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os-anuncios-publicitarios

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 275, 26 de Junho | 2015

Língua Portuguesa | 8º ano | Sala de aula

Desconstruindo os
anúncios publicitários
Leve a garotada a identificar clichês e outras estratégias de
persuasão nesses textos
Camila Camilo
Bruna Nicolielo

Na TV, na internet ou na rua, somos bombardeados por propagandas, que, sem


pedir licença, nos oferecem produtos e ideias. E a escola não pode ignorar esse
universo. "Propor a leitura crítica desse tipo de texto é fundamental para que a
garotada entenda como o discurso se organiza para convencer", explica Aline
Evangelista Martins, coordenadora da área de Língua Portuguesa e Literatura da
Escola da Vila, em São Paulo. A persuasão, nesse gênero, vem da articulação entre
diversos elementos, tanto de linguagem (verbos e advérbios, por exemplo) como
visuais (cores, símbolos e a linguagem não verbal), que garante a brevidade da
mensagem, sugerindo muito mais leituras além das que ficam explícitas no texto
verbal.

A análise dos recursos persuasivos foi o objetivo do trabalho de Luiz Fernando


Carvalho, da escola Colegium, em Belo Horizonte. Inicialmente, ele perguntou aos
alunos do 8º ano quais publicidades eles conheciam, quais eram as de maior
interesse e por que eles gostavam delas. "A ideia era levantar os conhecimentos
prévios de todos sobre quanto somos impactados pelos anúncios e pelos
produtos oferecidos diariamente", diz o professor. Questões como "Que
propagandas vocês acham interessantes? Por quê?", "Que elementos estão ali para
chamar nossa atenção?", "Vocês comprariam esses produtos?" e "Vocês realmente
precisam deles?" foram propostas à turma. Assim, ele conheceu o nível de
interpretação dos estudantes, suas escolhas e preferências em relação aos textos
publicitários.

Em seguida, Carvalho apresentou anúncios, selecionados previamente, veiculados


no YouTube e na mídia impressa - o docente mantém um acervo, com textos
agrupados de acordo com os conteúdos que planeja explorar ao longo do ano
letivo. Para pesquisar e selecionar os materiais, vale acessar sites de agências
(alguns exemplos: wmccann.com.br, dpz.com.br e africa.com.br) e do Clube de
Criação de São Paulo. É possível fazer recortes escolhendo propagandas
relacionadas a um tema de interesse e propor uma observação mais detalhada da
relação entre elas e seu público-alvo.

Manuela Prado, professora de Língua Portuguesa do Colégio Santa Cruz, em São


Paulo, sugere eleger peças publicitárias que retratam jovens, como fez Carvalho.
"Nesse caso, o ideal é estudar como eles aparecem nelas, discutindo que
características são ressaltadas e construídas para isso", explica. Outra alternativa é
escolher vários anúncios de automóvel e debater como os que são pensados para
o público jovem se diferenciam daqueles elaborados para os mais velhos. O
material para o primeiro grupo deixa uma promessa implícita de liberdade,
velocidade e vida animada, enquanto o voltado ao segundo valoriza luxo, conforto
e segurança.

Estereótipos A biblioteca, considerada monótona, é transformada em um lugar


prazeroso, graças ao consumo de Coca-Cola, pois permite o contato entre os
jovens. Ao ver o filme, o interlocutor é levado a entender que a sua própria vida
pode mudar ao consumir o refrigerante.

Adolescentes estudam no ambiente silencioso de uma biblioteca. Fotos:


Reprodução/Ogilvy

Público-alvo Os personagens são adolescentes, que têm traços finos, aparência


bem cuidada, pele branca, roupas e cabelos joviais. Tais características
possibilitam a identificação, ou, pelo menos, a aproximação do público.

Com desenhos, um garoto "fala" com uma jovem


Ela responde e começa a comunicação entre eles

Não verbal Os jovens estão em uma biblioteca, o que justifica a falta de


comunicação verbal entre eles. O jogo de sedução ocorre entre ambos e conquista
o público. Uma música dialoga com a ação entre os personagens.

Ele desenha um refrigerante e oferece a ela

Eles dão as mãos e ele passa a Coca-Cola para ela

Imperativo Com o slogan "Abra a Felicidade", o discurso publicitário apresenta


sua ideologia materialista. O verbo no imperativo, típico desse gênero textual,
expressa uma ordem, uma norma, vinculando a compra/obtenção do produto à
satisfação.
Por fim, surge o slogan da marca de refrigerantes

A classe fez um estudo mais detalhado sobre um vídeo da Coca-Cola (leia o


anúncio acima) que mostra dois adolescentes interagindo numa biblioteca por
meio de desenhos que eles fazem no próprio corpo. O objetivo era discutir
recursos como a construção de estereótipos, muito usada nesse gênero textual. O
professor exibiu o filme, pausando em alguns momentos para perguntar: "Quem
são os personagens representados?", "Por que foram escolhidos?", "O que eles
fazem?, "Onde se encontram?", "Qual a importância desse ambiente para a
construção da narrativa?", "Como eles atraem a atenção um do outro?", "Sobre o
que estão conversando?", "Qual a mensagem presente no vídeo?" e "Que ideia a
peça quer vender?". O docente pediu que a turma observasse que elementos
reforçavam a estereotipia. Os padrões de beleza veiculados pelas imagens e a
forma como os atores eram caracterizados foram lembrados.
VERBAL E VISUAL Como a placa que define
normas de trânsito, a do anúncio dita as
regras para mulheres que querem ter
uma vida saudável, junto com a
polissemia da palavra "saia". Crédito: Reprodução/Dez Comunicação

Ao longo da discussão, Carvalho também pontuou a importância da articulação


entre a linguagem verbal e não verbal presente nessa e em outras propagandas,
que permite transmitir um maior número de informações em um menor tempo.
"A junção entre ambas, característica essencial desse tipo de mensagem, consegue
um maior efeito persuasivo, uma vez que a imagem suplanta as palavras em
velocidade e quantidade de transmissão das informações", afirma o professor. Ele
comentou que, graças à utilização desse elemento, a mensagem conquista o leitor
com muito mais rapidez e eficiência.
Assim como Carvalho, Elizabeth Mendes da Silva, da EM Valentim João da Rocha,
em Joinville, a 186 quilômetros de Florianópolis, propôs a leitura crítica de peças
impressas (leia acima). Ela entregou revistas e jornais aos estudantes e pediu que,
em dupla, localizassem os anúncios. Todos montaram um mural. Em seguida,
discutiram o que havia em comum entre eles e o que chamava mais a atenção. Os
jovens citaram a imagem e as letras grandes e perceberam que o verbo
determinava o que deveria ser feito. A relação entre a frase introdutória, o texto
verbal, a foto e a escolha das cores foi debatida. "Fomos observando esses
elementos e procurando analisar os apelos emocionais da linguagem e os recursos
para persuadir o público", explica.

Nessa análise linguística, entraram muitos conteúdos, como a discussão sobre o


uso de advérbios que geram alguma tensão, com construções como "comprove
agora mesmo", "faça já" e "você ainda não tem", a reflexão sobre as diferenças
entre modos verbais, o uso dos sentidos conotativo e denotativo e as figuras de
linguagem. "Observamos que os verbos começam no modo subjuntivo ou
indicativo enquanto apresentam as características do produto, sugerem as
possibilidades. E, por fim, entra o imperativo, com expressões como vá, faça,
aproveite...", explica Elizabeth. Assim, esse modo verbal chega ao consumidor de
forma mais amena. Na última etapa, a classe produziu seus próprios anúncios, que
foram usados numa campanha na escola sobre o consumo consciente dos
recursos naturais. Essa finalização não é a única opção, podendo ser substituída
pela produção de uma paródia de uma das peças estudadas, como sugere
Manuela.

Com um trabalho como os de Belo Horizonte e Joinville, a garotada vai ver a


publicidade com um olhar muito mais crítico e consciente.

Resumo

1. Leitura de anúncios Selecione previamente propagandas e proponha a leitura


delas pela classe. Inicie um debate sobre o que foi entendido.
2. Análise mais profunda Chame a atenção para os elementos que colaboram
para garantir a persuasão, como a linguagem e os aspectos visuais.
3. Refletindo sobre a língua Explore os conteúdos usados na linguagem
publicitária, como tempos verbais, advérbios, conotação e figuras de linguagem.

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