (numero de 1 de março de 1885).


Artigo Les marques de fabrique et de commerce autrefois et au-
jourd'hui, pag. 17.
(2) KOHLER, DU Droit des marques, pag. 39.
87

ULPIANO e BARTHOLO, que comprovam inilludivelniente


tal usança (1).
Nas corporações medievais regista-se o emprego
duma marca de novo genero, qual era a chancella offi-
cial impressa por delegação do corpo de mistér, consti-
tuindo um meio seguro de verificar que o producto
correspondia ao typo regulamentar.
O espirito das legislações de trabalho de então conduziu
naturalmente a uma larga diffusão de marcas tornadas
obrigatorias em muitos mistéres, como o provam
numerosos estatutos de corporações, taes como as dos
padeiros de Verona e Novara, os artífices de Sienne, os
fabricantes d'arbalete de Lubeck, os ourives de Amiens e
Abbeville e os fabricantes de pannos e tapeçarias de
Strasburgo, Corbie. Flandres, Munich e Mantua (2).
Naquelles tempos a marca individual pretendia mais
fixar a propriedade pessoal do que constituir propria-

(1) DUPINEAU, Coutumes du pays et duché d'Anjou, tomo II,


pag. 805, apud EUGÉNE POUILLET, Traité des marques de fabrique
et de la concurrence deloyale en tous genres, pag. 1 e seg.
(2) La Propriété industrielle, volume, anno e artigo citados,
pag. 18; MARAFY, Grand Dictionnaire, vbo marque, tomo V, pag.
389 e seg., e artigo citado, tomo I, pag. 496 e seg.; DR. HOMEYER,
Berlim, 1870, Die haus und hofmarker, na parte historica; LACOUR,
Des fausses indications de provenance, introduction historique, pag. 8
e seg.
88

mente uma base de selecção industrial por parte do


consumidor. A concorrencia desleal era severamente
punida, sendo os contrafactores sujeitos a penalidades
extremas; a apposição de marca falsa nas manufactu-
ras a ouro tinha pena de morte, e delidos similares
arrastavam sem difficuldade os inculpados ás alge-
mas ... Facto é que já naquella epocha a pratica
industrial de marcas estava largamente disseminada;
BRAUN conclue em resumo que o regimen economico
da edade-media não prohibia o emprego de marcas-
particulares, largamente radicado nos usos e costumes
dos principaes países e remotamente collocados ao
abrigo da lei (1).
POUILLET, não querendo levar tão longe as pre-
sumpções de BRAUN que não duvida affirmar serem as
marcas de fabrica conhecidas e objecto de regulamen-
tação desde os tempos medievaes e em quasi todos os

(1) BRAUN, ob. cit., pag. 23 e seg. — Este auctor cita entre
outros um livro de commercio de DANTZIG, de 1420, que contém
relação do curso de marcas de numerosos commerciantes de
Hollanda (Amsterdam), Inglaterra e Italia (Genova); e extracta
passagens do livro Systhema jurisprudentiae opificiariae, do jurista
allemão GOTTLIEB. STRUBIUS, que nos dam as mais completas e
curiosas informações sobre aquella recuada phase do regimen das
marcas de fabrica, particularmente pelo que respeita aos precedentes
histericos do direito industrial allemão.
89

países da Europa, volta as suas attenções particular-


mente para a França, onde reconhece o seu uso,
garantido mais por normas puramente consuetudi-
narias do que na salvaguarda de leis precisas. Não
obstante, já desde o seculo XIII se encontra o pri-
meiro traço de legislação positiva, tendo-se em vista
o facto de usurpação, não só como motivo de indem-
nisação pelo damno causado mas tambem como verda-
deiro crime, punido com penas corporaes. E esta
doutrina se infere de varios edictos reaes da epocha, da
França e outros paizes, merecendo especial menção um
dum Eleitor palatino do seculo xIv e outro de Carlos V
de 16 de maio de 1544 que continham estatuídas
taes clausulas condemnatorias—transladadas com todo
o seu espirito de severidade extrema a um edicto
real em vigor em França desde 1564 e cujo texto foi
mais tarde reproduzido com moderação nos artt. 10.°
da ordenança de julho de 1681 e 43.° da declaração
de 18 de outubro de 1720,—que condemnavam os con-
trafactores, em primeira culpa, á multa de mil libras e
pena de cinco annos de galés, e a pena perpetua de
galés, em caso de reincidencia! Todavia o caracter
de taes edictos, observa POUILLET, conduzia apenas á
previsão de factos especiaes, particulares, commettidos
em determinada industria, de forma que a usurpação
duma marca constituía crime tão sómente em certa
90

industria, sendo em qualquer outra uma simples ma-


nifestação de concorrencias desleal (1).
Este regimen de exorbitante rigorismo estava natu-
ralmente condemnado; e o determinismo das circun-
stancias historicas não tardou em pôr-lhe definitivo e
amplo termo, como se vae succintamente demonstrar.

19. Motivos de varia ordem viriam remodelar


fundamentalmente as condições economicas, politicas
e sociaes, no triumpho pleno duma elaboração dou-
trinal, preparada passo a passo na divulgação dos
escriplos e ideias demolidôras dos publicistas, ge-
nerosamente impellidos á factura dum novo estadio
social.
No campo economico era a manifesta demonstração
de repudio dos methodos corporativos, tornados in-
supportaveis em face das prédicas livres da philo-
sophia natural da escola escoceza, da propaganda
intellectual dos encyclopedicos encaminhando sem re-
buço uma sociedade, que se subvertia nos artifícios
do mercantilismo e consequentes phantasias de

(1) POUILLET, ob. cit., pag. 5 e seg.; LACOUR, ob. eit., pag. 10 e
seg.; LUCIEN BRUN, Les marques de fabrique et de commerce, pag. XV
e seg.; DUFOURMANTELLE, Code Manuel de Droit Industriel, Livro
V, Marques de fabrique et de commerce, pag. 59 e seg.
91

Law, e na decadencia das formulas politicas, para uma


transformação desassombradamente individualista.
CONDORCET vertial o genial SMITK, e MONTESQUIEU reflectia
na ordem moral o doutrinarismo livre do LOCKE. OS
philosophos economistas VAUBAN, ESPINAS, BOISGUILBERT e
CANTILLON faziam escola, lançando, num estudo scien-
tifico dos phenomenos economicos, as bases theoricas
do systema physiocrata, culminante em QUESNAY e
GOURNAY (1). Todas as preoccupações economicas da
nova seita gravitam em torno do individuo e da sua
actividade, voltados os olhos carinhosamente a terra;
num falso conceito exclusivista dos factores da pro-
ducção, que Surra melhor corrigiu e ampliou a todas as
industrias — sob a denominação de tra-bolho.
Assim pois a atmosphera social estava assaz disposta
a gerar as mais livres resoluções. Não admira, portanto,
que a Revolução Franceza fizesse, pelo que

(1) THIERS, Histoire de Law, pag. 9 e seg.; SR. DR. MARNOCO E


SOUSA., Sciencia Economica, (prelecções de 1902-1903), pag. 161 e
seg., e 182; RAMBAUD, Histoire des doctrines économiques, pag. 71
e 93 e seg.; BRISSON, Histoire du travail et des travailleurs, pag. 93
e seg., 120, 171 e seg.; SALVEMINI, Le cause sociali della Rivoluzione
francese, na Rivista Italiana di Sociologia, tomo VIII, janeiro de
1904, pag. 13 e seg., 24 e seg.; TOCQUEVILLE, L'Ancien régime et la
Révolution, pag. 134 e seg.; CASIMIR STRYENSKI, Le dix-huitiième
siècle, 1909, pag. 310 e seg., 338 e seg.
92

respeitava ao suffocante regimen da propriedade in-


dustrial e como diz POUILLET, tabula rasa do passado.
Levaram-se ao extremo os preceitos da liberdade
economica, tão seductoramente delineados pela physio-
cracia. E nesta ordem de ideias, ao regimen anterior,
na verdade oppressivo sob muitos pontos de vista,
succedeu bruscamente uma pratica livre e desenfreada,
a qual, como justamente observou o relator da lei
belga sobre marcas de fabrica, não foi menos nociva
á industria que a rigorosa oppressão de que o indus-
trialismo acabava de se libertar.
A lei de 27 de março de 1791, que proclamou a
liberdade de industria, sanccionou intrinsecamente,
como bem commenta MAILLARD DE MARAFY, a liberdade
de fraude.
Os interessados não tardaram, porém, em reconhe-
cer a sua falsa e perigosa situação, reclamando imme-
diatas providencias legislativas.
Estas foram, além de uma primeira disposição es-
pecial do anno IX que garantia a propriedade das
marcas aos fabricantes de quinquilharia e cutelaria,
resoluções mais geraes — taes como a lei de 25 do
germinal anno XI, promulgada com o fim de pôr
quaesquer barreiras á concorrEncia e fazer desappa-
recer as absurdas desegualdades das leis anteriores a
1789 — medeante a garantia de uma protecção uni-
forme ás marcas de todas as industrias.
93

O artigo 16.° da referida lei dispunha que os


contravenlôres eram obrigados a reparar perdas e
damnos ao legitimo proprietario da marca usurpada
e incriminados como falsarios e sujeitos a pena de
reclusão. Disposições estas que foram mais tarde
appropriadas pelo Codigo Penal francês (art. 142), e
cujo espirito POOILLET commenta assaz acremente, di-
zendo que taes leis ultrapassavam exaggeradamente
seus fins, tornando por seu excessivo rigorismo quasi
inapplicaveis as penalidades. As estancias legislativas,
vendo assim sophismadas numa larga pratica as se-
veríssimas normas promulgadas, introduziram em 1824
benovolas modificações á legislação existente. Foi a
lei de 28 de julho de 1824, que remodelou a lei do
germinal, reduzindo a usurpação de nome, de fabri-
cante ou localidade a proporções de simples delicio,
correspondendo-lhe uma punição correccional.
Taes disposições foram mais tarde completadas em
seus effeitos pela lei de 25 de junho de 1857, que de
todo revogou a lei do germinal, tornando a lei de 1824
applicavel a todas as marcas sem excepção. Acerca da
lei de 1857, dizia o relator, que ella viera preencher,
no justo momento, as lacunas da legislação sobre
marcas, fazer cessar a desharmonia existente entre
diversas disposições, determinar a jurisdicção duma
maneira uniforme, e dar á penalidade um grau suffi-
cicntemente efficaz e energico.
94

As leis de 5 de julho de 1844 (patentes), modifi-


cada pela lei de 7 de abril de 1902, e de 25 de junho
de 1857 (marcas de fabrica e commercio) modificada
pela lei de 3 de maio de 1890, conslituem actual-
mente, a par de outras disposições (1), os diplomas —

(1) Além dos diplomas citados, compõem a legislação franceza


relativa ao assumpto (os artigos citados referem-se especialmente a
materia de concorrencia desleal): lei de 26 de novembro de 1873
sobre timbres ou sinêtes especiaes (artt.°S-6.° e seg.); lei de 28 de
julho de 1824 relativa ao nome commercial; ordenanças de 27-29
de agosto de 1825 sobre desenhos e modelos de fabrica; o art. 15.°
da lei de 11 de janeiro de 1893, sobre indicações de proveniencia;
as leis de 23 de maio de 1858 e de 30 de abril de 1886 ácerca de
exposições publicas e recompensas industriaes; e a lei de 1 de
agosto de 1905 relativa á repressão das fraudes na venda de mer-
cadorias e bem assim ás falsificações dos generos alimenticios e
productos agrícolas. E para as colonias: o decreto de 5 de julho de
1850 que providenciou sobre a materia de patentes de invenção na
Argelia; a portaria de 21 de outubro de 1848 que tornou exten-
sivas ás colonias francesas as disposições da lei de 5 de julho de
1844 sobre patentes; o decreto de 8 de agosto de 1873, pro-
mulgado com identico fim e em relação á lei de 23 de junho de
1857 sobre marcas e seu regulamento de 26 de julho de 1858; os
decretos de 28 de outubro de 1902 (patentes) e de 19 de fevereiro
de 1903 (marcas) para Madagascar; o decreto de 24 de julho de
1893 (patentes e desenhos) para a Indo-China; o decreto de 26 de
dezembro de 1888 (patentes) e a lei de 3 de junho de 1889, modifi-
cada pelo decreto de 22 de outubro de 1892 (marcas), para a Tunísia.
Estas sam as normas especiaes sobre propriedade industrial,
contendo preceitos applicaveis á concorrencia desleal. Na alçada
dos artt.os 1382.° (Art. 4382.°: «Tout fait quel-
95

bases relativamente á materia de propriedade indus-


trial, contendo as disposições applicaveis á concorren-
cia desleal.

20. Na Allemanha — terreno de eleição para o


desenvolvimento da concorrencia desleal, diz EECKHOUT
— o assumpto permaneceu por largo tempo na
viconque de l'homme, qui cause à autrui un
dommage, oblige celui par la faute duquel il est
arrivé, à le réparer») e 1383.° (Art. 1583.°:
«Chacun est responsable du dommage qu'il a causè
non seulement») par sou fait, mais encore par sa
négligence ou im-prudence; tem a jurisprudencia
comprehendido os casos genericos e qualificados de
concorrencia desleal, não previstos com partieular
sancção nas providencias citadas. (Cf. POUILLET,
ob. cit., pag. 8-10, 915 e seg.; BRUN, Les marques
de fabrique et de commerce, pag. XVIII e seg.;
BÉDARRIDE, Commentaire des lois sur les brevels
d'in-vention, les noms des fabricants et les marques
de fabrique, pag. 11 e seg.; HUARD, Répertoire de
legislation, de doctrine et de jurispru-dence en
matière de marques de fabrique, noms, enseignes et
designa-tions, pag. 21 e seg.; LACOUR, Des fausses
indications de provenance, 1904, pag. 17 e 18; BERT,
Traité theorique et pratique de la con-currence
déloyale, pag. 9 e seg.; VALLÉ, La fausse indication
de provenance des produits vinicoles et spécialement
des vins de Cham-pagne, 1904, pag. 10 e seg.;
ALLART, Traité théorique et pratique de la
contrefaçon, 1908, pag. 21 e seg.; EECKHOUT, ob.
cit., pag. 22 e seg.; PATAKY, Les bis sur les brevets
d'invention et marques de fabrique des principaux
pays, 1907, pag. 1 e seg.; e boletins de La Propriété
industrielle, de 1885, pag. 11 e seg.; 1890, pag. 66
e 79; 1891, pag. 46).
96

gencia de disposições por demasiado vagas e insufi-


cientes.
Eram, áparte algumas disposições dispersas, os pre-
ceitos communs do direito civil e do direito penal, cuja
essencia não continha sufficiente remedio e garantia
para reprimir os abusos crescentes da livre-con-
corrência, e preceitos, para mais, commentados cora
extrema e quasi ridicula restricção por parte da ma-
gistratura allemã, cuja timidez, feita duma completa e
propositada ignorancia das necessidades da vida com-
mercial, persistia na interpretação litteral dos textos
legaes, deixando o commerciante á mercê de todas as
espoliações (1).
Foi então que KOHLER e GIERKE ergueram brado auc-
torisado contra a pratica allemã—cuja prudencia, no
dizer de GIERKE, era verdadeiramente pusillanime e
cujas pretensões confinavam com o pedantismo—lan-
çando as bases de uma teoria jurídica da concorrencia
desleal, na affirmação de que os institutos da proprie-
dade industrial constituem emanação dos mais legí-
timos direitos da personalidade humana, cuja extensão

(1) «Insuffissante en droit pénal, escreve EECKHOUT, la répres-


sion de la concurrence déloyale par la voie civile était donc nulle; la
liberté absolue de la concurrence était de principe et, en dehors des
dispositions formelles de quelque loi positive, la jurisprudence ne
lui reconnaissait pas des limites» (Cf. EECKHOUT, ob. cit., pag. 21).
97

todavia deve ser comprehendida na medida dos demais


direitos ou interesses sociaes. KOHLER e GIERKE esbo-
çavam clarividentemente a teoria do abuso do direito,
cuja applicação ao objecto de nossa analyse perfi-
lhámos, procurando surprehende-la na sua mais mo-
derna interpretação.
Por essa fórma, os jurisconsultos allemães elabora-
vam a regra civil mais geral para fundamento da re-
pressão da concorrencia desleal, sem que por esse
facto menos reconhecessem a concorrencia de leis es-
peciaes reguladoras do assumpto com o fim de asse-
gurar consequencias de ordem jurídica penalista para
certas modalidades da mesma concorrencia.
O movimento eslava lançado a despeito do acolhi-
mento quasi hostil que mereceram as ciladas opiniões,
tendo-se o debate prolongado ainda por alguns annos,
por entre reluctancias de varia ordem. E finalmente,
a 27 de maio de 1896, após ruidosa discussão, o
Reichstag e o Conselho Federal dotavam o imperio
germanico com uma lei repressiva da concorrencia
desleal, que começou a vigorar em 1 de julho do
mesmo anno (1).

(1) Anteriormente á lei de 1896, as disposições applicaveis aos


abusos da concorrencia desleal (disposições não revogadas, alias,
pela presente lei) eram as seguintes: leis de 11 de junho de 1870 e
9 de janeiro de 1876 sobre direitos de auctor; lei de 11 de ja-
7
98

21. O movimento legislativo referente ao capitulo


de direito que nos interessa tem preoccupado todos os
Estados, em cujas legislações se encontram ou provi-
dencias especiaes ou garantias juridicas de caracter
mais generico. Sem nos lançarmos numa mais ampla
esplanação, não queremos deixar de registá-lo succin-
tamente.
No imperio austro-hungaro, a materia de concor-
rencia desleal achava-se simplesmente regulada pelo
art. 1295.° do Codigo civil, disposição analoga em sua
essencia 'ao citado art. 1382.° do Codigo francês, mas

neiro de 1876 sobre desenhos e modelos de industria; lei de 16 de


janeiro de 1876: protecção de productos photographicos; lei de 25
de maio de 1877, modificada pela de 7 de abril de 1891: patentes de
invenção; lei de 1 de junho de 1891: protecção dos modelos; lei de
12 de maio de 1894: marcas de fabrica; artt. 16.°-27.° do codigo
commercial, visando a usurpação de firmas; art. 125.° do codigo de
industria, que pune o engajamento de artífices de outro concorrente;
lei de 15 de maio de 1879: falsificação de generos alimentícios; e,
finalmente, algumas disposições do codigo penal, punindo a
usurpação de títulos, mercês honorificas (art. 360.° § 8.°), diffamação
e descredito (art. 187.°), dolo (art. 263.°). Cf. EECKHOUT, obr. cit.,
pag. 13 e seg.; KOHLER, Das Recht des Markenschutzes, pag. 77 e
seg.; Dr. OSTERRIETH, Lehrbuch des gewerblichen Rechts-schutzes,
1908 (erstes Heft), pag. 38 e seg.; GIERKE, Das Rechts-grund des
Schutzes gegen unlauteren Wettbewerbe, apud Zeitschrift fur gewerbl.
Rechtschutze, 1895, pag. 108 e seg.; POUILLET, obr. cit., pag. 1019-
1021, La propriété industrielle, de 1896, pag. 133 e 136, e de 1905,
pag. 111.
99

á qual a jurisprudencia fornecia uma interpretação di-


versa, num sentido bem mais restricto. De preferencia
se ia buscar applicação ás disposições vigentes sobre
propriedade industrial (1).
Taes providencias eram, porém, insuficientes para
reprimir os abusos da concorrencia desleal e particu-
larmente as indicações de falsa proveniencia. Dahi a
necessidade duma urgente reforma legislativa, recen-
temente (8 de outubro de 1907) levada a cabo, cujas
disposições no aspecto que nos interessa são capital-
mente as seguintes: todo aquelle que fraudulentamente
appuser sobre as mercadorias ou seu involucro uma
indicação de falsa proveniencia, exceptuadas as desi-
gnações geographicas tornadas genericas, lançar qual-
quer producto no mercado nessas circunstancias ou
ainda de tal expediente usar em seus prospectos ou fa-
cturas, pratica uma contravenção, incorrendo na pena

(1) Para a Austria: as disposições da lei sobre patentes, de 11 de


janeiro de 1897 (artt. 95.°, 111.° e 113), da lei ácerca de desenhos
e modelos (artt. 2.°, 12.°-14.°) e da lei de 6 de janeiro de 1890,
modificada pela lei de 30 de julho de 1895, sobre marcas (artt. 3.°,
6.°, 10.°, 23.°, 25.° e 28.°). Cf. Da. PAUL ABEL, System des
österreichischen Markenrechtes, 1908, pag. 425 e seg.; Pouillet, obr.
cit., pag. 1022-1023; PATAKY, obr. cit., pag. 81 e seg., 121 e seg. e
328 e seg.; La propriété industrielle, de 1892, pag. 43; 1897, pag.
24, 70, 85, 102, 137, 153 e 170; 1905, pag. 138; e Rec. gén. de la
prop. ind., tomo IV, pag. 50.
100

de prisão de uma semana até tres mêses ou cumula-


tivamente em multa de 500 florins ou pena pecuniaria
de 5 a 500 florins; o ministro do commercio pode
prescrever que certas mercadorias lenham a indicação
expressa de sua origem ou logar de proveniencia.
Quanto á Hungria o assumpto da concorrencia des-
leal não conhecia outrosim disposições especiaes; re-
gulavam-no os artt. 58.° e 157.° da lei de 1884 sobre
industrias e a lei de 30 de junho de 1893. Providen-
cias de identico teor ás supra-citadas acabam, porém,
de obter sancção legislativa.

22. O Reino-Unido não possue, é certo, disposições


legislativas especiaes sobre materia de concorrencia des-
leal. Não obstante, ella é severamente punida, particu-
larmente as indicações de falsa proveniencia, pela
applicação dos preceitos referentes ao assumpto e in-
sertos nos diplomas legislativos da propriedade indus-
trial e por effeito ainda da protecção efficaz que a ju-
risprudencia inglêsa lhe garante nas disposições da
common law.
Os artt. 28.°, 29.°, 31.°, 35.° e 105.° da nova lei
sobre patentes de 1902 prevêm expressamente todos
os ataques lesivos ou violadores de qualquer patente
legitimamente adquirida, facilitando a seu possuidor
todos os meios de defesa e procedimento judicial: e os
artt. 66.° e 67.° da lei de 11 de agosto de 1905, que
101

codificou com modificações toda a legislação referente


a marcas de fabrica, preveniram egual procedimento
no que respeita a qualquer acto de concorrencia des-
leal nos domínios do citado aspecto da propriedade de
industria (1).

23. Semelhantemente á França, não possue a

(1) O art. 104.° da citada lei de patentes prevê a sua applica-ção


ás colonias britannicas, algumas das quaes possuem providencias
especiaes sobre propriedade industrial: Federação australiana: lei
de 22 de outubro de 1883 sobre patentes, e leis de 27 de agosto de
1884, 12 de julho de 1886, 10 de setembro de 1894 e regulamento
de 16 de novembro de 1895, sobre marcas. (Cf. POUILLET, obr. cit.,
pag. 1021-1022; PATAKY, obr. cit., pag. 222 e seg.; La prop. ind.,
1895, pag. 76; 1899, pag. 120; 1900, pag. 102 e 1905, pag. 136);
Canadá: lei de 15 de maio de 1879, após fundida nos estatutos
revistos de 1886 e modificada em 1890-1891, e regulamento de 9
de maio de 1887, sobre marcas (Cf. POUILLET, obr. cit., pag. 1026;
Prop. ind., de 1892, pag. 131, 1893, pag. 127, 1894, pag. 174 e de
1905, pag. 144); Indias inglêsas: a contrafacção fraudulenta de
marcas cabe na alçada da lei de 1 de março de 1889 (Cf.
POUILLET, obr. cit., pag. 1038; Prop. ind., de 1898, pag. 24, 1899,
pag. 136 e 1905, pag. 43); Colonia do Cabo: lei de 8 de agosto de
1891 e regulamento de 1 de março de 1893, sobre marcas, e lei de
25 de julho de 1888, sobre nome commercial e suas contrafacções
(Cf. POUILLET; obr. cit., pag. 1026; Prop. ind., de 1899, pag. 126,
1905, pag. 144); Transwaal: lei de 31 de maio de 1892, sobre
marcas, cujas disposições, após a annexa-cão, uma ordenança
tornou mais severas visando sobretudo as contrafacções (Cf.
POUILLET, obr. cit., pag. 1051; Prop. ind., de 1892, pag. 139, 1899,
pag. 150, 1900, pag. 74 e 94), etc.
102

Italia normas particulares e respeitantes ao objectivo


da concorrencia desleal: o art. 1151.° do codigo civil,
que reproduz textualmente o art. 1382.° do codigo
francês, é a disposição a que recorre a jurisprudencia,
e algumas disposições applicaveis se deparam outro-
sim na legislação italiana sobre propriedade industrial.
Essa legislação compõe-se: do decreto real de 31
de janeiro de 1864, n.° 1657, que approva o regula-
mento executorio (ia lei sobre privilegios industriaes,
modificado pelo decreto real de 16 de setembro de
1869, n.° 5274 (§§ 94.° e seg.); quanto a marcas, ha
a lei sarda de 12 de março de 1855, tornada execu-
toria em toda a Italia em 1864, e a lei posterior de
30 de agosto de 1868, completada e esclarecida pelo
regulamento de administração publica de 7 de feve-
reiro de 1869 (1).
A concorrencia desleal, na fórma de indicação de
falsa proveniencia, tem na Italia a sancção energica dos
artt. 295.° e 297.° do codigo penal de 30 de junho
de 1889, os quaes punem tal delicto com prisão até
seis mêses e multa até 3000 liras (art. 295.°), ou, tra-
tando-se duma indicação de falsa proveniencia de

(1) Cf. POUILLET, obr. cit., pag. 1039; PATAKY, obr. cit., pag.
329 e seg.; Prop. ind., de 1885, pag. 31, 40, 42, 51 e 59,1890,
pag. 90, 1894, pag. 50, 1896, pag. 141, 1897, pag. 128, 1898,
pag. 51 e 1899, pag. 136.
103

origem estrangeira (art. 297.°), prisão até dois annos


e malta de 50 a 5000 liras.

24. Na Belgica o maior numero de casos de con-


correncia desleal conhece apenas a sancção dos preceitos
genericos dos artt. 1382.° e 1383.° do código civil,o
adequado á repressão dos factos abusivos da livre-
concorrencia mediante uma jurisprudencia sequaz da
interpretação do cdigo napoleónico (1).

(1) EECKHOUT assim expõe o teor de tal jurisprudencia, cuja orien-


tação nos pareceu interessante de registar: «La responsabilité á
raison d'un délit ou d'un quasi-délit de concurrence déloyale suppose
un acte illicite et un dommage.
«Il ne suffit pas de démontrer 1'existence d'nn préjudice pour
établir le droit à une réparation, car la concurrence elle-même est
un droit, et le préjudice est une conséquence inévitable de la con-
currence : or nul ne peut étre tenu de réparer un dommage causé
par le seul exercice légitime d'un droit. Mais la concurrence est le
droit de tous, et le droit de chacun trouve une limite nécessaire dans
1'exercice légitime da droit d'autrui. Toute modalité de concurrence
qui porte atteinte aux droits d'un rival, cesse d'étre l'exercice légi-
time d'un droit, constitue un acte illicite, et donne naissance à la
responsabilité.
«Mais dans 1'infinie variété des formes de la concurrence jusqu'oú
va 1'exercice de cette faculté légitime, ou commence l'abus? Cest
la probité commerciale qui trace la limite entre la concurrence per-
misse et les actes défendus. La pratique loyale du commerce a son
code dont on ne saurait, à priori, déterminer les règles, mais dont
le juge s'inspire dans 1'apréciation des faits qui lui sont soumis».
(Cf. EECKHOUT, obr. cit., pag. 9-10).
104

Certas manifestações mais salientes da concorrencia


desleal mereceram, todavia, ao legislador particular
attenção, encontrando-se nas normas reguladoras da
propriedade industrial algumas disposições repressivas
applicaveis, já no interesse dos concorrentes já do con-
sumidor (1).

25. Da federação norte-americana só, que nos


conste, o Estado de Nova-York possue lei especial
repressiva da concorrencia desleal: a lei de 1899 que
visa a publicação de annuncios fraudulentos. Ao assum-
pto dizem, porém, respeito varios preceitos insertos nos
diplomas respeitantes á propriedade industrial (2).

(1) Taes normas são: lei de 18 de março de 1806, para pro-


tecção de desenhos e modelos de industria; lei de 24 de maio de
1854, sobre patentes (artt. 4.°, alínea b, 5.° e 6.°); e lei de 1 de abril
de 1879, sobre marcas (artt. 8.° e 9.°). Os artigos do codigo penal,
que protegem o nome commercial (art. 191.°), punem a divulgação
de segredos de fabrica (art. 309.°), a fraude sobre a identidade,
natureza, origem ou quantidade das cousas vendidas (artt. 498.° e
seg.). (Cf. POUILLET, obr. cit., pag. 1023-1024; PATAKY, obr. cit.,
pag. 131 e seg. e 136 e seg.; EECKHOUT, obr. cit., pag. 8 e seg.;
MESNIL, Des marques de fabrique et de commerce et du nom
commercial dans les rapports internationaux, pag. 459; La prop.
ind., de 1897, pag. 120 è 139, 1885, pag. 19, 21 e 22; 1899, pag.
122).
(2) Taes são as secções 4901 e 4918 a 4934 da lei sobre paten-
tes (texto dos Estatutos refundidos, publicados em 1878 e modifica-
105

26. Não queremos terminar esta breve resenha


sem dar logar no texto a uma referencia á nação vi-

dos pela lei de 3 de março de 1897}; e artt. 16.° a 23.° da lei de 20


de fevereiro de 1905 sobre marcas.
A lei aduaneira de 24 de julho de 1897 contém, nas secções VIII
e XI, as seguintes disposições ácerca de indicações de falsa prove-
niência :
«Section VIII — Tons articles de fabrication étrangère, qni,
usuellement ou à 1'ordinaire, sont marqués, timbrés, marqués au
feu ou étiquetés, et tous colis contenant de tels articles ou d'autres
articles importés, devront respectivement étre clairement marquês,
timbrés, marquês au feu ou étiquetés en mot anglais, lisibles, de
façon à indiquer leur pays d'origine, et les quantitês qu'ils contien-
nent; et il ne seront pas délivrés à 1'importateur avant d'avoir été
ainsi marquês, timbrés, marquês au feu ou etiquets».
«Section XI—Nul article importé sur lequel seront copiés ou
imités le nom ou la marque de fabrique d'une manufacture ou d'un
manufacturier nationaux ne sera admis à 1'entrée par aucun bureau
de la douane des États-Unis».
E a circular expedida em 14 de fevereiro de 1898 aos recebedo-
res de alfandega, dispõe:
«Les officiers des douanes doivent refuser 1'entrée à tons les ar-
ticles portant le nom d'un fabricant national bien connu, on un nom
fictif étant censé étre celui d'un fabricant national, ou les mots
«États-Unis», ou le nom d'un Êtat, d'une cité on d'une ville des
États-Unis, étant indeférent que le nom d'un pays d'origine étranger
figure ou ne figure pas sur les dits articles. Le nom de 1'importateur
ou du commerçant de ce pays (en dehors des cas prévus plus haut)
peut y figurer si le nom du pays d'origine est apposé sur les articles
d'une manière tout aussi lisible. Tous les cas de violation de la loi
106

sinha, que possue sobre o problema jurídico que nos


occupa, providencias modernas e completas. Constam
ellas da lei de 16 de maio de 1902, lei de conjuncto
que conglobou disposições ácerca de patentes, marcas,
desenhos, nomes commerciaes e recompensas de in-
dustria. Na citada providencia se contém numerosos
preceitos sobre concorrencia desleal: o titulo X tem a
rubrica de concorrencia illicita; nos tres capítulos do
titulo XI se especialisaram disposições attinentes á
repressão dos ataques desleaes aos diversos institutos
da propriedade industrial; e as indicações de prove-
niencia são objecto de destacados preceitos (tit. IX,
artt. 124.°-130.0) (1).
Nos demais Estados mundiaes a concorrencia des-
leal não conhece por via de regra normas particulares.
A sua sancção reside ou nas disposições de direito
commum vigente ou nos preceitos especiaes, com que

sur ce point devront ètre rapportés au Département pour qu'il donne


les instructions nécessaires».
(Cf. POUILLET, obr. cit., pag. 1033-1034; PATAKY, obr. cit.,
pag. 193 e seg., e 209 e seg.; Prop. ini., de 1495, pag. 85, 1897,
pag. 33, 124, 140 e 198, 1899, pag. 130).
(1) Cf. POUILLET, obr. cit., pag. 1032; PATAKY, obr. cit., pag.
e seg.; VALLÉ, obr. cit., pag. 239; La prop. ini., de 1887, pag.
85, 93, 1888, pag. 3, 1897, pag. 124, 1899, pag. 130 e 1902,
pag. 146.
107

por toda a parte e em mais ou menos larga medida se


tem procurado garantir a propriedade industrial (1).

(1) A Russia, Suissa, Hollanda, Noruega, Dinamarca,


Suecia, Roumania, Servia, Grecia, Bulgaria, Turquia,
Japão, Brazil, etc, não possuem leis especiaes sobre
concorrencia desleal, cuja repressão é repartida, com
maior ou menor latitude, pelos respectivos preceitos de
direito commum e pelas disposições legislativas elabo-
radas em materia de propriedade industrial (Cf.
POUILLET, obr. cit., pag. 1025, 1029, 1036, 1040,
1043, 1044, 1047, 1049, 1050 e 1052; PATAKY,
obr. cit., pag. 149, 354, 373, 382, 896, 403 e 417;
La prop. ind.. de 1897, pag. 132, 1899, pag. 148 e
223 (Russia), 1897, pag. 101 e 132, 1899, pag. 24,
44 e 152, 1900, pag. 22, 23 e 24 (Suecia), 1885,
pag. 70 a 77, 1893, pag. 155, 1897, pag. 140 e
1899, pag. 144 (Hollanda), 1888, pag. 71, 121, 124,
1890, pag. 123, 1891, pag. 26 e 99, 1894, pag. 2 e
seg., 1897, pag. 134 e 140, 1899, pag. 152 (Suissa),
1886, pag. 61, 71, 1886, pag. 53, 1897, pag. 130,
140, 1899, pag. 142, 1900, pag. 162 (Noruega),
1894, pag. 53, 71, 74 e 149, 1897, pag. 122, 139,
1899, pag. 133, 128, 1900, pag. 73 (Dinamarca),
1885, pag. 26, 1899, pag. 161, 164,177 e 181
(Japão), 1888, pag. 96, 1893, pag. 29, 43, 59, 73,
118,129, 141, 1897, pag. 122, 1899, pag. 124
(Brazil), etc.
CAPITULO VI

Legislação portuguêsa

27. —Traços históricos da legislação portuguêsa sobre propriedade


industrial. 28.—0 codigo civil: deducção do nosso
direito commum sobro
concorrencia desleal. 29.—Legislação especial.
30.—Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Industria:
organisação actual.

27. Pelo que respeita ao nosso país, são escassas


as indicações relativas ao passado historico do aspecto
da legislação referente á propriedade industrial, como
porventura bem resumidas foram as preoccupações le-
gislativas com tal objectivo. O translado historico for-
nece-nos apenas raras e genericas informações, as
quaes, porém, dada a similitude de condições mesolo-
gicas, admittem uma elucidação complementar me-
deante o estudo e confronto das instituições de ordem
economica e social das nações do meio-dia e sul da
Europa.
Assim é que na incipiente chronologia monarchica
110

se nos depara a reduzida actividade economica das


populações portuguésas cingida ao arbitrio dos reis,
delegando-se no sopremo senhor uma universal tutela,
que descia ao pormenor de taxar o preço das merca orias
no intituito de proteger o consumidor contra a carestia
das coisas necessarias à vida. Doutrina esta, que
dominava geralmente tanto no conselho dos reis
como nas juntas populares, sendo as posturas
municipaes de Coimbra de 1145 o primeiro exemplo
conhecido da applicação de tal principio em
Portugal (1).
Rudimentar, pois, devia ser essa phase de
concorrencia, attento que nenhum cuidado se dava
às artes e officios, voltadas todas as actividades á
agricultura, no tempo em que o reino de Portugal,
conforme se lê. no preambolo da lei das sesmarias
nas Ordenações affonsinas (2), entre todas as terras
e províncias do mundo soia ser mui abstado de trigo
e cevada. Ainda depois, nos culminantes periodos
de prosperidade da economia nacional, na
fomentada epoca de Fernando I, em que Lisboa
guiava da reputação de ser uma das mais
acreditadas praças da Europa, e mais tarde nos
annos de abastança e posse do Oriente, nos
apresenta
111

o historiador SR. GAMA BARROS numerosas resoluções


de identico teor, na inspiração do mesmo regimen res-
trictivo, integrados já os nucleos dos artífices na rigida
organisação das corporações medievaes, de cuja exis
tencia entre nós existe um largo traço regulamen-
tar(1).
Demais, iniciativa fabril, pouca ou nenhuma nos foi
dado manifestar, para sempre suffocada a nossa aca-
nhada producção manufactureira pelas clausulas do
tratado de Metwen, mau grado as ephemeras provi-
dencias de Pombal, implantadas á má-cara e revoga-
das sem demora por esse documento nefasto para a
industria nacional, que foi o tratado de 11 de feve-
reiro de 1810 (2).
Assim, pois, nunca o estimulo e consequente con-
correncia de artes e industrias, que jámais se pronun-
ciaram com algum significado, foram de molde a
fornecer exigente base economica para qualquer ela-
boração legislativa.
FERREIRA BORGES chama-nos a attenção, no ponto
reslricto que nos interessa, para o § 6.°, cap. 17.° do
alvará de 16 de dezembro de 1756, que, como se sabe,
criou a Junta do Commercio; o texto em questão re-
fere-se antes a prescripções fiscaes para a rubrica

(1) SR. GAMA BARROS, obr. cit., pag. 188 e seg.


(2) COELHO DA ROCHA, obr. cit., pag. 134 e seg. e 197 e seg.
112

official de transito aduaneiro de determinadas merca


dorias (1).
Em 7 de maio de 1834 foram extinctas, com seus
privilegios, as Corporações de artes e officios e a Casa
dos 24.
Inauguraram-se então entre nós, na consagração effe-
ctiva dos princípios liberaes, garantias desafogada-
mente livres, reflectindo as origens e o espirito de
renovação francêsa, e vingando em principio na lei
constitucional de 1826. Esta garante o direito de pro-
priedade em toda a sua plenitude; e, como norma ge-
nerica reguladora do livre exercício do direito de pro-
priedade industrial, dispõe ainda: que nenhum genero
de trabalho, cultura, industria ou commercio póde ser
prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes
publicos, á segurança e saude dos cidadãos; que os
inventores terão a propriedade de suas descobertas ou
das suas producções, assegurando-lhes a lei um privi-
legio exclusivo temporario ou remunerando-os em re-
sarcimento da perda que hajam de soffrer pela vulga-
risação (§§ 21.°, 23.° e 24.° do art. 145.°).
No Codigo commercial de 1833, encontramos ape-

(1) FERREIRA BORGES, Diccionarío juridico-commercial, vbis. marca


e marcas de fabrica, pag. 243; Collecção de legislação portuguêsa,
1750-1762, Estatutos da junta do commercio; SR. ESTEVES PEREIRA,
A industria portuguesa, seculos XII a XIX, pag. XV e seg. e XXIV
e seg.
113

nas duas disposições referentes ao assumpto que nos


interessa: a que prescreve «que os sêllos e marcas
escriptas, de fogo, ou outras, que os commerciantes
usam nos pacotes, sacas, caixas, fardos, pipas ou ou-
tros volumes, são muitas vezes presumpção c meio de
prova da propriedade do objecto marcado, que a lei
reconhece, deixando ao arbitrio do juiz a graduação
do seu pêso, segundo as circunstancias (art. LI do
tit. V, liv. III da parte 1)>; e ainda a disposição
(art. LX1II da secç. II do tit I do liv. I da parte 1),
que determina, relativamente aos negociantes de com-
missão que «o commissario não póde alterar as mar-
cas dos effeitos comprados ou vendidos por conta
alheia, salvo lendo para isso ordem expressa do com-
mittente».

28. O Codigo civil português, publicado annos


depois, introduziu em larga medida novas e importan-
tes providencias sobre o assumpto.
Neste historiar espaçado da legislação patria refe-
rente ao problema juridico que nos interessa, attingimos
agora um ponto de maior importancia: a analyse das
disposições do nosso mais notavel e complexo monu-
mento juridico, as quaes é mistér extrahir e conjugar
de molde a obter a deducção do direito commum, que
entre nós deve presidir e sanccionar os casos de con-
correncia desleal não previstos nas normas especiaes,
8
114

que a seu tempo nos será dado apontar. Assim formu-


lámos o enunciado problema juridico da concorrencia
desleal, assim lhe buscaremos logica e salisfactoria so-
lução.
Dado que por 1867 o liberalismo, importado dalém
Pyrineus, obtivera uma decisiva e historica implanta-
ção de sangue na terra portuguêsa, não é de surpre-
hender que o corpo de leis então elaborado ratificasse
em multiplos de suas disposições aquellas garantias de
profundo sabôr individualista, que o espirito da epoca
vinha pertinazmente aconselhando.
A individualidade juridica da creatura humana me-
receu uma consagração plena: o art. 359.°, que parece
escripto pelo cálamo dum rígido encyclopedista, é uma
homenagem rasgada e sincera á natureza humana,
parturiente de direitos ab ovo, por obra e graça do
velho direito natural, direitos que são causa causarum
pois que da sua multiplicação derivam todas as possí-
veis e licitas conquistas do viver jurídico.
O legislador português foi minucioso e explicito: a
escala dos direitos originarios vai desde o direito pri-
meiro de existencia até ao licito recurso de defesa, di-
reitos esses cuja melhor syntese se encontra no pleno
exercício da liberdade humana em qualquer de suas
manifestações. Para que o homem fosse livre, indis-
pensavelmente se sanccionaram as garantias attinentes
á sua integridade physica e moral, á desimpedida ini-
115

cialiva de seus braços como de seu pensamento, pois


que só a liberdade, declama-o o romantismo sociolo-
gico, dignifica a creatura humana, escancarando-lhe
a senda da perfectibilidade social...
Do mesmo passo que a lei contemplava o individuo
com a posse das inalienaveis garantias originarias de
sua conservação e desenvolvimento, assegurava-lhe a
directriz tranquilla e, em principio, illimitada dessas
mesmas garantias, afóra as exclusivas reslricções de
lei formal ou expressa (art. 368.°) ou bem assim de
regulamentos administrativos auclorisados por lei (art.
567.°, § unico). E tamanho se apresenta o generoso
ciume do legislador que, nas primeiras linhas, ao
mesmo tempo que expressamente garantia ao individuo
os meios indispensaveis para o exercício do seu direito
reconhecido por lei (art. 12.°), lhe assegurava outro-
sim a mais lala expansão de tal direito, isentando-o
em letra redonda de toda e qualquer responsabilidade
damnosa superveniente da pratica do mesmo direito
(art. 13.°).
A livre-concorrencia parece, portanto, ter encontrado
no Codigo civil português a mais plausível e completa
consagração individualista. Dir-se-ha, após a leitura
de taes preceitos — e não falia quem auclorisadamenle
assim pense (1) — que a nossa legislação civil rejeitou

(1) «No exercício dos seus direitos, escreve o SR. DR. GUILHERME
116

in limine a teoria do abuso do direito, tal como a for-


mulámos e modernamente se entende. Baldadamente

MOREIRA, a pessoa só tem as limitações que são impostas por lei.


Desde que proceda em harmonia com esta e dentro dos limites do
direito, não responde pelos prejuízos que causar (art. 13.°): qui jure
suo utitur nemini facit injuriam. Se eu, construindo um muro, tiro
as vistas ao predio do meu visinho, não tenho de o indemnisar do
prejuízo que soffre, porque pratiquei um acto licito.
«As restricções que a lei impõe ao exercício dos direitos ba-
seiam-se não só no interesse geral ou na utilidade publica, mas
ainda na equidade. E assim que a pessoa que exerce um direito,
tendo por fim interesses, deve em collisão e na falta de providencia
especial, ceder a quem pretende evitar prejuízos (art. 14.°).
«São estas as normas que, dum modo geral, limitam o exercício
dos direitos segundo o nosso codigo civil.
«A regra formulada no art. 13.° inspira-se no conceito de direito
subjectivo formulado no art. 2.°, segundo o qual esse direito repre-
senta a liberdade garantida pela lei. Para que não haja esta garantia,
é necessario que a lei prohiba um determinado facto, pois que, não
havendo essa prohibição, implicitamente se reconhece a faculdade
de o praticar (carta constitucional, art. 145.°, § 1.°).
«Sendo assim, um direito não póde ter outros limites que não
sejam os que resultam do seu proprio conteúdo e os que são esta-
belecidos por disposição da lei, que, fundando-se nos interesses
collectivos, coordenando as diversas actividades sociaes, póde res-
tringir expressamente esse conteúdo, como são as normas respei-
tantes ao uso das aguas, as relações entre predios contíguos, ao
exercício das industrias incommodas, insalubres e perigosas, á
concorrencia industrial. Quando o conteúdo dum direilo é expressa-
mente determinado pela lei, quando esta fixa os limites dentro dos
quaes elle deve ser exercido, quem, excedendo esses limites, causar
117

se procurará construir sobre seus preceitos o direito


commum da concorrencia desleal, cuja repressão, afóra
os casos previstos pelas normas especiaes, será, pelos
modos, um impossível juridico ?
Refusamos tal parecer. Ha em seu desfavor e pri-
meiramente uma funda razão de ordem sociologica,

um damno, praticará um facto illicito, incorrendo em responsabili-


dade civil. Não havendo, porém, essas limitações, e não sendo o
acto praticado prohibido dum modo geral pela ordem juridica, quem,
exercendo um direito, causar um damno, e embora com tal exercício
só tenha por fim esse damno, não auferindo proveito algum, não é
obrigado a reparar o damno causado.
«A nossa lei não prohibe portanto os chamados actos emulativos.
A disposição consignada no art. 14.° não é applicavel a estes actos.
«Este artigo respeita aos casos em que, para exercer um direito,
se tem de lesar outro direito, pois só em tal caso haverá collisão.
Esta, porém, desapparece logo que a lei, para se evitar um prejuízo
imminente, que de outro modo se não possa evitar, auctorisa o
exercicio do direito causando prejuízos em cousa de outrem, como
nas hypotbeses dos artt. 2396.° e 2397,°
«Uma verdadeira collisão de direitos, em que o titular dum pro-
cure interesses e o de outro evitar prejuízos, afigura-se-nos impos-
sível. Dentro dos limites em que cada um póde desenvolver livre-
mente a sua actividade, não ha responsabilidade pelos prejuízos
causados. Esses prejuízos não correspondem a interesses que sejam
garantidos pela lei, não ha a lesão dum direito e consequentemente
responsabilidade civil, embora esses prejuízos hajam sido intencio-
nalmente causados». (Cf. Sn. DR. GUILHERME MOREIRA, obr. cit.,
pag. 632-634).
118

deduzida da opinião daquelles (1) que vieram vivificar


inlensamenle a interpretação legislativa sustentando a
vitalidade intrínseca e contínua do corpo de lei, cuja
apreciação se não deve fazer por uma fórma anatomica
e isolada mas antes inspirada num fecundo criterio, por
cuja essencia o direito deve ser encarado como uma
fórmula de vida, julgada necessariamente no seu con-
juncto e sob tal impulso acompanhando racionalmente
as transformações do meio social.
Em torno ao texto dum codigo apparentemenle gla-
cial e immutavel, o perscrutar da critica e as reivin-
dicações sobrepostas duma sociedade vão accumulando
factos e innovações, gerando um ambiente naturalmente
progressivo, cujas aspirações a doutrina e a jurispru-

(1) Cf. ESMEIN, La jurisprudence et ta doctrine, apud Recue


trimestrielle de droit civil, 1902, tomo I, pag. 5 e seg.; LAMBERT,
Une réforme nécessaire des études de droit civil, apud Rev. int. de
l'enseignement. 1900, tomo IX, pag. 216 e seg.; La fonction du droit
civil comparé, tomo I, pag. 32 e seg.; LANGLOIS, Essai sur le pouvoir
prétorien de la jurisprudence, 1897, pag. 1 e seg.; SALEILLES, De la
déclaration de volonté, 1901, pag. 194 e seg.; GÉNY, Metodo de
interpretacion y fuentes en derecho privado positivo, trad. hesp.,
1903, prologo, pag. IX e seg., e 232 e seg.; MORNET, Du rôle et des
droit de la jurisprudence en matière civil (thèse pour le doctorat),
1904, pag. 7 e seg.; ISAMBERT, L'êvolution des études juridiques
vers 1'observation sociale, apud La Science social, de fevereiro de
1897, tomo 23, pag. 94 e seg.; BRUGI, Scienze giuridiche e scienze
sociali, apud Rivista italiana di sociologia, de maio-agosto de 1909,
pag. 305 e seg.
119

dencia assignalam em seus conceitos e a que importa


adaptar a obra do legislador.
E não se diga que tal criterio, que foi fundamen-
talmente a mais fertil concepção da escola historica
(1), venha originar uma interpretação absurda,

(1) «Al método silogístico y dogmático,"escreve GÉNY, que sa-


caba de la codificación una vida completamente fictícia y completa-
mente fuera de lo real, paralizada en su desarrollo y como definiti-
vamente acabada desde que la construcción de conjunto se completó,
se ha intentado sustituir con un método de vida orgánica ó de evo-
lución histórica, interno y no externo como el primero, cuya
característica está en vivificar los códigos, no por la propia sustancia,
sino mediante la aportación de todos los elementos de vida ulterior
externa. En vez de encerrarse en si mismo, se abre al mundo ex-
terior, aun cuando sin dejarse invadir ó dominar por él, sino para
dominado, adaptado, clasificarlo en su propia disciplina, y con-
vertir en moneda jurídica, imprimiéndole su sello, todas las rela-
ciones que brotan de la realidad.
«En este método de evolución historica, que puede considerarse
como intermediario entre las dos anteriores, todavia se mantiene en
principio que todo tiene su puesto en la ley escrita, considerada, no
como la única fuente viva de derecho, sino como el único marco
cientifico y jurídico que tiene valor ante los tribunales. No es que
pretenda nadie que el derecho es creación del legislador; aun los
partidarios mismos más obstinados de las antiguas concepciones, no
niegan la influencia orgánica de la costumbre y la doctrina, tanto
desde el punto de vista de la creación, como de la propagación de
los hechos y las nociones jurídicas. Pero á estas creaciones subjeti-
vas y espontáneas no puede reconocérseles el que se impongan le-
galmente; de lo contrario, liabría arbitrariedad, incertidumbre en
120

demolidora da fórmula legal e do pensamento do legis-


lador.

las relaciones privadas y un procedimiento inorgânico y harto pri-


mitivo de adaptación jurídica. Para que adquieran el valor de un
derecho objetivo eficaz, es necesario que esas creaciones tengan un
lugar en la ley, que se armonicen con el conjunto de la construcción
jurídica, tomada en su totalidad, que se vivifiquen en esta fuente
superior, de la cual recibirán el carácter de un derecho nacional,
estahleciendo la continuidad de una evolución logica y concordante,
en voz de las espontáneas fantasias de lo puramente individual.
«Y al mismo tiempo que la ley atrae las creaciones de natura-
leza doctrinal ó consuetudinaria, éstas, á su vez, influyen sobre el
derecho escrito, modificando poco a poco la interpretación primitiva
de las fórmulas legales, dotándoles de una vida refleja, creadora de
nueva armonía entre ellas. Entre las concepciones vivas que el texto
contiene y lo que del esterior se le une, procedente de la vida eco-
nómica y del medio social, se opera um incesante cambio de accio-
nes y reacciones, mediante el cual se realiza el progreso juridico;
sin sacudimientos profundos, sin bruscos cambios ni revoluciones,
gracias á la sola intervención de la jurisprudencia, encargada ya, no
de sujetarse á un texto muerto, sino de realizar la función de
desenvolver uno eternamente vivo. A ella corresponde acomodar al
texto ias espontâneas manifestaciones que ofrezca la práctica de los
negocios, y al mismo tiempo, acomodar el texto á las nuevas nece-
sidados que lo solicitan, el dar elasticidad á las formulas, el despo-
jado de los princípios oscuros y fundir el todo en un conjunto armó-
nico, cuya lógica causa la certidumbre para los intereses privados,
al mismo tiempo que desafia la arbitrariedad, que es la amenaza
constante de todo método subjetivo.
«Queda en la apariencia el conjunto de la construcción tal cual
es en la concepción dogmática: un edifício muy sólido, en el cual
121

Uma vez promulgada, a lei vive vida propria e inde-


pendente e, sem que por esse facto a sua formula suc-
cumba ou o pensamento do legislador seja atraiçoado,
o que é necessario é imprimir ao corpo legal um per-
manente andamento ao calor da evolução collectiva —
isto numa sabia e progressiva medida, dictada pela
mais esclarecida jurisprudencia (1).

se encuentra todo, y donde, mediante la lógica vulgar, se clasifican


los problemas todos que puedan presentar-se. Pero si un momento
dado de la evolución jurídica, la apariencia es la misma, los ele-
mentos que componen el edificio están tomados del exterior y se
renuevan si rosar. No es un palacio construído, segun plan previa-
mente dispuesto y al cual no pueda tocarse; es un conjunto de cons-
trueciones arquitectónicas, renovadas continuamente, cuidando de
que las unas guarden relación con las otras y formen un todo ar-
mónico.
< A esta método, de indole histórica indubablemente, pero que
aun quiere plegar las ereacines históricas al plan jurídico y al cüno
legal, se le reprocha esta parte de ficción que conserva, consistente
en atribuir á ley lo que no procede de ella. Por quê no dejar
circunscrito al domínio de la ley solo lo que de ella procede, y
reconocer à la vez otras fuentes paralelas, que tengan, si no el
mismo valor, por lo menos ano juridico positivo? La costumbre, la
tradicion doctrina y cientifica, en vez de ofrecer al intérprete sólo
creaciones amorfas, que debe transformar en fórmulas jurídicas por
su enlace con la ley, que den origen inmediatamenle, permitaseme
la frase, á derecho positivo, apto desde luego para la circulación y
la sanción judicial». (Gény, obr.cit., prólogo, pag. vIII e xI).
(1) «Pero si debo hacerme cargo aqui, por al contrario y con
más insistencia, diz GÉNY, de una tendencia salida de una idea
122

Postas taes permissas, baixemos á analyse da legis-


lação portuguêsa no aspecto que nos occupa. Em face

completamente opuesta, que yo no he tratado sino aludiéndola su-


perficialmente, y que á pesar del opuesto origen lleva á veces á re-
sultados igualmente peligrosos que el sistema anterior, aun cuando
en otro sentido: una á modo de reacción contra aquél, despertada
por la escuela histórica. Sabido es que, según Savigny y Puchta, la
fuente última, íntima y única de las reglas de derecho positivo,
reside en la conciencia popular, y la ley escrita no es más que,
como la costumbre y el derecho cientifico, uno de los arroyos naci-
dos de este origen común, para poner en circulación, en la vida
práctica, los fecundos gérmenes que sólo se encuentran en aquélla.
Desde este punto de vista, la legislación no tiene más valor que en
tanto que traduce con fidelidad la conciencia popular. Y Savigny
insiste sobre la necesaria desproporción que hay entre la fórmula
legal y la institución jurídica, «cuya naturaleza orgànica no puede
agotar una regia abstracta», y senala como mision dei intérprete la
de «reconstruir el conjunto orgánico, del cual no muestra la ley
más que una sola fase».
«Indudsblemente, aun cuando un poco vagas, estas considera-
ciones pueden conciliarse con un respecto, al menos aparente, de la
fórmula legal. Pero si el pensamiento del legislador tal cual se des-
prende del sentido recto y natural del texto, en la opinión personal
del interprete, repugna con lo que considera expresion de la con-
ciencia colectiva del pueblo en el momento en que aquélla debe
aplicarse, no debe vacilar en optar sobre la imperfecta traducción,
por la revelación directa de esta fuente común y más profunda.
Acerca del modo de hacer esto, teniendo en cuenta simultáneamente
el texto legal que le viene impuesto como autoridad formal é in-
excusable, la antinomia, pretenden resolverla ciertos sucesores de
Savigny al tenor siguiente. Después de formulado el texto de la ley,
123

de suas disposições, deveremos estacar na opinião


daquelles que genuflectem perante a interpretação lit-
teral de alguns de seus preceitos, concluindo pela le-
gitimidade incontroversivel do uso do direito até ao
abuso, até ás consequencias damnosas? Qual será o
indice de correcção do art. 13.°?
Nas disposições mesmas em que deparámos uma
tão accentuada consagração individualista dos direitos
originarios, lê-se como um leitmotif este correctivo
immediato á expansão desses direitos: «o que delle
(direito de expressão, direito de acção, direito de asso-
ciação, elc), abusar, em prejuizo da sociedade ou de
outrem, será responsavel na conformidade ou nos ter-
mos das leis» (artt. 3C3.°, 364.° e 365.°).

se destaca del pensamiento del legislador para vivir vida propia é


independíente. Hasta puede dicirse que en la ley nada hay de la
personalidade del autor, y que el contenido de su disposiciones no
expresa más que lo que cu ellas descubrirá la conciencia popular,
en la diaria interpretación. En todo o caso hay que tomar la ley
como una entidad independiente en lo sucesivo de su fuente origi-
naria, evoluciouando por si misma y subordinada esencialmente ai
medio social cuyos movimientos ha de seguir conforme lo exige su
naturaleza: esto justifica que el intérprete, no sólo descuide la in-
tención del legislador, sino que violente y tuerza el sentido del
texto cifanto sea necesario para deducir de el cosa muy ajena á lo
que el legislador quiso poner, y para encontrar quanto necesita y lo
que pareceu requerir las exigencias de la vida». (Gény, (obr. cit.,
pag. 232-234).
124

Sem que por qualquer fórma violentemos o texto


legal, afigura-se-nos que as palavras transcriptas si-
multaneamente contém uma correcção indispensavel do
latitudinario preceito do art. 13.° e o pleno reconheci-
mento — em prejuízo da sociedade — daquellas normas
de convivencia e harmonia social, cuja interferencia se
torna absolutamente acatavel em materia de interpre-
tação de lei.
Assim, pois, os direitos por lei reconhecidos—affir-
ma-o racionalmente o preceito legislativo—devem
ser entendidos, em sua intensidade e extensão, con-
soante melhor aconselha esse doutriharismo, que vai
crescentemente apregoando o respeito e supremacia
dos interesses da collectividade sobre os do individuo,
sem que tal implique uma absorpção deste, mas apenas
e em seu termo a melhor conjugação dos esforços so-
lidarios das unidades no sentido da mais vasta e har-
monisada prosperidade do todo social. Vimos como
a teoria do abuso do direito tão efficazmente traduz
essa orientação. As palavras citadas da lei portuguêsa
ractificam-na inilludivelmente; o conteudo dos direitos
originarios conhece, acima das restricções previstas
por lei, um mais lato correctivo: os interesses da socie-
dade.
Objectar-se-ha, porventura, que não sendo em tal
teoria elemento primacial a intenção do agente mas
sim o fim exclusivo de causar um damno, essa teoria
125

predominantemente objectiva irá brigar com as normas


da nossa legislação sobre responsabilidade civil. Como
admitir, em face de suas disposições, responsabilidade
sem culpa ?
Ao formular os precisos termos da teoria do abuso
do direito, não contestámos ao agente damnoso o direito
de allegar e provar quaesquer factos por que prove que
não teve só por fim causar damno mas realisar um in-
teresse legitimo. Isto esbate já e em larga medida o
alcance da objecção supra. E demais que tal teoria
não vai contrariar fundamentalmente o systema e dis-
posições do codigo português sobre responsabilidade
civil, isso se deduz não só das multiplas situações em
que o codigo reconhece manifestamente a atlribuição
de responsabilidade objectiva ao auctor do damno (1)
mas ainda da generalidade do art. 2361.°
E esse e tão claramente o espirito da nossa legisla-
ção civil, que ainda mesmo que o exercício abusivo e
consequentemente damnoso dum direito se realise para
evitar algum prejuízo imminente, o auclor incorre em
responsabilidade civil, sendo obrigado, por expressa
indicação de lei, a indemnisar os prejuízos causados
(Cf. art. 2396.° e 2397.°).

(4) Cf. artt. 2314.°, 2318.°, 2323.° § 2.° e 2338.°, 2377.° e


§ unico, e 2379.° e § unico.
126

Á luz da melhor e mais progressiva interpretação


legislativa concluamos, pois, que a teoria do abuso do
direito licitamente se deprehende e incluo na nossa
legislação civil. A pratica abusiva de qualquer direito
tem nella uma sancção satisfactoria.
Assim o denuncia o texto legal e quer a elaboração
doutrinaria. A liberdade abusiva da orbita dos direitos
proprios ou alheios é um absurdo, hoje mais que
nunca. A menos que se pretenda fazer face ás cres-
centes exigencias da vida jurídica moderna com a es-
teril proclamação duma obstinada paralysia do corpo
legal. Quantas situações, socialmente monstruosas, fi-
cariam sem solução (1)? Não seriam as de menor
vulto os casos deturpadores da livre-concorrencia, as
viciadas situações da concorrencia desleal...

29. Assentes os princípios do direito commum,


que em nosso modesto entender devem regular a ma-
teria da concorrrncia desleal no aspecto da propriedade

(1) Tal seria, por exemplo, e frisantemente a constituição duma


empreza monopolista, factos que algumas legislações consideram
como um manifesto delicto (Cf. COLLIEZ, Trusts, cartels, corners,
1904, pag. 442 e seg.; em sentido contrario: LAUR, De l'accapa-
rement, 1900, pag. 71 e seg.).
Entre nós, a não admittir-se a licita enxertia da teoria do abuso
do direito em nossas disposições civis, a installação dum trust far-
se-hia a coberto de qualquer responsabilidade civil !
127

de industria (1), entremos no capitulo da legislação


especial.
Datam de ha pouco mais de meio seculo as prir
meiras e mais importantes providencias das estan-
cias officiaes sobre propriedade industrial. Em 31
de dezembro de 1852 foi promulgado um decreto,
corrigindo deficiencias das anteriores e insuficientes
medidas de 16 de janeiro de 1837, e contendo mul-
tiplas e syslematizadas disposições sobre privilegios
de invenção e introducção de novas industrias e es-
tatuindo a annulação de privilegios nos casos de ma-
nifesta concorrencia desleal (artt.os 31.° a 34.° e 36.°
a 41.°).
Em 4 de dezembro de 1883 foi promulgada uma lei
sobre marcas de fabrica ou de commercio, seguida de
regulamento approvado por decreto de 23 de outubro
do mesmo anno. Esta providencia estava em vigor ao
tempo em que foi publicado o Codigo Com-mercial de
1888, sendo esta, por ventura, a razão porque no
referido Codigo se não inseriram disposições especiaes
referentes á propriedade industrial.

(1) A propriedade dos inventos, confinante com a materia de


propriedade litteraria e artística, mereceu especial attenção ao le-
gislador civil, que lhe dedicou o capitulo III do livro I da parte II
do codigo. Essas disposições vieram revogar o decreto de 31 de de-
zembro de 1852.
128

Em 1892, na inspiração da intensa corrente pro-


teccionista que então deu alma a numerosas medidas
legislativas no sentido de estimular a actividade do
país no campo industrial, foi promulgado um novo
decreto, com data de 30 de setembro do referido anno,
concedendo amplas facilidades e especiaes garantias á
introducção de novas industrias. O regulamento para
execução do referido decreto foi publicado em 1 de fe-
vereiro de 1893 (1).
Data de 1894 a mais notavel e completa provi-
dencia legislativa elaborada pelos poderes governativos
em favor da propriedade industrial. No relatorio que
precede o decreto de 15 de setembro de 1894, de
iniciativa ministerial do então titular da pasta das
obras publicas, SR. CAMPOS HENRIQUES, apontam-se
as muitas deficiencias e atrazo da nossa legislação
sobre propriedade industrial e a imperiosa necessidade
da sua remodelação em face dos progressos das cor-
relativas legislações extrangeiras e das crescentes exi-
gencias da expansão industrial do nosso paiz (2). Não

(1) Os artt.os 15.°, 16.° e 17.° eram de evidente applicação a


casos de concorrencia desleal, respondendo pela reparação dos damnos
causados além de ficar sujeito ás comminações do codigo penal
aquelle que lesasse o encartado no exercíiio do seu direito, fabricando
no paiz ou dentro da respectiva zona mineira os productos a que a
mesma patente se referisse.
(2) São palavras do relatorio: «Como acto de collaboração pa-
129

foram por isso esquecidos varios aspectos do complexo


problema da propriedade industrial.

triotica para este grande e elevado fim (o de fortalecer e activar as


forças vivas da nação — no dizer official), temos a honra de sub-
metter á illustrada apreciação de Vossa Magestade o presente pro-
jecto de decreto, nascido do convencimento de que a nossa legislação
industrial, não obstante o que se tem feito, e mau grado de todos,
tem ainda grandes deficiencias, a que é de evidente necessidade
prover-se. Este interessante capitulo do direito moderno, formado
lentamente num trabalho penoso de evolução, até nos paizes em
que o Estado julgou dever antecipar-se ás reivindicações do opera-
riado, ou em que as questões -industriaes attingiram maior impor-
tancia, não constituo por emquanto um corpo de doutrina harmonico
e completo. Nem tal falta é muito de estranhar-se desde que se
attenda á grande difficuldade que ha em bem regular, e de uma vez,
assumptos que dizem respeito a questões sociaes de tamanha com-
plexidade.
Muito ha que fazer ainda sobre a legislação do trabalho; no que,
porém, respeita á propriedade industrial, as grandes linhas geraes
acham-se traçadas e os seus principios fundamentaes obtiveram já
a consagração da experiencia e a dos tratados internacionaes.
0 nosso paiz, supposto que a sua legislação industrial lhe não
tenha merecido por emquanto o cuidado que tem dedicado a outros
assumptos, não se tem deixado distanciar muito das outras nações.
Algumas providencias salutares se tomaram para beneficio das
classes trabalhadoras e desde 1837 nas nossas leis se introduziram
disposições com relação á propriedade industrial, tendo nós procu-
rado sempre acompanhar, quanto possível, os aperfeiçoamentos que
se íam realisando lá fóra, e prestado a nossa sincera adhesão ás con-
venções internacionaes.
Está, todavia, incompleta a nossa legislação, e ainda não po-
9
130

Em cumprimento do disposto no decreto de 1894,


e em harmonia com o seu artigo 236.° foi publicado
em 28 de março de 1895 um regulamento para com-
pleta execução do referido decreto.
Logo, porém, no anno seguinte, a 21 de maio de
1896, emanava das estancias officiaes nova providencia
legislativa sobre materia de propriedade industrial, em
que mutatis mutandis(1) se reproduziram as
disposições demos satisfazer completamente o compromisso que
contrahimos numa dessas convenções na parte referente aos títulos
de propriedade de desenhos e modelos.
Urgia, por isso, completar as lacunas existentes e não só cor-
responder á crescente complexidade de relações e factos economicos
com novas providencias reguladoras, como codificar e corrigir o
que se acha estabelecido, mas disperso, em diversos diplomas —
procurando tambem assim attrahir aos cofres do Estado uma receita
que póde vir a ser importante e que é já attendivel». (Relat. cit.,
pag. 4-5).
(1) Constam de impresso, que temos presente, as alterações
introduzidas pela lei de 21 de maio de 1896 ao decreto com força
de lei de 15 de dezembro de 1894. Muitas delias são meras modi-
ficações de texto ou correcções de dizer — importantes bastas vezes
em materia de interpretação legislativa.
Em 1 de março de 1901 o ministro das obras publicas Sr. VARGAS
publicou um decreto contendo uma tabella em substituição da ta-
beli]la II para registo de marcas industriaes e commerciaes annexa
ao regulamento de 28 de março de 1895. Essa tabella, organisada
pelo actual e illustre chefe da secção de registo de marcas da repar-
tição da Propriedade Industrial, SR. D. HENRIQUE D'ALARCÃO, é mais
131

do decreto de 1894. Assim, pois, lemos' como legis-


lação vigente sobre propriedade industrial entre nós;
a carta de lei de 21 de maio de 1896, esclarecendo
a sua execução o regulamento anterior de 28 de março
de 1895 (1). ou menos inspirada na tabella similar
da Repartição Central de Berne.
Por franca indicação de seu redactor
consignemos que nella se nota um lapso de
traducção: a palavra franceza légumes cujo sentido,
como se sabe é vario, figura nella em duplicado e
em classes differentes (1.ª e 63.ª), o que algumas
confusões pode pro-vocar, attento que na classe
63.*, que tem a epigraphe geral de VIII —
alimentação, tal palavra tem o sentido de hortaliças.
(1) Em conformidade com a lei de 21 de maio de
1896 a propriedade industrial e commercial é
reconhecida por titulos de patente, de registo e de
deposito, concedidos pelo governo, depois de satis-
feitas as competentes formalidades (art.° 1.°).
Os titulos de patente são de duas especies: patente
de invenção e patente de introducção de novas
industrias (art.° 2.°, n.°s l.° e 2.°).
São quatro as classes de titulos de registo: de
marca industrial; de marca commercial; de
recompensas; de nome industrial ou com-mercial
(art.° 3.°).
Ha duas classes de titulos de deposito: titulo de
deposito de desenhos industriaes; titulo de deposito
de modelos industriaes [art.° 4.°, a) e b)].
Regula estes titulos e respectiva propriedade a
citada lei de 21 de maio de 1896, excepto pelo que
respeita aos titulos de patente de introducção de
novas industria», que continuam a conceder-se nos
termos do decreto de 30 de setembro de 1892 e
respectivo regula-mento approvado por decreto de
1 de fevereiro de 1893, hoje
132

E afóra as citadas disposições mencionemos ainda,


no que respeita á parte processual, á cerca das quaes
substituído pelo de 19 de junho de 1901, salvas as
alterações introduzidas pela lei de 1896 (art.° 57.° e
seus numeros) e seu regulamento de 28 de março de
1895 (art.° 65.°).
A concessão de privilegios de introducção de uso de
inventos era regulada nas províncias ultramarinas pelo
decreto de 21 de maio de 1892; mais tarde porem o
decreto de 28 de julho de 1898 suspendeu a sua
execução.
Outros diplomas ha dispersos e referentes á
propriedade indus trial: uma portaria de 1897 ordenando
a remessa de exemplares de marcas para o Centro
Commercial do Porto (Diario do Governo, n.° 82.° de
14 de abril de 1896); portaria do mesmo anno acerca
da restituição de taxas (Diario do Governo, n.° 145 de
5 de julho de 1897); dita sobre a applicação de motores
a novas industrias (Diario do Governo, n.° 82 de 13 de
abril de 1898); dita sobre os avisos no Boletim e no
Diario do Governo (Diario do Governo n.°s 226 e de 21
de outubro de 1898 e n.° 275 de 7 de dezembro de
1898); lei sobre o uso do emblema da Cruz Vermelha
(Boletim da Propriedade Industrial, n.° 16, 2.ª serie,
13.° anno, agosto de 1896, pag. 102 e Diario do
Governo, n.° 117 de 26 de maio de 1896);
regulamento para a execução da carta de lei de 21 de
1896 sobre a concessão do uso do emblema da Cruz
Vermelha (Boletim n.°" 26 e 42, 2." serie, 15.° anno, de
novembro de 1898, pag. 82); sobre novas industrias:
decreto de fevereiro de 1907, fixando a zona mineira
relativa aos minerios de nickel para o effeito de
concessão de patentes de introducção de novas industrias
(Diario do Governo n.° 43 de 23 de fevereiro de 1907
e Boletim n.° 2 de fevereiro de 1907, 3.ª serie, pag. 33),
e decreto de março de 1909 fixando uma unica zona
mineira para os minerios de uranio (Diario do Governo,
n.° 53 de 29 de março de 1909, e Boletim
133

se suscitam graves duvidas de que a seu tempo darêmos menção,


os preceitos applicaveis do codigo de processo commercial
(artt.os 87.° a 106.°). n.° 3 de março de 1909, pag. 55);
portaria do abril de 1905 sobre as marcas da Companhia
Portugueza dos Phosphoros (Diario do Governo n.° 83 de
16 de abril de 1905 e Boletim n.° 4 de abril de 1906, 3.ª
serie, pag. 130); decreto de 17 de dezembro de 1903,
ampliando ás províncias ultramarinas, districto autonomo de
Timôr e territorios sob a administração das Companhias de
Moçambique e Nyassa as disposições sobre propriedade
industrial (Diario do Governo n.° 294 de 30 de deuembro
de 1903 e Boletim n.° 12 de dezembro de 1903, pag. 305);
portaria de 5 de abril de 1904, determinando que o chefe da
repartição da propriedade industrial faça parte da 1.ª Secção
do Conselho Superior do Commèrcio e Industria, quando
reunindo com outras Secções do mesmo Conselho ou do
Conselho Superior de Agricultura, com o fim de dar
parecer sobre marcas de commercio ou de fabrica (Diario do
Governo n.° 81 de 14 de abril de 1904 e Boletim n.° 4 de
abril de 1904, 3." serie, pag. 89); decreto de 16 de março
de 1905, approvando e ordenando que sejam postas em
execução as disposições regulamentares para serviço da
propriedade industrial (Diario do Governo n.° 74 de 1 de
abril de 1905 e Boletim n.° 4 de abril de 1905, serie 3.ª,
pag. 83); portaria de setembro de 1905 regulando a entrada
de documentos na 1.* Secção de Repartição de Propriedade
Industrial (Diario do Governo n.° 212 de 20 de setembro
de 1905 e Boletim n.° 9 de setembro de 1905, 2.ª serie, pag.
243); sobre a nomeação de agentes de marcas e patentes:
decreto de agosto de 1895 acerca da nomeação de 6 dos
referidos agentes (Boletim n.° 5 de 9 de agosto de 1895, 2/
serie, 12.° anno, pag. 46), e decreto de julho de 1909
nomeando 3 agentes de marcas o patentes (Diario do Go-
verno n.° 169 de 31 de julho de 1909).
134

O titulo VIII da lei de 1896 (artt.os 198.° a 210.°)


e bem assim os artt.os 255.° a 258.° do regulamento
de 1895 contém as disposições especiaes particular-
mente referentes á concorrencia desleal (1).

30. A esta enumeração legislativa pareceu-nos


util accrescentar a indicação das fundamentaes dis-
posições organicas da Secretaria da Estado das Obras
Publicas, attento que na mesma secretaria reside a es-
tancia official a que directamente compelem a organi-
sação e registo da propriedade industrial.
Obras publicas, Agricultura, Commercio e Industria
e correlativos ramos de ensino, Correios, Telegraphos
e Caminhos de ferro, tudo recahe no exclusivo e su-
premo ambito duma pasta ministerial, para cuja alçada
integralmente se transferem os mais fundamentaes as-
pectos e elementos da economia nacional, cujas exi-
gencias num paiz como o nosso, são mais de crear do
que secundariamente de gerir. O problema não tem,
todavia, agora o seu mais propositado debate (2).

(1) Em 19 de agosto de 1908 o ex-ministro das Obras Publicas


SR. CALVET DE MAGALHÃES apresentou ao Parlamento uma proposta de
lei (n.° 57-H) sobre reforma da propriedade industrial. Se bem que
ficasse dormindo o somno dos justos, a ella teremos ensejo de nos
referir mais largamente. (Cf. Diario do Governo, de 20 de agosto de
1908 e Boletim n.° 9 de setembro de 1908, 3.ª serie, pag. 265-284).
(2) Consignemos que na ultima sessão legislativa foi apresen-
135

Consta do decreto de 21 de janeiro de 1903 a ul-


tima e vigente organisação da secretaria de Estado dos
negocios das obras publicas, commercio e industria.
A organisação de 1903, que substituiu a de 28 de
dezembro de 1899 (ELVINO DE BRITO) foi de inicia-
tiva do ministro SR. VARGAS, que procurou codi-
ficar todas as medidas anteriores relativas á orga-
nisação da referida secretaria d'Estado. Esta ficou
sendo constituida pelas seguintes direcções geraes:
Direcção geral das obras publicas e minas; direcção
geral da Agricultura; direcção geral do commercio e
industria e direcção geral dos correios e telegraphos
(art.° 2.°), cujos serviços foram distribuídos por diffe-
rentes repartições, subdivididas em secções.
E assim que, reportando-nos ao que capitalmente
nos interessa, é de mencionar que a Direcção Geral do
Commercio e Industria é constituida por quatro repar-
tições: repartição do commercio, repartição de trabalho
industrial, repartição da propriedade industrial, e re-
partição do ensino industrial e commercial (art.° 15.°).
Incumbem á Repartição da propriedade industrial os
assumptos relativos a essa especie de propriedade,
sendo tal repartição constituida por duas secções, que

tada pelo ex-ministro das Obras Publicas SR. D. Luís DE CASTRO


uma proposta de lei tendente ao desdobramento dos serviços a
cargo da referida secretaria d'Estado.
136

têm respectivamente a seu cargo os seguintes serviços:


(art.0 18.°) l.a secção: todos os assumptos relativos ao
registo de marca de fabrica e de commercio; apura-
mento das receitas provenientes desse registo; archivo
relativo a esses serviços. 2.a secção: todos os assumptos
relativos á concessão de patentes de invenção, de in-
troducção de novas industrias e de novos processos;
depositos de desenhos e modelos de fabrica; conven-
ções, tratados e conferencias relativas á propriedade
industrial; publicação do Boletim da Propriedade In-
dustrial; apuramento das receitas provenientes dos ser-
viços incumbidos a esta secção; archivo relativo a esses
serviços; serviço de expediente e de secretaria do Con-
selho Superior do Commercio e Industria.
A cada uma das secções das quatro Repartições da
Direcção Geral do Commercio e Industria compete o
contencioso relativo aos respectivos serviços, a elabo-
ração, registo e expedição de todos os diplomas que
lhes digam respeito, compilação de elementos estatís-
ticos e preparação de leis e regulamentos dos serviços
que lhes são inherentes (art.0 20.°).
O serviço da secretaria de Estado das Obras Pu-
blicas, Commercio c Industria é desempenhado por:
a) pessoal do quadro privativo da secretaria de Es-
tado; b) pessoal dos quadros dos serviços externos do
Ministerio das Obras Publicas, Commercio e Indus-
tria; c) pessoal menor (art.0 27.°). Do pessoal do quadro
137

privativo devem servir, além doutros, um director,


dos quaes um subordinado a esta direcção como chefe
da 1.ª secção da Repartição da Propriedade industrial
(art.° 31.°).
0 decreto de 1903 estabelece a competencia dos
directores geraes (art.° 69.°, n.os 1-23) e, especialisando
suas attribuições, determina que ao Director Geral do
Commercio e Industria compete tambem, entre outras
allribuições: auctorisar a publicação dos documentos
relativos aos pedidos de patentes de inlroducçào de
novas industrial e o levantamento da importancia das
cauções relativas aos mesmos pedidos ou dos juros
dessas cauções, nos termos da legislação vigente, e
bem assim assignar as patentes passadas pela Repar-
tição da Propriedade industrial, com excepção das que
são concedidas por alvarás (art.0 71.°, n.° 1).
Junto da Direcção Geral do Commercio e Industria
funcciona, como corporação consultiva, o Conselho Su-
perior do Commercio e Iudustria (art, 156.°), dividido
em três secções: do commercio, da industria e do
ensino industrial e commercial (art.0 174.°), sob a
presidencia do respectivo director geral (art.0 175.°,
§ unico. O chefe da Repartição da Propriedade Indus-
trial faz parte da secção de industria (art.0 177.°,
lettra K).
As funcções do Conselho Superior do Commercio e
Industria são consultivas, competindo-lhe dar parecer
138

fundamentado sobre assumptos de varia ordem e ca-


racter, e entre elles os que digam respeito á proprie-
dade industrial, marcas de fabrica e de commercio,
patentes de invenção é de introducção de novas indus-
trias ou de novos processos (art.° 173.°, n.° 2).
CAPITULO VII Propriedade

industrial internacionalista

31. — A sociedade dos Estados e a propriedade industrial.


32. — A mais recuada elaboração: as convenções sobre proprie-
dade industrial accessorias dos tratados de commercio.
33. — O Regimen das Uniões: os congressos de Vienna (1873)
de Paris (1878, 1880 e 1883). — A convenção de 20
de março de 1883: importancia e fins.
34. — A conferencia de Roma de 1886.
35. — A conferencia de Madrid de 1890. Suas resoluções: a) con-
venio concernente á repressão de indicações de falsa proveniencia;
b) idem registo internacional de marcas; e) protocollo respeitante á
dotação da repartição internacional da união protectora da
propriedade industrial. 30. —As conferencias de Bruxellas de
1897 e 1900. Actos addi-cionaes: resolução concernente á
concorrencia desleal.

31. Na historia da crescente solidariedade dos


povos (') compete á propriedade industrial um capitulo,

(1) Cf. sobre a historia e organisação da sociedade internacional:


SR. DR. ALVARO VILLELA, Relações juridicas internacionaes de ca-
140

cujos limites, já hoje notaveis, plenamente se justificam


perante a natureza e alcance do mesmo instituto.
E, porventura, numa forte repercussão das ideias
mitigadas do materialismo historico (1) que os inter-
nacionalistas nos apontam, em logica introducção, o
edificar continuo da communidade dos Estados, o mo-
vimento osmotico das civilisações compenetrando-se

racter privado, 1907-1908, pag. 3 e seg., e Estudo sobre as con-


venções da Haya de direito internacional privado, 1908-1909, pag. V
c seg.; SCHUCKING, L'organisation internationale, apud Revue de
Droit international public, 1908, pag. 5 e seg.; DESPAGNET, Cours
de Droit international public, 1905, pag. 2 e seg.; DE GREEF, In-
troduction a la sociologie, tomo I, pag. 177 e seg.; LARE MAR-
GHINOTTI, Introduzione al diritto internazionale publico, 1908, pag. 3
e seg., 14 e seg., e 48 eseg.; DUPLESSIX, L'organisation inter-
nationale, 1909, pag. 6 e seg.; ANDRÉ WEISS, Manuel de Droit in-
ternational prive, 1909, introduction — RAPISARDI MIRABELLI, IL
diritto internazionale amministrativo e le granai Unioni fragli Stadi,
1907, pag. 111 e seg.
(1) Cf. LABRIOLA, Essais sur la conception materialiste de l'his-
toire, 1902, pag. 10 e seg.; SR. DR. MARNOCO E SOUSA, Sciencia
economica, 1902-1903, pag. 52 e seg., e A troca e o seu mecanismo,
1904-1905, pag. 70 eseg.; KRAUZ, Qu'est-ce que le matérialisme
économique apud Annales de L'Institut de Sociologie, tomo VIII,
pag. 50 e seg.; LEBON, Lois psychologiques de 1'évolution des peuples,
pag. 51 e seg., 99 e seg., 127 e seg.; XÉNOPOL, Sociologia e storia
apud Rivista Italiana di Sociologia, de maio-agosto de 1905, pag.
308 e seg.; LORIA, Les fondements du materialisme historique apud
Annales cit., pag. 114 e seg.
141

mais e mais pela acção dos diversos factores da phe-


nomenalidade social e predominantemente pela in-
fluencia poderosa do factor mercantil (1) — a camada
densa dos interesses economicos, ultrapassando fron-
teiras e constituindo o sub-solo do viver universal (2).
A sua força é irresistível: «On pouvait croire, es-

(1) «Si les auctorités législatives et judiciaires, dans l'organi-


sation actuelle de 1'humanité, diz JITTA, sont territoriales, la vie
active de 1'humanité ne saurait être parquée rigoureusement dans
les divers territoires, qui partagent la surface du globe. Cette vie
active est universelle, elle déborde toutes les froutières. Depois que
le monde a une histoire, le commerce a rapproché les hommes les
uns les autres. Si donc les premiers temps qui ont vu le commerce
pacifique succéder au pillage et a la piraterie, les échanges ont eu
lieu prudemment de la main à la main, on peut dire que dans un état
de civilisation un peu plus avancé, 1'execution d'une promesse a du
parfois être differèe, et que dès ce moment, un principe de
confiance, 1'attente de 1'éxecution loyale de la promesse sérieuse-
mente faite et acceptée, a remplacé 1'antique défiance. Le commerce
a été et est ancore la source principale des obligations, mais la vie
active de 1'humanité ne se borne pas aux rélations commerciales et
contractuelles, elle embrasse tout ce qui peut donner à l'homme des
moyens d'existence par un travail utile et honnête, et tous les de-
voirs d'homme à homme qui ont leur source dans 1'état de société».
(JITTA, La substance del obligations dans le droit international privé,
tomo I, pag. 4).
(2) Cf. VON INAMA STERNEGG, Les présents aspects du dévolop-
pement de 1'économie mondiale, apud Rev. Econ. Int., anno 3.° vol. II,
pag. 39 e seg.
142

creve FONTANA-RUSSO (1), que la constitulion politique


des peuples, 1'émulation des races et les jalousies éco-
nomiques avaient suffi à fractionner le marché mon-
dial; mais celui-ci, au contraire, en dépit d'une répar-
tilion artificielle, se présente souvent comme un tout
indivisible; comme si la nature, par sa puissance et ses
ressources, voulail rendre vains les efforts particula-
ristes des hommes, leurs rivalités ineptes et leurs né-
fastes conflits. Toute cette floraison de barrières pro-
tectionnistes n'empêche pas les Continents et les États
de mulliplier leurs échanges et de relier, par de nou-
velles et généreuses artères, des marches que la nature
elle-même essaya vainement de séparer par des
océans, et que les hommes tentèrent inutilement de
morceler avec les douanes. Au-dessus du particula-
risme, qui fleurit sur les antagonismes de la politique
et des races, s'étend souventes fois la solidarité éco-
nomique. Elle fait que les produclions d'outre-mer
arrivent à point pour conjurer les disettes, autrefois
impossibles à combattre. Grâce à elle, les matières
exotiques alimentent 1'aclivité de nos fabriques, rani-
mant ainsi la produclion manufacturière, provoquant
une meilleure rémunération du travail, un plus large

(1) FONTANA-RUSSO, TRaité de politique commerciale (trad. de


FÉLIX POLI), pag. 2-3.
143

profit pour le capital. Les courants commerciaux con-


temporains subissent peu 1'influence des tarifs prote-
cteurs contre lesquels ils réagissent, et franchissent
victorieusement les barrières artificielles que le prote-
ctionnisme veut leur opposer».
E foi no vehiculo das transacções mercantis, que de
povo a povo começaram de soprar tenues, depois mais
pronunciadas e contemporaneamente impetuosas as
correntes de transfusão intellectual, communicando
sentimentos, aspirações e escolas, numa marcha in-
tensa para o ideal supremo da paz mundial (1).
Nesse percurso, a propriedade industrial tem a sua
parcella; tem naturalmente caminhado na larga esteira
da approximação mercantil dos povos, por isso que
mercantil é a sua essencia como os seus intuitos. Já
hoje lhe dizem respeito algumas das mais importantes
conquistas internacionaes, porque já alguns annos são
passados depois que ÉmilE BERT formulou com vaga

(1) Cf. EUGÈNE D'EICHTAL, La Paix dam les États et la Paix


Armée entre les Nations apud Bevue Blene de 20 de junho de 1908,
pag. 769 e seg.; FOLLIN, La marche vers la paix, 1903, pag. 2 e
seg.; LAFARGUE, L'orientation humaine, 1904, pag. 5 e seg.;
RUYSSEN, La philosophie de la paix, 1904, pag. 10 e seg.; STENGEL,
Weltstaat und Friedemproblem, 1909, pag. 21 e seg,; ÉDOUARD
DRIAULT, Le monde actuel, 1909, pag. 345 e seg.
144

esperança a aspiração de ver edificada uma propriedade


industrial internacional (1).
E seja pelo voto das conferencias e congressos seja
pela proclamação solemne dos textos o aspecto in-
ternacionalista da propriedade industrial vae-se evi-
dentemente cimentando no impulso da progressiva
interdependencia dos mercados mundiaes, campo de
desmedida livre-concorrencia, onde os ataques á mesma
propriedade no phenomeno da concorrencia desleal
assumem as proporções duma melindrosa e mais exi-
gente perturbação.

33. A mais recuada elaboração internacionalista


em materia de propriedade internacional encontra-se
incorporada nos entendimentos commerciaes de ca-
racter bilateral, estipulados de povo a povo com o fim
de obter a equiponderação de seus interesses mer-
cantis.
As convenções sobre propriedade industrial figuram
em taes accordos sob a forma de disposições acces-
sorias, dizendo principalmente respeito a marcas e
desenhos de industria (2).

(1) ÉMILE BERT, ob. cit., pag. 137.


(2) Assim era que, do conhecimento de PELLETIER e VIDAL-
NAQUET, e áparte a convenção unionista de 20 de março de 1883, a
145

A pratica dos tratados de commercio era, porém,


manifestamente imperfeita e precaria (1), constituindo que no
texto farêmos mais lata menção, apenas e até então (190.2) o
tratado austro-allemão de 16 de dezembro de 1878,
successivamente renovado em 1881 e 1891, e o tratado franco-
mexicano de 27 de novembro de 1886 continham clausulas
relativas ás patentes de invenção (Cf. PELLETIER E VIDAL-
NAQUET, La convention d'Union pour la protection de la
propriété industrielle du 20 mars 1883 et les conférences de
revision postérieures, 1902, pag. 8).
(1) «Le plus souvent, escrevem PELLETIER e VIDAL-NAQUET,
les conventions relatives à la propriété industrielle n'ont pas
d'exis-tence propre; elles se trouvent insérées dans les traités
de com-merce sons forme de dispositions accessoires. Cest
ainsi, par exemple, qu'on trouve dans le traité franco-italien du
3 novembre 1881, dans le traité anglo-français du 28 février
1882, dans le traité franco-autriclhien du 7 novembre 1881,
des clauses relatives à la proteclion de la propriété industrielle
en faveur des sujets des parties contractantes.
Cette pratique est défectueuse. Par suite de leur caractère
se-condaire, ces clauses sont peu développées. En outre, elles
n'ont qu'une existence brève et précaire.
En effet, les traités de commerce sont, par leur nature, con-
tractés pour un court laps de temps; ils sont passés en vue
d'une situation économique déterminée, d'ou ils tirent leur
inspiration. Que cette situation change, ils sont remplacés par
d'autres traités, et les clauses accessoires qui visent
spécialement la propriété industrielle ont le même sort que les
dispositions principales réglant d'autres questions.
Cette précarité est profondément regrettable en ce qui
concerne la proteclion de la propriété industrielle. Celle-ci est
régie, dans
10
146

certamente um mais avançado passo o emprehendi-


mento de alguns accordos internacionaes sobre pro-
priedade industrial, com existencia e autonomia pro-
prias (1).
A essa phase, ainda incerta e insuficiente, succe-
deria a breve trecho o regimen das Uniões, de mais
progressivo caracter e mais eficaz alcance, emquanto
vinha imprimir ás normas internacionaes da proprie
chaque pays, par des lois; elle repose done sur des
assises solides qni ni devraient pas lui faire défaut
dans lo domaine interna-tional.
Il est donc préférable d'assurer la protection
internationale de la propriété industrielle par des
traités spéciaux, contenant des clauses nettes,
précises et détaillées, et offrant des garantias sé-
rieuses de durée.
Ce serait, toutefois, un progrès assez mince et de
pure forme que de faire des traités distincts des
traités de commerce, mais pourtant solidarisés avec
eux comme la pratique diplomatique en donne des
exemples. Le Congrès de la proprióté industrielle
réuni à Paris en 1878 s'en est à ce point rendu
compte qu'il a émis le voeu, sur la proposition de M.
Lyon-Caen, de voir les traités rela-tifs à la propriété
industrielle complètement indépendants des traités
de commerce> (PELLETIER ET VIDAL-NAQUET. ob.
cit., pag. 5-6).
(1) Taes foram: o tratado franco-suisso de 23 de
fevereiro de 1882; e as convenções concluídas entre
a França e: Guatemala (12 de novembro de 1895),
Perú (16 de outubro de 1896) e Costa-Rica (8 de
julho de 1896) para protecção de marcas, nome
com-mercial e indicações do proveniencia. (Gf.
PELLETIER e VIDAL-NAQUET, ob. cit., pag. 6).
147

dade industrial uma maior generalidade e fixidez, en-


caminhando-as para a sua definitiva unificação, 33. Foi
no congresso de Vienna de 1873 que pela vez
primeira se apresentou um alvitre no sentido de lançar
as bases duma legislação internacional sobre
propriedade industrial. Era apenas questão das pa-
tentes de invento, mas o congresso na debandada
deixou após si tão sómente o rasto platonico de muitos
bons desejos, sem quaesquer resultado praticos.
Annos depois, a ideia voltou a ser presente ao con-
gresso da propriedade industrial de 1878 em Paris:
o seu comité de organisação formulou o programma
de estudos, cujos intuitos — une sorte d'assurance mu-
tuelle, dizia concisamente no seu discurso de abertura
o ministro do commercio TEISSERENC DE BORT, contre
le plagiat et la contrefaçon — gravitando em torno do
minimum de unificação, LYON-CAEN assim luminosa-
mente apontava para obtenção de sua pratica viabili-
dade: «Il ne faut pas espérer, dans 1'état actuei des
choses, arriver à avoir dans tous les pays des lois sur
la propriété industrielle qui soient communes sur tous
les points; c'est une utopie. Ce qu'on peut espérer
seulement, c'est que les nations s'entendent pour avoir
des lois communes sur les points principaux, et je
crois que 1'objet essentiel de ce Congrès est de dé-
terminer ces points principaux sur lesquels les nalions
148

peuvent s'entendre. Ce qui rend impossible la con-


fection de lois unifiées absolument, dans tous les pays,
sur ces matières, c'est qu'elles se rattachent étroite-
ment au droit civil, à la procédure civile, au droit
commercial, au droit pénal et à la procédure crimi-
nelle. Il faudrait que toutes les branches de la légis-
lation fussent uniformisées, pour qu'on pût unifier
complètement les lois relalives à la propriété indus-
trielle, et ce n'est pas possible».
O problema estava, pois, racional e nitidamente for-
mulado; tambem, por isso e sem duvida, o congresso
de Paris foi de mais fecundos resultados que o de
Vienna. Logo em setembro de 1878 se resolveu crear
uma commissão permanente para dar cumprimento ás
aspirações da assembleia e bem assim levar a cabo a
realisação duma conferencia internacional com o fim de
lançar as bases duma convenção.
A 18 e 19 de setembro do mesmo anno a referida
commissão votava um ante-projecto, elaborado pelo
delegado suisso BODENHEIMER. Eram, porém, de ta-
manha exigencia as suas clausulas, que não podia
haver duvidas sobre o seu insuccesso... O delegado
francês JAGERSCHMIDT introduziu-lhe, por isso, modifi-
cações, e foi nesses termos que elle foi expedido em
1879 ás chancellarias extrangeiras, incluindo um con-
vite para uma nova reunião em Paris.
A 4 de novembro de 1880 realisáva-se a sessão
149

inaugural do novo congresso, sob a presidencia do


ministro dos extrangeiros BARTHÉLEMY- SAINT-HILAIRE
com a assistencia do ministro do commercio TIRARD e
a comparencia dos representantes da Argentina, Au-
stria-Hungria, Belgica, Brazil, Estados-Unidos, França,
Inglaterra, Guatemala, Italia, Luxemburgo, Hollanda,
Portugal, Russia, Sardenha, Suecia-Noruega, Suissa
Turquia, Uruguay e Venezuela.
A conferencia de 1880 redigiu, tomando por base
o ante-projecto de JAGERSCHMIDT, um novo projecto de
convenção completado com um prolocolo de encerra-
mento, contendo algumas clausulas interpretativas e
destinado a ser subscripto pelas potencias adherentes.
Esse projecto, contendo fundamentalmente algumas
disposições communs e inspirado numa extrema tole-
rancia das diversas legislações, foi communicado aos
differentes governos, para que procedessem á nomeação
de seus delegados á conferencia destinada a concluir
o programma emprehendido. Assim se fez, dando a
nova assembleia começo a seus trabalhos a 6 de março
de 1883 em Paris.
Onze d'entre as potencias assistentes á conferencia
de 1880 deram a sua immediata adhesão: Belgica,
Brazil, Hespanha, França, Guatemala, Italia, Hollanda,
Portugal, S. Salvador, Servia e Suissa; e até nossos
dias o referido pacto como suas posteriores modifi-
cações registam mais o apoio da: Allemanha, Ingla-
150

terra (e a Nova-Zelandia e Queensland), Suecia, Noruega,


Estados-Unidos, Dinamarca (e ilhas Féroé), Japão, Tu-
nísia, republicas do Equador e Dominicana (1).
O objectivo da notavel conquista internacionalista
então realizada foi e é a protecção da propriedade in-
dustrial nos seus multiplos aspectos.
Para effectivar seus propositos e como nucleo de
sua engrenagem burocratica deliberou a convenção
(art.° 13.°) crear em Berne uma Repartição Interna-
cional da União protectora da propriedade industrial,
estipendiada pelos Estados pacluantes e destinada a
centralisar todas as informações referentes á mesma
propriedade industrial, organizar e distribuir as res-
pectivas estatisticas, estudar quaesquer assumptos de
interesse da União ou de seus membros, tomar a ini-
ciativa da publicação dum orgão especial — ta Pro-
priété industrielle— e acompanhar os trabalhos prepa-
ratorios das futuras reuniões.

(1) A Republica Dominicana abandonou a União em 15 de


março de 1889, renovando, porém, a sua adhesão a 11 de julho de
1890.
Allegando ausencia de interesse bastante por parte de seus na-
cionaes revogaram sua adhesão o Equador (a 21 de dezembro de
1886), S. Salvador (a 17 de agosto de 1886) e Guatemala (a 8 dej
novembro de 1894).
A União registou posteriormente a adhesão dos seguintes Es-
tados: Allemanha, Austria, Hungria, Mexico, Cuba, Federação
Australiana, alguns em datas bem recentes.
151

Pelo que respeita ao conteudo jurídico da convenção


de 20 de março de 1883, ora que nos propuzémos
apenas um bosquejo hislorico-legislativo, consignemos
tão sómente que o referido pacto, que é ainda hoje o
estatuto-base da propriedade industrial internaciona-
lista, vasou em 19 artigos de texto, accrescidos de 7
clausulas do seu protocolo de encerramento, provi-
dencias de assaz lato alcance sobre os multiplos as-
pectos da mesma propriedade industrial, o que a seu
tempo nos será dado, esperamos, apreciar mais am-
plamente.
Ácerca dos diversos capítulos da propriedade in-
dustrial — patentes, marcas e nomes commerciaes —
contem a convenção de 20 de março de 1883 normas
de caracter commum, estipulando a seus titulares ga-
rantias de efficaz protecção, clausulas essas que a
jurisprudencia tem avultadamente esclarecido e com-
pletado.
A convenção de 20 de março de 1883(1) con-
sagrou, pois, as primeiras medidas de extensão e de-
feza internacionalistas da propriedade industrial, se
bem que no que propriamente respeita á concorrencia

(1) A convenção assignada em Paris em 20 de março de 1883


foi confirmada e ratificada em Portugal por carta régia de 17 de
abril de 1884. (Cf. Legislação sobre propriedade industrial, pag. 15).
152

desleal a sua elaboração fosse reduzidíssima, limitan-


do-se o seu artigo 8.° a dispôr que «le nom commer-
cial será protégé dans tous les pays de 1'Union sans
obligation de dépôt, qu'il fasse ou non partie d'une
marque de fabrique ou de commerce».
Posteriores revisões, realizadas, consoante a facul-
dade do art.° 14.° da convenção, nalguns dos Estados
unionistas, vieram corrigir e aperfeiçoar o texto da con-
venção de 1883. Por effeito de taes conferencias o
organismo internacionalista da propriedade industrial
logrou benefícios, cercando-se o referido instituto de
mais minuciosas e fortes garantias—o que é o ataque
indirecto aos abusos da livre-concorrencia — e bem
assim adquirindo vulto e inicio de sancção a concor-
rencia desleal. Isto foi obra das conferencias effectuadas
após a convenção primeira de 20 de março de 1883.

34. Três annos depois, Roma, capital duma das


potencias signatarias, era séde duma nova conferencia,
realisada de 29 de abril a 11 de maio de 1886.
Os seus resultados, digamo-lo desde já, foram ex-
clusivamente theoricos.... Discutiu-se largamente a
necessidade de revisão, apoiada pelos delegados fran-
ceses e vivamente combatida pelo delegado hollandês
SYNDER, que argumentou pouco mais ou menos nestes
termos claros e plebêus: quem não estiver bem — re-
tire-se, denuncie a convenção....; votaram-se três
153

artigos addicionaes (sobre indicações de proveniencia)


á convenção de Paris de 1883; e ao fechar da porta
fizeram-se votos para que «les États faisant partie de
l'Union, qui ne possèdent pas de lois sur toutes les
branches de la propriété industrielle, devront compléter
dans le plus court délai possible leur législation sur
ce point. Il en sera de même pour les États qui entre-
raient ultérieurement dans 1'Union».
As resoluções da conferencia de Roma se bem que
não fossem ratificadas, representaram, como observam
PELLETIER e VIDAL NAQUET, um importante trabalho
preparatorio, devidamente apreciado e concluído na
futura conferencia de Madrid.

35. A segunda conferencia diplomatica effectuou-


se na capital hespanhola de 1 a 14 de abril de 1890
com a assistencia dos representantes da Belgica, Bra-
zil, Hespanha, Estados-Unidos, França, Grã-Bretanha,
Guatemala, Italia, Hollanda, Portugal (1), Servia,
Suecia-Noruega, Suissa e Tunisia. A Allemanlia, ao
tempo ainda não adherente á União, enviou como dele-
gado BOJANOWSKI, chefe da repartição de patentes.
As resoluções da nova assembleia foram de grande

(1) Por parte de Portugal acompanharam os trabalhos da confe-


rencia de Madrid o conde de CASAL RIBEIRO, ao tempo nosso repre-
sentante junto da côrte hespanhola, OLIVEIRA MARTINS e o Sn. CON-
SELHEIRO ERNESTO MADEIRA PINTO.
154

alcance e importancia. Para facilitar os seus trabalhos e


conclusões, deliberou a conferencia apresentar seus
alvitres sob a fórma de convenios independentes, de
molde a evitar qualquer rejeição em bloco: o insuccesso
de Roma.
Tal orientação—constituir uniões dentro da União
— era claramente auctorisada pelo art. 15.° da con-
venção de 1883(1) e produziu uteis resultados, ao
menos para aplacar difficuldades de momento (2),

(1) «11 est entendu que les hautes parties contractantes se


resèrvent respectivement le droit de prendre séparément entre elles
des arrangements particuliers pour la protection de la propriétè in-
dustriolle, en tant que cos arrangements ne contraviendront pas aux
dispositions de la présente convention». (Art. 15.° da Convenção de
20 de março de 1883).
(2) Referindo-se á tactica das Uniões parciaes, adoptada na con-
ferencia de Madrid no uso da faculdade do artigo 15.° da convenção
de 1883, essim escrevem PELLETIER e VIDAL NAQUET com justo com-
mentario: «C'est une sage prudence qui a fait adopter ce texte (o art.
15.° citado). L'Union ne constitue qu'un minimum de protection. Le
désir de satisfaire tous les pays adhérents, la nécessité ou l'on se
trouvait de respecter certains principes admis dans quelques
législations étrangères, n'ont pas permis d'aller aussi loin qu'on
l'aurait voulu. Des concessions réciproques ont été faites, ainsi
qu'en témoignent les travaux préparatoires. Pourquoi, dès lors,
plusieurs pays n'auraient-ils pu se consentir des avantages plus
grands que ceux concédés par la Convention elle-même? Leur
exemple pouvait entraîner d'autres pays à les imiter.
«Ce sont ces raisons qui ont fait admettre les Unions restreintes.
Les services qu'elles peuvent rendre sont évidemment très grands,
155

permittindo aos Estados unionistas concluir separada-


mente accordos, consoante melhor aconselhassem as
suas conveniencias no campo da propriedade indus-
trial. mais il convient, pensons-nous, de n'y avoir
recours qu'avec une extrême prudence, sous peine
de compromettre le but poursuivi par la
Couvention. Pratiqué sans mesure et sans
circonspection, ce système menacerait la
Convention elle-même.
«En effet, on a préféré le régime de 1'Union à
celui des traités particuliers, parce qu'il rendait des
services beaucoup plus considé-rables par suite du
grand nombre de puissances contractantes. On a
cherché à faire, pour tous les États adhérents, une
sorte de charte obligatoire; on se trouve en face
d'un contrat passè entre, un grand nombre de
puissances, d'une véritable loi commune. C'est une
sort d'assurance universelle contre la contrefaçon
que l'on a voulu réaliser, et 1'Union, dans l'esprit de
ceux qui l'ont constituée, doit comprendre, dans un
avenir plus ou moins proche, sinon tous les États
du monde, du moins les plus importants.
«Si le régime des traités particuliers se trouve
pratiqué sans discernement entre les États
unionistes, ceux-ci n'auront plus in-térét a modifier
leur législation pour la mettre en harmonie avec
celle de la majorité des États de 1'Union. Au lieu de
subordonner sa législation à celle des voisins, dans
1'intérét commun et dans l'in-térét supérieur de la
propriété industrielle, chacun des États cher-chera,
avant tout, à s'assurer des avantages, et, dans ce
but, pas-sera avec d'autres États adhérents des
traités particuliers. Les Unions pourraient ainsi
devenir de plus en plus restreintes pour arriver à
n'être plus que des traités entre des pays.
«Notre conclusion sur ce point est done que les
Unions restreintes ne peuvent produire de féconds
resultais qu'à la condition d'étre pratiquées avec une
grande reéerve».
156

Assim, após larga e interessante discussão, foram


ratificados os seguintes convenios:
a) convenio concernente á repressão das indicações
de falsa proveniencia das mercadorias, concluído entre
o Brazil, Hespanha, França, Grã-Bretanha, Guatemala,
Portugal, Suissa e Tunísia. Foi a obra capital da con-
ferencia, constando de seis artigos, que vieram intro-
duzir importantes e progressivas modificações na con-
venção originaria.
«De 1'avis de tous, dizem PELLETIER e VIDAL NAQUET,
le premier arrangement de Madrid est 1'oeuvre capitale
de la conférence. Désormais, la tromperie sur la fausse
origine des produits, qui constituo la concurrence la
plus déloyale et la plus dangereuse, sera sinon impos-
sible, du moins rendue fort difficile».
E foi tambem ácerca do primeiro convenio elabo-
rado em Madrid que VALLÉ escreveu em seu relatorio:
«Ce premier protocole est un acte de haute probité
commerciale. Il n'a pas réuni 1'adhesion de tous les
États de 1'Union, c'est vrai, mais la civilisation n'est
pas la même partout, et 1'exemple donné par les huit
puissances contractantes fera tomber un jour ou 1'autre
la résistence des récalcitrants. La contagion du bien
a déjà fait d'autres prodiges».
b) convenio concernente ao registo internacional das
marcas de fabrica ou de commercio, concluído entre a
Belgica, Hespanha, França, Guatemala, Italia, Hol-
157

landa, Portugal, Suissa e Tunísia (1). Consla de doze


arligos, por força dos quaes se creou em Berne a re-
partição de registo internacional de marcas, e se esti-
pularam as condições e garantias do mesmo registo,
cujo movimento tem sido lisongeiramente ascendente;
c) protocolo concernente á dotação da repartição in-
ternacional da União protectora da propriedade indus-
trial, concluído entre a Belgica, Brazil, Hespanha,
Estados-Unidos, França, Grã-Bretanha, Guatemala,
Italia, Noruega, Hollanda, Portugal, Suecia, Suissa e
Tunísia. Estipulou que «as despesas da repartição in-
ternacional, insliluida pelo art. 13.° da convenção de
1883, serão a cargo commum dos Estados contrahen-
tes, não podendo em caso algum exceder a somma de
60:000 francos por anno» (2).
A conferencia de Madrid elaborou ainda um outro
protocolo, contendo varias disposições interpretativas
para a applicação da convenção de 1883. Não foi,
porém, ratificado.

36. De 1 a 14 de dezembro de 1897 reuniu em

(1) O Brazil deu a sua approvação ao regulamento do registo


internacional por decreto de 17 de dezembro de 1897.
(2) Os referidos convenios e protocollos assignados em Madrid
a 14 e 15 de abril de 1891 foram confirmados e ratificados em Por-
tugal por carta regia de 11 de outubro de 1893.
158

Bruxellas a terceira conferencia de revisão, com a com-


parencia dos representantes de lodos os Estados unio-
nistas, com excepção apenas da republica Dominicana,
e de alguns ainda não unionistas: Allemanha, Auslria-
Hungria, Chili, Equador, Japão, Mexico e Turquia.
O programma da nova conferencia era vasto: a re-
visão de todas as disposições elaboradas, desde a
convenção de 1883 aos convenios de Madrid. Talvez
por esse facto, e a despeito dos bons officios de NYSSENS,
ministro dos negocios estrangeiros da Belgica, o as-
sumpto, áparte algumas resoluções parciaes e não ra-
tificadas, Picou para segunda leitura, a qual se realisou
na segunda sessão da conferencia, effectuada em Bru-
xells de li a 14 de dezembro de 1900.
Das conferencias de Bruxellas resultaram dois actos
addicionaes: um á convenção de 20 de março de 1883,
assignado a 14 de dezembro de 1900; e outro ao
convenio de Madrid de 14 de abril de 1891 sobre re-
gisto internacional de marcas, o qual foi assignado em
14 de dezembro de 1897 (1).
Os referidos actos conteem modificações e accres-

(1) Consignemos que os actos addicionaes de Bruxellas ainda


não registam a integral adhesão dos Estados unionistas: em 1902,
no momento em que PELLETIER e VIDAL NAQUET, publicavam o seu
commentario, apenas os Estados-Unidos e Portugal (lei de 9 de
maio de 1901) os tinham ratificado.
159

eitnos ao texto dos citados diplomas.; nenhum, porém,


é para nós tão digno de registo e offerece maior inte-
resse que a innovação volada e constante do art. 10.°
bis, inserta no acto addicional de 1900, tendente á in-
troducção na convenção de 1883 da seguinte clausula
supplementar: Art. 10.° bis. Les ressortissants de la
Convention (artt. 2,° e 3.°) jouiront dans tous les États
de l'Union de la protection accordée aux nationaux con-
tre la concurrence déloyale.
Esta disposição, votada sem qualquer difficuldade,
representam a primeira sancção directa da concorrencia
desleal no seu aspecto internacionalista (1).

(1) Cf. Dr. PAUL ABEL, System des österreichischen Markenrechtes,


1908, pag. 378 c seg.; Pouillet. abr, cit., pag. 999 e seg.; PATAKY,
obr. cit., pag. 49 e seg.; PELLETIER e VIDAL NAQUET, obr. cit., pag.
3 e seg., 20 e seg., 315 e seg., 339 e seg.. 415 e seg. e 458 e seg.;
POINSARD, Études de droit international conventionnel, pag. 534 e
seg.; LUCIEN BRUN, obr. cit., pag. 136 e seg., 291 e seg.; LACOUR,
obr. cit., pag. 144 e seg. e 167 e seg.; VALLÉ, La fausse indication de
provenance des produits vinicoles, 1904, pag. 155 e seg. e 206 e
seg.; BARBREROT, De la protection industrielle dans les rapports
internationaux, pag. 11 e .seg.; ANDRÉ WEISS, Manuel de droit
internalional privé, 1909, pag. 269 e seg.; BOZÉRIAN, La convention
internalionale du 20 mars 1883; A. CAHEN ET LYON CAEN, La
convention internationale de 1883; CONSTANT, L'Union interna-
tionale pour la propriété industrielle, 1901, pag. 6 e seg.; e nume-
ros da Propriété industrielle, 1892, pag. 71, 1885, pag. 5, 1886.
pag. 59 e 67, 1895, pag. 76 (artigos e textos referentes á convenção
160

A obra está em seu inicio, e deste como dos con-


stantes progressos da approximação dos Estados são
de esperar futuras e completas providencias ácerca do
instituto de propriedade industrial e bem assim do
problema da concorrencia desleal nas suas mais vastas
e complexas manifestações, competindo cada vez mais
á boa cooperação dos Estados edificar normas que si-
multaneamente garantam o pleno desenvolvimento de
uma e a repressão dos abusos da outra.

de 1883); 1890, pag. 45, 55, 63, 77, 87, 97, 109, 121 e 123,
1892, pag. 67, 87 e 106, 1891, pag. 57 (conferencia de Madrid);
1897, pag. 189,1898, pag. 2 e 6, 1899, pag. 46 (conferencias do
Bruxellas).
PARTE III

LEGISLAÇÃO ESPECIAL

11
CAPITULO VIII

Objecto da concorrencia desleal 37. —

Enumeração legal dos casos de concorrencia desleal.

37. 0 tilulo VIII da lei de 21 de maio de 1896,


que tem a rubrica de concorrencia desleal, é necessaria-
mente modesto de intuitos (1), o que sobejamente se

(1) Identica observação merece a EECKOUT, a lei allemã: «La


loi allemande enumère une série de formes particulières de la con-
currence déloyale; elle n'a pas entendu en réprimer les innombra-
bles variétés. Pas plus en cette matière que dans les autres mani-
festations de la vie sociale, le législateur ne peut se flatter d'extirper
tous les abus.
«Au système forcément incomplet de l'énumération détaillée, on
a opposé les avantages d'un principe général analogue à 1'article
1382 du Code Napoléon. Mais, en France, cette notion relativement
précise de la concurrence déloyale n'avait pu se dégager que d'une
jurisprudence quasi-séculaire. Uue définition générale devait, long-
temps encore, laisser planer une fâcheuse incertitude sur la portée
de la loi. Le souci de faire oeuvre pratique a fait prévaloir une solu-
tion toute d'empirisme, mais que avait le mérite d'établir une dé-
marcation précise entre la concurrence légitime et les artifices
défendus.
«La loi se borne donc à frapper certains procédés particulière-
ment nuisibles au commerce loyal». (Cf. EECKHOUT, obr. cit, pag. 34-
35).
164

comprehende em face da amplitude e variabilidade das


situações e alvitres que a concorrencia desleal abrange
e suscita.
Curando de elaborar sobre o problema da concor-
rencia desleal a sua mais urgente sancção jurídica,
não se propôs manifestamente o legislador sanar e re-
primir lodos os abusos da livre-concorrencia no que
respeita á propriedade industrial, mas tão sómente al-
vejar em suas normas especiaes os casos salientes da
mesma concorrencia. E essa, de resto, a orientação de
todas as legislações referentes ao assumpto (1) e foi
esse o espirito que presidiu á confecção do:
«Art. 201.° São considerados casos de concorrencia
desleal, e como taes puniveis:
1.° Aquelles em que se fazem indicações de falsa
proveniencia;
2.° Aquelles em que o industrial ou commerciante
usa de taboletas, pinta a fachada do seu estabeleci-
mento, o dispõe ou o installa de modo a estabelecer
confusão com outro estabelecimento da mesma natureza,
contíguo ou muito proximo;
(1) Cf. artt. i.°, 4.°, 6.°, 7.° e 8.° da lei allemã. A lei hespa-
nhola deu-se o cuidado de definir concorrencia illicita como toda
e qualquer tentativa feita com o intuito de appropriação indevida
das vantagens resultantes da reputação industrial ou commercial
adquirida por outrem e legalmente protegida (art. 131.°), apre-
sentando, em seguida, uma enumeração dos casos de concorrencia
desleal, mencionando as suas mais salientes categorias.
165

3.° Aquelles em que o industrial ou commerciante


attribue os seus productos a ura fabricante differente
do verdadeiro, sem a devida auctorisação;
4.° Aquelle em que o industrial ou commerciante
simula ter depositado ou registado os seus productos
no estrangeiro, sem o ler feito;
5.° Aquelle em que o fabricante diz: «preparado
pela fórmula, ou segundo o processo de...», ou cousas
equivalentes, quando não possa produzir documento
comprovativo da auctorisação concedida para esse
efTeito, ou quando a Formula ou processos se não te-
nham tornado publicos;
6.° Aquelles em que o industrial ou commerciante,
para acreditar os seus productos, invoca, sem aucto-
risação, por qualquer fórma ou maneira, o nome, a
marca ou o estabelecimento de outro industrial ou
commerciante, que fabrique ou faça commercio com
productos analogos;
7.° Aquelles em que o fabricante português põe nos
seus productos nomes, marcas ou rotulos estrangeiros,
verdadeiros ou ficlicios, de fórma a fazer acredilar que
são productos estrangeiros;
8.° Aquelles em que o industrial, por suborno, es-
pionagem, compra de empregados ou operarios, ou por
outro qualquer meio criminoso, consegue a divulgação
de um segredo de fabrica e o ulilisa;
9.° Aquelles em que se faz a eliminação da marca,
166

não registada, de um certo produclo, e a sua substi


tuição por outra marca».
A enumeração da lei portuguêsa é manifestamente
prolixa (i). A indicação de proveniencia é fundamen-
talmente uma marca, como teremos ensejo de apreciar,
e desde logo se comprehende que só redundantemente
tal categoria é destacada do n.° 0.°, que por sua vez e
desnecessariamente se repete nos n.os 7.° e 8.°
Isto é, porém, uma questão de fórma e ninguem
procure limites precisos na materia de concorrencia
desleal. Por nossa parle e apenas por um simples pru-
rido didactico vamos tentar uma systematisação menos
confusa dos casos de concorrencia desleal, arrumando-os
e distribuindo-os pelas suas culminantes categorias..

(1) O art. 162.° da proposta de lei de 20 de agosto de 1908 era


mais conciso, assim dispondo;
«São considerados casos de concorrencia desleal:
«1.° As falsas indicações de proveniencia;
«2.° O uso illicito de recompensas;
«3.° O uso de taboleta, de fachada ou de installação de modo a
estabelecer confusão com outro estabelecimento da mesma natureza,
contíguo ou no mesmo arruamento;
«4.° A offensa aos direitos dos proprietários de títulos de Pro-
priedade industrial;
«5.° O uso de. designações, signaes ou indicações de qualquer
natureza tendentes a illudir o consumidor ou de que possa resultar
prejuízo de terceiro».
§ 1.°
Semelhança de aspecto

38.—Classificação dos casos de concorrencia desleal: as marcas.

38. «Art. 201.° São considerados casos de con-


correncia desleal, e como taes puniveis:
«2.° Aquelles em que o industrial ou commerciante
usa de taaboletas, pinta a fachada do seu estabele-
cimento, o dispõe ou o installa de modo a estabelecer
confusão com outro estabelecimento da mesma natureza,
contiguo ou muito proximo;
«6.° Aquelles em que o industrial ou commerciante,
para acreditar os seus productos, invoca, sem aucto-
risação, por qualquer fórma ou maneira, o nome, a
marca ou o estabelecimento de outro industrial ou
commerciante, que fabrique ou faça commercio com
productos analogos;
«7.° Aquelles em que o fabricante português põe nos
seus productos nomes, marcas ou rotulos estrangeiros,
verdadeiros ou fictícios, de fórma a fazer acreditar que
são productos estrangeiros;
«9.° Aquelles em que se faz a eliminação da marca,
168

não registada, de um certo producto, e a sua substi-


tuição por outra marca».
Os textos transcriptos da lei portuguêsa enumeram
o mais lato objectivo da concorrencia desleal: invoca-
ção illicita do nome, marca ou estabelecimento doutro
industrial ou commerciante, nas condições prescriptas
na lei.
Taes hypotheses trazem a campo os mais impor-
tantes capítulos da propriedade industrial, motivo so-
bejo para que succintamente nos occupemos de tal
instituto, expondo suas fundamentaes noções, como
introducção necessaria ao nosso estudo e sequente
comprehensão dos preceitos da concorrencia desleal.
Comecemos pelas marcas, o seu mais vaslo e complexo
capitulo;
SECÇÃO I

Das marcas de fabrica e de commercio em geral

30.—Conceito e objectivo das marcas.


40.—Seus caracteres fundamentaes.
41. —Collocação das marcas.
43.—Especies de marcas.
43.—Propriedade da marca: systemas declarativo e attributivo.
44.—Categorias de marcas.

39. 0 instituto das marcas de fabrica e de com-


mercio desempenha, nas suas estreitas relações de
dependencia do organismo economico, capitaes funcções
de garantia e utilidade geral. As marcas dizem respeito
ás individualidades do productor, do commerciante e
do consumidor, que encontram nas providencias legis-
lativas attinentes a este ramo da propriedade industrial
as indispensaveis e justas garantias de sua actividade,
credito e prosperidade mercantil.
O productor e o intermediario teem assim um meio
seguro para abrigo e protecção da legitimidade de ori-
gem ou proveniencia de seus fabricos, individualisando
a mercadoria, distinguindo-a das concorrentes, valori-
sando-a no estygma material da marca.
O consumidor adquiriu gradualmente vantagens cor-
relativas. E dizemos gradualmente, porque só em tempos
170

mais chegados as legislações sobre marcas a dentaram


previdentemente na sua entidade, num alcance mais
largo e equitativo, attribuindo-lhe faculdades de defesa
e repressão, que a sua posição e importancia economi-
cas vinham de ha muito reclamando. Este desideratum
patenteou-se claramente no Congresso de 1878, em
que o assumpto foi objecto de proveitoso debate,
inspirando suas conclusões uma nova phase das
legislações, cujos relatores se apressaram em con-
signar o preceito de que o consumidor deve usufruir
protecção egual á do productor ou intermediario, em
materia de propriedade industrial. E foi a Suissa a
primeira nação que introduzia abertamente em suas
leis essa reivindicação, preceituando por egual que
tanto o comprador como o proprietario poderão perse-
guir, medeante acção civil ou penal, o usurpador de
marcas ou aquelle que usar indicações falsas de pro-
veniencia (1).
Dada a importancia numerica do consumidor no
campo economico, assim deve ser, facultando-se-lhe
o poder seleccionar livremente as melhores ou mais
acreditadas mercadorias, e conjunctamente tirar o justo

(1) Lei federal de 26 de setembro de 1890—reguladora da pro-


tecção ás marcas de fabrica e de commercio, indicações de prove-
niencia e menção de recompensas industriaes (art. 27.°, n.°s 1.° e
2.°) — inserta em PATAKY, obr. cit., pag. 305 e seg.
171

desforço judicial de qualquer manejo prejudicial ou


de má fé por parte dos productores ou commerciantes.
Satisfazendo seus effeitos economicos e juridicos no
mais livre circulo da concorrencia, em que se expande
a actividade industrial de nossos dias, sem criterio
teorico, pois, que possa rigidamente demarcar a orbita
de emprehendimento do engenho humano, a apresen-
tação dum conceito preciso de marca offerece dificul-
dades, que, a pratica, as leis e a jurisprudencia teem
sobejamente reflectido em suas oscillantes quando não
contradictorias tentativas de definição.
Na comprehensão justa da funcção negativa que as
leis são chamadas a desempenhar em soccorro das
ameaçadas garantias da condição individual, os trata-
distas, legisladores e jurisconsultos limitam-se a expor
noções vagas, de essencia exemplificativa, dando mar-
gem, por seu caracter transitorio, ás introducções in-
cessantes da pratica. Nesta ordem de ideias, POUILLET,
BRUN, DUFOURMANTELLE e THALLER difinem marca o meio
material de garantir ao comprador a origem ou simples
proveniencia da mercadoria, ou qualquer signal desti-
nado a individualisar os productos dum fabricante ou
as mercadorias dum commerciante (1).

(1) POUILLET, obr. cit., pag. 11 e 12; BRUN, obr. cit., pag. 1 e 2;
DUFOURMANTELLE, obr. cit., pag. 57-59; THALLER, Traité élé-
mentaire de droit commercial, pag. 72; MARAFT, Grand Diction-
172

É este fundamentalmente, o conceito que deparamos


transladado no limiar das legislações sobre marcas dos
differentes países, das que tentam definir tal categoria,
naturalmente e sempre dum modo impreciso, pois que,
como observa BRUN, a lei não tem nem póde ter a pre-
tensão de enumerar todos os signaes, possivel objecto
da marca, mas tão sómente os principaes e os de mais
corrente uso.
É assim que a lei francesa (1) considera, como mar-
cas de fabrica ou de commercio: os nomes sob fórma
distincliva, denominações, emblemas, vinhetas, lettras,
cifras, etc, e quaesquer outros que sirvam para distin-
guir os productos duma fabrica ou objectos dum com-
mercio.
A lei hespanhola é mais explicita: marca é todo o
signal ou meio material, de qualquer fórma ou ge-
nero, destinado a marcar os productos da industria ou
naire, tomo V, pag. 389 e seg.; Dictionnaire du
commerce et de la navigation, tomo I), pag.. 562 e
seg.; Dictionnaire de 1'économie politique, publié
sous la direction de COQUELIN ET GUILLAUMIN, tomo
II, verb. Marque de fabrique et de commerce, pag.
135 e seg.; Diccio-nario de la administracion
española, por D. MARGELLO MARTINEZ ALCUBILLA,
tomo VIII, artigo: Propriedad industrial: Patentes ou
privilegios de invencion; Marcas industriales ó de
comercio, pag. 182 e seg.
(1) Lei de 25 de junho de 1857 (tit. l.°, art. l.°).
173

trabalho, para que o publico os conheça ou distinga e


não os confunda com outros da mesma especie (1).
A lei portuguêsa, traduzindo neste ponto litteralmente
a belga, considera marca industrial ou commercial
qualquer signal que sirva para distinguir os productos
duma industria ou os objectos dum commercio (art. 60.°);
accrescentando adiante que a marca industrial ou com-
mercial se distingue do nome commercial, em que este
só se applica em taboletas, bandeiras, fachadas, vidra-
ças e papeis de escripturação ou correspondencia do
estabelecimento, emquanto aquella é collocada nos
objectos produzidos ou entregues ao consumo ou nos
seus envolucros (art. 107.°) (2).
Registando taes indecisões, aliás justificadas, melhor
nos parece definir caracterisando, ou seja deduzir de seus
intuitos economico-juridicos uma noção positiva das
marcas de fabrica e de commercio. Taes intuitos, vimos
já, serem a protecção equitativa das entidades econo-
micas do productor, do commerciante e do consumidor,
cuja existencia obtem dessa fórma as mais solidas ga-

(1) Lei de 16 de meio de 1902 (art. 21.°).


(2) Ê de notar que o regulamento de 1895 diz no art. 68.°:
»Podem considerar-se marcas os nomes industriaes ou commorciaes,
quaesguer figuras, sêllos, timbres, divisas, tarjas, sinetes, cunhos,
gargantilhas, fachas, cintas, legendas, monogrammas, lettras ou
algarismos combinados dum modo distincto».
174

rantias de bem-estar e progresso. Por isso CALMELS


diz, com verdade, que a marca é a garantia da liber-
dade commercial, a protecção do commerciante hon-
rado contra o espoliador, podendo accrescentar-se que
ella conslitue tambetn o mais facil elemento da livre-
escolha e defesa economica do consumidor. Marca será,
pois, o meio objectivo e legal de proteger, individualisar
e garantir a producção, venda e consumo das merca-
dorias, na sua origem, proveniencia e qualidade (1).

40. Determinada, sem preoccupações de rigorosa


delimitação de conceito, a essencia da marca, imporia
deduzir os caracteres fundamentaes do mesmo insti-
tuto, naturalmente derivadas de suas funcções econo-
micas, e logo traduzidos nos preceitos capitães dasa
legislações referentes ao citado aspecto da propriedade
industrial.
A marca de fabrica ou de commercio é essencial-
mente facultativa, dcclaram-no em principio e com jus-

(1) Esclarecendo o termo mercadorias, inserto nos preceitos ge-


raes de algumas legislações, e entre ellas a allemã (§ 1.°), depara-se-
nos uma curiosa delimitação na jurisprudencia germanica. Esta, em
resoluções varias, diz deverem ser considerados como mercadorias os
objectos, que tenham individualidade e possam circular de mão em
mão, em contrario das coisas que não possam ser deslocadas, v. g.,
um edifício ou qualquer outro objecto de fixação material
(Patentblatt, 2, pag. 186, e 8, pag. 193, apud PATAKY, obr. cit., pag,
493).
175

tificados motivos as legislações. E na verdade outro


preceito não poderiam aconselhar os moldes ampla-
mente livres da constituição economica dos nossos dias,
regimen de plena e debatida concorrencia, como vimos,
erguido nas bases individualistas da liberdade do com-
mercio e da liberdade da industria, e em que conse-
quentemente se concedem aos agentes da actividade
economica as mais largas e desembaraçadas condições
de expansão e desenvolvimento.
Satisfazendo, pois, seus fins, no mundo livre da
concorrencia, como poderia a marca não ser faculta-
tiva? A lei é sociologicamente uma consequencia, uma
resultante e traducção das exigencias do meio social
em qualquer dos seus decompostos aspectos, e a norma
que sanccionasse irracionalmente tal preceito iria ma-
nifestamente contrariar as tendencias do actual viver
economico, falseando por completo os seus intuitos.
Demais, o caracter facultativo attribuido ás marcas de
fabrica e de commercio só redunda em proveito e van-
tagem daquellas entidades, mais directamente interes-
sadas no uso e pralico desse instituto. Aparte o facto
de que a obrigatoriedade da marca representaria clara-
mente um attentado contra a liberdade individual do
productor ou commerciante, o consumidor só poderia
colher desvantagens de tal orientação. Com effeito,
tornar obrigatoria a marca, o mesmo é que desvalori-
sá-la, desvirtuá-la em seu significado, que passará a
176

ser nullo, visto que o mais elementar raciocínio levará


o consumidor, interessado na escolha, á impossibili-
dade de o fazer, em face da illimitada multiplicação de
marcas, circulando não por seu valor especifico mas
apenas por obrigação de lei. Ao passo que, com a
marca facultativa, só os bons fabricantes usarão de
taes distinctivos, appostos aos productos de reconhe-
cida e superior qualidade e constituindo desta fórma
um seguro indice de selecção e compra para o consu-
midor. Além de que, como observava o relator da lei
francêsa de 1857, ha um grande numero de objectos,
em que difficil, se não impossível, se torna a imposição
obrigatoria de marcas, ou porque só possam ser, em
taes objectos, extremamente moveis e de facil desap-
parecimento, como, v. g., nas rendas, lenços, crystaes,
elc, ou porque apenas seja possível marcá-los nas ex-
tremidades, v. g., em pannos e outras mercadorias
susceptíveis de venda a retalho, ou ainda porque seja
praticamente impossível o uso de marca com tal lati-
tude, v. g., em artigos de diminuta factura, como agu-
lhas, alfinetes elc., nos quaes a exteriorisação do dis-
tinctivo de industria ou commercio só no envolucro é
viavel (1).

(1) POUILLET, obr. cit., pag. 14 e seg.; BRUN, obr. cit., pag. 3 e
4; DUFOURMANTELLE, obr. cit., pag. 63; THALLER, obr. cit., pag. 74.
177

Não admira, pois, que as legislações consagrem


em principio o caracter facultativo das marcas de fa-
brica e de commercio. Declaram-no expressamente as
leis francêsa (art. 1.°), russa (1) e austríaca (§ 6.°), e
affirmam-no, no contexto de suas disposições, as leis
allemã, belga, inglesa, suissa, bespanhola, sueca (2),
dinamarqueza(3), noruegueza (4), americana e outras,
medeante a auctorisação mais ou menos ampla que
concedem aos respectivos nacionaes, para o uso e pra-
tica garantida das marcas de fabrica ou de commercio,
uma vez cumpridas as formalidades e respeitadas as
excepções da lei.
A lei portuguêsa consigna expressamente que o uso
das marcas industriaes é facultativo (art. 58.°, § unico).
E este o caracter fundamental do instituto que vimos
apreciando.
Tal principio, porém, não é absoluto. Logo a lei
francesa dispõe na segunda parte dos citados artt. 1.°

(1) Lei de 36 de fevereiro e 9 de março de 1896. É de notar


que a Finlandia tem uma lei especial de 11 de fevereiro de 1889,
que começou a vigorar em 1 de maio do mesmo anuo.
(2) Lei de 5 de julho de 1884, modificada pelas leis de 5 de
março de 1897 e 16 de junho de 1905, e pelos decretos de 31 de
dezembro de 1895 e 25 de junho de 1897.
(3) Lei de li. de abril de 1890, modificada pela lei de 29 de
março de 1904.
(4) Lei de 26 de maio de 1884.
12
178

e 9.° que, não obstante o caracter facultativo attribuido


á marca, esta poderá ser obrigatoria para os productos
determinados em decretos com fórma de regulamentos
de administração publica. E BRUN observa a tal pro-
posito, que por taes decretos e regulamentos se com-
prehendem não só os posteriores á lei de 1857, mas
ainda os de data anterior, cujas disposições não tenham,
sido revogadas pela nova lei (1).
É de notar, que as taxativas restricções ao caracter
facultativo das marcas de fabrica e de commercio e
principalmente a sua justificação economica teem pro-
vocado entre os tratadistas uma assaz divergente po-
lemica. O systema da marca obrigatoria, defendido em
toda a sua amplitude por numerosos economistas, sin-
ceramente convictos de sua efficacia no sentido de pre-
venir fraudes contra a origem e qualidade dos productos
— donde as marcas obrigatorias: de origem, e nomi-

(1) BRUN, obr. cit., pag. 4 e seg.; POUILLET, obr. cit., pag. 407 e
seg. Estes auctores contém uma lista das marcas obrigatorias em
França, entre os quaes se incluem a obrigação do seu emprego por
parte dos joalheiros e lavrantes de prata, e da mesma fórma a
obrigação dos editores de pòrem o seu nome e endereço em todas as
obras por elles impressas.
A lei belga dispõe similhantemente, resalvando as marcas espe-
cíaes impostas por motivos de garantia publica, como sejam princi-
palmente as leis aduaneiras e as relativas ao commercio de armas de
fogo (art. 17.°). Identicos preceitos contém as leis hespanhola (art.
29.°) e russa (art. 2.°).
179

naes, sendo estas referentes á qualidade—merece os


ataques dos economistas-liberaes, apontando na obri-
gatoriedade da marca prejudiciaes defeitos. Entre as
duas. opiniões extremas é por isso a unica defensavel,
a que, admittindo o principio facultativo e livre da
marca, lhe oppõe certas e determinadas excepções,
filiadas em razões de puro interesse e utilidade pu-
blicas, como sejam as que deixamos apontadas no
translado dos preceitos de algumas legislações. Tanto
mais que, como expõem POUILLET e BRUN, a adopção
obrigatoria por parte dum fabricante duma determi-
nada marca não obsta ao uso pelo mesmo productor
de outra marca facultativa, que melhor individualise a
origem e qualidade de seus produclos (1).
Nesta mais razoavel orientação seguiu o legislador
português, que ao preceito generico do § unico do
art. 58.° accrescentou a titulo de excepção, que para
certos objectos a marca póde ser declarada obrigatoria
por lei ou regulamento especial (2).

(1) POUILLET, obr. cit., pag. 408 e seg.; BRUN, obr. cit., pag. 5;
DUFOURMANTELLE, obr. cit., pag. 63; Pic, Législation industrielle, pag.
491 e seg.; HUARD, artigo inserto na Propriété industrielle, n.° 133;
MARAFY, Grand Didionnaire, artigo sobre Marques obli-gatoires,
pag. 410 e seg.
(2) Quaes são esses objectos e taes regulamentos? A carta de lei
de 27 de julho de 1882, que subordinou á Casa da Moeda o serviço
de garantia e fiscalisação do fabrico e commercio de barras e obras
180

0 caracter especial da marca, fundamentalmente


preceituado nas legislações, intuitivamente se deduz e
de prata e oiro, preceituou: que o toque legal é garantido
pela marca de contraste, e a responsabilidade do
fabricante ou negociante pela marca de fabrica e pelo
registo do commercio, feito na contrastaria respectiva,
salvos os casos especiaes em que as marcas tenham de
ser substituídas por certidões (art. 2.°, alin. 3.°); que os
typos de marca de toque serão estabelecidos pela Casa
da Moeda, e que as marcas de fabrica conservar-se-hão
devidamente registadas na contrastaria (alin. 4.*);
determinando ainda que o governo fixaria o prazo
dentro do qual as obras de oiro e de prata existentes á
venda, qualquer que seja a sua procedencia, deverão
receber a marca do seu toque, devidamente fixada para
todo o reino pela Casa da Moeda (art. 3.°),
Nos termos do art. 2.° do decreto, que acabamos de
citar, foi publicado o regulamento de 10 de fevereiro de
1886, para o serviço das contrastarias e do fabrico e
commercio de barras e obras de oiro e prata, para cujo
ensaio creou duas repartições de contrastaria, uma em
Lisboa o outra no Porto. Estabeleceram-se duas especies
de punções de contrastaria: punções de garantia exacta,
destinadas a marcar sobre as barras ou obras de oiro ou
prata o toque determinado pelo ensaio geral; e punções
de garantia approximada, destinadas a marcar o toque
determinado pelo ensaio visual. E álem destas, outras
punções para marcar obras usadas, as de proveniencia
estrangeira, objectos falsos e de plaqué, e os trabalhos de
exportação, e ainda uma punção provisoria, para
remarcar todas as obras de oiro ou prata expostas á
venda. O regulamento especifica os symbolos
figurativos de taes punções, e, prohibindo a venda de
objectos fóra das prescripções regulamentares, preceitua
a sua ap-prehensão e mais consequencias penaes de sua
exposição illegitima.
As disposições do cap. VIII do regulamento de 10
de fevereiro
181

justifica perante a natureza c fins desse instituto. Uma


vez que a marca é destinada a constiluir um signal
de 1886 foram modificadas pelo decreto de 1 de
junho do mesmo anno, publicado para satisfazer as
reclamações justas da Associação Benefica dos
ourives do Porto, em que se allegava a difficuldade
de fabricar algumas obras de oiro com a tolerancia
preceituada pela legislação em vigor, o elevado
preço do ensaio e marca dos artefactos de prata, e os
prejuízos soffridos em consequencia de se per-mittir
a venda de obras estrangeiras com qualquer toque.
Attcn-dendo taes reclamações e com intuitos
proteccionistas o decreto de 1 de junho do 1886
estabeleceu medida legal de toque e exigencia de
punções de obras estrangeiras de importação.
Posteriormente, o decreto de 9 de julho de 1891
alargou o ambito das disposições do regulamento de
1886, sujeitando ás suas instru-cções relativas a
punções e mais exigencias legaes de venda, os re-
logios de algibeira, de importação ou fabrico
nacional (Collecção de legislação, annos de 1882,
1886 e 1891).
Diz respeito á aferição de pesos e medidas a outra
categoria de marcas obrigatorias, assumpto
regulado pelo decreto e regulamento de 23 de março
de 1869. Determinou esta providencia o aferimento
de pesos, balanças e outros quaesquer instrumentos
de medição, que foram sujeitos a punção com uma
letra do alphabeto, que o governo todos os annos
designará, estabelecendo para tal effeito em cada
concelho do reino um ou mais aferidores, nomeados
pela camara municipal respectiva.
Compete a esses fnnccionario enviar no principio
de cada anno ao chefe da Repartição industrial uma
relação com os nomes, profissões e residencias de
todos os indivíduos, que para serviço de sua
industria ou commercio tiverem apresentado
medidas para afilar, durante o anno anterior;
coadjuvar as auctoridades competentes nas
correições e em todo o serviço do fiscalisação,
especialmente
182

distinctivo da individualidade da mercadoria, imporia


por isso mesmo que ella se distinga de qualquer outra,
que seja especial de fórma, se não confunda e antes
facilmente seja reconhecida. Tal condição, como bem
nota DUFOURMANTELLE, é essencial, visto que a con-
fusão de marcas acarretaria prejudicialmente a dos
productos ou mercadorias respectivas. E assim o teem
entendido os legisladores, consignando tal exigencia,
negando registo a qualquer marca, de cujo exame se
infira uma difficil discriminação de quaesquer outras. Já
em França o decreto de 20 de fevereiro de 1810
dispunha, que para um commerciante poder reivin-
dicar perante os tribunaes a propriedade de sua marca,
indispensavel era que tivesse adoptado marca assás
distincta e inconfundivel. E assim julgam tambem
as leis modernas (1), e entre ellas a lei portuguêsa
nos mercados e feiras; e dar contas mensalmente ao
chefe da repartição districtal de todas as occorrencias no
serviço de pesos e medidas (Colleeção de legislação
de 1869).
A portaria de 31 de janeiro de 1906 ampliou o praso
estabelecido no § 1.° do art. 6.° do regulamento citado,
fixando-o durante o tempo de cinco meses. Decorrido
este termo serão fiscalisados pela auctoridade competente
todos os estabelecimentos em que se faça uso de
instrumentos de pesar e medir, e punidos os donos
daquelles onde se verificar não haverem sido cumpridas
as respectivas pres-cripções da lei (Collecção de
legislação de 1906).
(1) Leis allemã(§§6.°e 9.°); dinamarquesa (art.
7.°); russa (art. 8.°); sueca (art. 3.°); suissa (art. 6.°);
e ingleêa (n.° 9, e)
183

de cujo espirito se deduz claramente a exigencia de


tal requesito (1). Neste ponto, porém, larga esphera de
apreciação compete aos tribunaes, julgando as multi-
plas hypotheses e situações concretas, que se podem
offerecer.
Devendo ser especial a marca deve correlativamente
apresentar o caracter de novidade, sem o que não
poderia ser distincta. A exigencia de novidade não
que, enumerando os elementos esscneiaes da
marca, frizam como indispensavel e commum o
caracter distinctivo, isto é, que a marca seja prppria
para distinguir as mercadorias de seu proprietario
das| outras. A jurisprudencia allemã estabeleceu de
fórma peremptoria que a marca deve ser tal que
produza no espirito do publico uma impressão
immediata, particular, susceptível de se gravar na
memoria (Entscheidungen des Reichsgerichts in
Civilsachen, 18, pag. 85, e 22, pag. 93), e que o seu
contexto figurativo seja original em absoluto
(Patentblatt, 3, pag. 13, apud PATAKY. obr. aí.,
pag. 494 e 495).
(1) É assim que a lei apresenta entre outros motivos de recusa,
o seguinte: «quando no exame summario a que se proceder, se re-
conheça que ha outra marca que com ella se confunde» (artt. 85.°,
n.° 9.°, e 91.°), e o regulamento de 28 de março de 1895 dispõe no
art. 82.° que a pessoa que pedir o registo da marca deve, no seu
proprio interesse, verificar se ella é distincta das outras que se
acham registadas para a mesma classe de objectos, consultando
para isso os albuns, que estarão á disposição do publico no archivo
das marcas e patentes. E outra disposição do mesmo regulamento
diz, que se podem considerar marcas os nomes indústriaes ou com-
merciaes, quaesquer figuras, sêllos, timbres, etc, combinados de um
modo distincta (art. 68.°).
184

significa, porém, invenção pura, inedita, totalmente


original, mas antes é essencialmente relativa, no sen-
tido que POUÍLLIÍT e BRUN esclarecem, de que póde ser
objecto de marca o signal mais vulgarisado d'este
mundo comtanto que não tenha sido empregado como
marca na mesma industria. Por isso se póde adoptar
como distinctivo, submetter a registo uma marca com-
posta de elementos já empregados por outrem, até uma
marca abandonada ou usada em outro ramo industrial,
visto que é ao conjuncto da marca que se deve atten-
der e por elle se deve julgar da sua legitimidade. A
questão, porém, como acima dissemos, é mais de facto,
devendo ter-se em vista as circumstancias concretas
que se podem suscitar bem como as razões de boa ou
má fé por parte dos requerentes industriaes ou com-
merciantes (1).

41. Aspecto discutido pelos especialistas e pela


jurisprudencia é o que diz respeito á collocação das
marcas: se devem ser appostas com palpavel exterio-
risação — apparentes, ou se os mesmos distinctivos se
devem jus apôr aos productos, que individualisam —
adherentes.
A doutrina, as legislações e a jurisprudencia teem

(1) POUILLET, obr. cit., pag. 21 e seg.; BRUN, obr. cit., pag. 7 e
seg.; DUFOURMANTELLE, obr. cit., pag. 64.
185

resolvido taes duvidas por fórma clara. A localisação


da marca, tanto pelo que se refere a sua mais ou menos
facil apprehensão como pelo que diz respeito á sua
situação material, é regida pelo mesmo principio facul
tativo, que regula a mesma marca. Que a marca seja
ou não de facil reconhecimento, faça ou não corpo com
o producto, a quem importa isso capitalmente? Mani
festamente que ao productor, de preferencia ao con
sumidor, allento que os interesses de offerta do ven
dedor, que as marcas de fabrica e de commercio
auxiliam, superam sob este ponto de vista os interesses
da procura ou sejam os do comprador. Neste ponto e
para o industrial, o melhor criterio resultará manifes
tamente do seu proprio interesse, não sendo, pois, para
admirar que as legislações entreguem taes resoluções
ao arbítrio dos mais directamente interessados — dos
productores e commerciantes—legitimando as marcas
não apparentes e permittindo a impressão de marca
no producto ou no seu envolucro. Nesta orientação se
exprimem as leis allemã (§ 12.°), austríaca (§ 11.°),
dinamarqueza (art. 29.°), noruegueza (art. 1.°), russa
(art. i.°), suissa (art. l.°, n.° 2.°), etc. (1).
Identico liberalismo anima a lei portuguesa, que ao
citar os signaes, possivel objecto de marca industrial

(1) POUILLET, obr. cit., pag. 16-18; BHUN, obr. cit., pag. 6 e 7;
DUFOURMANTELLE, obr. cit., pag. 64; PATAKY, obr. cit.
186

ou commercial, dispõe que taes signaes podem ser ty-


pographados, lytographados, cunhados, modelados, gra-
vados, embutidos, tecidos, mettidos na massa, feitos a
fogo, reproduzidos ou impressos por qualquer fórma
nas rolhas, rotulos, capsulas e capas, nos proprios
objectos, nos seus envolucros parciaes, ou em globo
(art. 60.°, § unico): e o regulamento da mesma lei pre-
ceitua, que as marcas serão collocadas nos proprios
objectos, nalguma das suas peças ou partes, ou nos
seus envolucros, ou simultaneamente nos objectos e
envolucros (art. 70.°).

42. Apontados os caracteres fundamentaes e


accessorios das marcas de fabrica e de commercio,
facilmente se deduz uma classificação de taes distin-
ctivos. Às legislações assignalam em suas epigraphes
duas categorias de marcas: as de fabrica e de com-
mercio. E um criterio inspirado na identidade econo-
mica do individuo, fabricante ou commerciante, e que
os tratadistas justificam, affirmando que a marca de
fabrica é especialmente a marca do fabricante, da-
quelle que cria a manufactura ou producto, ao passo
que a marca do commercio c a do intermediario,
que recebe do fabricante o producto manufacturado,
com o fim de o apresentar ao consumo, pela troca e
venda das mercadorias. POUILLET e RENDU(1), analy-

(1) POUILLET, obr. ctt., pag. 12; RENDU é citado por este auctor.
187

sando as vantagens de tal distincção, observam que


identicos e uteis desejos de defesa e de bom nome,
eguaes aspirações de individualisação de origem e qua-
lidades dos objectos de iniciativa industrial ou com-
mercio convidam as entidades economicas e differen-
ciadas do fabricante e do intermediario mercantil á
pratica e apropriação de signaes protectores da legiti-
midade e superior acceitação das mercancias, que con-
stituem sua actividade e interesses (1).

(1) E a proposito das categorias economicas de indivíduos, que


que podem usufruir marcas, occorre-nos elucidar um ponto que não
escapa á analyse e commentario de POUILLET : Será a marca appli-
cavel a todas as industrias? Suggere esta duvida a natural distin-
cção das funcções e complexos aspectos da producção economica,
que originariamente se traduz nas industrias extractiva, agrícola e
manufactureira e logo assume novo aspecto e accrescida valorisa-
ção mediante as industrias transportadora e commercial. Tendo em
vista, pois, o sentido vulgar e restricto que podem ter as palavras
fabrica e commercio e attenta a solidariedade organica que liga em
interdependente cooperação todas as industrias, deve-se francamente
concluir pela adopção facultativa das marcas para qualquer ramo
ou agente de producção, sem o que, nos parece, se iria injustifica-
damente contrariar o regimen livre e resolutamente individualista,
que dirige e impulsiona toda a actividade economica de nossos dias.
Esta ideia anima as legislações, com applauso da jurisprudencia, e
não faz excepção a lei portuguêsa, estabelecendo que todo o indus-
trial, agricultor ou commerciante, quando tenha satisfeito ás exi-
gencias legaes, tem o direito de usar e fazer registar as marcas
industriaes e commerciaes de seus productos (art. 58.°).
É de reparar que a lei portuguêsa emprega as designações
188

As marcas são cm principio e naturalmente faculta-


tivas, mas podem ser obrigatorias, em especie e cate-
goria excepcionalmente prescriptas por lei ou regula-
mento, como tivemos ensejo de apreciar. A intervenção
do Estado é legitima, quando inspirada em motivos de
interesse publico, que imprime ás marcas tal caracter
e denominação, que aliás não tem escapado ás criticas
dalguns escriplores, como MARAFY, que reputa tal de-
signação abusiva, e impropria, julgando que as mar-
cas de tal especie melhor se denominariam: timbres de
garantia (1).
Em face dos preceitos livres que regem a esphera
actual de actividade economica, sem duvida que as
marcas obrigatorias só se podem admittir e justificar a
titulo de excepção — como já tivemos occasião de veri-
ficar no translado das disposições de algumas legisla-
ções.
Não nos parece, porém, que o caracter obrigatorio

de marcas industriaes e commerciaes, em contrario da designação


geralmente perfilhada de marcas de fabrica e de commercio.
MARAFY, criticando a ultima denominação apontada, propõe-lhe
uma addenda: as marcas de producção (Grand Dictionnaire, tomoV,
pag. 394). Já agora melhor nos parece que se adoptasse uma desi-
gnação generica e mais simples: marcas industriaes, tudo e todas
abrangendo. Isto, porém, é mero reparo teorico, pois de bom grado
vamos com a designação consagrada: marcas de fabrica e de com-
mercio.
(1) MARAFY, obr. cit., pag. 395 e seg.
189

imposto a determinada marca desvirtue, até ao ponto


que affirma MARAFY, a essencia e intuitos que este in-
stituto desempenha. O producto ou mercadoria é pela
mesma fórma e effeito individualisado e garantido para
o consumidor, cujos interesses de origem e legitima
proveniencia são por egual efficazmente protegidos ao
mesmo tempo que se satisfazem exigencias da policia
e interesse publicos, como no caso das puncções im-
postas aos objectos de ouro ou prata, etc. (1).
Segundo a sua extensão, pode a marca ser geral ou
especial, consistindo a primeira num signal dislinctivo,
figurativo em regra, que o industrial põe em todos os
productos de seu fabrico ou objectos de seu commer-
cio, e sendo a segunda destinada a individualisar um
determinado producto. A ampla tolerancia das legisla-
ções não briga com tal distineção, exigindo-se apenas
da parte do industrial uma indispensavel precisão dos
fins a que deslina a marca, cuja propriedade prelende

(1) Além dos artigos citados e de outros, como armas de fogo,


cujo consumo melindroso pede uma especial vigilancia ofíicial de
fabrico, é de notar a manifesta tendencia das estancias officiaes de
alguns países, para submetter á chancella e exame officiaes a cir-
culação e consumo dos generos alimenticios, cujas falsificações cres-
cem tão desmedida e perniciosamente. De taes providencias offere-
cem exemplo quasi todos os países (Pic, obr. cit., pag. 494; MARAFY,
obr. cit., pag. 400 e seg.).
190

adquirir (1). A lei inglesa, mais minuciosa neste ponto,


trata em separado das marcas de fabrica especiaes,
consagrando-lhe uma secção, em que reconhece a fa-
culdade do Board of Trade admittir a registo e conceder
a propriedade de determinadas marcas, que qualquer
individuo ou associação julguem dever usar, mencio-
nando, pelas suas qualidades caracteristicas, os artigos
de cutelaria de Scheffield e as marcas algodoeiras de
Manchester (2).
O instituto das marcas offerece ainda a distincção
entre marcas nacionaes e marcas iníernacionaes, dis-
tineção que corresponde a um dos mais importantes
aspectos da evolução jurídica da instituição, cuja ana-
lyse nos propuzemos, atlento que a materia da pro-
priedade industrial fornece já hoje ao direito internacio-
nal um dos seus mais vastos e diligentes capítulos,
elaborado á sombra da crescente penetração e interde-
pendência das actividades eeonomicas das differentes
nacionalidades, como já tivemos mais lato ensejo de
apreciar (3).
(1) Assim, dispõe a lei portuguêsa que o direito de propriedade
de uma marca é limitado á classe de objectos para que foi registado
(§ unico do art. 62.°).
(2) N.os 62 e seg. (apud PATAKY, obr. cit., pag. 299 e seg.).
(3) As legislações privativas de cada país, orientados no seu
maior numero no systema da reciprocidade, consagram em termos
mais ou menos francos a faculdade de registo de marcas e suas
garantias aos subditos de nações estrangeiras. Assim prescre-
191

E constituem um vasto capitulo as chamadas marcas


imaginativas, ou sejam puramente as denominações de
fantasia ou, mais complexamente, as marcas figurativas
com mais complicado arranjo e mais ampla objecti-
vação.

43. Apresentado o conceito e modalidades da


marca, vejamos como se adquire a sua propriedade.

vem a lei francesa (artt. 5.° e 6.°), allemã (§ 23.°), austriaca (§


32.°), belga (art. 6.°), dinamarquesa (art. 14.°), hespanhola (artt.
26.° e 31.°), italiana (art. 4.°), norueguesa (art. 15.°), russa (art.
l.°), inglesa (n.° 65.°), suissa (artt. 35.° o 36.°), norte-ame-ricana
(artt. 4.° e 27.°), e portuguesa segundo a qual as marcas industriaes
e commerciaes de portugueses residentes no estrangeiro serão
registadas nas mesmas condições em que o são as dos portugueses
ou estrangeiros residentes em Portugal, quando apresentadas pelos
interessados ou seus procuradores na repartição competente ou para
ali enviadas em carta registada (art. 76.°); e que as marcas dos
estrangeiros residentes fóra de Portugal serão registadas nas
mesmas condições que as dos portugueses, se as convenções diplo-
maticas ou a legislação interna do país a que pertencerem ou em
que tiverem estabelecimentos industriaes e commerciaes estabelece-
rem a reciprocidade para os subditos portugueses (§ unico), precei-
tuando ainda que o registo das marcas internacionaes será feito nos
termos do convenio de Madrid de 14 de abril de 1891, e ratificado
em 11 de outubro (art. 77.°). Tal a summaria confirmação legisla-
tiva da existencia e legitimidade das marcas internacionaes, a que
as notaveis e rubricadas tentativas de uniformisação citadas no art.
77.° da lei portuguesa e outras vieram imprimir mais harmonico e
garantido desenvolvimento.
192

«La proprieté d'une marque, diz POCILLET, appartient


au premier occupant. Celui qui, le premier, s'en em-
pare se 1'approprie légitimement et pcut en interdire
1'usage aux autres. Celte propriété d'une espéce toute
parliculière n'est d'ailleurs soumise á aucune forma-
lité; pour être retenue et conservée elle n'exige aucun
acte, aucune déclaration, aucun titre; son existence
est un fait, et ce fait, précisement parce qu'il est ap-
parent, s'impose de lui-même a tous. La loi permêt,
il est vrai, de déposer les marques; mais ce dépôt
n'est en aucune façon attributif de la propriété; il
n'en est qu'une manifestation extérieure et ne sert
qu'á assurer au propriétaire de la marque des garan-
ties spéciales».
Salvo o devido respeito, parecc-nos que as palavras
do eminente jurisconsulto encerram doutrina insusten-
tavel. Certamente que, em principio, a iniciativa e uso
da marca são livres, fóra de qualquer imposição de lei,
como nesta não encontra sua primordial razão de ser
a propriedade da mesma marca: these que esplanada
deixámos ao apresentar, paginas atraz, a justificação
sociologica do instituto da propriedade e implicitamente
da propriedade industrial.
Poder-se-ha, porém, inferir que a propriedade da
marca seja um facto incontroverso — qui s'impose de
lui-même a tous, como quer POUILLET—independente-
mente de qualquer formalidade?
193

Affigura-se-nos que tal conclusão iria subverter toda


a organisação legislativa sobre propriedade industrial.
Para este instituto admitte a critica dois systemas:
o allributivo e o meramente declarativo de propriedade.
POUILLET-, pelos modos, não reconhece a primeira orien-
tação ; e ainda e tão sómente nos limites do systema
meramente declarativo, forçoso é reconhecer que a
opinião do illustre jurisconsulto é absurda, pois que
jámais uma legislação de caracter defensivo e pro-
tector poderá deixar de reconhecer a supremacia da
marca registada sobre a marca livre, uma vez decor-
ridos os prazos legaes de reclamação por parte de qual-
quer lesado.
É neste sentido que a lei portuguêsa dispõe que
< é permitlido o uso de marcas industriaes e commer-
merciacs, embora não lenham sido registadas, quando
não prejudiquem os direitos de quem tiver feito os re-
gistos competentes».
Na collisão, pois, só a propriedade ratificada por
lei ou assegurada pela prioridade do registo subsiste,
porquanto doutra fórma as taes garantias especiaes,
que POUILLET não esquece mencionar, seriam uma va-
cuidade.
E, consequentemente, o registo com effeito declara-
tivo ou allributivo (1) que ratifica a de propriedade

(1) Occorre perguntar qual seja o effeito do registo em face da


13
194

duma marca, cujas demais garantias fundamentaes de


defeza contra qualquer facto illicito de concorrencia desleal
residem na conformidade de seus elementos lei
portuguesa: attributivo ou meramente declarativo
de propriedade? Nem no relatorio que precede o
docroto do 15 de dezembro de 1894 nem nas
disposições da presente lei de 21 de maio do 1890
se nos depara uma declaração nitida a tal respeito.
Só da leitura o confronto de taes disposições so
poderá, pois, extrahir uma con-| clusão. E esta
affigura-so-nos sor a do que o efleito do registo de
marca em face da lei portuguesa é attributivo da
propriedade, uma vez, é claro, decorrido o prazo
(um anno: art. 89.°) dentro do qual ha logar para
qualquer reclamação (art. 90.°), E dizemos que após
tal termo o efleito do registo é attributivo (a duração
do privilegio exclusivo, que deriva do facto do
registo, diz o art. 67.°, é de dez anuos; podendo,
porém, renovar-se, accrescenta o seu § unico,
indefinidamente por períodos de dez annos,
mediante pedido de renovação, feito durante o
ultimo anno) porquanto a miudo a lei so refere ao
proprietario da marca (artt. 65.°, 81.° o 86.°) e no
art. 61.° claramente dispõe que a marca, uma voz
registada, é considerada propriedade exclusiva, a
qual é garantida (art. (64.°) pelos prazos supra-
citados.
O systema que se infere das disposições da lei
portuguesa é, pois, attributivo de propriedade ou,
como so diz no relatorio da proposta de 20 de agosto
de 1908, que nesto ponto alterava fundamentalmente
as disposições vigentes — um systema mixto, isto é,
declarativo, durante um certo prazo em que terceiros
podem fazer valer os seus direitos, o attributivo,
depois de decorrido aquelle prazo, o quando, dentro
delle, não tiver sido feita opposição justificada
contra o deposito.
195

constitutivos cora os preceitos legaes e doutrinarios que,


tivemos ensejo de expôr (1).

(1) «É considerada marca industrial ou commercial, diz o


art. 60.°, qualquer signal que sirva para distinguir os productos de
uma industria ou os objectos de um commercio.
«Podem ser adaptados para este fim:
«1.° As razões industriaes ou commerciaes e firmas;
«2.° Os nomes completos ou abreviados dos industriaes ou
com-merciantes, os fac-similes das assignaturas;
«3.° As denominações de phantasia ou especificas;
«4.° Os emblemas, sêllos, timbres, divisas, sinêtes, cunhos,
tarjas, figuras, desenhos e relevos;
«5.° As letras e algarismos combinados de um modo distincto;
«6.° O nome de uma propriedade agricola ou urbana que per-
tença ao industrial ou commereiante.
Ǥ unico. Estes signaes podem ser typographados, lithogra-
phados, cunhados, modelados, gravados, embutidos, tecidos, met-
tidos na massa, feitos a fogo, reproduzidos ou impressos por
qualquer fórma nas rolhas, rotulos, capsulas e capas, nos proprios
objectos, nos seus envolucros parciaes. ou em globo».
(Cf. as seguintes disposições similares das leis extrangeiras;
franceza, art. 1.°; allemã, § 1.°; austriaca, § 1.°; belga, art.
1.°; dinamarqueza, art. 1.°; hespanhola, art. 21.° e 22.°; ingleêa,
parte I, n.°s 3, 8, 9,10; russa, art. 1.°; servia, art. 1.° (lei de
30 de maio de 1884); suissa, artt. 1.° e 2.° da lei de 26 de
setembro de 1890, etc).
«Será recusado pela repartição de industria, dispõe por sua
vez o art. 85.°, o registo de marca:
«1.° Quando o pedido não for feito nos termos prescriptos, ou
acompanhado dos respectivos documentos;
196

44. Entrar na apreciação detalhada e concreta dos


factos illicitos da concorrencia desleal em qualquer
capitulo da propriedade industrial e muito particular-
mente no das marcas de fabrica e commercio é em-

«2.° Quando a repartição da industria verifique que não ha


igualdade nos exemplares apresentados;
«3.° Quando a marca offenda os bons costumes ou a religião;
«4.° Quando tenha figuras representando chefes de estados,
membros das famílias reinantes, brazões, armas, condecorações,
sem que se prove que foi concedida uma permissão especial pelas
pessoas a quem se refere, ou que se tem o direito de usar d'esses
brazões ou armas;
«5.° Quando tenha nomes individuaes, firmas ou nomes do
collectividades que o requerente não possa legitimamente usar;
«6.° Quando tenha desenho de condecorações concedidas pelo
governo portuguez;
«7.° Quando apresente desenhos de medalhas ou se refira a di-
plomas ou menções honrosas a que não tenha direito;
«8.° Quando faça falsas indicações de proveniencia;
«9.° Quando no exame summario a que se proceder, se reco-
nheça que ha outra marca que com ella se confunde.
«§ unico. A recusa da repartição da industria será por ella
communicada ao interessado, o qual poderá recorrer para o tri-
bunal do commercio de Lisboa no praso de tres mezes. Não ha-
vendo sido interposto recurso dentro desse praso, a recusa tornar-
se-ha effectiva».
(Cf. leis extrangeiras: alemã, § 4.°; austriaca, § 3.°; dina-
marqueza, art. 4.°; hespanhola, art. 28.° ; norte-americana, art. 5 °;
inglesa, n.° 68.°; norueguesa, art. 4.°; russa, art. 3.°; servia,
art. 3.°; sueca, art. 4.°; suissa, art. 3.°).
197

prehendimento que se póde reputar singelamente im-


possível.
A objectivação da marca é illimitada, varia ao in-
finito ao sabôr da imaginação humana, cujos confins
ainda nenhum psychologo se permiltiu apontar. Por
isso neste ponto as legislações se contentam com uma
enumeração negativa, catalogando os casos de recusa
da marca, e, quanto ao mais, a um exemplificativíssimo
«podem ser adoptados para este fim.» Mais não é
possível: extraclar as fórmas de materialização das
marcas seria qualquer coisa praticamente comparavel
aquella estafada labuta de esvasiar os toneis das esta-
fadissimas Danaides...
Nomes, firmas, fac-similes de assignaturas, em-
blemas, sellos, timbres, divisas, sinêtes, cunhos, tarjas,
figuras, desenhos relevos, combinações distinclas de
lellras e algarismos e ainda o inexgottavel dominio.das
denominações de phantasia—tudo isto póde ser
objecto de marca; e como quer que o seu calculo não
seja conhecido, POUILLET entendeu crear uma divisa e
um criterio: a semelhança do aspecto na base da confusão.
Não se póde dizer mais em menos palavras. Sob tal
rubrica vamos apreciar as categorias de manifestações
da concorrencia desleal no aspecto que ora nos occupa
e consoante a melhor distribuição aconselhada pelas
predominantes fórmas de materialização e possível
objecto da marca.
SECÇÃO II

Denominações e nomes

45. — Denominações: conceito e especies.


46.—Nomes.
47. — Homonymia.

45. Denominações. — A denominação é uma das


fórmulas distinctivas mais praticadas pelos indus-
triaes para designação de seus productos. E a propria.
denominação, independentemente de sua fórma ou
disposição, que, como observa POUILLET, conslitue a
marca.
Importa, porém, distinguir: as denominações gene-
ricas e as de phantasia ou arbitrarias.
Tal differenciação é fundamental, attento que as
primeiras são por sua natureza do domínio publico
emquanto que as denominações de phantasia podem
licitamente constituir objecto de domínio privado (1).

(1) Designações genericas ou necessarias constituem uma das


questões de maior vulto e alcance, que se suscitam em materia de
concorrencia desleal.
«La dénomination nécessaire, escreve POUILLET, est celle qui
tient à la nature même de la chose désignée, et qui s'y est si inti-
mement incorporée qu'elle en est devenue le nom propre et véri-
table; elle devient vulgaire, quand, consacrée par 1'usage, elle est
199

Só, pois, estas podem ser elemento dum facto de con-


correncia desleal, sendo indevidamente appropriadas
entrée dans le langage. M. Blanc ajoute que la
désignation n'est nécessaire qu'autant qu'elle est
1'appellatian unique de l'objet, et, en cela, il nous
parait aller trop loin. Il se peut qu'une désignation
ne soit pas 1'unique désignation d'un objet et qu'elle
soit pourtant 1'expression la plus simple, la plus
vraie, la plus naturelle et la plus précise, auquel cas
il nous parait que les tribunaux pourraient sans
scrupule et en toute légalité, en interdire 1'emploi
exclusif. Comprendrait-on, par exemple, qu'un
fabricant pùt avoir le mo-nopole des mots: benzine
parfumée, corsets sans coutures, cartes opaques ? Ce
sont là des désignations lirées de la nature et des
propriétés de 1'objet, et les exprimant d'une façon
si simple et si précise que toule autre désignation (il
est certain qu'il y en a) pa-raîtra longue, confuso,
embarrassée. La solution devient plus dou-teuse
quand, au lieu d'étre empruntée au langage
vulgaire, la désignation se présente sous la forme
concrète que fournit la science étymologique; il se
peut alors que la dénomination soit vraie, simple,
naturelle, et désigne même avec un rare bonheur
d'ex-pression 1'objet auquel elle s'applique. Dira-t-
on, dans ce cas, que la dénomination est néeessaire,
et par suite en pourra-t-on con-tester 1'usage
exclusif à celui qui aura eu le mérite de 1'imaginer?
Ce sont là des questions fort délicates et que l'on ne
peut résoudre en thèse. C'est dans les faits
particuliers de chaque espèce qu'il faut chercher la
solution. Ajoutons seulement que, lorsqu'il s'agit
d'une dénomination tirée de la nature même de la
chose, les tribunaux doivent apporter la plus grande
circonspection et ne pas en concéder trop
facilement 1'usage exclusif; ils doivent être, au con-
traire, portés â en permettre à tous 1'usage. Nous
trouvons, à cet égard, dans un jugemeut du tribunal
de la Seine, une règle qui nous parait excellente et
qui, dans nombre de cas, permettra de
200

para sequente desvio da clientela d'outrem, o que é,


aliás, o constante e verdadeiro fim da concorrencia
desleal, sejam quaes forem os seus meios... E rela-
tivamente ás denominações, multiplas são as situações
em que tal concorrencia se póde manifestar, desde a
apposição da denominação, indevidamente appropriada,
na mercadoria ou em prospectos e circulares até seu
uso em simples facturas, manuscriptos ou annuncios.
E POUILLET prevê e inclue ainda o caso extremo do
simples emprego oral da denominação usurpada com
o fim patente de mystificar o consumidôr: tal será o
résoudre la difiiculté: ce jugement décide, en principe,
qu'une dénomination inexacte ne saurait jamais être
considérée comme né-cessaire, et il est juste, en effet,
d'admettre que la désignation est arbitraire, toute de
fantaisie, quand elle désigne antre chose que 1'objet
auquel elle s'applique ou du moins ne s'y rapporte pas
d'une façon exacte. Commente serait-elle nécessaire
quand elle est de nature à tromper sur le caractère
même de 1'objet qu'elle désigne? C'est d'ailleurs au
fabricant à ne prendre pour dénominations de ses
produits que des expressions caractéristiques, moins
propres à dèfinir 1'objet lui-même qu'à s'mposer à la
mémoire du consom-mateur par leur originalité et
leur fantaisie».
Avultadissimo é o corpo de jurispudencia francêsa
referente ao assumpto; e de facto só á jurisprudencia
compete a apreciação exclusivamente concreta dos casos
occorrentes. (Cf. POUILLET, ob. cit., pag. 70 e seg., e 537
e seg.). A tal respeito as legislações podem tão
sómente enunciar preceitos geraes, e esse foi o intuito da
lei portuguesa ao apontar como objecto da marca apenas
as denominações de phantasia ou especificas (art. 60.°,
n.° 3.°).
201

caso dum caixeiro-viajanle que de terra era terra re-


colha encommcndas duma mercadoria, deslealmente
recorrendo ao prestigio de uma denominação, que lhe
não pertence (1).

(1) É ainda assaz reduzido o corpo de jurisprudencia portar


guêsa em materia de propriedade industrial. Delia
procuraremos fazer menção completa quanto possível.

Pelo que respeita a denominações de phantasia


são de registar os seguintes casos julgados insertos,
como é preceito de lei (art. 210.°) no Boletim da
propriedade industrial: sentenças do Tribunal do
Commercio de Lisboa de: 8 de agosto de 1903
dando provimento ao recurso interposto da decisão
do Director Geral do Commercio e Industria, a qual
indeferira o pedido de registo de uma marca
figurativa contendo a palavra Victorioso e outra
consistindo apenas na denominação de phantasia —
Victorioso (Boletim n.° 9 de setembro de 1903, pag.
251); idem de 21 de dezembro de 1903: admittindo
o registo a denominação de phantasia Primar-cial
embora registada houvesse outra Primordial
(Boletim n,° 3 de março de 1904, pag. 65); idem de
21 de maio de 1904 negando registo á denominação
Aguia Imperial com o fundamento de possível
confusão, attenta a generalidade da designação
Aguia na classe de productos para que fôra
requerida; idem de 5 de julho de 1904 negando
registo, com identico fundamento, à denominação
Aguia e Serpente (Boletim n.° 7 de julho de 1904,
pag. 187 e 188); idem de 6 de agosto de 1904
admittindo a registo a denominação Commendador
com o fundamento de prioridade de registo; idem
de 31 de agosto de 1904 negando ainda registo á
denominação Aguia pelos fundamentos supra-
expostos (Boletim n.° 9 de setembro de 1904, pag.
251); idem de 4 de fevereiro de 1905 negando re-
gisto da denominação Castello com o fundamento
de confusão com
202

46. Nomes. — O nome commercial (1) ou seja, no


marca de identica designação, anteriormente registada
(Boletim n.° 2 de fevereiro de 1905, pag. 5); idem de
19 de dezembro de 1904 concedendo registo da marca
Tabloid destinada a todos os productos pharmaceuticos,
a despeito de tal designação ser empregada em
pharmacia para designar as pastilhas comprimidas (Bo-
letim n.° 3 de março de 1905, pag. 63); idem de 12 de
novembro de 1905 admittindo a registo a denominação
Rheumatin e, contrariamente, recusando-e á
denominação Saloquinine por tal não constituir
verdadeira denominação de phantasia (Boletim n.° 7 de
julho de 1905, pag. 173); idem de 24 de janeiro de
1907 concedendo registo à marca-denominação de
phantasia Luz de Pharol com o fundamento de tal não se
confundir com a denominação anteriormente registada
Luz do Sol Russo.
(1) Dizemos commercial, pois deste sómente é aqui questão. «Le
nom, escreve POUILLET, peut être envisagé à un double point de vue:
civil et commercial. Au point de vue civil, on peut dire du nom
qu'il est la propriété la plus absolue; elle est imprescriptible, ina-
liénable, en dehors de toute spéculation, telle enfin que la société
n'en peut, dans aucun cas, demandor le sacrifice, même dans un
but d'utilité publique. S'identifiant avec l'individu, dont il résume
la personnalité, le nom rappelle le souvenir, la gloire des ancêtres,
et impose à celui qui le porte le devoir de le transmettre sans tache
à ses enfants. Cest le seul héritage qu'on ne puisse répudier. Le
fils du criminel, pas plus qu'un autre, n'échappe à cette nécessité
sociale; celui qui veut changer de nom doit se pourvoir devant le
Conseil d'État et obtenir une autorisation régulière. «Le nom, dit
M. Mayer, est la marque sociale de la personne, le signe de son
identité et de son individualité». Au point de vue commercial, il
devient une enseigne; «il est, dit M. Calmels, le signe de ralliement
203

conceito de THALLER, a designação sob o qual o com-


mercianle exerce seu commercio ou qualquer outra
especie de producção ou trafego, é um dos mais efi-
cazes elementos de individualisação do mesmo agente
mercantil (i).

de la clientèle, le thermomètre de son crédit». (Cf. POUILLET,


ob. cit., pag. 431).
Referindo-se ao nome commercial escreve ainda THALLER :
«Il n'est pas soumis au régime du nom civil ou patronymique:
Ce-lui-ci résulte de 1'état civil; avec le prénom qui
1'accompagne il rattache 1'homme á sa famille en
determinam la place qu'il s'y occupe. On ne change pas de
nom selon son gré. Usurper notre nom, c'este usurper notre
état civil, faire acte d'intrusion morale, peut-étre même
pécuniaire, dans le milieu ou nous a placés la nais-sance, le
mariage ou 1'adoption». (Cf. THALLER, ob. cit., pag. 40).
(1) Nos termos do art. 105.° da lei de 21 de maio de 1896
«consideram-se nomes industriaes ou commerciaes:
«1.° Os nomes pessoaes dos industriaes, agricultores ou
com-merciantes, completos ou abreviados;
«2.° As razões industriaes ou commerciaes e firmas;
«3.° As denominações sociaes de companhias por acções,
de sociedade anonymas e em commandita, ou de nome
collectivo;
«4.° Nomes que não são os dos proprietarios do
estabelecimento;
«5.° Nomes abreviados dos societarios com designações
simi-lhantes a estas «& C.a, & Filhos, & Irmãos»;
«6.° As denominações de phantasia ou especificas;
«7.° Os nomes da propriedade agrícola, industrial ou
commercial».
Impõe-se-nos uma explicação. Subordinános a materia do
204

O nome commercial, que póde ser em especie mais


restricta o nome individual, completo ou abreviado do
commerciante (1) ou uma designação a capricho ou
pseudonymo, constitue manifestamente um dos mais
prestigiosos recursos de contacto entre o commerciante
e o publico-consumidor.
Medeante tal designação, o agente mercantil cria
a sua reputação e credito, fortifica a sua propriedade
commercial (2) e vae por essa fórma
accrescentando nome commercial á rubrica geral de
marcas, atlento que estas, como vimos, se podem
objectivar na adopção daquelle, e sem que tal implique,
em principio, a confusão duma e outra categoria.
«O nome industrial ou commercial, diz o art.
107.°, distin-gue-se da marca industrial ou commercial,
em que esta é collocada nos objectos produzidos ou
entregues ao consumo, ou nos seus envolucros, e aquella
só se applica em taboletas, bandeiras, fachadas, vidraças
e papeis da escripturação ou correspondencia do
estabelecimento».
No caso do nome ter uma applicação dupla, exige a
lei que se façam dois registos (art. 110.°).

(1) Será então e propriamente a firma, consoante a noção que


traduz o art. 20.° do nosso codigo commercial.
(2) Propriedade commercial, cujo amplo conceito GIANMNI
aponta por esta fórma: «Il commerciante, nel senso lato delia pa-
rolla, oltre alie merci, alle macchine, alle fabbriche, ai veicoli, la
capitale circolante, i quali formano la proprietà materiale sua, à
sempre una proprietà immateriale, piú o meno estesa, piú o meno
complessa, ma inseparabile da qualunque traffico anche modesto,
che non sia quello del merciaio ambulante, e profícua non meno
205

e robustecendo aquelle corpo de clientela, que é ne-


cessaria e proveitosa consequencia de seu nome e
cujo desvio ou subtracção constitue o capital intuito
do facto de desleal concorrencia. «L'enseigne fait la
chalandise» dizem os francêses; que o habito faz o
monge, conclue-se em Portugal com mais pilloresco e
expressivo dizer... Seja, pois, qual fôr o objecto (1)
do nome commer della proprietà materiale. Tutti i
segui che servono a mettere in rapporto i
commercianti cot pubblico, a farlo conoscere ed
apprez-zare e distinguere da tutti gli altri, e con
1'aiuto dei quali può spíegare utilmente la sua
attivitá (come fa il coltívatore mercê gli strumenti
rurali) formano una vera proprietà sotto le
svariatissime forme di insegna, ditta, emblema,
ononficenze ecc. ecc., oltre a quelli specialissimi
ad alcune aziende, come il Titolo per il giornale.
«Tuttí questí seguí concorrono a costituíre con la
proprietà materiale, quella universalità di fatto che
si chiama 1'azienda, univer-salità di mezzi
concorreu ti allo stesso fine, ed aventi valori di
scambio in quanto sono collegatti tro loro e con la
proprietà materiale. Tutti i segni del commerciante
spettano a lui in proprietà, e il complesso loro
forma la proprietá commerciale che deve, come
tale, essere protetta contro ogni usurpazione». (Cf.
GIANNINI, ob. cit., pag. 65).
(1) Como elementos de objectivação do nome commercial men-
cionámos a firma e pseudonymo ou designação convencional. POUILLET,
no seu monumental e exhaustivo trabalho, entende, porém, ainda
apreciar formulas mais simplistas: as iniciaes e as combinações nu-
mericas.
Digamos desde já que tanto uma como outra modalidade
cabem
206

cial-firma ou designação arbitraria—e afóra a


hypolhese licita de tal designação assumir o caracter
necessario (1), a sua usurpação constitue um manifesto
delicto de concorrencia desleal. á vontade na lei
portuguêsa: o art. 60.° em seus n.°* 2.°, 4.° e 5.° prevê
e enumera como possível objecto de marca os nomes
completos ou abreviados dos industriaes ou
commerciantes, os fac-si-miles das assignaturas, os
emblemas, sellos, timbres, divisas, sinetes, cunhos,
tarjas, figuras, desenhos, relevos e as lettras e
algarismos combinados de um modo distincto.
Tambem não vêmos maior embaraço em arredar do
capitulo do nome commercial as combinações
numericas, que melhor se catalogarão nas
denominações de phantasia: phantasias arithmeticas !
Vamos, porém, ás iniciaes. Poderão ser assimiladas
ao nome commercial, fruindo identica protecção? A
jurisprudencia francêsa tem divergencias: BLANC
opinou no sentido affirmativo, vendo nas iniciaes o
diminutivo do nome verdadeiro, e deste bem mais
proximas que o nome convencional... POUILLET
combate tal parecer porquanto ás iniciaes não pôde ser
attribuido o effeito designativo, especial e
individualisadôr que acompanha o pseudonymo ou o
nome patronymico. As iniciaes podem tão sómente ser
objecto duma marca. (Cf. BLANC, Traité de la
contrefaçon et de sa poursuite en justice, pag, 775 e
POUILLET, ob. cit., pag. 437-438).
A discussão é absolutamente inutil perante os
preceitos da lei de 21 de maio de 1896. Classifiquem-
se as iniciaes de marca figurada ou de legitimo nome
commercial, a lei tudo comprehende em parallelas
garantias.
(1) «Si, en príncipe, escreve POUILLET, le nom constitue une
propriété inaliènable et imprescriptible, il peut cependant se pré-
senter des cas spéciaux ou, par un long usage et par le consente-
ment exprès ou tacite de 1'intéressé, lo nom devient comme la seule
207

E usurpadôr é não só aquelle que põe o nome


doutrem nos objectos de seu fabrico, mas ainda o
que tal nome invoca em suas relações commerciaes,
dando uma coisa por outra e mystificando claramente
o consumidor, cujo erro assim se provoca ou alimenta.
O nome identifica o productor e seus productos; usur-
pa-lo constitue, pois e sempre um ataque directo á
sua propriedade e ao seu prestigio commercial (1).
désignation usuelle et recue de tel procédé de
fabrication ou de tel produit tombé dans le domaine
public, et ou il peul dès lors, mais
exceptionnellement, appartenir à d'autres que le
propriétaire du nom de s'eu servir pour désigner,
non plus l'origine indus. trielle du produit fabriqué,
mais le système ou le mode de fabrication. Les
héritiers et descendants de Bretelle ou de Quinquet
pourraient-ils reprendre au domaine public les
noms de leur au-teur, passés dans la langue usuelle,
et devenus les noms communs, vulgaires, des
objets qu'ils désignent? En pareil cas, il n'y a plus
de nom patronymique, et la langue s'est en réalité
enrichie d'un mot nouveau. Les tribunaux, du reste,
ne sauraient autoriser une telle dérogation aux
règies ordinaires qu'en constatant ou recon-naissant
que le nom en litige est devenu la désignation
usuelle et nécessaire du produit, en prenant, de
plus, les précautions con-venables pour que toute
confusion sur 1'origine industrielle des pro-duits
soit évitée, et pour que 1'emploi du nom du
fabricam, permis a d'autres, ne devienne pas le
moyen d'une concurrence illicite á son préjudice».
(Cf. POUILLET, ob. cit., pag. 440).
(1) POUUXKT menciona os seguintes casos julgados da jurispru-
dencia francêsa, que transcrevemos, attento traduzirem a sancção
de algumas situações culminantes de concorrencia desleal pela usur-
poção de nome: <i.° qu'il y a concurrence déloyale à s'attribuer,
208

47. Uma das hypotheses mais melindrosas e


inmême verbalement, le nom d'un concurrent voisin et,
par ce fait, do retenir un acheteur, qui, sans cela, irait
dans 1'autre maison (Tríb. comme. Seine, 30 sept.
1830, Lepère, cite par Gastambide p. 467); 2.° que le
commissionnaire de transport, qui accepte, pour les
expédier, des remises faites par erreur dans ses
bureaux, en laissant croire qu'elles sont dèposées dans
le bureau d'un autre commissionnaire dont le bureau est
tout à fait voisin, et que l'ex-pédition en sera faite par ce
dernier, commet un acte de concur-rence déloyale qui
le rend passible de dommages-intérêts (Trib-comm.
Seine, 30 janv. 1855, Loisel, Le Hir, 55.2.567); 3.°
qu'il y a concurrence déloyale de la part d'un
commerçant qui s'adresse, pour vendre ses produits, au
représeutant d'une maison rivale et laisse sciemment ce
représentant écouler lesdits produits sons le nom de
cette autre maison, profitante ainsi d'une réputation
qui ne lui appartient pas (Douai, 11 juin 1865, Six-
Duduve, Ann., 66.305); 4.° que le fait de vendre comme
provenant d'une fabrique, dont lo produit est
expressément demandé par 1'acheteur, une mar-chandise
qui n'en provient pas, constitue le délit prévu et puni par
Part. 423, C. pén.; ce fait constituo, en effet, une
tromperie sur la nature conventionnelle résultant du
contrat, de la marchandise spécialement demandée par
1'acheteur, qui trovait ou croyait trouver dans le produit,
préparé par le fabricant qu'il désignait, des garan-ties
qu'à ses yeux n'offrait pas le même produit, provenant do
toute autre fabrique (Grenoble, 31 aout 1876, Nègre,
Ann., 76.225); 5.° qu'il y a concurrence déloyale dans
le fait de donner à un produit le nom d'un lieu ou il ne
se fabrique pas, mais où, en re-vanche, est établi un
concurrent (Douai, 6 juillet 1876, Lonquety, Ann.,
76.317); 6.° qu'il y a concurrence déloyale par un
agence do voyage a mettre sur son prospectus «Near
Cook's agency» (Trib. comm. Seine, 14 novembro
1896, Edwards et Franks, J. Trib. comm., 98.172).
(Cf. POUILLET, ob. cit., pag. 549-550).
209

teressantes que se suscitam relativamente ao nome com-


mercial é a da homonymia.
Dado que dois commerciantes, exercendo a mesma
industria, tenham ou usem o mesmo nome commer-
cial, como resolver a situação? POUILLET enuncia o pro-
blema com uma generalidade, que se póde afoitamente
classificar de maxima, e nestes termos: < Chacun est
libre propriétaire de son nom et maître d'en user
comme il 1'entend. Si donc un individu, portant le même
nom qu'un négociant déjà établi, entre dans le même
commerce et fonde sous son propre nom une maison
rivale, il use de son droit. On ne peut lui retirer la
faculté de porter ce nom, qui est intimement lié à son
individualilé; le nom constitue, en effet, une propriété
d'une espèce toute particulière que rien ne peut dé-
truire; c'est même plus qu'une propriété, c'est une
partie de 1'individu lui-même, et c'est pourquoi le nom
est imprescriptible. On porterait alleinte à la person-
nalité de cel individu si on le privait du droit d'user de
son nom.
Posons donc en principe, sauf à voir si la règle ne
subit pas des exceptions, que, lorsque deux personnes
portant le même nom exercent la même industrie, tou-
les deux ont inconteslablement le droit de se servir d'un
nom qui leur apparlient légalement».
Este é o preceito generico, contendo, todavia, ex-
cepções que o jurisconsulto francês não tarda em 14
210

acautelar. Cada qual é livre e legitimo senhor do seu


nome — é certo e respeitavel; porém, não menos aca-
tavel é a regra de que a ninguem é licito crear sua
prosperidade á custa de outrem, viciando deslealmente
a concorrencia...
Como conciliar taes princípios, de essencia por
egual e plenamente razoavel? A reputação e o credito
honesta e laboriosamente adquiridos por um com-
merciante não podem estar á mercê do acaso, da
superveniencia de um rival homonymo, e como tal
promovendo a confusão dos estabelecimentos e o se-
quente desvio de clientela: isso é um facto evidente de
concorrencia desleal (1). E a conclusão justa e integra a

(1) São de reproduzir as seguintes e lucidas reflexões, insertas


num relatorio de MESTADIER apresentado á Cour de Cassation: «C'est
disait-il, un intérêt très grave pour les commerçants et les indus-
trieis d'avoir un nom qui ne permette ni retard, ni embarras, ni
équivoque dans les correspondances et relations commerciales; cela
est évident. Qu'un établissement du même genre se fasse dans
la méme localité, nul doute que ce serait une attaque directe, une
atteinte, un attentat méme contre la possession et la propriété
préexistente, que d'arborer la méme enseigne, de prendre le méme
nom. Gela fut tenté souvent, mais toujours réprimé par la justice.
Sans doute, la liberté de 1'industrie est portée jusqu'à la dernière
limite, mais salvo jure alieno, et le nouveau commerçant, libre de
cotnbattre par tous les moyens légitimes de succès, ne peut cepen-
dant pas combattre sous la bannière de celui qu'il trouve déjà
établi; il est forcé d'arborer un autre drapeau. En vain dira-t-on
que, par une singularité piquante, le défendeur, ayant les mêmes
211

deduzir é que em taes casos, o commerciante homo-


nymo e superveniente deverá tomar a iniciativa do em-
prego de meios que evitem toda e qualquer confusão,
sem o que o seu procedimento será manifestamente
prejudicial e attentalorio das praticas de lealdade com-
mercial.

(nom et prénoms que le demandeur, ne peut pas être force d'y re -


noncer. Cela est certain; mais, faisant le même commerce, il est
obligé d'adopler une différence, une addition a son nom, un signe
distinctif qui prévienne les méprises et conserve tous les droits avec
franchise et loyauté...» (Cf. POUILLET, ob. cit., pag. 566-567).

•I
SECÇÃO III Emblemas,

envolucros, recipientes, etc.

48. — Emblemas, envolucros, recipientes, etc.

48. Emblemas, envolucros, recipientes, etc. Apre-


ciamos a denominação e o nome ou sejam as fór-
mulas materialmente mais simples de objectivação das
marcas
A marca é, porém, susceptível duma maior comple-
xidade; já não c apenas uma palavra mas um conjunto
de signaes: emblemas, sellos, timbres, divisas sinetes,
cunhos, tarjas, figuras, desenhos e relevos, que podem
ser lypographados, lithographados, cunhados, mode-
lados, gravados, embutidos, tecidos, mettidos na massa,
feitos a fogo, reproduzidos ou impressos por qualquer
fórma nas rolhas, rotulos, capsulas e capas, nos pro-
prios objectos, nos seus envolucros parciaes, ou em
globo. Tal a enumeração dcscripliva da linguagem
official — elementos estes, cujo theor póde assumir
a mais diversificada fórma e as mais exlranhas figu-
rações (1).

(1) POUILLET esclarece e precisa algumas das capitaes fórmas


do objectivação, de que nos estamos occupando. Assim escreve dos
213

Numa situação de concorrencia e perante taes ele-


mentos distinctivos, resultantes ou da figuração ma
emblemas e vinhetas. «On comprend, sans
explications, ce que c'est que 1'emblème ou la
vignette: 1'emblème est un signe tel qu'une croix,
une étoile, une ancre, un navire; la vignette est
plutôt un dessin comprenant un ensemble de
figures, une composition plus ou moins artistique;
mais elle doit s'entendre aussi même d'un dessin
sans sujet déterminé, par exemple d'un disposition
de ligues formant encadrement à une inscription.
Il est bon, dès à présent, de remarquer, sauf à y
insister en son lieu, que, dans 1'emblème, ce qui
constitue essentiellement la marque, c'est la nature
même de cet emblème, et non pas seulement sa
Forme particulière; de telle sorte que l'emploi par
un concurrent da même emblème, encore que la
forme en soit modifiée, le constitue nécessairement
contrefacteur.
Il arrivera même parfois, qu'à raison de 1'usage
universelle-ment répandu parmi les commerçants
d'une même ville, d'apposer sur leurs produits et
factures un même emblème ou une même vignette,
1'emblème devienne impropre à spécialiser à lui
seul, en dehors d'autres signes distinctifs, ou
d'agencements particuliers, les produits d'une
maison de commerce de cette localité. Toutefois, en
matière d'emblème et de vignette, on se souviendra
de la règle que nous avons rappelée plus haut et
qui, à 1'occasion, peut avoir sou utilité».
Das etiquetas: «L'étiquette, on peut le dire, est
une sorte d'en-seigne apposée, non sur
1'établissement commercial luimême, mais sur la
marchandise fabriquée. On n'attend pas de nous que
nous donnions une définition de l'étiquette: chacun
sait ce qu'il faut entendre par là; ce qui distinguera
1'étiquette et en fera une véri-table marque de
fabrique, ce cera sa forme, sa couleur, la disposition
des caractères typographiques ou des encadrements,
les
214

terial de um emblema ou envolucro (1) ou de outros


factores de identificação de egual theor, como seja o
mentions ou le dessin qu'elle portera; )e plus
sonvent même, ce sera tout cela à la fois, la marque
consistant alors dans 1'ensemble même de
l'étiquette, dans sa physionomie, dans son aspect
parti-culier. Nous ne comprenons pas comment M.
Rendu s'est laissé aller à examiner et à discuter la
question de savoir si l'étiquette constituo ou non une
marque ,de fabrique. Cela ne peut pas faire question,
et le silence de la loi à 1'égard de ce genre de
marque n'a rien de déterminant, en présence de ce
passage du rapport, qui déclare que la loi énumère,
non pas tous les signes pouvant servir de marque,
mais les plus usités et les principaux parmi eux, et
de 1'indication, dans cette énumération, des
enveloppes, qui compren-nent presque nommément
les étiquettes».
«Rappelons que l'étiquette peut ètre apposée, soit
directement sur le produit, soit sur l'enveloppe,
vase, boite ou flacon».
E ácerca dos envolucros: «Le mot «enveloppe»
s'entend ici, dans son sens le plus étendu, de tout ce
qui contient la marchandise. Il signifie, dit M.
Rendu, tous les récipients quelconques, depuis les
simples enveloppes de papier jusqu'aux boites de
bois ou de métal, et jusqu'aux bouteilles de verre et
aux flacons de cristal». (Cf. POUILLET, ob. cit.,
pag. 37, 46 e 48).
(1) A proposito de envolucros uma questão se suscita: em face
da lei portuguêsa poderão elles constituir objecto de marca ? Não
falta quem se pronuncie pela negativa, encontrando fundamentos
para tal parecer na pretensa caracterisação de marca que se infere do
art. 107.° da lei de 21 de maio de 1896 ao afirmar que «a marca é
collocada nos objectos produzidos ou entregues ao consumo ou nos
seus envolucros», e ainda no caracter taxativo do art. 60.° da mesma
lei. Duvidas estas que inspiraram ao relator da proposta de lei de 19
de agosto de 1908 as seguintes considerações e inno-
215

uso de determinados uteusilios ou ainda o aspecto


externo dum estabelecimento com particular arranjo;
vação: «A confusão entre o modelo de fabrica e a
marca consistindo em recipiente ou envolucro, tem-
se manifestado não raras vezes nos pedidos de
registo na Repartição da Propriedade Industrial.
Pelo disposto na carta de lei de 21 de maio de
1896, as marcas admit-tidas a registo são apenas as
que podem ser appostas nos productos ou nos
envolucros destes. Não ha motivo para excluir do
registo, como marcas, os recipientes ou envolucros
destinados a produetos em que a adherencia da
marca é materialmente impossível. «Pcr-mitte-se
por isso no presente projecto o registo, como marcas,
desses recipientes ou envolucros, quando lenham os
sufficientes elementos característicos».
Affigura-se-nos que a doutrina, que se pretende
inferir da presente lei, não tem razão de ser. O
argumento do art. 107.° não procede, attenlo que o
que em tal preceito se pretendeu estabelecer foi uma
differenciação saliente entre marca e nome
commercial e de fórma alguma uma definição
rigorosa e precisa de marca. Quanto á natureza da
enumeração do art. 60.° pa-rece-nos que não é
taxativa, para o que basta attentar na extensiva
generalidade das palavras introductorias do preceito
em questão: «é considerada marca industrial ou
commercial qualquer signal que sirva para
distinguir os produetos de uma industria ou os
objectos dum commercio», palavras, digamos
ainda, que são traducção litteral da ultima parte do
art. l.° da lei francêsa sobre marcas e acerca do qual
escreve auctorisadamente POUILLET : «les
expressions de la loi sont générales et embrassent
— elle le dit ex-pressément—tous signes
quelconques servant á distinguer les pro-duits.
L'enumération de 1'art. 1.er n'est done pas
limitative; elle est, au contraire, simplement
énonciative et, si elle mentionne les
216

em todos estes casos a confusão é possível e conse-


quentemente o effeito da concorrencia desleal. E para
que tal effeito assim se qualifique, não ha mistér duma
imitação completa ou copia servil de todos os ele-
mentos constitutivos da marca figurativa, sendo apenas
necessaria a demonstração dum effeito parcial de con-
fusão, originado na reproducção de certos caracteres
da mesma marca. O que tudo redunda afinal em outras
tantas hypotheses de exclusiva interpretação concreta,
relegada á criteriosa apreciação dos julgadores: «il est
impossible, conclue POUILIET, de formuler des prin-
cipes, puisque tout dépend de l'appréciation du juge (1):
signos le plus ordinairement usités comme marques,
elle n'exclut pas los autres». (POUILLET, ob. cit.,
pag. 37). As razões adduzidas são assaz
concludentes, tanto mais que a marca-envolucro
não tem praticamente quaesquer motivos de
inexistencia, uma vez que o artificio a saiba crear
em bases suficientemente distinctivas.
(1) Respigamos de POUILLET as seguintes e mais interessantes
resoluções da jurisprudencia francesa, referentes aos varios aspectos
da categoria de marcas, presentemente analysadas: Il a été jugé dans
cet ordre d'idées: qu'il y a concurrence déloyale: Semelhança de
etiquetas, envolucros, etc.: 1.° «a) à employer des étiquettes dont la
forme et la couleur imitent les étiquettes d'un concurrent, et que,
d'ailleurs, on y a joint un nom de fantaisie burlesque qui, par la
composition de ses syllabes, reproduit presque entièrement le nom
de ce concurrent (Trib. comm. Seine, 25 mars 1851., Delacourcelle,
Le Hir, 51.2.265); b) de la part du négociant qui imite 1'enve-loppe
adoptée par un autre négociant, sinon dans ses détails mé-
217

il doit pourtant ne jamais perdre de vue que les com-


merçants loyaux trouvent cent façons différentes de
mes, du moins dans 1'aspect général (couleur jaune de
1'enveloppe, couleur rose et ornements du propectus
annexé, couleur verte de la bande), et s'efforce ainsi
d'établir une confusion entre les pro-duits des deux
maisons (Lyon, 16 janv. 1852, Lecoq, Dall.,
54.2.137); c) que le droit d'annoncer les produits sous
le même nom qu'un concurrent ne doit pas dégénérer
en abus, c'est-à-dire procurer le moyen de faire une
concurrence déloyale; on ne doit, par aucun
subterfuge, jeter dans le public de 1'incertitude sur la
vraie proveuance de la fabrication: spécialement, le
fait d'employer des plaques ou cachets de papier
métallique, des éti-quettes, des ligatures, des
enveloppes de forme et de couleur ana-logues, de nature
à faire illusion à la première apparence, constitue un
acte de concurrence déloyale (Nancy, 7 juill. 1856,
Verly, J. Pal., 26.2.196); d) qu'il y a concurrence
déloyale de la part de celui qui met sur des factures,
cartes et circulares, des emblèmes semblables ou
analogues à r,eux emploxés par un concurrent, et, en
tous cas, de nature à opérer une confusion entre ses
produits et ceux de son concurrent (Trib. comm. Seine,
6 fév. 1856, Mongin, Teulet, 6.434); e) qu'il faut voir un
acte de concurrence déloyale dans le fait par un
commerçant d'apposer sua sa voiture la marque d'un
fabricant dont il ne vende pas les produits, alors surtout
qu'il met sur les prospectus et sur les articles vendus le
nom du commerçant en grosses lettres, précédé du mot
«système» en lettres mi-nuscules»; 2.°—idem de
caixas, frascos, etc: <a) qu'il n'est jamais permis à un
commerçant d'employer les moyens déloyaux pour
faire concurrence à ceux qui vendent des marchandises
de même nature, et qu'on doit considerer, comme
moyens illicites, ceux qui sont de nature à induire le
public en erreur; en conséquence, celui qui adopte la
méme forme de bouteille, de cachet, et la méme
218

distinguer leurs marchandises de celles de leurs con-


currents, et que la ressemblance, en cette matière,
conleur de cire qu'un concurrent, et cela dans
1'intention évidente de faire confusion, se rend
coupable de concurrence déloyale et se voit avec
raison interdire 1'usage des signes entrainant la con-
fusion; toutefois, il suffi d'ordonner les mesures
nécessaires pour empêcher que les marchandises ne
soient confondues, sans qu'il faille interdire 1'emploi,
par exemple, d'une forme de boutcille dont 1'usage
est pour ainsi dire universel; <b) à emprunter à un
concurrent la même forme de flacon, la même manière
de le boucher et do le cacheter, la même forme
d'étiquette, et, à 1'aide de cette similitude, a produire
une confusion de nature à tromper les acheteurs; c)
lorsqu'un commerçant a adopté, pour ses pro-duits, une
boite d'une forme déterminée, sur laquelle il met, comme
signe distinctif, le portrait d'un homme célèbre (dans
1'espèce, le portrait de Humboldt), à prendre à son tour
les mêmes boites et le même portrait (Paris, 9 mai
1863, Alexandre, Ann., 63.253)»; d) qu'en matière de
concurrence déloyale, c'est à la forme exté-rieure de
1'objet, à son apparence générale qu'il faut s'attacher
pour voir si la confusion est possible; spécialement, il y a
concurrence illicite dans le fait d'employer, pour loger
ses produits, une forme de récipient (dans l'espèce, une
bouteille carrée) déjà adoptée par un concurrent pour
les mêmes produits et qui, bien qu'en soit dans le
domaine public, n'avait jamais été appliquée
auparavant à ce genre de marchandises; e) qu'il en est
ainsi, alors même qu'il existerait entre les deux
récipients certaines differences, si d'ail-leurs ces
differences, appréciables quand les deux objets sont
placés à côté l'un de 1'autre, ne sont pas assez sensibles
pour étre rete-nus et constatées aux yeux des acheteurs
ou des consommateurs nom prévenus, quand les objets
ne sont pas en présence (même arrêt)»; 3.° idem de
signais materiaes: «a) que 1'adoption d'une plaque
219

quand elle n'est commandée ni par un usage ancien


ni par la nature des produits, est toujours une faute,
de voiture semblable à celle qui est employèe par une
entreprise rivale peut motiver, de la part de cette
entreprise, un action en dommages-intéréts, alors
même que les noms écrits sur 1'exergue sont
différents; b) qu'il y a concurrence déloyale à apposer
sur ses produits une certame lettre de 1'alphabet
qu'un concurrent employait antérieurement pour
distinguer ses produits (Trib. civ. Lyon, 19 mai 1861,
Mon, Lyon, 5 oct.); c) qu'il y a concurrence illicite
dans le fait de placer sur une marchandise (dans
1'espèce, des savons) une grande étoile entourée
d'autres plus petítes, alors qu'un concurrent désigne le
même produit sous le nom de Savons de Étoile; une
confusion, en effet, peut naître, si des demandes de la
marchandise sont faites sans aatre désignation que
celle des marques»; 4.° idem de frontespicios de
estabelecimentos: «a) que si la liberté commerciale est
érigée en un príncipe sacré auquel il faut se garder de
porter atteinte, cette liberté ne comporte pas 1'emploi
de moyens que ne sauraient avouer la bonne foi et la
loyauté, sans lesquelles la considération commerciale
serait perdue; en fait, il y a concurrence déloyale de la
part du commerçant qui, pour établir une confusion
inévitable avec un concurrent voisin, donne a son
magasin un aspect extérieur tellement semblable,
qu'une partie de la clientèle soit, par une immanquable
erreur, détournée à son profit (Paris, 29 déc. 1882,
Parlongue, J. Pal., 53.1.335); b) qu'il y a concurrence
déloyale de la part du commerçant qui expose dans
ses vitrines des objets provenant de la fabrication d'un
autre commerçant demeurant dans la même rue, en les
accompagnant de brochures publiées par ce dernier,
mais sur lesquelles il a effacé le numéro de la maison,
pour faire croire au public que son magasin est celui
même où se fabriquent ces
220

quand elle n'est pas un calcul. Il va de soi que


l'adjonction par 1'imitateur, de son propre nom, ne
serait pas nécessairement une raison d'écarter la con-
currence déloyale, si, malgré cela, la confusion restait
possible».

objets (Paris, 24 nov. 1861, Dehaut, Teulet, 9.106)»; Cf.


POUIL-LET, ob. cit., pag. 552, 553, 555, 556, 558, 560 e 561).

Pelo que respeita á jurisprudencia portuguesa,


escassos são os seus casos julgados. Mencionemos:
sentença do Tribunal do Commercio de Lisboa de
11 de janeiro de 1903 recusando a uma marca
figurativa constante de: «como figura principal,
collocada no primeiro plano, uma mulher numa
praia, com o fato de ova-rina, carregando aos
hombros com um peixe e tendo do lado di-reito um
cão da Terra Nova, tendo no alto os seguintes
dizêres — Oleo puro de fígados de bacalhau da
Terra Nova e aos pés das fi-guras principaes —
Industria Portuguesa, Lisboa» — com o fundamento
de confusão com outra anteriormente registada;
sentença que foi revogada por accordão da Relação
de Lisboa de 23 de dezembro de 1903, ordenando o
registo da citada marca com o fundamento de não
existirem motivos de inconfundibilidade (Cf. Boletim
da Propriedade Industrial n.° 6 de junho de 1904,
pag. 151-153); sentença do Tribunal do Commercio
de 30 de novembro de 1904, dando provimonto a
um recurso concernente a uma marca figurativa
consistindo principalmente «num circulo contendo
ao centro as letras A O» e negando registo a outra
marca posterior de egual desenho com o fundamento
de confusão possível {Boletim n.° 1 de janeiro de
1905, pag. 5).
SECÇÃO IV

Fórmas do producto 49.

— Fórmas do producto.

49. Fórmas do producto. —É questão assaz de-


batida entre os jurisconsultos francêses, se as fórmas
do producto poderão constituir objecto de marca.
POUILLET pronuncia se afirmativamente «avec celle
restriction qu'il ne s'agira pas d'un produit dont la
forme est nécessaire, voulue par la force même des
choses, commandée par les besoins de la fabrication».
Afóra taes hypotheses, nada justifica a exclusão da
forma do producto como motivo de distincção ou marca
do mesmo producto, antes tal fórma é de natureza a
chamar particularmente a atlenção do comprador, e
bem assim a desvendar qualquer manejo de desleal
concorrencia. «Quel intérèt, escreve ainda POUILLET,
peut donc inspirer le fabricant qui copie la forme spé-
ciale qu'un de ses concurrents aura donnée à ses pro-
duits ? N'est-il pas certain que son but est de créer
une confusion entre les produits de son concurrent et
les siens? Qu'importe au commerce, qu'importe au
consommateur que le produit ail lelle ou lelle forme,
quand cette forme ne produit par elle-même aucun ré-
222

sullat spécial, et n'a d'aulre effet que de spécialiser,


que de singulariser le produil! Nous ne voyons aucune
raison plausible de soustraire à la protection de la loi
de 1857 la forme mêtne du produit, et nous pensons
que, dans nombre de cas, cette forme, si elle nouvelle
et spéciale, constituera au contraire une marque três
caractéristique (1). D'onde facilmente se deduz e
comprehende (2) que a

(1) De opinião contraria a POUILLET é PATAILLE que ainda assim


confessa que «1'imitation de la forme d'un produit peut seulement
être, d'après les circonstances, un des elements constitutifs d'une
concurrence déloyale et rien de plus»; e do mesmo parecer é
RENDU dizendo: «Il ne peut pas être admis qu'il y ait des objets
que leur nature empêche de participer à la protection de la loi,
dès lors qu'il existe en réalité un moyen de les distinguer des
objets similaires. S'ils ne peuvent être caractérisés par un signe
apposé, ils peuvent 1'étre et ils le sont, en réalité, par leur confi-
guration, qui ne permet pas de les confondre avec les produits
d'autres fabríques. Cette configuration a le même but, la même
valeur, le même effet que la marque proprement dite; c'est bien,
lato sensu, un signe servant à distinguer, c'est donc en réalité une
marque de fabrique». (Cf. POUILLET, ob. cit., pag. 54).
(2) Neste sentido tem julgado a jurisprudencia francêsa: «1.° que,
lorsqu'un industriel adopte, comme signe distinctif de ses produits,
une couleur spéciale combinée à une disposition de lignes droites
formant un quadrillé, il y a concurrence déloyale de la part du
commercant qui emploie la même nuance et la même disposition
de lignes pour des produits similaires (Paris, 21 janv. 1850, Le-
perdriel, Dall., 51.2.123); 2.° qu'un ovale, ménagé au centre du
verre dépoli dont se compose une lanterne, ne constitue pas une
223

marca-fórma do producto possa ser alvo de


usurpação, dando azo a qualquer facto de
concorrencia desleal marque de fabrique; toutefois,
un pareil signe constitue, au profit de celui qui eu a
le primier fait emploi, un sorte d'enseigne qui peut
étre interdite à ses concurrents (Trib. comm. Seine.
17 fév. 1852, Aubineau, Teulet, 1.40): 3.° mais qu'il
importe peu qu'un produit soit vendu sous une
forme qui ait quelque analogie avec la forme dejà
adoptée par un concurrent, si, en fait, il y a, dans la
dimension et la couleur d'enveloppe, des différences
telles, que la confusion soit impossible (Trib.
comm. Seine, 26 sept. 1854, Vinit, le Droit, 28
sept.); 4.° jugé toutefois, d'une façon absolue,
qu'une forme géométrique (dans 1'espèce, la forme
cylindrique donné à un cahier de papier a
cigarettes) ne peut isolément, et en dehors d'autres
éléments, constituer une concurrence déloyale
(Paris, 24 juin 1865, Prudon, J. Pal, 65.1125). Cf.
sobre as materias expostas: POUILLET, ob. cit., pag.
37 e seg., 533 e seg.; BRUN, ob. cit., pag. 2 e seg.;
DR. PAUL ABEL, ob. cit., pag. 27 e seg.; AUBIN, Du
nom eommercial, pag. 23 e seg.; DARRAS, Traité
théorique et pratique de la concurrence déloyale,
pag. 10 e seg., e 52 e seg.; AUSCHIZKY, Le nom
commercial, 1909, pag. 21 e seg.; PLOCQUE, De la
concurrence déloyale par homonymie, pag. 3 e seg.;
ÉMILE BERT, ob. cit., pag. 25 e seg., 44 e seg., 51 e
seg., 77 e seg.; SUDRE, Le droit au nom, 1903, pag.
11 e seg.; THALLER, ob. cit., pag. 67 e seg.;
GIANNINI, ob. cit., pag. 80 e seg., 162 e seg.; Études
sur les denominations et les marques verbales apud
Prop. Indust. 1891, pag. 83 e seg.
§ 2.° Indicações de falsa

proveniencia (1)

50. —Natureza e fundamento da indicação do logar de prove-


niencia,
51. — Alcance de tal designação.
52. —Restricções ao direito de indicação do logar de proveniencia.
53. —Nomes ou denominações genericas.
54. —As indicações do logar de proveniencia e os productos vi-
nicolas.
55. —Poder-se-ha usar, indiferentemente e com identica protecção
legal, das indicações dos legares de producção ou fabrico
dos productos vinícolas?

50. < Art. 201.° São considerados casos de con-


correncia desleal, e como taes puníveis:
«1.° Aquelles cm que se fazem indicações de falsa
proveniencia;

(1) A lata e preponderante importancia, que as indicações de


proveniencia assumem dentro da propriedade industrial e da desleal-
concorrencia, aconselhou-nos a tratar mais amplamente dessa ca-
pital modalidade da marca.
. Foi sem duvida tendo em vista o alcance do referido distinctivo
que a lei de '41 de maio de 1896, a exemplo de outras legislações
estrangeiras, entendeu fazer-lhe especial e destacada menção.
225

A expressão indicações de falsa proveniencia tem


merecido á critica e á jurisprudencia uma bem diversa
interpretação.
Reduzido ás suas proporções mais simples, o facto
licito cuja deturpação no campo das livres iniciativas
da propriedade industrial dá margem a esse abuso: a
indicação de falsa proveniencia, é singelamente o uso
dum nome de região ou localidade como elemento iden-
tificador duma determinada mercadoria (1).
Logo, porém, o parecer dos tratadistas diverge
quanto á essencia e extensão de tal direito. «Le droit
au nom de localité, escreve LACOUR, n'est qu'une bran-
che, peut-être serait-il plus vrai de dire une annexe, un
complément du droit au nom commercial. N'est-il pas
d'usage constant que les commerçants, dans les lettres;
factures, prospectus, etc, indiquent leur adresse à.côlé
de leur nom ? Tout le monde sent combien ils sont in-
téressés à graver, pour ainsi dirc, cette adresse dans
l'esprit et la mémoire de leur clicntèlc, abslraclion faite
de la réputation particulière qui peut être allachée, pour
certains genres de produits, au nom de la localité.
L'adresse, joint au nom, achève d'individualiser la mai-

(1) É nesta rigorosa orientação que a lei portuguêsa define: «a


indicação de proveniencia consiste na designação de uma localidade ou
região que se tem tornado conhecida pelos seus productos» (art.
199.°). 15
226

son de commerce. C'est un des signes, assez nombreux


dans la pratique, dont chacun se sert pour distinguer
son établissement ou ses produits».
Das palavras transcriptas do jurisconsulto francês
deduz-se claramenle a importancia e alcance, que para
o industrial ou commerciante tem o nome de logar ou
indicação de proveniencia, acompanhando com sua su-
premacia a mercadoria em trajecto. A sua influencia
congregada com a de outros elementos assegura ao
proprietario a identificação e prestigio maximos do pro-
ducto, e é certamente com tal pensar que LACOUR con-
cluo que «le droit au nom de localité est accessoire à
1'achalandage des fonds de commerce». Tal direito tem
uma essencia e significação precisas, fundamentadas
nas mais plausíveis razões economicas como nas suas
bem destacadas consequencias nos dominios da con-
correncia desleal.
A historia do industrialismo humano, capitulada
de povo a povo, de província a província e até de
burgo em burgo, está repleta destes traços de pro-
funda caracterisação particularista: aqui nasceu a in-
dustria A, além surgiu o producto B... As aptidões
singulares duma terra ou o engenho aperfeiçoado duma
geração de artífices produzem ou edificam inconfun-
divelmente um produeto ou uma industria, effeito mer-
cantil cuja utilidade e supremacia se consolidam e pro-
longam, identificando a região e a sua resultante
227

economica. É uma interessante digressão que vai desde


a sêda de Lyon a uma zaragoza, duma renda de Bru-
xellas a um pedaço de rude estamenha portuguêsa, a
çamarra de grisé em que Fr. Nuno de Santa Maria, o
ex-condestabre, envolveu durante os ultimos oito annos
de sua vida o corpo glorioso de cem batalhas; de um
Gobelino a um Arrayolos, de um Falerno ou Cham-
pagne a um Porto ou Madeira, de uma faiança de Sè-
vres a um barro das Caldas, traduzindo a mais ironica
e genial gargalhada de Raphael Bordallo Pinheiro ..
São coisas que se não confundem, como confundir se
não podem o templo de Karnak ou o Parthenon de
Athenas com a cathedral de Burgos ou o Escoriai,
Cleopatra com a rainha Victoria, Carlos Magno com
D. João VI, Bismark com o conselheiro Accacio...
São produclos de ambientes tão diversos, que não será
exaggero apontá-los como specimens de civilisação an-
típodas ...
Assim tambem no campo do livre-industrialismo um
producto indica uma região, respirando todas aquellas
boas e privativas qualidades, que lhe consolidaram nos
mercados uma situação de vantagem.
Esse resultado, consagra-o a indicação de prove-
niencia (1).

(1) «Un nom de ville, ou plus généralement, un nom de loca-


lité, escreve POUILLET, peut commo un nom patronymique, servir de
228

51. Qual será, porém, a licita medida da indicação


de logar de proveniencia ?
Logar de proveniencia, estabelece a critica, é uma
expressão da maior amplitude: nella se póde incluir a
designação dum paiz inteiro, como duma região, duma
cidade ou ainda dum simples logarejo. «D'une part,
escreve LACOUR, il peut être employé pour désigner des
territoires très vastes, tels que ceux d'une région, d'une
ancienne province, comine la Bourgogne ou la Cham-
pagne (1'observation présente un intérêt parliculier,
lorsqu'il s'agit d'exploitations vinicoles): il est même
susceptible de s'appliquer à toute l'étendue d'un pays.
Une industrie française, prise en bloc et abstraction
faite du domicile parliculier de chacun de ceux qui
l'exercent, n'esl-elle pas sérieusement intéressée à ce
marque de fabrique; toutefois, ici encore, c'est à la
condition que le nom se présentera sous une forme
distinete, spéciale, toujours la même: c'est cette
physionomie particulière qui fait la marque et non
pas le nom pris isolément et pour lui-même» (Cf.
POUILLET, obr. cit.j pag. 91).
Quanto á primeira parte, de accordo: as indicações
de logar de proveniencia constituem uma categoria
de marcas. Dado, porém, que a marca-logar seja
uma legitima e authentica indicação, de proveniencia
e não uma denominação imaginaria ou de phantasia,
afi-gura-se-nos, salvo o devido respeito, que o
eminente jurisconsulto attende mais á fórma externa
que ao conteudo, visto que em taes casos o que
individualisa a mercadoria é a sua essencia mesma,
as suas qualidades, que o rotulo mais não faz que
apregoar...
229

qu'on ne lui altribue pas des produits de fabrication


étrangère, dont la qualité est souvent três inférieure?
et les manoeuvres destinées à créer une pareille confu-
sion ne portent-elles pas atteinte au droit de propriété
qui lui appartient sur le nom même de la France, en-
visagée comme lieu de fabrication?
< D'autre part, il faut reconnaître que le terme
loca-lité s'appliquera plus fréquemment à une ville, à
un village, même à un quartier ou faubourg, à un
hameau, à un lieu dit. Peu importe 1'exiguïté du
territoire qu'on a en vue, pourvu qu'il soil susceptible
d'être le siège de plusieurs établissements produisant
des objets simi-laires».
Até este ponto a opinião do jurisconsulto francês
parece inspirar-se num criterio interpretativo da ex-
pressão logar de proveniencia que é, digamo-lo, pura-
mente arithmetico: pouco importa que tal logar seja
uma nêsga de terra, o que é indispensavel é que seja
séde de varios estabelecimentos de similar producção
— «peu importe 1'exiguité du territoire qu'on a en vue,
pourvu qu'il soit susceplible d'être le siège de plusieurs
établissements produisant des objets similaires». Dis-
tincção que se nos afigura insustentavel.
Não a exige a generalidade dos preceitos legislati-
vos, não a tem confirmado a jurisprudencia, e é, em
principio, absolutamente incongruente. Que importa,
de facto, que uma indicação de proveniencia tenha por
230

ambito os confins mais vastos dum país, duma provin-


cia ou duma simples granja particular, e que o uso
dum distinctivo logar de proveniencia pertença a mi-
lhares de indivíduos ou apenas a um proprietario (1),
uma vez que a indicação de proveniencia seja cabal-
mente justificada pela essencia e privativas qualidades
do produclo que acompanha? (2) Não ha motivo para
limitações (3), como, no caso do uso da indicação de

(1) De resto, isso mesmo admitte LACOUR, abrindo clara exce


pção á regra supra-transcripta: «Le principe en question cesse na-
turellement de s'appliquer, lorsque le nom de lieu designe un do-
maine particulier. Le nom d'un pareil domaine appartient exclusi-
vement à la personne qui en est proprietaire: aucune autre ne peut
s'en servir».
POUILLET, por sua vez, apreciando a hypothese-limite do nome
de localidade corresponder a um dominio privado, a firma clara-
mente : «Il est clair, qu'en pareil cas, le propriétaire du domaine
a seul le droit de se servir du nom de son domaine ou de permettre
qu'un tiers s'en serve. Son droit est absolu et dérive de la nature
même dos choses».
(2) VALLÉ transcreve em tal sentido uma interessante decisão
de Grenoble (do 11 de fevereiro de 1870) em que se contém a se-
guinte fórmula, na verdade pouco jurídica, mas praticamente justa:
«le nom d'un terrain appartient à la marchandise et nom au com-
merçant» (VALLÉ, Obr. cit., pag. 36 e nota).
(3) «En príncipe, escreve VALLÉ, tous ceux qui habitent une
localité et y exercent leur industrie peuvent marquer leurs produits
du nom de cette localité.
«Il y a là comme une sorte de propriété colleclive où tous ses
propriétaires ont des droits égaux. C'est a ce point que celui-là
231

proveniencia pertencer a multiplos industriaes duma


localidade, motivos não encontramos que prejudiquem
a adopção duma marca collectiva (1), devolvendo-se
même qui, le premier, a su acquérir à un centre une
renommée pour les produits qu'il y fabrique, ne
peut exciper contre ses con-currents d'aucun droit
d'antéríorité». Ideía que a lei hespanhola
expressamente sancciona ao affirmar que «o nome
dum logar de producção pertence colléctivamente a
todos os productores estabelecidos nesse mesmo
logar» (art. 124.°. in fine).

(1) Por marcas collectivas entendem-se os signaes figurativos


adoptados por auctorídades publicas, corporações officiaes, syndi-
catos de productores ou associações de classe para serem affixados
nas mercadorias e indicar que estas foram produzidas ou fabricadas
em determinado país, região ou localidade.
«Vem de longe, escreve o Sn. CONSELHEIRO MADEIRA PINTO, O USO,
em alguns países, de marcas collectivas. Muitas das antigas corpo-
rações industriaes tiveram marcas privativas. Na Austria ha exem-
plos disso; na França existe a marca dos fabricantes de sedas de
Lyon e a sociedade denominada União dos fabricantes de França
criou uma marca que cada um dos seus associados póde applicar
aos seus productos, isolada ou juntamente com a sua marca indivi-
dual; os fabricantes allemães teem o direito de estampar nos seus
produetos e na respectiva embalagem a aguia imperial: nos Estados
Unidos da America tende a generalisar-se o uso de marcas collecti-
vas dos syndicatos operarios de producção, como meio de propa-
ganda e de reclame; em Portugal encontram-se ainda, em alguma
das suas industrias, vestígios da existencia remota de marcas col-
lectivas. Isto demonstra que em muitos casos se reconheceu, desde
longa data, a vantagem das marcas collectivas, nacionaes, regio-
naes ou locaes, destinadas a mostrar a verdadeira proveniencia das
mercadorias. Em relação a muitos produetos, póde haver mais con-
332

unanimemente a attribuição de tal distinctivo a uma entidade,


syndicato ou municipalidade, interprete e deveniecia para o
consumidor em conhecer o país ou a localidade da verdadeira
proveniencia delles do que em saber o nome dos prodadores». (SB.
CONSELHEIRO MADEIRA Pinto, Relatorio do Congresso de Berlim de
1904—7.° CONGRESSO da associação internacional para a
protecção da propriedade- industrial, pag. 8).
«On peut soulenir, diz DONIEL (Commentaire dela Convention
internationale du 20 mars 1883, pag. 49), qu'il y a deux sortes de
marques, en élargisseat le sens strictement légal de ce mot: la mar-
que individuelle, qui peut consister dans tout signe, quel qu'il soit,
servant à distinguer la personnalilê d'un eommerçant ou d'un fa-
bricant, marque protégée par la loi du 23 juin 1857, et la marque
collective des fabricants d'une contrêe ou d'une ville réputêe spê-
cialement pour an produit determiné: cette dernière consiste... à
accoler au nom individuel du fabricant le nom du lieu indiquant la
provenance».
O uso, mais ou menos geanralisado dum certo
distinctivo determina, portanto, uma categoria e
sentido das marcas collectivas. Estas, porém,
oferecem um não menos lato aspecto, considerado o
seu uso e fruição por parte das collectividades, ou
sejam as multiplas aggremiações de caracter
organico, areadas á sombra da lei e com variados
intuitos de actividade. Neste caso as marcas dir-se-
hão collectivas, não já em virtude de seu uso
disperso por muitos individuos ou productores
isolados, mas como pertinentes e apropriadas por
entidades corporativas, resultantes da cooperação
harmonica e anilaria dos esforços e forças
individues. Sob este ponto de vista, a marca
collectiva, traduzindo a attribuição dum direito ás
formulas de sociabilidade, que representam na sua
mais exteriorisada feição as pessoas sociaes,
implicitamente convida ao debate sobre um dos mais
arduos e melindrosos problemas que tem suscitado a
analyse
233

positario dos interesses mercantis duma região. Tal


pratica, sympaticamente collectivista, é racional, util
e interpretação dos phenomenos sociologicos, qual
é o da existencia e natureza das mesmas pessoas
sociaes.
Sem mais delongas e ao revez das theorias de
ficção, inclínamo-nos a admittir com VANNI e OTTO
MATER uma absoluta identidade entre a pessoa
moral e a pessoa natural, sob um criterio unico e
commum: o do interesse, singular ou multiplo, por
egual animando taes entidades e bem assim
fundamentando e caracterisando as pessoas
collectivas ou seja essa resultante sociologica—a
personalidade collectiva.
Em materia de propriedade industrial são
legítimos requerentes as collectividades de
qualquer especie e racional organisação. As
legislações assim o confirmam e reconhecem,
algumas com mais expressa referencia como: a lei
inglêsa, usando por egual dos termos pessoa ou
associação (n.° 62); a suissa, auctorisando o pedido
do registo de marcas feito pelas associações de
industriaes, productores e commerciantes,
civilmente capazes (art. 7.°, n.° 3); a lei norte-
americana estabelecendo que os termos pessoa e
proprietario e correlativos se applicam ás casas de
commercio, corporações e associações como ás
pessoas physicas (art. 29.°); e ainda a lei
hespanbola que permitte expressamente o uso de
marca collectiva: aos syndi-catos ou
collectividades não commerciantes, para distinguir
os prodnetos do trabalho de todos os membros do
grupo—aos concelhos municipaes, para os
productos de sua arca e as deputações provin-ciaes,
para os das respectivas províncias (art. 25.°).
E assim estabelece tambem a lei portuguêsa,
dizendo que as marcas podem ser registadas a favor
de uma pessoa, de uma firma social, de uma
sociedade anonyma, de uma corporação ou collecti-
vidade (art. 66.°). (Cf. VANNI, Lezioni di filosofia
del diritto, pag. 339 e seg. e 348; OTTO MAYER, Le
droit administratif alemand,
234

e tem o apoio decidido das velozes correntes contem-


poraneas de socialisação das indoslrias.
Appropriada singular ou colleclivamente, pois que
sob o ponto de vista extensivo nenhuma reslricção se
nos afigura, em principio, razoavel pelo que respeita
ás indicações de proveniencia, o que se impõe como
requisito indispensavel e fundamental é que o proprie-
tario ou proprietarios de tal direito offereçam garantias
de probidade mercantil: é a «necessité d'on établis-
sement sérieux», de que falla VALLÉ.
Em que consiste tal probidade? Em o fabricante ser
sincero ao affirmar a indicação de proveniencia dum
producto, realmente produzido, trabalhado ou modifi-
cado, consoante os termos da lei portuguêsa, em de-
terminada localidade, e não lançar mão do estratagema,
por demais verificado, de ter uma séde commercial na
região com o fim de justificar apparentemente o aso
da indicação de proveniencia e de facto manufacturar
algures o artigo em questão (1). Esta é, pois, uma ele-

tomo IV, pag. 254; SR. DR. GUILHERME MOREIRA, A personalidade


collectiva, apud Rev. de Leg. e Jurisp., vol. XL, pag. 450 e seg. e
vol. XLI, pag. 2 e seg.; LACOUR, obr. cit., pag. 21 e 36 e seg.;
VALLÉ, obr. cit., pag. 36 e 73).
(1) Depois de ter apresentado o requisito ou obrigação que im-
pende sobre o industrial de ter no logar de proveniencia um esta-
belecimento serio, VALLÉ escreve documentadamente: »Il faut
ajouter que, malgré la loi, le stratagème, si blâmable soit-il, est
235

mentar e indispensavel exigencia no que loca ao exer-


cício do direito de indicação de logar de proveniencia.

52. Nos princípios expostos se cifra, a bem dizer,


a these geral do direito ao uso de indicação do logar
de proveniencia. Não comportará ella, porém, quaes-
quer restricções? Não haverá situações em que licito
seja ao industrial appôr na mercadoria um nome de
localidade, sem que tal implique uma relação origina-
ria? Responde-se afirmativamente para duas catego-
rias de casos, uma das quaes a lei portuguêsa a[onta
expressamente na primeira parte da excepção feita ao
art. 198.°: «exceptua-se o caso em que o nome geo-

trés fréquemment employé. M. Duras, juge au tribunal do com-


merce de Cognac, constatait dans sa répouse a la circulaire minis-
térielle du 28 mars 1888, sur le projet de loi concernant les marques
de fabrique qu'à Cognac seulement, environ deux cents maisons
faisant le commerce des spiritueux, mais étrangères à la localité,
recevaient à la poste de cette vílle des correspondances de toutes
sortes comme si elles y avaient un établissement commercial quel-
conque. Et il ajoutait que ces correspondances leur étaient ensuite
réexpédiées sans frais à leur domicile commercial réel par l'Admí-
nistratíon des Postes même, cúmplice inconsciente d'une fraude
considérable.
Cependant la jurisprudence n'a jamais manqué l'occasion de
flétrir de semblables procédés» (Cf. VALLÉ, obr, cit., pag. 37-38).
Adeante teremos ensejo de nos referir a orna causa celebre neste
assumpto: ao processo do vinho da Madeira, instaurado e vencido
pela firma Blandy Brothers.
236

graphico perde o caracter restricto para designar um


typo de productos conhecidos por aquella denominação
no commercio» (§ unico do art. 198.°).
Esta é a categoria dos nomes genericos; outra, po-
rém, existe: a das denominações de phantasia, já do
nosso conhecimento.
A denominação de phantasia ou indicação de phan-
tastica proveniencia póde resultar por duas fórmas:
a) absolutamente fictícia, não correspondendo a região
alguma (v. g. liquor du Mont-Carmel); b) ou denomi-
nação apropriada duma localidade existente, mas na
qual não haja nenhuma fabrica de productos similares
(v. g. sabão do Congo).
a) A primeira especie apontada é pura e simples-
mente uma denominação de phantasia: phantasia geo-
graphica, digamos, e como tal, já delia nos occupámos
sufficientemente, e por fórma geral nas paginas atrás.
b) Quanto ás denominações apropriadas duma locali-
dade exislente, vimos que essas obedecem á condição
de não haver na citada localidade qualquer estabele-
cimento similar: <il faut, commenta LACOUR, que dans
la localilé il n'existe aucun établissement manufactu-
rant de semblables produits et interésé à s'en réserver
le nom».
Nestas circunstancias, o emprego de taes denomi-
nações não póde ser um facto de concorrencia desleal,
tanto no que respeita a outros productores como ainda
237

relativamente aos consumidores «qui seraient inexcu-


sables, observa LACOUR, de prendre ces noms de fan-
taisie pour des indications de provenance».
Uma hypothese. porém, se suscita e que importa
acautelar: a do estabelecimento de um industrial de
productos similares na localidade apropriada como de-
nominação de phantasia «Nous pensons, assim resolve
LACOUR a dificuldade, que, dans ce cas, il faudrait re-
connaitre au propriétaire du nouvel établissement le
droit d'employer le nom de la localité pour désigner
ses marchandises. Et même son concurrent, malgré
1'antériorité dont il essaierait de se prévaloir, pourrait
être obligé, sur sa demande, de renoncer à 1'emploi
d'une marque qui, à partir de ce moment, aurait l'in-
convénient grave dexposer le public à une erreur sur
1'origine des produits qu'il fabrique. On ne saurait
donc trop conseiller aux industriels, pour éviter toute
difficulté de ce genre, de n'adopter, comme désigna-
tion de fantaisie, un nom de pays ou de localité, qu'au-
tant qu'ils peuvent être certains que jamais, en ce lieu,
une maison concurrente ne viendra s'élablir».

53. A categoria dos nomes ou denominações ge-


nericas inspira-se no caso assás frequente do nome de
uma região ou localidade, originariamente empregada
como indicação de proveniencia dum producto, acabar
por ser unanimemente considerada como designando o
238

proprio producto, por effeito de associação de ideias


ou habito inveterado de linguagem. Obter-se-ha então
uma designação generica de uso geral, susceptível de
ser empregada por todos aquelles que, em qualquer
parte, fabricam tal producto: c o caso da agua de Colonia,
do fio de Escossia, das rouenneries, azul da Prussia,
couro da Russia, das rendas de Malines e as valencien-
nes, etc.
Em taes casos, o nome de logar cai no dominio pu-
blico, não podendo consequentemente constituir pro-
priedade exclusiva de alguem. Ponto está em saber
qual seja o momento em que tal nome assume feição
generica: questão deveras delicada e de bem difficil,
se não impossível solução...
«Il est difficile, escreve VALLÉ, et même impossible
de le préciser. Les tribunaux, maîtres absolus de se
prononcer sur cette question, n'ont pas trouvé de cri-
térium indiscutable pour justifier leurs décisions. Ils
ont tendance à ne pas reconnaitre facilement qu'un
nom de localité est devenu générique, sans doute dans
le désir de sauvegarder les industries locales; mais
quand ils le font, ils se décident par des arguments de
fait et d'espèce».
Á jurisprudencia, pois, compete a ultima e soberana
apreciação dos factos. Conclusão veridica, é certo, po-
rém não menos commoda e que não impediu razoa-
velmente LACOUR de entrar numa analyse mais detalhada
239

do assumpto, procurando formular os seus justos fun-


damentos doutrinarios.
No parecer do illustre jurisconsulto, para que um
nome de localidade revista o caracter de denominação
generica é necessario o concurso das seguintes condi-
ções: 1.a) que a expressão empregada constitua a deno-
minação unica e necessaria dum determinado producto;
2.a) que os fabricantes de tal localidade tenham renun-
ciado, expressa ou tacitamente, ao direito privativo que
originariamente lhes pertencia sobre o mesmo nome.
Analysêmo-las por sua ordem.
E indispensavel, em primeiro logar, que a expressão
empregada constitua a denominação unica e necessaria
dum certo producto, «de telle sorte, explica LACOUR,
que le public ne puissc, pour désigner ce produit, en
employer aucune autre» (1). Por outras palavras: a
denominação deve apresentar-se ao espirito em bloco,
inseparavelmente, traduzindo sem confusão possível a
ideia do proprio produclo, em sua natureza e essencia
e independentemente do seu logar de proveniencia ou
designação (2).

(1) La dénomination, commcnta VALLÉ, est unique et néces-


saire—les mots l'indiquent—quand aucune autre ne peut la rem-
placer, ce qni oblige à l'employer chaque fois qu'il est question du
produit. L'expression ne revèle plus sa provenance, mais simples-
ment sa nature» (VALLÉ, obr. cit., pag. 52).
(2) LACOUR exemplifica frisantemente: «Par exemple, l'eau de
240

As ideias expostas fornecem de promplo margem


a ama excepção plenamente justificada e relativa aos
productos naturaes, cuja indicação do logar de prove-
niencia nunca podera transformar-se em denominação
generica.
As razões são obvias. Esses productos ou sejam,
como quer LACOUR, OS resultantes das industrias ex-
tractivas e agrícolas, recolhem todo o seu valor da
terra unica de sua naturalidade; desta lhe advêm a
sua essencia e demais elementos caracteristicos, todas
as qualidades, em summa, que lhes asseguram incon-
fundível prestigio no mercado e os recommendam po-
derosamente ao consumo (1). E tal excepção, applica-

Cologne se distingue par un odeur qu'on ne rencontre dans aucun


autre liquide à 1'usage de la toilette. La Valencienne presente une
contextura toute spéciale, différente de celles des autres variètés
do dentelles.. Au contraire, les expressions drap d'Elbeuf, vinaigre
d'Orléans, ne caractérisent pas la natura même d'un produit; on
peut, en employant les mêmes matières premiéres et les mêmes pro-
cédés industriels, faire, n'importe en quel lieu, du drap qui ressem-
blera à celui des fabriques d'Elbeuf, du vinaigre qui aura les mê-
mes qualités que celui d'Orléans. Dans la première catégorie d'hy-
pothèses, 1'expression employée correspond à 1'idée du produit lui-
même, dans sa nature propre et essentielle, indépendamment du
lieu où il a été fait: dans la dernière, c'est, au contraire. 1'origine,
la provenance de 1'objet qu'elle désigne indubitablement».
(1) «En effet, observa LACOUR, les caractères par lesquels se
distinguent ces produits, les qualités qui les racommandent au choix
241

vel, portanto, a todas as riquezas do referido teor (1)

des consommateurs, leur nature et leur essence même dépendent


nécessairement da terrain d'oú ils ont été extraits, ou à la surface
duquel ils ont été récoltés. Ainsi, les marbres tirés de deux carriéres
différents ne sont jamais complèlement semblables, non plus que
les charbons de diverses mines; suivant le lieu ou il a été récolté,
chaque vin a une saveur particulière et des qualités propres. Le
public serait donc trompé sur la nature méme des marçhandises
qu'on lui offre, s'il était permis de vendre, par exemple, comme
charbon de Charleroi de la houílle qui n'a pas été extraite de eette
mine, ou comme vin de Bourgogne du vin qui n'a pas été fait dans
cette province». (LACOUR, obr. cit., pag. 31).
(1) Uma das hypotheses mais interessantes que se suscitam e
que a jurisprudencia francêsa tem largamente ventilado é a que res-
peita ás aguas mineraes artificiaes e que POUILLET, assim enuncia
nitidamente: «Le nom d'une eau thermale appartient exclusívement
á son propriétaíre, de telle sort qu'une eau d'autre provenance ne
pourrait étre, sans délit, vendue sous le méme nom. Toutefois ce
droit va-t-il jusqu'à empécher celui qui fabrique artificiellement la
méme eau de 1'annoncer sous le nom de l'eau naturelle qui lui con-
vient, à la condition de prevenir toute confusion avec l'eau naturelle
elle-même? S'il en était autrement, le propriétaire de l'eau naturelle
n'étendrait-il pas abusivement son droit sur l'eau artifi-cielle et ne
confisquerait-il pas à son profit une partie du progrès industriei ?«.
DARRAS defende a opinião de que é licito aos fabricantes de aguas
mineraes artificiaes usar do nome das fontes naturaes, apenas com
a seguinte condição: «que les débitants d'eaux artificielles doivent
prendre toutes les mesures nécessaires en vue de bien établir que
les produits par eux vendus ne sont pas des produits naturels D. De
identico parecer foi por largo tempo POUILLET e bem assim a Cour
16
242

offerece capital importancia respeitantemente a uma


categoria de productos naturaes, a que adeante farêmos
de Lyon julgando que em taes circunstancias <ce
nom devait étre considéré comute la désignation
nécessaire de 1'eau artificiellement composée, et que
le fabricant de cette eau pouvait 1'employer, à
condition de prendre des précautions pour rendre
toute confusion impossible, par exemple, d'inscrire
sur les étiquettes: eau factice de...».
Tal opinião teria, porém, de baquear perante os
progressos scien-tificos, concluindo abertamente pela
impossibilidade de imitação das aguas mineraes
artificiaes e inspirando a reforma do Codex da
Pharmacopéa francêsa, de cuja lista foi riscada a
denominação con-demnada: aguas mineraes
artificiaes. E POUILLET não tardou em registar o
significado de taes conclusões, escrevendo com
esclarecida lealdade nas ultimas edições do seu
magnifico trabalho: «En pré-sence d'une opinion
aussi formelle de la science, le jurisconsulte ne peut
que s'incliner. Si nous admettions que celui qui
imilait une eau minérale avait le droit de prendre le
nom do l'eau naturelle pour désigner sa composition
artificielle, c'est que nous admettions en même
temps que de l'eau factice était semblable à 1'eau
naturelle et en reproduisait les propriétés. Dès
1'instant que cette idée doit étre abandonnée, dès
l'instant qu'il est reconnu que los eaux minérales
naturelles défient toute imitalion, il faut en méme
temps proscrire 1'emploi du nom de 1'eau naturelle
pour designer la prétendue pré-paration artificielle,
sous peine d'autoriser de véritables tromperies sur la
nature de la marchandise vendue. Nous n'hésitons
pas, par suite, à condamner une opinion, que la
science a jugée fausse et qu'elle proscrit. Ceux qui
feront de ces préparations donneront à leur produit,
véritable médicament, le nom qu'ils jugeront conve-
nable et qu'ils tireront à leur gré, comme pour tout
autre médicament, soit de ses propriétés, soit la pure
fantaisie». (POUILLET, obr. cif., pag. 471-473).
243

especial referencia: os productos vinicolas. Antes, po-


rém, importa completar a analyse, que nos propuzémos,
extrahindo uma primeira e importante conclusão: a
denominação unica e necessaria só póde revestir o ca-
racter generico relativamente aos productos ou objectos
fabricados. Isto vem, evidentemente, simplificar em
larga medida o problema em questão.
Relativamente a taes objectos, uma outra condição,
como vimos, se torna indispensavel para que o nome
de localidade possa transformar-se numa denominação
generica: que os fabricantes d'essa localidade aban-
donem voluntariamente a propriedade do nome.
Abandono esse que póde manifestar-se, como já
dissémos, ou mediante uma renuncia expressa, ou ta-
citamente desde que os fabricantes lenham durante
largos annos tolerado a usurpação do nome da locali-
dade por outros concorrentes, significando por tal modo
e inacção o seu consentimento á apropriação do nome
de outrem (1). A prescripção assignalará, então, o
termo legal do direito ao nome de localidade.

(1) Lê-se nos motivos que precedem uma decisão da Cour Su-
prême de 24 de dezembro de 1855: «Il peut arriver, dans certains
cas, que par un long usage et par suite du consentement, soit
exprès, soit tacite, do l'intéressé, le nom du fabricant devieune
comme la seule désignation usuelle et reçue de tel ou tel procédé de
fabrication tombé dans le domaine public; en ce cas, il est permis à
244

54. A apreciação da categoria dos nomes generi-


cos leva-nos naturalmente a apreciar uma especie de
productos naluraes, que nesta materia de indicações de
proveniencia offerecem muito particular importancia: os
productos vinícolas.
O problema occupa uma situação de particular me-
lindre c destaque na materia de concorrencia desleal,
dizendo-lhe respeito alguns dos seus mais interessan-
tes capítulos; sobre elle se têm travado perante os
tribunaes os mais complexos e ruidosos litígios da pro-
priedade industrial; e para a terra portuguêsa elle
constituo uma questão de capital vitalidade.
Posto isto, vejamos: póde a indicação de provenien-
cia pelo que respeita aos productos vinícolas assumir
caracter generico ? Resposta prompta nos dá a lei por-
tuguêsa na segunda parte do § unico do art. 198.°:
<esta excepção (a dos casos genericos) não se applica
aos productos vinícolas>.
A questão foi largamente debatida na conferencia de
Madrid de 1891, cujas resoluções firmaram sobre o
assumpto a opinião supra exposta, com applauso da
jurisprudencia e de algumas legislações. A esse debale,
pois, vamos recorrer, extractando as razões justificati-

d'autres qu'au propriétaire du nom de s'en servir pour designer, non


1'origine du produit, mais le procédé ou le mode de fabrication» (apud
LACOUR. obr. eit., pag. 33).
245

vas de tal parecer, razões para mais deduzidas com


brilho e esclarecido patriotismo por esse grande espi-
rito que foi OLIVEIRA MARTINS.
O art. 3.° do ante-projecto do convenio concernente
ás indicações de falsa proveniencia tinha esta genera-
lisada redacção: «Les tribunaux de chaque pays au-
ront a décider quelles sont les appelations qui, à raison
de leur caractère générique, échappent aux dispositions
da présent arrangement».
O caracter amplo e impreciso do citado artigo pro-
vocou a intervenção do delegado português, nos termos
que assim constam do relato oficial: «Le délégué du
Portugal, M. de OLIVEIRA MARTINS, en proposant d'in-
troduire dans le texte une exception en faveur des pro-
duits agricoles, la justifiait de la façon suivante: «Le
terme caractère générique, employé dans cet article,
s'applique à des produits de nature tout à fait diffé-
rente; les dénominations telles que eau de Cologne,
cuir de Russie, etc., comprennent, il est vrai, des noms
de localités ou de pays, mais 1'emploi de noms géogra-
phiques a une portée tout autre quand ils servent à
désigner des produits industrieis, que quand ils s'appli-
quent a des produits agricoles, comme par exemple,
dans la dénomination vin de Bordeanx. Dans le premier
cas, la dénomination est de nature abstraite; dans
l'autre, elle désigne spécialement un produit qui ne
peut être obtenu que dans une contrée determinée».
246

«Les dénominations de produits agricoles dont la


contrefaçon est générale correspondent toujours à des
conditions particulières de climat et de territoir, qui ne
sauraient être changées ni transporlées. II y a donc
une différence cssentielle entre les produils agricoles et
les produits industrieis dont il est tenu comple dans l
adjonction proposée».
A proposta do delegado português foi considerada
como demasiadamente ampla. Porventura, OLIVEIRA
MARTINS pediu o mais, para obter alguma coisa... E
essa conquista consistiu, com a apoio decidido da de-
legação francêsa, na remodelação do texto-projecto
pela fórma que consta do art. 4.° do convenio vigente:
«Les tribunaux de chaque pays auront à décider quel-
les sonl les appelations qui, à raison de leur caractère
générique, echappent aux dispositions du présent ar-
rangement, les appellations régionales de provenance
des produits vinicoles n'etant cependant pas comprises
daus la réservent statuée par cet article».
E por virtude de tal disposição, se firmou decisiva-
mente (1) a opinião de que não é permittido o uso

(1) Apesar das ratificadas opiniões da conferencia de Madrid, a


questão voltou a ser discutida nas sequentes conferencias de Bru-
xellas, tomando no debate parte activa e devéras brilhante o dele-
gado português SB. JAYME DE SÉGUIER (Cf. Documentos apresentados
ás Cortes na sessão legislativa de 1899, secç. I, pas. 262 e seg.).
247
247

duma denominação generica relativamente aos productos


vinícolas (1).

(1) Como valioso esclarecimento da doutrina exposta no texto e


ainda por se tratar dum debate sobre interesses portuguêses, pare-
ceu-nos util referir os capitaes considerandos da sentença pronun-
ciada no tribunal do Havre a 27 de janeiro de 1899 sobre o litigio,
tornado celebre, dos vinhos da Madeira, ameaçados pelas falsificações
hespanholas. Após a citação e transcripção.de alguns artigos do
Convenio de Madrid concernentes ás indicações de falsa proveniencia,
assim se lê na alludida sentença:
«Attendu, en premier lieu, que les conditions énoncées en l'ar-
ticle 10 in fine de la Convention de 1883, à savoir 1'adjonction au
nom de lieu d'un nom commercial fictif ou emprunté dans une in-
tention frauduleuse, n'étant pas reproduites par 1'article ler de
l'Arrangement de Madrid, se trouvent par là même supprimées;
«Attendu qu'en second lieu, 1'article 4 de 1'Arrangement de Ma-
drid crée au profit des appellations régionales de provenance des
produits vinicoles un véritable régime de faveur;
«Attendu qu'il résulte en effet de 1'article 4 que, lorsqu'il s'agit
d'appellations régionales de provenance de produits vinicoles, les
Tribunaux n'ont plus le même pouvoir d'appréciation que lorsqu'il
8'agit d'appellations régionales de provenance d'autres produits;
que, dès 1'instant qu'ils ont constaté que la dénomination sur la-
quelle puisse s'agiter un débat, constituo une appellation régionale
de provenance de produits vinicoles, ils sont obligés de réprimer les
usurpations qui ont pu étre commises, sans avoir à rechercher s'il y
a ou non une appellation générique;
«Attendu que cette nouvelle disposition s'expliquc aisément: que
les vins, en effet, doivent leur goút, leur parfum, leur arome pro-
pres, c'est-à-dire leurs qualités essenticlles, au terrain et au climat
de leur pays d'origine; que cc sont là des éléments que l'on ne peut
248

55. No que respeita á indicação de proveniencia


dos productos vinícolas, suscitam ainda os tratadistas
changer ní transporter d'une région dans une autre,
de telle sorte que l'on ne conçoit pas cominem
1'appellation d'un produit vinicole pourrait devenir
généríque et désigner des produits issus d'un autre
terrain et sous un climat différent;
«Attendu qu'il est constam que, depuis un temps
presque immé-morial, 1'ile de Madère produit un
vin spécial universellemen connu et apprecié;
«Attendu que le nom de Madère est bien une
appellation régio-nale de provenance de produits
vinicoles;
«Que ce nom est donc la propriété exclusive des
viticulteurs de 1'ile de Madère et ne peut étre apposé
que sur les vins provenant de cette ile; que c'est
donc avec raison que Blandy frères reprochent aux
défendeurs davoir placé le mot: «Madère» ou
«Madeira» sur des fûts remplis de vins d'Espagne;
«Attendu qu'en réponse à cette argumentation, les
défendeurs objectent tout d'abord que le mot de
«Madère» est depuis longtemps tombé dans le
domaine public, qu'il n'est plus aujourd'hui indicatif
que d'un genre de vin fabriqué en France et en
Espagne comme a Madère, et non d'un vin
d'origine;
«Attendu que cette objection est sans valeur;
«Attendu qu'en droit le mot «Madère»,
constituant de toute évidenciei et par lui-même une
appellation régionale de produits vinico-les, ne peu
plus, aux termes de l'article 4 de 1'Arrangement de
Madrid, étre considéré comme une appellation
générique» [Cf. Fausses indications de provenance —
Usage illicite du nom de Madère (procé-dure,
plaidoiries, jugements, arrêts et documents de
1'affaire Blandy Frères et G.ie et autros négociants et
viticulteurs de Funchal contra divers négociants de
Jerez, Port-Saint-Marie e Malaga), 1900, pag. 161 e
seg.].
249

uma outra hypothese, cujo alcance é importante: poder-


se-ha dar a um producto vinicola indifferentemente e
com identica protecção de lei o nome da região ou
localidade em que foi colhido mas não fabricado e vice-
versa?
O caso tem sido largamente debatido perante a ju-
risprudencia francêsa (1), cujos pareceres divergem, e
digamos francamente que não falta quem o julgue in-

(1) São celebres as questões: Olry Roeder contra Champion


ácerca dos vinhos da Champagne que esta firma entregava ao com-
mercio com essa designação de origem, se bem que fossem engar-
rafados na Lorena, o que lhe valeu uma sentença desfavoravel; e a
dos licores da Grande- Chartreuse, cuja designação os imitadores
pretenderam sophismar em seu proveito, adegando que a destillação
se. effectuava em Fourvoirie e não no celebre mosteiro. Litigio este,
plenamente esclarecido por interessantes decisões de jurisprudencia,
taes como a do tribunal civil de Lyon (sentença de 11 de dezembro
de 1879) declarando que «le lieu de la fabrication était bien le mo-
nastère de la Grande-Chartreuse, oú les liquers reçoivent, sinon
toutes leurs manipulations, du moins la préparation spéciale qui
constituo le secret tant cherché pour la concurrence», e a resolução
ainda mais explicita do tribunal civil de Grenoble (sentença de 1 de
agosto de 1885), assim lucidamente fundamentada: «Attendu que,
la fabrication d'une liquer ne consistant pas uniquement dans sa
distilation, mais dans toutes ses manipulations promières, on doit
considérer comme lieu de fabrication, non seulement le lieu oú on la
prépare, mais encore le lieu oú se rccoltent les plantes et sues qui
entrent dans sa composition; qu'il est constant que le mélange des
divers sues de plantes a lieu au couvent de la Grande-Chartreuse, et
non à Fourvoirie, oú se trouve seulement la distillation, etc».
250

soluvel (1) attento que o assumpto abrange um lato


aspecto technologico, que melhor decifrarão os enten-
didos ...
E se o debate é já por si melindroso, maior melin-
dre lhe veio acarretar o texto da lei portuguêsa tor-
nando licito o uso duma indicação de proveniencia, uma
vez que o objecto a que se applica tenha sido real-
mente ali produzido, trabalhado ou modificado.
A despeito de disjuncliva, parece-nos que o origina-
rio prestigio de qualquer região vinicola e bem assim
os interesses do consumidor uma só opinião aconselham:
a protecção do logar de producção. O vinho é um pro-
ducto natural e não fabricado, não sendo, portanto, li-
cito que o logar de mera fabricação se valha da indi-
cação de verdadeira proveniencia para recommendar
os seus resultados puramente industriaes. E isto o que
dieta a boa-fé, como corollario das ideias que temos
exposto. E a melhor maneira dos proprietarios vinícolas
se garantirem contra qualquer abuso de suas marcas
originarias por parte de simples fabricantes será ainda
e talvez a adopção duma marca collectiva, efficaz e
energicamente protegida pelos poderes publicos e con-

(1) «Nous n'avons pas, quant à nous, confessa francamente


VALLÉ, à prendre parti dans cette discussion, jusqu'il ne s'agit ja-
mais que d'une question de fait et d'espèce» (VALLÉ, obr. cit.,
pag. 68).
251

stituindo o unico elemento de authenticidade e identi-


ficação de seus productos (1). Mesmo assim...

(1) Cf. LACOUR, obr. cit,, pag. 28 e seg., e 55; DARRAS, obr. cit.,
n.° 277 e seg.; BLANC, Traitié de la contrefaçon em tom genres,
pag. 709 e seg.; MOREAU, De la répression des fausses indications re-
latives aux lieux de fabrication et de production, pag. 63 e seg.;
VALLÉ, obr. cit., pag. 49 e seg., 51 e seg. e 6 e seg.; IZELIN,
Rapport au Congrès de Vienne sur les indications de provenance,
apud Annales de l'ass. Int. pour la protection de la propriété indus-
trielle, 1897, pag. 267 e seg.; POUILLET, obr. cit., pag. 67 e seg.,
455 e seg. e 475 e seg.; PELLETIER e VIDAL NAQUET, obr. cit., pag.
343 e seg.
§ 3.°

Usurpação de formulas, modelos


o segredos de fabrica

56.—Segredos de fabrica.
57.—Formulas e modelos.

56. <Art. 201.° São considerados casos de con-


correncia desleal, e como taes puniveis:
<5.° Aquelle em que o fabricante diz: «preparado
pela fórmula, ou segundo o processo da fabrica de...»
ou cousas equivalentes, quando não possa produzir
documento comprovativo da auclorisação concedida
para esse effeito, ou quando a fórmula ou processos
se não tenham tornado publicos;
«8.° Aquelles em que o industrial, por suborno, es-
pionagem, compra de empregados ou operarios, ou por
outro qualquer meio criminoso, consegue a divulgação
de um segredo de fabrica e o ulilisa».
Consoante a enumeração da lei portuguesa, que
temos fielmente acompanhado, resta-nos analysar as
suas ultimas categorias: usurpação de segredos de fa-
253

brica (1), e bem assim a de formulas « processos in-


dustriaes. N
Que se entende por segredo de fabrica? POUILLET
procurando pôr em destaque a differença entre invento
e segredo de fabrica, define este: «le secrel de fabrique
s'entend, à nolre sens, de tous délails de fabrícation
même (nous serions presque tentes de dire surtout), de
ces tours de main qui, sans être une invention caracle-
risée susceplible d'être protégée par un brèvet, sont en
usage dans une manufacture, à 1'insu des concurrenls,
et, par cela même,. lai assurenl, ou seulement sem-
blent lui assurer, sur eux une certaine superiorilé» (2).

(i) Disposição similar, alvejando expressamente a usurpação de


segredos de fabrica, contém a lei allemã da concorrência desleal,
cujo art. 9.° assim dispõe: «Est pàssible d'une amende pouvant
s'élever à 3000 Marks ou d'un emprisonnement d'un an au pias,
qaiconque comme employé, ouvrier ou apprenti, communique illi-
citement à des tiers, pendant la durée de ses fonctions, des secrets
de commerce ou de fabrícation qui lai ont ,été confies à raison de
ses fonctions, ou qui lui ont été connus autrement, dans un but de
concurrence déloyale, ou en vue de nuire au propriétaire de l'entre-
prise». (Cf. EECKHOUT, (Ar. eit., pag. 158).
(2) «Nous pensons, diz PATAILLE, qu'il faut prendre les expres-
sions: secrets de fabrique dans le sens usuel et qu'clles s'appliquent
à tout mode de fabrícation qu'un industriei emploie en secret pour
obtenir un produit ou un résultat avantageux, ce qui peut se ren-
contrer dans les précautions accessoires prises pour un mcillear.


254

Quanto ao objecto do segredo de fabrica, não se torna


indispensavel que elle seja, por sua essencia e como
pretendem CHAVEAU e FAUSTIN HÉLIE, de absoluta no-
vidade. «11 faut, observa BLANC, que le procédé, objet
du secret, soit nouveau, sinon. d'une façon absolue, au
moins quant à 1'usage spécial auquel il est employé».
E nestes lermos, o segredo de fabrica poderá funda-
mentar legitimamente um direito de propriedade, re-

emptore d'un appareil ou d'un procédé breveté» (apud POUILLET,


obr. cit., pag. 898-899).
POUILLET menciona interessantes resoluções da jurisprudencia
francesa, e que sobremaneira elucidam o significado e alcance da
categoria de propriedade industrial — segredos de fabrica. Assim:
«Jugé que, pour apprécier 1'existence prétendue dun secret do fa-
brique, il n'y a pas lieu de rechercher si les éléments dont il se
compose sont brevetables ou non; il ne s'agit pas, en effet, en pa-
reil cas, de statuer sur une prévention de contrefaçon et de pronon-
cer sur la validité ou la nullité d'un brevet; mais il y a lieu d'ap-
précier tous ces procédés, brevetables ou non, tous ces moyens de
fabrication propres à chaque fabricam, et, même jusqu'à ces prati-
ques manuelles, si minimes en apparence et souvent si importantes
quant à leurs eiTets, qu'on a appelées des tours de main (Paris, 20
fèv. 1863, Régis, Ann., 63.363).
«Jugé cependant que ne constituent point un secret de fabrique
les modifications d'ordre três secondaire, apportées par un fabricant
à 1'outillage nécessaire pour la confection de produits suivant un
mode connu et éxécuté de très ancienne date, telle que la centexture
à points noués de tapis veloulés (Douai, li juin 1890, Rombeau,
Am., 91.160). (ibidem).
255

cahindo no domínio privado com caracter exclusivista,


susceptível de ser impugnado apenas por motivos de
anterioridade, a qual, na opinião de POUILLET, «doit
être certaine, indiscutable, et resulter, non de la con-
naissance secrète qu'une autre fabrique aurait recue
du même procédé. Il ne suffit pas qu'un autre sache,
s'il garde lui-même le secret, et si, dès lors, le public
n'est pas à même de savoir».
A opinião do eminente jurisconsulto visa tão só-
mente os casos de estricta applicação das disposições
penalistas francesas (cod. penal, art. 418.°), pois desde
o momento que ò segredo de fabrica tenha verda-
deiro caracter reservado e essencia dislincta, desde
que corresponda a um processo com assás feição de
novidade e original emprego, a sua usurpação e se-
quente denuncia, ainda mesmo cingida a uma simples
communicação de fabrica a fabrica, constituirá um facto
de concorrencia desleal, como expressamente o re-
conheceu o n.° 7.° do art. 201.° da lei de 21 de maio
de 1896 (1).

(1) E isso, seja qual for a importancia do segredo de fabrica re-


velado : «il importe peu, observa POUILLET, que la fabrique soit
petite ou grande, que la fabrication ait peu ou beaucoup d'impor-
tance; le secret, dès qu'il existe, dès qu'il appartient à une fabrique,
doit être respecté et est protégé. Ajoutons même, avec un arrét, que
les secrets d'une industrie naissante méritent d'autant plus la pro-
tection des lois» (POUILLET, obr. cit., pag. 903).
256

O facto attentatorio da justa posse do segredo de


fabrica pode revestir diversas modalidades, attinen-tes
ao fim exclusivo de toda a manifestação de con-
correncia desleal: construir um concorrente a sua
prosperidade e supremacia mercantis mediante a illi-
cita usurpação das vantagens doutro.
O segredo de fabrica é manifestamente uma dessas
vantagens criadas, e o seu confisco poderá effectuar-se
por maneiras diversas, algumas das quaes a lei por-
tuguesa especifica: «suborno, espionagem, compra de
empregado ou operarios», accrescentando-lhe, porém,
o termo generico: «ou por qualquer meio criminoso».
Comprehende-se que o artifice ou empregado seja o
peio mais geralmente empregado para obtenção illi-
cita dum segredo de fabrica. Pertence-lhe, em certa
escala, a liberdade ampla de disposição do seu mis-
ter (1), se bem que o preço da mão-de-obra oscille
mais intensamente entre as offertas dos patrões e os
demais elementos de livre-concorrencia, cujos excessos
a legislação social vae effícazmentc corrigindo e regula-
risando com progressivo appiauso de lodos os povos

(1) Cf. JULIEN HAYEM, La loi et le contrat de travail, 1908, pag. 29


e seg.; SCHÖNBERG, Handbuch der politischen Oekonomie, vol. II, pag.
632 e seg.; PAUL Pic. Traitè élémentaire de législation industrielle,
edição de 1903, pag. 629 e seg.; PIERRE COLOMB, La liberté du
travail et le collectivisme, 1908, pag. 15 e seg.
257

cultos (1). E desde que o empregado ou operario não


traga apenas o licito concurso do seu trabalho, mas
seja tambem portador dum segredo de fabrica doutrem,
o patrão corruptor marcará um triumpho mais larga-
mente remunerado... A verdade, porém, é que a essencia
do contracto de trabalho repudia tal viciação, não po-
dendo effectuar-se com esses intuitos, que caracterisam
á evidencia um facto de desleal-concorrencia.

57. Similar, em sua essencia, á usurpação do se-


gredo de fabrica é a invocação dum processo ou for-
mula, quando o fabricante não possa produzir docu-
mento comprovativo da auctorisação concedida para
esse effeito, ou quando a formula ou processos se não
tenham tornado publicos.
Em taes casos, o industrial consuma um ataque ao
objecto legitimo da propriedade industrial de outrem,
já attribuindo a seus productos uma falsa essencia, já
divulgando um processo fabril alheio, e sempre prati-
cando um fact de manifesta concorrencia desleal. E

(1) Cf. PAUL LOUIS, L'ouvrier devant l'État, pag. 7 e seg.; PAUL
Pic, La législation ouvrière, nas Questions pratiques, de 1900, 11,
e Traité élémentaire de législalion industrielle, 1903, pag. 409 e
seg. e 496 e seg.; ALDO CONTENTO, La legislazione operaia, pag. 20 e
seg.; LORIA, Corso completo di Economia Politica, 1910, pag. 352 e
seg.; etc.
17
258

sob tal epigraplie cabem os casos denominados abu-


sos de réclame ou sejam as mil modalidades e expe-
dientes de que um industrial se prevalece, apregoando
desmesuradamente seus productus e creando o seu
prestigio á custa e detrimento dos de outrem, as va-
riadas circumstancias em que um concorrente intrepi-
damente e de má fé se reveste dos benefícios e vanta-
gens industriaes dum rival, os multiplos sophismas que
o texto da lei portuguesa pretendeu, porventura,
abranger nas palavras «ou cousas equivalentes...»
Por maior que seja, porém, a elasticidade que se
pretenda attribuir ás normas especiaes repressoras da
desleal-concorrencia, ellas patentear-se-hão insuficien-
tes perante os infindos processos de sophismação, de
ludibrio e falso expediente, que a livre-concorrencia
suggere e alimenta. E talvez por isso que MAYER, tran-
sigindo em curiosa medida, não duvida confessar que
«entre concurrenls, on ne peut poursuivre le mensonge
simple; chacun est libre de vanter ses marchandises,
leur qualité et leur bon marché; mais toute allégalion
qui directement, dans sa forme, tend à déprécier les
produils d'une maison rivale, pourra être relevée comme
un procédé frauduleux, quelle qu'en soit la vérité, l'in-
térêt du public n'étant pas en cause» (1).

(1) Cf. POUILLET, obr. cit., pag. 730 e seg. e 898 e seg.; ALLART,
obr. cit., pag. 155 e seg.
CAPITULO IX

Procedimento judicial e penalidades

58. — Competencia.
59. — Processo.
60. — Penalidades.

Acabamos de enumerar, numa syslejmatisação har-


monisada quanto possivcl com o texto legal, os factos
de desleal-concorrencia previstos na lei de 21 de maio
de 1896. De varia importancia e maior ou menor ex-
tensão, as citadas providencias especiaes entenderam
visa-los, como salientes moveis de adulteração ou so-
phisma da livre-concorrencia e consequente ataque
á propriedade industrial legitimamente adquirida:
<o estado garante a propriedade industrial e com-
mercial pela comminação de penas aos que a ofen-
dam e prejudiquem por meio da concorrencia desleal
(art. 5.°)».
260

Da pratica de taes factos se deduz, pois, uma si-


tuação de responsabilidade, cujos meios processuaes
de proseguimento e bem assim a sua necessaria e com-
plementar sancção por força das respectivas disposições
comminatorias nos resta analysar.

58. Competencia. — Paginas atraz, ao apontar-


mos o corpo de normas especiaes, que regem entre
nós a propriedade industrial, dissémos serem graves
as duvidas suscitadas em tal materia no ponto de vista
processual. A primeira se nos depara: qual é a es-
tancia jurisdiccional competente para conhecer das
questões referentes á concorrencia desleal? (1)

(1) A questão do juízo competente para conhecer das acções


sobre concorrencia desleal foi tambem objecto de debate por parte
dos jurisconsultas francêses tendo-se, porém, a jurisprudencia fi-
xado, consoante refere POUILLET, na opinião de que taes acções são
da compet
eência do fôro commercial. E neste sentido que PATAILLE escreve:
«1'action en dommages-intérêts, introduite par un com-merçant
contre un autre commerçant, est commerciale, alors même qu'elle
este basée sur un quasi-délit, toutes les fois que le fait qua-lifié de
dommageable s'est produit à 1'occasion de 1'exercice du commerce
des partics, et, spécialement, lorsqu'il s'agit d'un fait de concurrence
déloyale, tel que l'usurpation d'un nom, d'un en-seigne ou d'une
désignation de produits» (POUILLET, ob. cit., pag. 885-786).
Ainda no que se refere à competencia, consignêmos que a lei
hespanhola prevê e estipula (art. 145.°) a organisação de jurys
261

A lei de 21 de maio de 1896, que por está e outras


razões o SR. DR. DIAS DA SILVA justamente qualifica
de «um bom exemplo da precipitação, leviandade e
incompetencia com que se tem legislado neste país» (1),
entendeu não dever pronunciar-se sobre o assumpto,
cavando em seu texto e por tal fórma uma importante
lacuna.
Perante tal omissão, teremos, pois, de nos reportar ás
regras geraes da competencia, devendo, assim, as acções
de indemnisação de perdas-damnos sobre concorrencia
desleal ser instauradas no fóro commercial, quando
digam respeito a actos praticados por commerciantes
no exercicio da sua proGssão, e reclamando como taes
a justa applicação do art. 4.° do codigo de processo
commercial (2).
Esta disposição que, como se sabe, enuncia a com-
petencia geral do juízo commercial, devolve até expres-
samente ao referido juizo as causas sobre marcas in-
duslriaes ou commerciaes, respectivas indemnisações de

industriaes, aos quaes deverá attribuir-se a jurisdicção ora pertinente


ás estancias ordinarias e relativamente aos litígios de propriedade
industrial.
(1) SR. DR. DIAS DA SILVA, Processos especiaes civis e commer-
ciaes, processo criminal, 1903, pag. 505.
(2) E embora, é claro, o acto seja mercantil só em relação a
uma das partes (Codigo commercial, art. 99.° e codigo de processo
commercial, art. 4.°, § unico).
262

perdas e damnos; ora em taes causas cabem manifes-


tamente e por sua natureza as que dizem respeito, á
concorrencia desleal... De resto, que esse foi o pensar
do legislador, isso se deduz ainda não só das
disposições da lei de 21 de maio de 1896, em que tal
competencia é claramente estabelecida respeitante-
mente a outros capítulos da propriedade industrial (1),
o que tornaria incongruente ou mesmo absurda a ex-
cepção relativamente á concorrencia desleal, mas tambem
de algumas disposições em que o legislador revelou,
se bem que incompletamente, o seu pensamento, como
sejam o § unico do art. 204.° (2) e o art. 255.° do
regulamento de 28 de março de 1895 (3).

(1) Cf. òs seguintes artigos da lei de 21 de maio de 1896, nos


qnaes a competencia do fóro commercial ó claramente estabelecida
em relação aos varios capítulos da propriedade industrial: artt. 55.°
(patentes), 102.° (marcas), 131.° (nomes), 154.° (recompensas),
196.° (desenhos e modelos); e do regulamento de 28 de março de
1895: artt. 28.° (patentes), 100.°. 101.° e 105.° (marcas), art. 15.°
§ unico (nomes), 190.° e 193.° (recompensas), 231,° 236.° e
237.° (desenhos e modelos).
(2) «A apprehensão será ordenada pelo tribunal do commercio
a requerimento da parte interessada, a favor da qual reverte o seu
producto» (art. 204.°, § unico).
(3) «O chefe da repartição da industria (actualmente o director
geral do commercio e industria), sempre que o proprietario de uma
patente de invenção, do registo de uma marca, nome;- recompensa
ou deposito, seja prejudicado pela pratica de um acto de concorren-
263

Por todos estes motivos affigura-se-nos, pois, que é


o fóro commercial o competente para conhecer das
acções de indemnisação de perdas e damnos sobre
concorrencia desleal, o que, aliás, é a pratica se-
guida.
Tal a doutrina, que nos parece a unica defensavel
nas referidas circunstancias, e exceptuados, claramente,
os casos traduzindo actos de mera industria, pois nessas
condições as acções de perdas-damnos supervenientes
devem ser propostas nos tribunaes civis, perante a falta
de disposições de lei que estabeleçam expressamente
outro fôro (1).
Quanto ás acções penaes, attenta a omissão de dis-
posições especiaes, deverão evidentemente remetter-se
aos tribunaes communs, demarcando-se a sua compe-
tencia consoanie os preceitos geraes e a natureza do
processo mais adequada.

59. Processo. — Dado que as disposições legaes


cia desleal, comprehendido no titulo viu do decreto
de 15 de dezembro de 1894, e tenha disso
conhecimento directo ou por queixa do interessado,
que deverá fornecer todos os elementos de apre-
ciação exigidos, fará a necessaria communicação ao
director geral das alfandegas ou ao represente do
ministerio publico junto do tribunal do commercio,
segundo o caso de que se tratar» (Reg. cit., art.
255.°).
(1) SR. DR. BARBOSA DE MAGALHÃES, Codigo de processo com-
mercial annotado, vol. I, pag. 68-69.
264

não estabelecem processo especial para as questões de


indemnisação de perdas-damnos sobre concorrencia
desleal, deverão estas dirimir-se medeante o processo
ordinario (cod. de proc. com, art. 57.°).
O processo especial constante dos artt.0 87.°-106.°
não é applicavel ás acções sobre concorrencia desleal,
uma vez que tal processo diz respeito tão sómente a
uma limilada parle da propriedade industrial, ou seja
á acção de indemnisação de perdas-damnos resul-
tantes : da falsificação e imitação de marcas e carimbos,
da exposição á venda dos objectos assim marcados ou
carimbados e de qualquer uso fraudulento dessas
marcas ou carimbos (1). Ora taes bypotheses corres-
pondem aos casos previstos nos artt. 94.°-102.° da lei
de 1896, e não nos parece que nestes se possam in-
tegrar quaesquer factos de concorrencia desleal, sem
o perigo de se incorrer na respectiva nullidade in-
supprivel.
No que respeita ás acções penaes, a natureza do
processo depende da importancia das penalidades a
applicar, assim: processo de policia correccional quando
a multa não exceda a 500$000 réis (decr. n.° 2 de 29
de março de 1890, art. i.°); processo correccional,

(1) Cf. SR. DR. DIAS DA SILVA, ob. cit., pag. 499 e seg.; SR. DR.
BARBOSA DE MAGALHÃES, ob. cit., vol. II, pag. 169 e seg.
265

se o montante da multa for superior a tal quantia e


até 1.000$000 réis, (decr. cit, art. 3.° e processo
ordinario ou de querela, quando a multa exceder essa
importancia (1).

60. Penalidades.—A comminação geral, que as


disposições da lei de 21 de maio de 1896 estabelecem
para os factos de concorrencia desleal, é a indemni-
sação de perdas-damnos. A tal sancção accrescem
multas, podendo assim distribuir-se os respectivos pre-

(1) O processo ordinario ou de querela regulado pelos artt. 864.°


e seg. da Nov. Reforma Judiciaria e com as alterações feitas pelas
leis posteriores (decreto de 10 de dezembro de 1852, art. 8,°; lei de
18 de agosto de 1853, art. 2.°; decr. de 29 de março de 1890 art. 3.°
n.° 3 e decreto n.° de 15 de setembro de 1892) é, como se sabe,
applicavel a todos os crimes a que corresponda alguma das penas
maiores ou sejam as mencionadas nos artt. 55.° e 57.° do codigo
penal. Percorrendo tal enumeração vé-se que ha duas penas que
ficam excluídas daquellas formulas geraes de processo: a malta
excedente a um conto de réis e a demissão, que não devem ser
consideradas como penas maiores. Não obstante e não havendo
excepção expressa na lei, como ha no decreto de 27 de setembro de
1901, pondera o SR. DR. ASSIS TEIXEIRA, os crimes a que tiverem
de ser applicadas taes penas devem ser processados e julgados pelo
processo ordinario ou de querela. (SR. DB. ASSIS TEIXEIRA, Manual
do processo penal, pag. 6; e SR. DR. PEREIRA DO VALLE, Annotações ao
livro primeiro do codigo penal português, pag. 247 e seg.).
266

ceitos que visam os casos de concorrencia desleal, pre-


vistos e enumerados no art. 201.°:
a) os contraventores do disposto nos n.°s 4.°, 5.° e
9.° do referido artigos (ou sejam os casos «em que o
industria] ou commerciante simula ter depositado ou
registado os seus productos no estrangeiro, sem o ter
feito;» «em que o fabricante diz: «preparado pela
formula, ou segundo o processo da fabrica de . . . »,
ou cousas equivalentes, quando não possa produzir
documento comprovativo da auctorisação concedida,
para esse effeito, ou quando a formula ou processos
se tenham tornado publicos»; e «em que se faz a
eliminação da marca, não registada, de um certo pro-
ducto, e a sua substituição por outra marca») incor-
rem na multa de 100$000 réis a 500$000 réis (art.
205.°), accrescendo, no caso de eliminação ou
substituição de marca, a pena de quinze a sessenta
dias de prisão (art.0 208.°, § 2.°);
6) os contraventores do disposto nos n.os 2.°, 3.°,
6.°, 7.° e 8.° do art. 201.° (ou sejam os casos «em que
o industrial ou commerciante usa de laboletas, pinta
a fachada do seu estabelecimento, o dispõe ou o in-
stalla de modo a estabelecer confusão com outro esta-
belecimento da mesma natureza, contiguo ou muito
proximo»; «em que o industrial ou commerciante
attribue os seus productos a um fabricante differente
267

do verdadeiro, sem a' devida auctorisação «; «;em


que o industrial ou commerciante, para acreditar os
seus productos, invoca, sem auctorisação, por qual-
quer fórma ou maneira, o nome, a marca ou o estabe-
lecimento de outro industrial ou commerciante, que
fabrique ou faça commercio com productos analogos»;
«em que o fabricante português põe nos seus pro-
ductos nomes, marcas ou rolulos estrangeiros, verda-
deiros ou fictícios, de fórma a fazer acreditar que são
productos estrangeiros»; «em que o industrial, «por
suborno, espionagem, compra de empregados ou ope-
rários, ou por outro qualquer meio criminoso, consegue
a divulgação de um segredo de fabrica e o utilisa»)
incorrem na multa de 200$000 réis a 1.000$000 réis;
no caso dos n.os 3.°, 6.° e 7.° os productos serão-
apprehendidos (art. 206.°);
c) ás indicações de falsa proveniencia, consagrou a
lei disposições mais explicitas. Os seus agentes incor-
rem em multa de 200$000 réis a 1.000$000 réis,
(art. 206.°), multa que será duplicada, quando o pre-
judicada tenha a sua marca ou nome registado, pa-
tente ou deposito (art. 207.°). Os objectos com indi-
cações tendentes a fazer suppôr que foram produzidos
no reino mas fabricados em país estrangeiro serão ap-
prehendidos pelas alfandegas (art. 202.°), presumin-do-
se a falsa indicação de origem quando, sendo
importados de um país estrangeiro, á excepção dos
268

Estados-Unidos do Brazil (1), tragam uma marca por-


tuguêsa ou designações escriptas, tecidas, impressas,
cunhadas ou postas por qualquer fórma em língua por-
tuguêsa (art. 202.°, § i.°), resalvando-se, porém, a
hypothese em que seja bem visível a indicação do país
em que se fabricou, e em que se prove por documento
authentico que esse nome ou marca foi posto com an-
nuencia do commerciante nacional ou estrangeiro men-
cionado (art. 200.°).
A apprehensão dos objectos com falsas indicações
de proveniencia, no acto da importação, far-se-ha:
1.° Independentemente de qualquer requerimento,
pedido, ou denuncia, quando o país, cuja proveniencia
se pretende indicar, é Portugal; 2.° A requerimento
da parte interessada, provando que se dá uma falsa
indicação de proveniencia, ou por declaração do chefe
da repartição da industria, quando a parte interessada
tenha a sua marca, nome, desenho, modelo ou patente
registados ou depositados, seja qual for o país cuja
falsa proveniencia se indicar.
Do preceito do art. 202.° são, porém, exceptuados
« 1.° os objectos que, sendo analogos aos de producção
nacional, e lendo marcas similhantes, trazem ao mesmo
tempo um signal bem patente de haverem sido fabri-

(1) Identica disposição contem a lei hespanhola, resalvando ana-


logamente os países hispano-americanos (art. 129.°).
269

cados no estrangeiro; 2.° as mercadorias em transito; 3.°


os objectos para os quaes se prove que houve pri-
meiramente exportação.
As mercadorias estrangeiras nas quaes, depois de
importadas, se façam falsas indicações de proveniencia,
para que se supponham nacionaes, ou em que a na-
cionalidade se altere, serão apprebendidas; compelindo
ao tribunal do commercio ordenar a apprehensão, di-
ligencia que será feita a requerimento da parle in-
teressada, a favor da qual reverte o seu producto
(art. 204.°, § unico). Na hypothese especial do art. 204.°
— apposição de falsas indicações de proveniencia em
mercadorias estrangeiras, depois de importadas — o
seu agente incorre, além da responsabilidade de per-
das-damnos, em moita de 100$000 réis a 300$000
réis (art. 209.°).
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