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FACULDADE ÚNICA

DE IPATINGA

SOCIOLOGIA
GOSHAI DAIAN LOUREIRO
1
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Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo aplicado
ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao lado dos textos. Eles são para
chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada uma com uma função
específica, mostradas a seguir:

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Sumário
UNIDADE UMA INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA SOCIOLOGIA
1.1 As Ciências Humanas e a Sociologia 06

01
1.2. Fatos, Contextos e Níveis de Interpretação 08
1.3. Mito, Filosofia e Ciência 10
1.4. Matrizes Intelectuais, Origens Históricas e o Futuro da Sociologia 12
Fixando o Conteúdo 17

UNIDADE A TRADIÇÃO SOCIOLÓGICA CLÁSSICA, PARTE I - MARX


2.1. Uma Distinção Crucial: O Marxismo como Cultura Política e Tradição Sociológica 20

02
2.2. Alguns Conceitos Importantes: Lutas de Classes, Modo de Produção, Mais-Valia,
Fetichismo da Mercadoria, Reificação e Alienação 22
2.3. Algumas Dimensões Teóricas Importantes: O Materialismo Histórico e Dialético,
Conhecimento Contra Ideologia, Mudança Social e Revolução 26
2.4. Legado e Ressonância 29
Fixando o Conteúdo 32

A TRADIÇÃO SOCIOLÓGICA CLÁSSICA, PARTE II -


UNIDADE
DURKHEIM

03
3.1. De Marx a Durkheim: Uma Pré-História da Institucionalização da Sociologia 37
3.2. Uma Distinção Crucial: A Leitura de Durkheim na Sociologia e na Antropologia 38
3.3. Alguns Conceitos Importantes: Fato Social e Função do Fato Social,
Consciência e Representação Coletiva, Solidariedade Mecânica e Orgânica, Anomia 41
3.4. Algumas Dimensões Teóricas Importantes: Mudança Social,
Divisão Social do Trabalho, Coesão e Integração Social, Educação como Socialização 46
3.5. Legado e Ressonância 48
Fixando o Conteúdo 51

UNIDADE A TRADIÇÃO SOCIOLÓGICA CLÁSSICA, PARTE III - WEBER


4.1. Uma Distinção Crucial: Coletivismo e Individualismo Metodológico 55

04
4.2. Alguns Conceitos Importantes: Ação Social e Sentido da Ação Social Afinidade
Eletiva, Tipos Ideais (De Dominação, Racionalidade e Organização Estatal) 56
4.3. Algumas Dimensões Teóricas Importantes: Modernização,
Capitalismo, Burocracia, Desencantamento do Mundo 57
4.4. Legado e Ressonância 60
Fixando o Conteúdo 61

UNIDADE TEMAS DE SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA

05
5.1. Temas de Sociologia Contemporânea 65
5.2. Educação, Cultura e Estratificação social 65
5.2.1 A Instituição Escolar: Emancipadora ou Conservadora? 65
5.2.2 A Relação Entre a Escola e a Cultura Através da Sociologia de Pierre Bourdieu 68
5.3. Trabalho e Existência 70
5.4. Consumo, Identidade e Subjetividade 72
Fixando o Conteúdo 75

UNIDADE TEMAS DE SOCIOLOGIA BRASILEIRA


6.1. Cuidado com o Mito 80

06
6.2. O Mito do Encontro das Três Raças 81
6.3. O Mito da Democracia Racial 86
6.4. O Mito da Cordialidade Brasileira 87
6.5. O Problema da Desigualdade Social Brasileira 91
Fixando o Conteúdo 94

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 97

3
CONFIRA NO LIVRO DIDÁTICO

Na primeira unidade, “Uma introdução ao estudo da sociologia”, você


será apresentado ao debate sobre o surgimento da sociologia como
disciplina científica através de duas perspectivas distintas e
complementares: a do debate sobre a especificidade do método
científico nas ciências humanas, no âmbito da epistemologia; e sobre a
definição e o desenvolvimento da sociologia como disciplina autônoma,
no âmbito da história da filosofia e da ciência.

Na segunda unidade, “A tradição sociológica clássica, parte I – Marx”,


você conhecerá como o filósofo alemão Karl Marx (1818-1883), a partir
da economia política clássica e da filosofia alemã de sua época, lançou
as bases para uma investigação sociológica do capitalismo e dos
conflitos estruturais entre as camadas da sociedade, que marcaram
profundamente ambiente político e intelectual do século XX.

Na terceira unidade, “A tradição sociológica clássica, parte II –


Durkheim”, você saberá como o sociólogo francês Émile Durkheim
(1858-1917) buscou estabelecer a sociologia como disciplina
científica na França na virada do século XIX, delimitando a
especificidade do método sociológico e lançando as bases para uma
sociologia das formas de integração social e seus problemas,
redefinindo o papel social da educação e a compreensão das causas
da criminalidade.

Na quarta unidade, “A tradição sociológica clássica, parte III – Weber”,


você entenderá como o jurista e economista Max Weber (1864-1920)
formulou um diagnóstico original do capitalismo e da modernidade
assentado no estudo comparativo das religiões, e estendeu o seu
método de uma sociologia compreensiva para a caracterização de
aspectos contundentes do mundo político e cultural das nossas
sociedades.

Na quinta unidade, “Temas de sociologia contemporânea”, você


acompanhará um percurso seletivo em torno das principais abordagens
sobre a educação, o trabalho e o consumo enquanto objetos de
investigação da sociologia atualmente, analisando a função da
educação na manutenção e transformação da estrutura social, as
principais modificações na forma e no significado do trabalho nas
últimas décadas em nossa sociedade, a origem histórica da nossa forma
de consumo e como isso influi na nossa percepção de nós mesmos.

Na sexta unidade, “Temas de sociologia brasileira”, você perceberá o


desenvolvimento paralelo que certas princípios fundantes da nossa
nacionalidade possuem no senso comum e na sociologia científica,
estudando o debate em torno de três dos nossos principais mitos
nacionais – o mito do encontro das três raças, da democracia racial e da
cordialidade brasileira –, e por fim se familiarizando com o debate atual
acerca das condições especificas da desigualdade social no Brasil.
4
UNIDADE
UMA INTRODUÇÃO AO ESTUDO
DA SOCIOLOGIA

5
1.1 AS CIÊNCIAS HUMANAS E A SOCIOLOGIA

Na sua vivência escolar talvez você tenha se habituado a dividir as ciências


em: humanas, exatas e biológicas. Talvez tenha mesmo se acostumado a uma
divisão ainda mais radical e estereotipada, que opõe as duas primeiras. Saiba,
contudo, que essas divisões existem mais por razões sociais (administrativas,
curriculares ou identitárias) do que metodológicas (relativas a como se produz o
conhecimento).
O diagrama acima representa uma divisão tradicional nesse sentido,
formulada inicialmente por Wilhelm Dilthey (1883-1911), no âmbito da filosofia da
ciência. Ao centro estão representados fatos diversos, misturados, sem classificação
definida, tal como estes ocorrem no mundo. Desde o topo, de uma matriz em tese
unificada, a ciência aparece se dividindo para abarcar a totalidade heterogênea dos
fatos.
A oposição estereotipada entre “exatas” e “humanas” radicaliza essa divisão,
desconsiderando a variedade do método científico, taxando como ideologia e opinião
uma importante parcela do conhecimento humano. A atitude é a expressão de um
conhecido anti-intelectualismo, travestido de cientificismo. Atualmente, porém, mesmo
as ditas “ciências duras” (hard sciences) tem sofrido sorte semelhante.

Figura 1 - A diversidade da recusa à ciência

O anti-intelectualismo e o negacionismo
são atitudes de desprezo pelo conhecimento,
fundadas no mau ceticismo e na ignorância.

Quadro justapondo exemplos de tweets satirizando o “povo de humanas”, terraplanistas convidados


num programa de entrevistas, e uma imagem de Greta Thumberg “cancelada”.

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Saiba “Por que a ativista Greta Thunberg é alvo de tanto ataque” nesta reportagem
de Camilo Rocha para o jornal Nexo; entenda “O mal-estar nas ciências humanas”
segundo Vladimir Safatle no seu artigo para a revista Cult; ouça essa análise do
negacionismo científico por Alberto Saa no canal Casa do Saber, do Youtube, em
“Terra Plana e Outras Teorias: Podemos Questionar a Ciência?”, e ainda sua breve
introdução a “O que é fato?” (com o historiador Saulo Goulart).

Neste último vídeo, perceba que o historiador Saulo Goulart toma “fato social”
como sinônimo de “fato histórico”. Cuidado: como você verá adiante nas próximas
unidades, em Sociologia este é um conceito específico, legado pela obra de um
sociólogo francês do final do século XIX, chamado Émile Durkheim. Essa variação
conceitual é normal. Toda área do conhecimento tem o seu jargão específico que
é partilhado pelos seus especialistas e representa o modo de pensar de uma
disciplina.

Historicamente identificado ao domínio herdado das antigas filosofia e história


naturais – de onde surgiram disciplinas como a Astronomia, a Física, a Química e a
Biologia –, o conceito de ciência e de método científico se refere sobretudo àquele
método indutivo, hipotético-dedutivo e experimental que é o paradigma dominante de
interpretação dos fatos naturais. Mas seria retrógrado reduzir a ciência a isto.
Desde o final do século XIX que a crença na irrefutabilidade dos fatos
científicos e na superioridade moral da ciência (o positivismo cientificista) perde espaço
na teoria científica. Isso apenas se aprofundou com o Holocausto e o risco de uma
guerra nuclear em meados do século XX. A ciência hoje se define, ao contrário,
enquanto o tipo de conhecimento sistemático refutável sob circunstâncias reguladas.
Nessa perspectiva, mais modesta, há espaço para diferentes versões do
método científico, correspondentes aos diferentes tipos de fatos investigados. A
formulação de modelos teóricos deterministas, constituídos por leis universais,
expressas de forma matemática, pelas quais é possível deduzir e assim prever a
dinâmica dos fatos, serve bem à física e não à genética, por exemplo, cujo cálculo é
probabilístico.

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A sociologia é uma ciência em sentido amplo e as ciências humanas
constituíram sua variante do método científico tradicional que não é menos científica
por causa disso. Nesta unidade você aprenderá a concebê-las assim; entenderá a
correlação entre fatos, crenças e conhecimentos que caracteriza o conhecimento
científico; e por fim, será apresentado às principais matrizes históricas e filosóficas da
sociologia.

1.2 FATOS, CONTEXTOS E NÍVEIS DE INTERPRETAÇÃO

“O entendimento moderno do que é um fato eu acho que pode ser expresso


da seguinte maneira: fato é qualquer coisa cuja realidade, cuja existência,
pode ser aferida dentro de um contexto preestabelecido. (…) a afirmação de
que o arquiduque austríaco Francisco Ferdinando foi assassinado em 1914
em Sarajevo, isso é um fato histórico, (…) isso pode ser aferido baseado
numa série de documentos de época que comprovam que de fato
aconteceu. (…) A afirmação a de que a luz é desviada por uma grande
massa estelar como o Sol, (…) isso pode ser comprovado dentro de um
contexto muito bem estabelecido, que no caso da ciência, é o método
científico”. (GOULART; SAA, 2019).

Em um dos vídeos recomendados anteriormente, o professor e físico Alberto


Saa qualifica os fatos em categorias específicas, com base no contexto em que estes
podem ser aferidos, atestados ou corroborados. Isso devemos entender em sentido
amplo: qualquer ocorrência, acontecimento ou evento cuja realidade ou existência
possa ser afirmada no interior de um contexto específico pré-determinado.
Podemos conceber um fato histórico (corroborado pela história), um fato
científico (corroborado pela ciência, que como vimos, quase sempre se reduz a
sinônimo de ciências naturais), mas também um fato religioso (corroborado pelos
dogmas e crenças de determinada religião), um fato moral (corroborado pelos
costumes e regras de conduta predominantes em certo grupo), e assim por diante.
Está claro que um mesmo fato pode ser qualificado de formas diferentes, os
fatos críveis num determinado contexto podem não sê-lo em outro, mas isso não
significa que todos os contextos tenham uma mesma validade ou estatuto de verdade
– sendo verdadeiro o que jaz além de qualquer dúvida razoável, e válido o que é
correto e legítimo sob um dado ponto de vista.
“Somos todos filhos de Adão e Eva”; “Os dinossauros jamais existiram”.
Ambas as declarações são absurdas se relativas à origem e ao passado remoto da
vida na Terra. Isso pois, se desejamos mesmo saber desde quando e como surgiu a
8
vida em nosso planeta, as afirmações, para serem verídicas nesse sentido, precisam
dar conta de fatos e evidências correspondentes – tais como a existência dos fósseis.
Não sendo uma explicação verídica da origem da espécie humana, a primeira
afirmativa, entretanto continua válida na perspectiva do cristianismo. Entendida de
forma alegórica, ela ainda carrega uma importante mensagem de fraternidade entre
pessoas de diferentes culturas. Já a segunda, dificilmente pode ser considerada válida
para além da mera opinião pessoal não fundamentada.
Perceba então, que para ser atestado como verdadeiro, todo fato necessita de
dois contextos fundamentais: o contexto de observação, no qual as evidências
correspondentes aparecem em circunstâncias independentes, e o contexto de
interpretação, no qual o sentido dessas ocorrências é caracterizado. Deste modo, os
fatos são identificados e compreendidos sempre na junção de vários contextos, de
ambos os tipos.
Afirmações e juízos sobre os fatos, articulando esses vários contextos, são
expressos, todavia em níveis cada vez mais abrangentes e consistentes: o nível das
opiniões, das crenças, e dos conhecimentos. A opinião tem uma validade restrita,
porque, a rigor, fornece somente um contexto pessoal e particular para a interpretação
dos fatos, a menos que se amparem em algum contexto maior, mais geral, e
predefinido.
As crenças coletivas amparam nossas opiniões; do mesmo modo os sistemas
de crenças coletivas e de conhecimentos, como as religiões e as ciências
(respectivamente). Se crença é a confiança de que algo é verdade, conhecimento é a
crença verdadeira e justificada: verdadeira porque correspondente aos fatos; justificada
porque é passível de ser comunicada de maneira metódica, não dogmática.

Assista a Kherian Gracher do canal SciFilo discutindo esta questão nos vídeos
“Definição Tradicional do Conhecimento” e “O que é Epistemologia (Teoria do
Conhecimento)?” Outro vídeo, “Metafísica na Filosofia”, de Cristiano Barroso do
canal Saber em Foco, pode ser lhe ser útil mais adiante.

9
1.3 MITO, FILOSOFIA E CIÊNCIA

Quando o físico Alberto Saa classifica os tipos de fatos em históricos e


científicos; quando a isto acrescentamos outras ordens de fatos (religiosos, morais,
políticos, jornalísticos, etc.), seguimos a taxonomia dos fatos segundo o contexto de
interpretação. O contexto de observação varia caso a caso, porém vimos que há uma
divisão tradicional assim na história das ciências: entre fatos humanos e naturais.
O dia e a noite são fatos naturais, a rotina e o trabalho são fatos humanos; o
vento e a chuva são fatos naturais, a navegação e a plantação são fatos humanos; a
fome e a sede são fatos naturais, os jejuns e os festejos são fatos humanos; o
nascimento e a morte são fatos naturais, os rituais e as crenças são fatos humanos,
digamos assim. Analisemos a seguir essas proposições.
Primeiro, essas proposições sugerem uma divisão radical entre dois tipos de
fatos: os que ocorrem ou existem porque provocados pela ação ou vontade humana
(fatos humanos), e os que em princípio independem disso (fatos naturais). Segundo,
dizem respeito a fatos genéricos ou fenômenos, e não à última chuva, ao jejum para
um exame de sangue, ao nascimento ou a morte de alguém, etc.
É verdade que em certos casos a fome e a sede, o nascimento e a morte
podem ser provocados por ações humanas. Em todo caso, sua existência no mundo
de modo geral independe disso. Podemos conceber a rotina e o trabalho das abelhas,
a navegação dos pássaros e dos morcegos do mesmo jeito. Em todo caso, isso só faz
sentido por analogia a atividades realizadas pelos seres humanos.
Talvez esta distinção entre fatos humanos e naturais seja bastante óbvia
atualmente, mas isso nem sempre foi assim. Houve um tempo na história da
humanidade em que explicações buscadas para os dois tipos de fatos não eram
fundamentalmente diferentes. Os mitos explicam fatos humanos e naturais de forma
semelhante: via narrativas ficcionais cheias de personagens, situações simbólicas e
imagéticas.

O que é um mito? Um mito é uma narrativa sobre a origem de alguma coisa


(origem dos astros, da Terra, dos homens, das plantas, dos animais [...] etc.).
[…] como o mito narra a origem do mundo e de tudo o que nele existe? 1)
Encontrando o pai e a mãe das coisas e dos seres […]. A narração da origem
é, assim, uma genealogia, isto é, narrativa da geração dos seres, das coisas,
das qualidades, por outros seres, que são seus pais ou antepassados. […]
2) Encontrando uma rivalidade ou uma aliança entre os deuses que faz surgir

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alguma coisa no mundo. 3) […] Encontrando as recompensas ou castigos
que os deuses dão a quem os desobedece ou a quem os obedece. […]

Quais são as diferenças entre Filosofia e mito? […] O mito narrava a origem
através de genealogias e rivalidades ou alianças entre forças divinas
sobrenaturais e personalizadas, enquanto a Filosofia, ao contrário, explica a
produção natural das coisas por elementos e causas naturais e impessoais.
O mito não se importava com contradições, com o fabuloso e o
incompreensível, (…) A Filosofia, ao contrário, não admite contradições,
fabulação e coisas incompreensíveis, mas exige que a explicação seja
coerente, lógica e racional; além disso, a autoridade da explicação não vem
da pessoa do filósofo, mas da razão, que é a mesma em todos os seres
humanos. ” (CHAUÍ, 2000, p.32-33).

O mito, a filosofia e a ciência são modos diferentes de explicar a realidade. Cada


um tem uma maneira distinta de observar, organizar e atribuir sentido aos fatos,
pautados por diferentes noções de verdade.

A filosofia durante muito tempo também aplicou um mesmo tipo de raciocínio


à explicação dos fatos humanos e naturais, embora diferente dos mitos. Esse
raciocínio era a busca da realidade fundamental de todas as coisas, que herdou da
filosofia grega antiga o nome de metafísica, e tornou-se a base da teologia medieval.
Já a ciência (moderna) surgiu como uma perspectiva distinta sobre os fatos naturais.
A filosofia não rompeu com o mito, mas com a autoridade dogmática não
fundamentada na razão; a ciência moderna não rompeu com a filosofia, mas com a
metafísica. De que maneira? Abandonando o foco na ontologia e na teleologia dos fatos
ou fenômenos em prol da constituição de modelos explicativos circunscritos aos
próprios fatos ou fenômenos – isto é, ao acentuar o imanente sobre o transcendente.
Vários mitos antigos mencionam a Terra como sendo uma superfície
bidimensional. O fazem em primeiro lugar porque condiz com a nossa percepção
ordinária do espaço; em segundo lugar, porque suas descrições do movimento dos
astros, do olhar sobre o horizonte, e de outros fatos ou fenômenos com implicações
nesse sentido, seguem um propósito mais simbólico do que descritivo.
Em outras palavras, os mitos não buscam explicar esses fenômenos e sim
utilizá-los como símbolos para transmissão de uma mensagem. O problema da forma
da Terra também não diz respeito diretamente à metafísica. Esta se ocuparia em
primeiro lugar com a tarefa de saber se a Terra como um todo possui ou não uma forma
discernível, se os dados dos sentidos são ou não são expressão da realidade, etc.
11
Neste ponto você deve ser capaz de compreender que o mito, a filosofia
(metafísica) e a ciência (moderna) não são formas de explicar a realidade mutuamente
excludentes, nem incompatíveis, tão pouco se sucederam superando inteiramente
umas às outras. Não obstante, são bastante distintas, bem como dotadas de valor e
eficácia variável, conforme os objetivos aos quais venham a se prestar.

1.4 MATRIZES INTELECTUAIS, ORIGENS HISTÓRICAS E O FUTURO DA


SOCIOLOGIA

A distinção entre fatos humanos e naturais só pode nos parecer óbvio por que
vivemos numa sociedade na qual a ciência tem lugar central. Mas isso aconteceu aos
poucos, num processo longo processo que começa na filosofia grega da época antiga,
passa pela Revolução Científica (séculos XVI-XVIII), pelo Iluminismo (XVIII) e o
Positivismo (XIX) na época moderna, até fixar o atual binômio “ciência e tecnologia”
(C&T).
Embora possamos traçar a origem das ideias características da sociologia até
vários períodos da História desde a época antiga, sua identidade como disciplina
acadêmica e universitária data do século XIX. Esta identidade foi profundamente
influenciada por dois grandes movimentos intelectuais do início da época moderna e um
terceiro, seu contemporâneo: o Humanismo, o Iluminismo e o Positivismo.
No século XVI, o Humanismo – o equivalente filosófico do Renascimento (que
de fato foi um movimento artístico e estético) – impulsionou a libertação da filosofia do
domínio da teologia, com o seu antropocentrismo. Neste primeiro momento, os fatos
humanos serão objeto principal da filosofia moral e da história, enquanto os fatos
naturais permanecerão ainda em parte sob a alçada da teologia.
A Astronomia começará a se constituir numa disciplina autônoma ainda no
século XVI. Nos próximos três séculos, respectivamente, o mesmo ocorrerá com a
Física, a Química e a Biologia. Mais ou menos completo no fim do século XVIII, esse
processo é conhecido como Revolução Científica. Os outros dois grandes movimentos
intelectuais importantes para o surgimento da sociologia serão influenciados por ela.
Em que sentido? O Iluminismo, de um lado, radicalizou a crítica do Humanismo
à autoridade da religião, de outro, questionou a metafísica, louvando a Ciência, mais do
que somente o intelecto, como principal fonte de conhecimento sobre o mundo. O nome

12
do movimento, sinônimo de “esclarecimento”, diz bem qual era o seu propósito: difundir
o conhecimento científico para afastar as “trevas” da estupidez e da ignorância.

“Por Iluminismo entendemos o esforço por construir de novo, a partir da razão,


as relações humanas libertas de todos os vínculos com a tradição e o
preconceito – esforços que tiveram o seu apogeu no século XVIII e, em
seguida, depressa sucumbiram a uma desvalorização céptica. […] resta, em
boa parte, o pragmatismo e a confiança na ciência; resta sobretudo a
humanidade da vontade reformista do social […]. Duas premissas centrais da
Ilustração racional se tornaram sobretudo suspeitas na sociologia: a
participação igual de todos os homens numa razão comum que eles possuem
sem ulterior mediação institucional, e o optimismo […] em relação ao
estabelecimento de situações justas. […] Isto separa a sociologia do
Iluminismo ‘ingénuo’ de estilo antigo” (LUHMANN, 2005 [1967], p. 20-22).

Figura 2 - A visão da ciência legada pelo Iluminismo

No contexto maior do Iluminismo, o desenho de Francisco de Goya ajuda a entender o quadro de


Joseph Wright.

13
Que experimento científico está sendo representado nessa imagem? Por que ele
está sendo realizado na sala de jantar de uma casa e não em um laboratório? Há
alguma diferença entre a reação das crianças e dos adultos, dos homens/meninos
e das mulheres/meninas, diante do experimento? Este que parece o pai das
meninas (adulto n.2), o que ele está fazendo ali? Há algo verdadeiramente
sobrenatural nesta cena ou essa seria uma observação supersticiosa? Qual a
intenção do pintor ao representar um experimento científico numa atmosfera
gótica?

Veja as imagens em alta resolução da gravura de Goya e da pintura de Wright.


Observe o infográfico acima. Saiba o que cada uma delas representa. Silas Martí
comenta a gravura de Goya para a Carta Maior quando da sua exposição no MASP
(Museu de Arte de São Paulo), em 2007; Ana Paula Gorri e Ourides Santin Filho
analisam a tela de Wright na Química Nova Escola, n. 31, de agosto de 2009.

Ao longo da época moderna, o método científico, concebido em princípio para o


estudo do mundo natural, transformou-se no eixo das principais críticas à filosofia e à
teologia das épocas anteriores. Esse movimento foi o responsável por várias tentativas
de transpor o método científico ajustado aos fatos naturais para um estudo dos fatos
humanos. A própria sociologia alimentou essa ambição no seu início.

“As ciências que se desenvolveram antes, a matemática e a astronomia, e


mais tarde a física, eram aquelas que lidavam com as leis da natureza mais
gerais e mais totalmente abrangentes, que governavam fenômenos mais
distantes do envolvimento e da manipulação humana. A partir daí a ciência
penetrava cada vez mais na humanidade em si, dirigindo-se, por meio da
química e da biologia, para o ponto mais alto da ciência da conduta humana
– originalmente denominada por Comte de ’física social’, mais tarde
renomeada como ‘sociologia’ ”. (GIDDENS apud ALCÂNTARA, 2007, p. 31)

As duas citações anteriores pertencem a dois eminentes sociólogos do século


XX: Niklas Luhmann (1927-1998) e Anthony Giddens (1938-). Estas parecem dizer
coisas opostas, que de fato são complementares. Isso porque a linhagem que
resultará na sociologia contemporânea não derivou imediatamente das ideias de
Auguste Comte (1798-1857). Na verdade, é uma resposta a elas.
Em maior ou menor grau, os autores como Karl Marx (1818-1883), Émile
14
Durkheim (1858-1917) e Max Weber (1864-1920) guiaram a disciplina na direção a que
Luhmann se referia: direção cética, de reconhecimento da limitação da pretensão
iluminista e positivista de explicar e reformar a sociedade a partir de uma razão externa,
superior e inequívoca. A sociologia buscou, com esses autores, uma outra forma de
objetividade.
Wilhelm Dilthey, mencionado no início da unidade, foi um dos primeiros
filósofos a exprimir isso de forma categórica: às ciências humanas não caberia
explicar seus fatos ou fenômenos “de fora para dentro”, reconstruindo de maneira
hipotética as variáveis e as causas do seu funcionamento; caberia compreendê-los
“de dentro para fora”, teorizando de forma a incluir o ponto de vista dos que os
experienciam.
A ignorância deliberada ou involuntária sobre este ponto fundamental do
método científico nas humanidades – a objetividade presente no seu caráter dialético,
filosófico-hermenêutico e compreensivo – surge disfarçada de acusação de
irracionalidade contra essas disciplinas. Sérgio Paulo Rouanet já havia escrito sobre
isto em meados dos anos 1980. É com suas palavras que encerramos essa unidade.

“Estamos assistindo hoje, em todo o mundo, a tendências que fazem prever o


advento de um novo irracionalismo. Mas ele é mais perturbador que o antigo,
porque não está mais associado a posições políticas de direita. A razão não é
mais repudiada por negar realidades transcendentes — a pátria, a religião, a
família, o Estado –, e sim por estar comprometida com o poder. […] Para as
subculturas jovens, a razão é experimentada como se fosse inimiga da vida;
para alguns teóricos da comunicação, ela está a serviço de um projeto de
nivelamento e de expulsão da espontaneidade popular; para certos dirigentes
operários, ela é o álibi com que os intelectuais procuram justificar suas
ambições de poder; para certos poetas, é uma potência castradora, que quer
mumificar a emoção e sufocar a arte; para muitos, está encarnada em modelos
estrangeiros, que querem desfigurar a autenticidade nacional. A fórmula é
quase sempre a mesma: a prática contém sua verdade imanente e dispensa
toda teoria, ou admite apenas uma teoria desentranhada da própria prática.
(ROUANET, 1987, p. 11-12; 17.)

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Anti-intelectualismo: suspeição ou hostilidade contra os intelectuais ou
profissionais do intelecto.
Cientificismo: crença exagerada na superioridade do método científico.
Negacionismo: distorção de fatos verídicos para negar determinado aspecto da
realidade.
Ceticismo: desconfiança ou recusa de verdades estabelecidas.
Indução (método): que formula princípios e leis gerais ou universais desde casos
particulares.
Hipotético-dedutivo (método): que prevê resultados particulares a partir de
modelos teóricos.
Experimental (método): que analisa um fato ou fenômeno em condições
estritamente controladas.
Positivismo: corrente filosófica do final do século XIX disseminada pela obra de
Comte;
Alegoria (figura de linguagem): tomar uma coisa, imagem ou ideia como o
símbolo de outra.
Metafísica: estudo ou teoria das categorias universais e imutáveis que
estruturam a realidade.
Ontologia: teoria ou estudo calcado na abstração da essência transcendental
dos fenômenos.
Teleologia: teoria ou estudo do propósito ou finalidade última e transcendental
dos fenômenos.
Imanente: que existe inseparável de uma realidade concreta passível de
experiência.
Transcendente: que existe para além de toda realidade concreta passível de
experiência.
Iluminismo: corrente filosófica do séc. XVIII manifesta nas ideias de Hume,
Montesquieu, Kant, etc.
Humanismo: corrente filosófica do século XVI manifesta nas ideias de Erasmo,
Montaigne, etc.
Antropocentrismo: concepção de mundo que valoriza o que é humano e
histórico;
Revolução Científica: separação do estudo do mundo natural da teologia no
início da época.
Dialético (método): que apreende a realidade humana a partir da síntese de
suas contradições.
Filosófico-hermenêutico (método): que sempre discute e reinterpreta seus
próprios conceitos.
Compreensivo (método): que apreende o sentido objetivo e subjetivo das ações
dos sujeitos.

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1. O período entre os séculos XVI e XIX foi crucial na história do pensamento ocidental
e o surgimento das Ciências Sociais. Com referência aos marcos filosóficos
fundadores do pensamento social no Ocidente, assinale a opção correta.
a) O Iluminismo se opôs à crítica do Humanismo à autoridade da religião para explicar
o comportamento humano.
b) O Positivismo reforçou a postura civilizatória do Iluminismo ingênuo ao valorizar
somente o método científico tradicional.
c) O Humanismo renascentista postulou a suprema autoridade da Natureza divina que
se tornaria a base do Positivismo.
d) A tradição sociológica contemporânea é a soma dos movimentos filosóficos que a
precederam.
e) A sociologia se constitui como ciência através da negação dos movimentos
filosóficos que a precederam.

2. O desenvolvimento de uma ciência da sociedade está relacionado à descoberta das


relações entre homem, natureza e sociedade. Os filósofos iluministas contribuem para
esse processo na medida em que
a) constroem uma visão científica de mundo marcada pela inteligibilidade da natureza.
b) corroboram os ditames religiosos como necessários à conduta humana.
c) regulamentam as trocas econômicas a partir de princípios socializantes.
d) justificam a organização estamental como modelo da hierarquia social.
e) salvaguardam as prerrogativas eclesiásticas na organização do Estado.

3. “As ciências sociais não são uma atividade puramente especulativa nem o simples
reflexo da vida social e política de uma dada época ou coletividade. As disciplinas
surgidas no século XIX, a partir de uma revolução multifacetada e de projetos de
colonização, devem seu desenvolvimento a um conjunto de condições intelectuais,
sociais e institucionais que ainda devem ser elucidadas. ”
Henry-C. Cuin e François Gresle. História da sociologia. São Paulo: Ensaio, 1994, p. 11
(Adaptado).
A partir do fragmento acima, analise os itens que se seguem, relacionados a aspectos
históricos das ciências sociais.
I) O advento das modernas tecnologias de informação coincidiu com o surgimento das
ciências sociais.
II) A colonização dos países de além-mar foi inspiradora para o surgimento da
antropologia.
III) Para os clássicos das ciências sociais era preciso explicar a passagem do mundo
tradicional para o mundo moderno.
IV) Os revolucionários da Revolução Francesa, como Danton e Robespierre, são os
grandes fundadores da sociologia.

17
V) Processos de insurgência na América Latina incentivaram o surgimento das
ciências sociais.
Estão certos apenas os itens
a) I e III.
b) I e IV.
c) II e III.
d) II e V.
e) IV e V.

4. Na ciência, dados do mundo real precisam ser sistemática e cuidadosamente


coletados através de procedimentos específicos para verificar uma observação. Na
sociologia essas regras tem um caráter dialético, filosófico-hermenêutico, e
compreensivo no tocante à relação com o objeto de pesquisa. No que diz respeito a
cada um desses aspectos do método científico na sociologia, assinale a opção correta.
a) As hipóteses formuladas no âmbito das ciências humanas tem um caráter mais
probabilístico do que determinista.
b) Nas humanidades cumpre escolher uma abordagem quantitativa ou qualitativa, pois
ambas são incompatíveis.
c) A sociologia constituiu no século XIX um aparato conceitual pelo qual deduzimos o
funcionamento da sociedade hoje.
d) Em sociologia os conceitos e as teorias são continuamente debatidos, o que
demonstra uma falta de objetividade.
e) A principal qualidade da pesquisa nas ciências humanas é o estabelecimento de
um ponto de vista exterior e neutro.

5. As ciências sociais contemporâneas resgatam abordagens clássicas, como aquelas


relacionadas a classe, ideologia, cultura, entre outras, e atualizam essas ideias com
novos temas resultantes da complexidade da sociedade atual, como demonstram as
categorias de análise de gênero, etnia, exclusão social, identidade cultural, entre
outras. Com relação a esses temas, assinale a opção correta.
a) A crítica do sexo como categoria determinante do comportamento humano levou à
desnaturalização da feminilidade e da masculinidade através da noção de gênero.
b) A raça em sentido biológico continua um fator determinante do comportamento dos
grupos para a sociologia contemporânea, a refletir autores como Darwin, Lamarck
e Spencer.
c) A cultura é um fator secundário na interpretação das ações dos sujeitos, precedida
por uma natureza humana universal e uma hierarquia fundamental de povos e tipos
sociais.
d) A exclusão social é um fenômeno de origem contemporânea, inexistente antes do
advento da sociedade de consumo, e por isso é inútil compreendê-la
historicamente.
e) As categorias estudadas pela sociologia são construtos intelectuais sem relação
com a realidade empírica, que por isso passam desapercebidas da população leiga.

18
UNIDADE
A TRADIÇÃO SOCIOLÓGICA
CLÁSSICA, PARTE I – MARX

19
2.1. UMA DISTINÇÃO CRUCIAL:
O MARXISMO COMO CULTURA POLÍTICA E TRADIÇÃO SOCIOLÓGICA

Que imagem você faz de Marx? O quadro acima se esforça por contextualizar
minimamente o pensamento de um autor que se encontra tão evidente em canecas,
camisetas e outras mídias, quanto nos currículos, nas bibliotecas e em famosos
logradouros públicos ao redor do mundo. Como uma disciplina de introdução à
sociologia para estudantes relativamente leigos, cumpre esclarecer certas confusões.
As menções a Marx em nossa vida social são muitas vezes apenas símbolos
de outras coisas que não necessariamente nos conduzem de volta aos seus textos e
ideias. A sociologia por seu turno é uma das disciplinas acadêmicas que há muito se
especializaram em refazer esse percurso, junto da história e da economia. Vejamos
algumas dessas aparições vulgares, o que elas sugerem sobre o autor e suas ideias.

Que Marx são esses?

Diferentes camisetas com estampas contendo referências ao autor e ao seu pensamento:


sobre o fundo vermelho, frases atribuídas ao próprio Marx; sobre o fundo branco, piadas e protestos.

A terceira camiseta da segunda fileira contém somente um gracejo. A segunda


da primeira fileira vai um pouco além do trocadilho. Quem diz “party” em inglês diz
“partido” ou “festa” dependendo do contexto. Por isto Marx é representado numa festa
com Fidel, Mao, Lênin e Stálin, líderes comunistas históricos. A representação faz

20
sentido, ao menos em parte.
Marx não foi o líder de um Estado comunista, mas em seus escritos políticos,
postulou a estatização dos meios de produção mais tarde encampada por aqueles
líderes em seus países. Além disso foi como os demais uma figura de culto do
comunismo internacional do século XX. Apenas seria absurdo tomar a cena como
alegoria de uma total congruência das ideias dos personagens, extrapolando o
trocadilho.
Saibamos separar o que é de Marx do que não é de Marx: as ideias
“marxianas” (sim, esse é um termo utilizado na literatura acadêmica) dos diferentes
“marxismos”, políticos e sociológicos, que as sucederam. E a propósito, apontam para
algumas dessas ideias as camisetas acima que lhe atribuem certas frases. São suas
palavras mesmo? De que parte de sua obra? Onde as encontramos e o que dizem
ali?
“A luta de classes é o motor da história” pode ser entendida como uma
paráfrase da sentença de abertura da primeira seção do Manifesto Comunista: “Até
hoje, a história de toda sociedade é a história das lutas de classes”. A crítica aos
filósofos e os juízos sobre a dinâmica histórica reproduzem de forma quase literal
passagens-chave de A ideologia alemã e O 18 Brumário de Luís Bonaparte,
respectivamente.
Quem não reconhecer essas referências e não for capaz de acompanhá-las,
tenderá a confundir a luta de classes com a luta política; a conceber uma apologia da
ação em detrimento da contemplação; a crer que Marx afirme que a história é cíclica,
ou que uma força exterior dirija as ações humanas. Essas ideias possuem um sentido
mais sofisticado e preciso dentro da teoria marxiana.
E existem as camisetas que marcam uma posição contrária com palavras de
ordem. Você pode discordar da interpretação que Marx fez do capitalismo, mas dizer
que este o “deturpou” é encará-lo como um credo, não como um sistema econômico
e social. “Menos Marx, mais Mises”, onde? Em um curso de economia? Nas
universidades? Na agenda político-econômica do Estado brasileiro? Na vida social?
Um contraste entre as ideias de Karl Marx e Ludwig Von Mises (1881-1973),
exponente da escola austríaca de economia, não é um “jogo de soma zero”. Para os
que verdadeiramente buscam pensar uma teoria do valor, dos ciclos econômicos de
crescimento e crise, da organização da produção, e da distribuição de renda, Marx é

21
incontornável, como o restante dos economistas clássicos.

“A defesa da sentença ‘Menos Marx, Mais Mises’ não deve ser interpretada,
de modo algum, como um clamor por ‘Nenhum Marx, Apenas Mises’, nem
servir como justificativa para que o pensamento marxista não seja estudado
ou sofra algum tipo de censura que o proíba. […] Adotar uma postura
antimarxista radical, negligenciando as importantes contribuições filosóficas,
políticas e econômicas de Karl Marx para o pensamento ocidental, seria um
erro completamente inapropriado e injustificável. ” (CATHARINO, 2016, p.
10)

Nesta unidade você conhecerá as principais contribuições de Marx para a


teoria sociológica, histórica e econômica (em menor grau). Você terá um panorama
geral dos principais conceitos e obras do autor, assim como do desenvolvimento que
tiveram na obra de seus principais continuadores nos planos político e intelectual.
Essas vertentes caminham juntas, mas não devem ser confundidas.

2.2 ALGUNS CONCEITOS IMPORTANTES: LUTA DE CLASSES, MODO DE


PRODUÇÃO, MAIS-VALIA, FETICHISMO DA MERCADORIA, REIFICAÇÃO E
ALIENAÇÃO

O Manifesto Comunista escrito por Marx e Engels é mais do que um panfleto


político: é além disso a versão sintética e didática de uma teoria acerca da sociedade
e da história que os dois vinham amadurecendo em escritos anteriores, e que depois
será densamente elaborada por Marx de forma em O Capital. Por isso o Manifesto é
uma via de acesso aos principais pontos da teoria marxista.
De uma perspectiva política, o manifesto é a defesa de um socialismo radical
que lutaria pela posse comunal dos meios de produção da vida material e pelo fim da
propriedade privada. O panfleto busca, todavia, sustentar esse ideal de luta a partir de
uma teoria sociológica sobre o surgimento, o desenvolvimento e o funcionamento do
capitalismo. É sobretudo essa teoria que interessa compreender aqui.
Subjacente às diversas formas manifestas de organização dos grupos
humanos, Marx e Engels observam uma divisão fundamental, do ponto de vista da
relação com os meios de produção, entre três grandes classes sociais: a classe
trabalhadora, a classe média, e a classe proprietária ou exploradora. Note que as
classes sociais nesse sentido são estratos ou camadas sociais, não grupos.
Portanto, a luta de classes não é uma luta política entre grupos ou facções: é
22
um fenômeno social e histórico. Marx e Engels argumentam então que este fenômeno
é responsável em última instância por todas as grandes transformações históricas da
humanidade: a ascensão e a queda dos impérios, os grandes fluxos migratórios e os
empreendimentos coloniais, e assim sendo, o “motor” da história universal.
A luta ou o conflito imanente a esta estrutura de classes é aquele que opõe a
classe trabalhadora à classe proprietária na distribuição dos resultados da produção.
A classe média é (como o nome mesmo diz) a classe no meio deste conflito. Não se
confunde com a classe trabalhadora – pois não vive da venda da sua força de trabalho
– e nem com a classe proprietária – pois não é dona dos meios de produção.

As classes sociais na sociologia marxista são definidas pela sua relação com os
meios de produção. A classificação corriqueira nos noticiários de economia – entre
as classes A, B, C, D e E – é um modelo relativo à renda e ao consumo. Os dois
modelos de classificação são congruentes, mas tem conotações políticas distintas.
O modelo economicista enfatiza a mobilidade social, enquanto o modelo marxista
enfatiza a dependência do, e as condições de trabalho. Do ponto de vista da luta
política, o primeiro é dispersivo, e o segundo, polarizador.

Outro conceito característico da sociologia de Marx é o modo de produção: a


composição, dominante numa determinada época histórica, entre forças produtivas e
relações sociais de produção. As forças produtivas significam grosso modo o estágio
tecnológico de uma determinada sociedade, e as relações sociais de produção
significam grosso modo a forma típica do trabalho numa dada sociedade. Melhor
dizendo:
“As forças produtivas são as edificações e os meios utilizados no processo de
produção: meios de produção, de um lado, e força de trabalho, de outro. Os
meios de produção são recursos produtivos físicos: ferramentas, maquinária,
matéria-prima, espaço físico etc. A força de trabalho inclui não apenas a força
física dos produtores, mas também suas habilidades e seu conhecimento
técnico (que eles necessariamente não dominam), aplicados quando
trabalham. […] As relações de produção são relações de poder econômico
sobre a força de trabalho e os meios de produção, de cujo privilégio alguns
gozam, enquanto os demais carecem. Em uma sociedade capitalista, as
relações de produção incluem o poder econômico que os capitalistas detêm
sobre os meios de produção, o poder econômico que os trabalhadores (ao
contrário dos escravos) possuem sobre sua própria força de trabalho e a
ausência de poder econômico dos trabalhadores sobre os meios de produção.
” (COHEN, 2010, p. 64-65).
23
Marx foi um grande estudioso da economia política clássica, ávido leitor de
Adam Smith (1723-1790), Thomas Malthus (1766-1834), David Ricardo (1772-1823),
entre outros. Deles reteve a noção de que o valor da mercadoria é determinado pela
quantidade de trabalho socialmente necessário para a sua produção, divergindo
fundamentalmente na explicação do lucro.
Ao contrário dos economistas neoclássicos seus contemporâneos, Marx
postulou que a diferença no valor das mercadorias não se devia fundamentalmente à
diferença na satisfação relativa produzida pelo seu consumo (teoria do valor
subjetivo), mas na apropriação desigual do excedente de trabalho não pago pelos
proprietários dos meios de produção. Marx a isso denominou “mais-valia”.
Os economistas clássicos escreveram sobre o capitalismo do ponto de vista
de uma burguesia iluminista revolucionária que invocava a explicação das leis da
natureza contra o despotismo dos reis absolutistas. Marx por sua vez observava um
capitalismo no qual a burguesia havia se tornado a classe dominante, por isso
questionava a naturalização do sistema de valor das mercadorias e da propriedade
privada.
As relações de troca, segundo Marx, não são a expressão do valor verdadeiro
das mercadorias. Este é o produto de um “trabalho morto”, como o denomina Max,
que se tornou intangível. A grande questão filosófica para Marx é explicar, como sendo
o trabalho aquilo o que importava, poder-se-ia admitir que o valor fosse atribuído
diretamente às coisas na sua relação com outras coisas (insumos, dinheiro, etc.).

“O resultado é que uma ‘relação social determinada entre os próprios homens


(…) assume, para eles, a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas’.
E é essa condição que define o ‘fetichismo, que se cola aos produtos do
trabalho tão logo são produzidos como mercadorias e que, por isso, é
inseparável da produção de mercadorias’. Isso acontece, diz ele, porque ‘os
produtores só travam contato social mediante a troca de seus produtos do
trabalho’, de modo que […] eles não sabem nem podem saber qual é o valor
de sua mercadoria antes de levá-la ao mercado e efetivar sua troca. ’ A estes
últimos (os produtores), as relações sociais entre seus trabalhos privados
aparecem […] como relações reificadas entre pessoas e relações sociais entre
coisas’. (HARVEY, 2013, formato ebook; citações de Marx).

24
Esse fetichismo da(s) mercadoria(s) instalado no cerne da sociedade
capitalista é o resultado de uma condição de alienação inerente ao trabalho que é
essencial ao funcionamento do capitalismo moderno. Esta etapa do capitalismo se
caracterizou pela generalização do aspecto mercantil a todas as relações de produção
e pela transformação do próprio trabalho em mercadoria.
Quando a única forma que o trabalho assume para o trabalhador é a da
mercadoria, este se encontra, por assim dizer, alienado do seu próprio trabalho. A
condição essencial para a troca de mercadorias no capitalismo moderno é a
descaracterização de todo trabalho concreto, a sua transformação em trabalho
abstrato, abstraído do conjunto das experiências reais que ele um dia encarnou.
O trabalho que produziu a mercadoria e foi responsável por gerar o seu valor
existe no produto agora apenas como resíduo genérico, despojado das suas
particularidades afetivas, reconhecível apenas, nas palavras de Marx, como uma
“geleia de trabalho humano”. Talvez o exemplo mais dramático desse fenômeno tenha
sido registrado pela literatura, em As Vinhas da Ira, de John Steinbeck (1902-1968).

“Nas casinhas em que moravam, os arrendatários reuniam o que lhes


pertencia e o que pertencera a seus pais e a seus avós. Preparavam-se para
a grande viagem rumo ao oeste. (…) Carroças, armações, sementeiras,
enxadas em penca. Tragam tudo. Juntem tudo. Ponham tudo no caminhão.
Levem tudo para a cidade. Vendam tudo por quanto puderem. […] cinquenta
cents [centavos] não é bastante por um arado. Essa sementeira aí custou 38
dólares. Dois dólares são muito pouco. [...] Bem, leve tudo, todos esses troços,
me dê 5 dólares por tudo, ‘tá bem? […] Não posso levar tudo de volta, bem,
aceito os quatro dólares mesmo. Mas eu o estou prevenindo: o senhor está
comprando as nossas próprias vidas. O senhor não vê isto, não quer ver isto”
(STEINBECK apud DOMINGUES, 2015).

A cena é um diálogo de um camponês com um vendedor numa pequena cidade dos


Estados Unidos durante a Grande Depressão. O que o vendedor é acusado de não
enxergar nos objetos que tentam lhe vender? Por que o camponês não entende o
valor dos objetos a partir do mercado? O vendedor não quer ver ou não seria capaz
de ver o valor dos objetos para além do seu valor de mercado? No segundo caso,
por que não seria capaz de vê-lo? O que o impediria de antemão?

25
2.3 ALGUMAS DIMENSÕES TEÓRICAS IMPORTANTES: O MATERIALISMO
HISTÓRICO E DIALÉTICO, CONHECIMENTO CONTRA IDEOLOGIA,
MUDANÇA SOCIAL E REVOLUÇÃO

Marx foi um herdeiro dos ideais iluministas que criticou as próprias bases do
conhecimento filosófico de sua época. O principal alvo de suas críticas nesse sentido
foi a dialética filosófica de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). Na mocidade,
Marx foi um “jovem hegeliano” na Alemanha. Quando se muda para a França e trava
contato com Friedrich Engels, aprofundando o seu envolvimento com o movimento
operário, Marx terminará por formular, alternativamente, uma filosofia da práxis.
Em 1846 os dois concluíram um manuscrito alinhavando as suas críticas à
filosofia alemã que, entretanto, não encontrou editor à época, somente sendo
publicado postumamente em 1932, sob o título A ideologia alemã. A sua crítica
consistia em denunciar o aspecto abstrato do hegelianismo, postulando uma inversão
da sua lógica dialética, sem, todavia, descartá-la.
A dialética era o método filosófico praticado por Platão e inspirado por
Sócrates. Trata-se de apresentar uma ideia e desenvolvê-la em diálogo com ideias
contrárias que aos poucos se complementam até alcançar o que é essencial, que não
varia conforme as circunstâncias. Hegel interpretou a dialética não apenas como um
método argumentativo, mas como uma forma de compreender o movimento da
história.
O principal exemplo da dialética histórica de Hegel é a sua teoria do Estado.
Para Hegel, a família corresponde à ordem moral primeira, original e natural, da qual
decorre, por agregação, a sociedade civil, enquanto a associação dos indivíduos que
se regem por regras impessoais e universais, independente de seus pertencimentos
familiares. O conflito dialético entre família e sociedade civil culminaria no Estado.
Marx reconhece o curto circuito nessa explicação. Hegel pressupõe o Estado
como o gestor do direito público e privado, e isso faz com que ele busque,
retroativamente, na família e na sociedade civil, em abstrato, a sua gênese.

“Falta a Hegel, em verdade, não uma boa lógica, mas um modo de determinar
‘a maneira racional, adequada, de subsunção’, quer dizer, um critério que dê a
cada categoria lógica uma necessidade ontológica. Para Marx, um tal critério,
se desenvolvido no interior do próprio pensamento, produz apenas
tautologias, razão pela qual ele deve ser buscado na realidade empírica.

26
Assim, libertado de sua redução especulativa a simples ‘manifestação’ a Ideia
lógica, e reconduzido à sua posição originária como verdadeiro sujeito, caberá
ao próprio real a tarefa de guiar com segurança o pensamento rumo a sua
realização” (ENDERLE, 2010, formato ebook).

Talvez você queira assistir O jovem Karl Marx do cineasta


haitiano Raoul Peck como uma forma didática de conhecer um
pouco sobre o autor. O filme cobre a sua vida em Paris, o início
da amizade com Friedrich Engels, e a redação do Manifesto
Comunista. Mas em se tratando de uma obra de ficção, vale a
pena checar a análise dos erros e acertos do filme feita por
Michael Heinrich, eminente biógrafo de Marx, para o blog da
editora Boitempo. No canal da mesma editora no Youtube,
você encontrará muitos bons vídeos sobre Marx e marxismo.
Segue uma pequena seleção de três vídeos curtos do canal
sobre Marx:
• “Jovem Marx”, por Michel Löwy;
• “O conceito de Ideologia", por Mauro Iasi;
• “O Capital, de Max: gênese e estrutura da obra”, por Jorge
Grespan.

A dialética de Marx é uma versão reformulada da dialética hegeliana ancorada


na observação das condições históricas e materiais de existência das populações
humanas, donde a denominação que melhor se lhe aplica é o materialismo histórico-
dialético. E como talvez você já possa ter percebido, tal método deriva da junção das
suas críticas ao hegelianismo, de um lado, e aos economistas clássicos, de outro.
Talvez a explicação mais articulada e concisa do método marxista tenha sido
formulada por ele nessa famosa passagem da introdução ao seu livro Contribuição à
crítica da Economia Política, de 1859. Nela encontramos não apenas a distinção entre
a infraestrutura e a superestrutura da sociedade, como consequência da perspectiva
materialista, mas também um bom resumo de sua teoria da revolução.

27
“[…] na produção social da própria existência, os homens entram em relações
determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações
de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de
suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção
constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se
eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas
sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material
condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser
social que determina sua consciência. Em uma certa etapa de seu
desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em
contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais
que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais
elas se haviam desenvolvido até então. De formas evolutivas das forças
produtivas que eram, essas relações convertem-se em entraves. Abre-se,
então, uma época de revolução social. A transformação que se produziu na
base econômica transforma mais ou menos lenta ou rapidamente toda a
colossal superestrutura. […] Do mesmo modo que não se julga o indivíduo
pela ideia que de si mesmo faz, tampouco se pode julgar uma tal época de
transformações pela consciência que ela tem de si mesma. É preciso, ao
contrário, explicar essa consciência pelas contradições da vida material, pelo
conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de
produção. Uma sociedade jamais desaparece antes que estejam
desenvolvidas todas as forças produtivas que possa conter, e as relações de
produção novas e superiores não tomam jamais seu lugar antes que as
condições materiais de existência dessas relações tenham sido incubadas no
próprio seio da velha sociedade. Em grandes traços, podem ser os modos de
produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno designados como outras
tantas épocas progressivas da formação da sociedade econômica” (MARX,
2008 [1859], p. 47-48).

Compreenda que Marx não despreza o papel das ideias na manutenção de


uma determinada ordem social. Ele argumenta que em última instância essas ideias
são a expressão de condições materiais e relações sociais preexistentes. No tocante
a sua crítica da teoria do Estado de Hegel: não é o Estado que torna possível a
existência da sociedade, mas a sociedade que torna possível a existência do Estado.
A toda forma de conceber o mundo que obscureça as determinações que as
relações sociais em suas condições materiais de existência exercem sobre a dinâmica
das ideias, Marx classificou como “ideologia”. Nesse sentido, a tradição marxista
popularizou a definição da ideologia como “falsa consciência”, embora o termo ainda
se confunda muito no senso comum com a ideia de uma manipulação deliberada.
A ideologia é a expressão de uma consciência alienada, que ignora ou
desconhece as determinações sobre a sua própria ação e o seu próprio pensamento.
Na sua teoria da revolução social, Marx postula que as sociedades se transformam
pela intensificação das contradições inerentes ao seu modo de produção numa
determinada época histórica, que não podem mais ser encobertas pela ideologia

28
dominante.
Ao analisar a história econômica e social desde a antiguidade até a sua época,
Marx acreditava não só ser possível de descrever o processo que levou ao surgimento
do capitalismo, como aquele que levaria à sua necessária superação.

Evolução histórica dos modos de produção

A seta contínua que corresponde à hipotenusa dos triângulos menores representa o


desenvolvimento das forças produtivas. As setas duplas formando um ângulo agudo representam o
desenvolvimento das relações sociais de produção. As perpendiculares representam as revoluções
sociais que transformam os modos de produção à medida que as anteriores divergem.

2.4 LEGADO E RESSONÂNCIA

O horizonte derradeiro do capitalismo parece muito mais distante atualmente


do que supunha Marx inicialmente. O autor talvez tenha falhado em prever as
sucessivas adaptações pelas quais o capitalismo passaria na sua evolução dialética.
Isso não significa que as contradições estruturais que ele detectou pela primeira vez
no seio do capitalismo tenham se tornado irrelevantes.
Ao longo do século XX, enquanto o marxismo soviético – de Lênin, Trotsky e
Stálin – faziam uma leitura política da teoria da revolução de Marx em direção ao
socialismo de Estado, o marxismo ocidental – de Walter Benjamin, György Lukács,
Antônio Gramsci, dos pensadores identificados à Escola de Frankfurt, como Max
Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse – tratava de expandir a sua teoria
social.
29
Um dos principais desenvolvimentos da sociologia marxista no século XX foi
a incorporação do consumo mercadológico e da massificação da cultura ao escopo
das análises marxistas. Existe nesse sentido uma teoria cultural marxista, uma
sociologia da cultura marxista – muitas vezes apoiada na obra de Gramsci e dos
frankfurtianos – mas não o que diversos grupos conservadores ao redor do mundo
insistem em chamar de “marxismo cultural”.
O rótulo não passa da atualização do “bolchevismo cultural”, aquele que os
nazistas tanto repudiaram na primeira metade do século passado, associando-o à
difusão da arte moderna: saí o ataque à “estética degenerada”, entra a crítica ao
multiculturalismo e à “ideologia de gênero”. Fato é que nenhuma dessas duas
perspectivas é particularmente marxista.
O que existe apenas é uma afinidade entre o marxismo como teoria social e
como teoria política com o campo político da esquerda. Isso porque à maneira de um
iluminismo reformado, o marxismo sempre se viu enquanto uma filosofia da
emancipação humana. Não de uma emancipação individual, e sim de uma
emancipação social, capitaneada por uma classe específica: a classe trabalhadora.

Leia o artigo de Isabela Petrini Moya contextualizando a noção de marxismo


cultural da perspectiva de ambos os espectros do campo político. Sobre o legado
teórico e político de Marx no bicentenário de seu nascimento em 2018, assista o
vídeo do jornalista Breno Altman, do portal de notícias Opera Mundi, no canal
homônimo do Youtube. Também disponível na mesma plataforma há um vídeo
muito interessante na sua transição para a próxima unidade: a entrevista em duas
partes do professor e sociólogo Gabriel Cohn sobre Karl Marx e Émile Durkheim.

30
Marxiano vs. marxismo e marxista: termos que distinguem entre as ideias de
Marx e a partir dele.
Jogo de soma 0: operação em que o sucesso de um lado equivale ao fracasso
do outro.
Meios de produção: conceito que abarca força de trabalho e forças produtivas
na teoria marxista.
História universal: perspectiva teórica da totalidade dos fatos humanos em
todas as épocas.
Economia política: estudo da produção e comércio ligado ao governo e a
distribuição da riqueza.
Reificação: visão das ideias e das relações sociais como coisas fechadas e
autodeterminadas.
Grande Depressão: grave período de crise econômica nos EUA que sucedeu à
crise de 1929.
Práxis: a atividade humana percebida do ponto de vista da relação dialética entre
teoria e prática.
Dialética: observação da dimensão essencialmente conflituosa e contraditória
dos fatos humanos.
Tautologia: erro de lógica que enuncia resposta ou prova apenas repetindo as
premissas.
Bolchevismo: doutrina política associada aos bolcheviques da Revolução Russa
de 1917.
Ideologia de gênero: falácia de atribuir a identidade sexual desviante a
influências ideológicas.

31
1. Karl Marx foi profundamente influenciado pela tendência historicista do pensamento
social alemão. De acordo com essa tendência, a existência social é um processo, cada
período histórico e cada estrutura social são únicos e devem ser entendidos por meio
de leis que valem somente para eles. Marx, em seus estudos sobre a dinâmica
capitalista, rompe a seu modo com esse postulado. Considerando as reflexões de
Marx acerca desse tema, julgue os itens a seguir.
I. Marx rejeitou a interpretação predominantemente idealista do historicismo no que
tange ao conteúdo do processo social, afirmando que os acontecimentos decisivos se
dão no âmbito das relações sociais, e não na esfera da evolução das ideias.
II. Marx considerava o capitalismo apenas como um sistema econômico, sem
considerar seus efeitos sobre fenômenos tais como a ciência e a tecnologia.
III. Marx se preocupou em explicar o desenvolvimento de um sistema econômico que
combina os seguintes atributos: concentração dos meios de produção nas mãos de
um pequeno segmento da população; realização do trabalho por uma massa de
trabalhadores livres; incessante inovação técnica do sistema de produção; ganho
ilimitado como objetivo da ação econômica.
IV. A ação social, segundo Marx, guia-se exclusivamente pelo interesse de classe,
não havendo possibilidade de que esta seja influenciada por crenças e visões de
mundo, isto é, por ideologias.
Estão certos apenas os itens
A) II e III.
B) I e IV.
C) II, e IV.
D) I e III.
E) I e II.

2. Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia calcou aos pés as relações
feudais, patriarcais e idílicas. Todos os complexos e variados laços que prendiam o
homem feudal a seus “superiores naturais” ela os despedaçou sem piedade, para só
deixar subsistir, de homem para homem, o laço do frio interesse, as duras exigências
do “pagamento à vista”. A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar

32
incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de
produção e, com isso, todas as relações sociais. […] Essa revolução contínua da
produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente
e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes.
Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com seu cortejo de
concepções e de ideias secularmente veneradas, as relações que as substituem
tornam-se antiquadas antes de se ossificar. Tudo que era sólido e estável se esfuma,
tudo o que era sagrado é profanado e os homens são obrigados finalmente a encarar
com serenidade suas condições de existência e suas relações recíprocas. […] As
relações burguesas de produção e de troca, o regime burguês de propriedade, a
sociedade burguesa moderna, que conjurou gigantescos meios de produção e de
troca, assemelham-se ao feiticeiro que já não pode controlar as potências infernais
que pôs em movimento com suas palavras mágicas.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. (com adaptações).
A partir do texto acima e considerando as ideias de Marx e Engels, baseadas numa
perspectiva dialética, avalie as afirmações que se seguem.
I. A burguesia não desempenhou um papel revolucionário na história.
II. A classe social burguesa e a classe proletária surgiram a partir da sociedade
capitalista.
III. Nas sociedades capitalistas as relações sociais estão em constante transformação.
IV. O proletariado possui a missão histórica de negar e superar a sociedade capitalista.
É correto apenas o que se afirma em
A) II, III e IV.
B) I e III.
C) II e IV.
D) I, III e IV.
E) I e IV.

3. Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem
sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam
diretamente, ligadas e transmitidas pelo passado.
– MARX, K. O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte. São Paulo: Centauro, 2006.)
O trecho de autoria de Karl Marx expressa as características principais do método de

33
análise da sociedade intitulado por ele de materialismo histórico dialético. Sobre esse
método, analise as afirmativas a seguir.
I. Busca compreender a sociedade a partir da relação pela qual os bens de produção
são distribuídos entre seus integrantes.
II. As condições socioeconômicas (infraestrutura) acabavam determinando como a
cultura, o regime político, a moral e os costumes (superestrutura) se configurariam.
III. Seria uma das molas propulsoras fundamentais que alimentariam as
transformações históricas.
IV. A análise materialista histórica parte da questão de que a produção e dominação
são os pilares de toda a ordem social.
Estão corretas as afirmativas
A) I, II, III e IV.
B) II e III, apenas.
C) II e IV, apenas.
D) I, II e III, apenas.
E) I e III, apenas.

4. Um dos importantes pensadores sobre as relações de trabalho no capitalismo foi


Karl Marx; ele produziu um conjunto de ideias e conceitos a respeito dessa temática.
A charge apresenta uma situação vivenciada por milhares de trabalhadores em todo
mundo.

(Disponível em: http://ria-muito.blogspot.com/2012/06/30-tirinhas-frank-ernest.html.)


Relacionando a charge com os conceitos desenvolvidos por Karl Marx, é correto
afirmar que ela se relaciona a:
A) alienação.
B) mais-valia.
C) exploração.
D) proletarização.
E) fetichismo da mercadoria

34
5. As formulações teóricas de Karl Marx acerca da vida social, especialmente a análise
que faz da sociedade capitalista e sua superação, provocaram desde o princípio
tamanho impacto nos meios intelectuais que, para alguns, grande parte da sociologia
ocidental tem sido uma tentativa incessante de corroborar ou de negar as questões
por ele levantadas. (OLIVEIRA e QUINTANEIRO, 2002, p. 27.)
Recentemente, na conjuntura política nacional, o pensamento marxista tem sido
colocado por setores partidários e políticos como doutrinação, sendo chamado
“marxismo ideológico”. Entretanto, o próprio Karl Marx tinha uma visão crítica sobre a
concepção de ideologia. Para Karl Marx, a ideologia pode ser definida como:
A) essência da vida.
B) falsa consciência.
C) produto alienado.
D) conjunto de ideias.
E) posicionamento político.

35
UNIDADE
A TRADIÇÃO SOCIOLÓGICA
CLÁSSICA, PARTE II –
DURKHEIM

36
3.1 DE MARX A DURKHEIM: UMA PRÉ-HISTÓRIA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA
SOCIOLOGIA

Marx estudou direito e filosofia, viveu como publicista e ativista político, tendo
escrito em vários momentos como um sociólogo avant la lettre. De fato, pertence à
geração de precursores da sociologia acadêmica e universitária que surgiria na
Europa mais tarde. O primeiro departamento de Ciências Sociais surgiu na França em
1887 na Universidade de Bourdeaux. Durkheim era o seu professor de sociologia.
Um pensamento sociológico em sentido amplo vinha ganhando corpo desde o
início do século XIX, ligado ao socialismo político. Na França, as ideias de Jean Jacques
Rousseau (1712-1778) sobre a origem das desigualdades, a Revolução Francesa de
1789 e o advento do capitalismo industrial no país, levaram pensadores como o Conde
Henri de Saint-Simon (1760-1825) ver a estrutura social a partir da produção.
Marx criticou Saint-Simon e outros industrialistas como Robert Owen na
Inglaterra por sustentarem que os principais problemas sociais de seu tempo eram o
produto de um mal funcionamento do capitalismo, argumentando com sucesso que isso
fazia parte do funcionamento normal do sistema. Marx e Engels opunham a esse
“socialismo utópico” um “socialismo científico” de base empírica e filosófica.
Todas essas ideias expressam um viés sociológico sobre a economia política,
mas ainda não configuram de forma precisa um objeto exclusivo para a sociologia. Um
primeiro passo nessa direção foi dado por Auguste Comte (1798-1857), que havia sido
secretário pessoal de Saint-Simon. Com o seu Curso de Filosofia Positiva de 1842, ele
popularizou o termo “sociologia” e ampliou o seu objeto para além da economia.

“Montesquieu e Tocqueville atribuem uma certa primazia à política, à forma


do Estado; Marx, à organização econômica. A doutrina de Auguste Comte se
baseia na ideia de que toda sociedade se mantém pelo acordo dos espíritos
[isto é, das ideias na mente das pessoas]. Só há sociedade na medida em
que seus membros têm as mesmas crenças. É a maneira de pensar que
caracteriza as diferentes etapas da humanidade, e a etapa final será marcada
pela generalização triunfante do pensamento positivo [isto é, racional,
empírico e científico]” (ARON, 2000, p. 71).

Leia o artigo da professora Lelita Benoit na Revista Cult para uma radiografia das
ideias de Comte.

37
Comte escrevera de um modo bastante doutrinário. O seu objetivo era
conclamar os intelectuais franceses de sua época numa determinada direção de
reforma social. As ideias de Comte se tornaram muito populares a partir de 1870, com
o início da Terceira República Francesa, e mais tarde influenciariam o ambiente
intelectual da Primeira República no Brasil. É esse o cenário em que Durkheim se tornou
professor.
O curso de Ciências Sociais e Pedagogia da Universidade de Bourdeaux tinha
o objetivo de formar professores e profissionais para atuar na reforma do sistema
educacional francês em curso no momento. A disputa política pela expansão e
laicização do sistema educacional francês durou até o começo do século XX, quando
Durkheim, já professor na Sorbonne, em Paris, foi conselheiro do Ministério da
Educação.
Entre 1895 e 1912, entre a publicação original de As regras do método
sociológico e de As formas elementares da vida religiosa, Durkheim tornou-se a grande
autoridade francesa no estudo da sociologia. Os seus livros definiram um conjunto de
fenômenos e um método de investigação próprio da sociologia, distinguindo os “fatos
sociais” entre os diversos tipos de fatos humanos.
Durkheim inaugura por sua vez uma linhagem acadêmica, uma forma de pensar
e de escrever sociologia autônoma, completamente distinta da filosofia, da economia
política, da história e da psicologia. Ao mesmo tempo, a fase seguinte de sua obra
seguirá um caminho diferente, que fará com que esta seja incorporada, menos à
sociologia moldada pela fase anterior, do que à nova ciência da antropologia.

3.2 UMA DISTINÇÃO CRUCIAL: A LEITURA DE DURKHEIM NA SOCIOLOGIA E NA


ANTROPOLOGIA

Nesta unidade você se concentrará no estudo das contribuições de Durkheim


para a sociologia, mas não podem passar desapercebidas algumas de suas
contribuições no âmbito da antropologia, até porque, essa separação não existe no
pensamento do autor. Durkheim continuou praticando e escrevendo sociologia, mais
suas ideias subsequentes foram incorporadas mais lentamente à disciplina, e em certas
áreas.

38
Sumariamente, os sociólogos estão mais familiarizados com a obra anterior de
Durkheim. Da divisão do trabalho social e As regras do método sociológico colocaram
no centro do debate sociológico a questão da ordem e da solidariedade social, ou seja,
da relação entre a sociedade enquanto coletividade moral e os indivíduos em seus
sistemas de relações recíprocas.
Já para os antropólogos, As formas elementares da vida religiosa é o principal
livro de Durkheim. Mas para compreender a razão disso, é preciso antes entender
melhor o contexto de formação da própria antropologia. Se o campo teórico da
sociologia foi se constituindo como uma forma de explicar os fenômenos da sociedade
capitalista moderna, o da antropologia o fez tentando explicar a razão da diversidade
humana.
A curiosidade e a vontade de explicar as diferenças entre os diferentes povos
humanos é de todas as culturas, de todas as épocas, e para tanto há sempre um enorme
repertório de mitos mais ou menos fantásticos. Mas com as grandes navegações e o
avanço da cartografia, o mundo conhecido foi ficando geograficamente bem delimitado,
de modo que a totalidade das diferenças pode ser vista sistematicamente.
A medida que o moderno colonialismo europeu legitimado pelo imperativo
religioso de difusão do cristianismo foi perdendo força, um novo colonialismo baseado
na difusão dos padrões culturais da Civilização o sucedeu. É nesse momento que o
campo teórico, acadêmico e científico da antropologia se constituiu, profundamente
marcado pelo evolucionismo da biologia, e animado pelo estudo comparativo das
religiões.

“A Antropologia é filha do imperialismo ocidental. Ela tem raízes nas visões


humanistas do Iluminismo, mas, como disciplina universitária e Ciência
Moderna, surgiu nas últimas décadas do século XIX e do início do século XX.
Este foi o período em que as nações ocidentais estavam fazendo seu esforço
final para trazer praticamente todo o mundo pré-industrial não-ocidental sob seu
controle político e econômico.
A despeito da crença na neutralidade da ciência social, os antropólogos da
época parecem ter desempenhado papéis característicos dos […]
reformadores liberais brancos. Os antropólogos eram de status social mais
alto que seus informantes; estes eram geralmente da ‘raça’ dominante e eram
protegidos pela lei imperial; contudo, vivendo unicamente com os povos
nativos, tendiam a participar e a tentar protegê-los das piores formas de
exploração imperialista. Relações costumeiras se desenvolveram entre os
antropólogos e o governo ou as várias agências privadas que as financiavam
e protegiam. Outros tipos de relações habituais cresceram entre antropólogos
e as pessoas cujas instituições estudaram. A Antropologia aplicada surgiu
como uma espécie de trabalho social e esforço de desenvolvimento
comunitário para os povos não-brancos, cujo futuro foi visto em termos de

39
educação gradual e melhoria das condições, muitas das quais realmente
foram impostas por seus conquistadores ocidentais em primeiro lugar”
(GOUGH, 1968, p. 12-13, tradução minha).

Durkheim iniciou sua obra sociológica postulando a sociedade como uma


totalidade autônoma que se impunha sobre a vontade individual, ao mesmo tempo em
que a constituía – mas a segunda parte era sobretudo difícil de explicar. Não era
correto deduzi-lo a partir do poder das instituições existentes, era preciso dar conta de
como surge esse poder. Durkheim se volta para o estudo da religião nas sociedades
primitivas com esse interesse teórico, e o resultado muda o rumo da antropologia.

“A última obra de Durkheim, talvez a mais importante, [As formas elementares


da vida religiosa], foi publicada dois anos antes de sua morte. Aqui, ele tenta
apanhar o sentido de ‘solidariedade’ em si, da força mesma que mantém a
sociedade. A solidariedade, afirma Durkheim, surge das representações
coletivas – um termo polêmico na época e também nos dias atuais. As
representações são ‘imagens’ simbólicas ou ‘modelos’ de vida social comuns
a um grupo. Essas ‘imagens’ se desenvolvem através de relações
interpessoais, mas adquirem um caráter objetivo supraindividual. Elas
constituem uma realidade totalizante, virtual, ‘socialmente construída’ que
ecoa Kant e Hegel, e que para as pessoas que vivem na sociedade são tão
reais quanto o mundo material. Mas elas não são imagens objetivas desse
mundo, e sim entidades morais, com poder sobre as emoções. A religião se
torna um objeto de pesquisa importante para Durkheim, porque é aqui, mais
do que em qualquer outra parte, que se estabelece e fortalece o apego
emocional dos indivíduos a representações coletivas. Esse apego se forma
principalmente no ritual, no qual a religião é expressa através da interação
física e a solidariedade se torna uma experiência direta, corporal. […] A
religião e o ritual atraíam de longa data o interesse dos antropólogos, que os
haviam documentado numa grande variedade de formas empíricas. O
problema da compreensão da integração social em sociedades sem Estado
fora uma preocupação importante (embora em geral implícita) no
evolucionismo. E a perplexidade diante dos símbolos e costumes exóticos dos
‘outros’ foi o ponto de partida de toda pesquisa antropológica. Agora Durkheiin
parecia oferecer urna ferramenta analítica que integraria todos esses
interesses. ‘O exótico’ podia ser compreendido corno um sistema integrado
de representações coletivas cuja função era criar solidariedade social. E a
religião, o fenômeno mais mistificante e ‘exótico’ de todos, acabou se
transformando no dínamo racional propulsor de todo esse processo. ”
(ERIKSEN; NIELSEN, 2007, p. 44-45.)

Pela própria época em que viveu e os interesses intelectuais que nutriu durante
toda vida, Durkheim era um herdeiro intelectual de Comte, que aos poucos foi
construindo a fundamentação teórica para descrever e compreender a sociedade como
determinada por padrões de crença, depurando parte dos preconceitos evolucionistas
de seu antecessor. Em Durkheim a distinção entre primitivo e civilizado deixa de ser

40
uma distinção entre inferior e superior e se torna uma distinção de níveis de
complexidade.
Com isso, fica delineada em linhas gerais o duplo legado da obra de Durkheim
para a constituição acadêmica da sociologia e da antropologia. Cumpre apenas
antecipar que o seu legado tem ademais uma dimensão teórica e metodológica mais
ampla, que atravessa ambas as disciplinas, antecipando duas importantes correntes
das ciências sociais no século XX: o estruturalismo/funcionalismo e o interacionismo
simbólico. Você compreenderá exatamente do que se trata ao final desta unidade, que
agora irá avançar no sentido de explicar conceitualmente alguns dos principais
fundamentos da sociologia de Durkheim.

3.3 ALGUNS CONCEITOS IMPORTANTES: FATO SOCIAL E FUNÇÃO DO FATO


SOCIAL, CONSCIÊNCIA E REPRESENTAÇÃO COLETIVA, SOLIDARIEDADE
MECÂNICA E ORGÂNICA, ANOMIA

É verdade que, em As regras do método sociológico, Durkheim atribui à


sociologia o estudo dos fatos sociais, mas o que isso significa? Sabê-lo não é
simplesmente repetir a definição de fato social – algo como: todo o acontecimento
humano de caráter coletivo, geral e recorrente, que se manifesta independentemente
da vontade ou ação de indivíduos ou grupos específicos, como se dotado de força
própria, coercitiva.
Sabê-lo é, isto sim, ser capaz de formular conceitualmente o fato social a partir
dos dados preliminares da experiência. Identificar ou apontar um fato social diretamente
pressupõe uma série de operações lógicas nem sempre mencionadas pelos estudiosos
do fato, pois se pressupõe num ambiente acadêmico que o interlocutor tem o domínio
da teoria, eis o que costuma dificultar o entendimento do leigo.
Portanto, o melhor modo de compreender o que é o fato social é praticar a sua
formulação conceitual com alguns exemplos. É final de uma sexta-feira qualquer, você
sai de casa para tomar uma cerveja. Essa frase expressa no máximo um fato ordinário
e, portanto, desprezível no conjunto da sua biografia. Houvesse você desistido ou sido
incapaz de sair, tal fato em si desapareceria. Mas o que não desapareceria?
Não desapareceria o costume das pessoas saírem de casa para tomar cerveja
no final de uma sexta-feira. Mas esse ainda não é o fato social em si, já que este deve

41
ser formulado de forma geral, ou melhor dizendo, genérica. O que a segunda
formulação exprime na verdade é uma instituição em sentido amplo: um conjunto
integrado de valores, regras e práticas instituídas pela coletividade.
O fato social correspondente a este caso seria o consumo recreativo de álcool.
Perceba que definido corretamente, de forma genérica, podemos observar as
manifestações do fato social variando em relação a diversas instituições: isto é o que é
fundamental na sociologia durkheimiana. Como dogmas religiosos, a jornada de
trabalho, os valores sociais e os padrões de utilização do espaço público influenciam
este fato?
Em suma, a externalidade, a generalidade e a coercitividade são os três critérios
principais para classificação de um fato social. Se independe da vontade ou ação de um
sujeito determinado, existe fora dele, autonomamente; se não se esgota em uma única
ocorrência do fato, nem a uma única instituição que estabelece um padrão de
ocorrências particulares, então é algo geral/genérico; e a coercitividade?
Durkheim pondera de forma magistral que a coercitividade nem sempre é
visível, mas que tende a ser mais evidente na medida que os sujeitos impõem alguma
resistência à manifestação do fato social. A coerção nesse sentido não é o sinônimo de
intimidação, força ou violência, mas de variados graus de constrangimento. O sujeito
que recusa o consumo de álcool em certas circunstâncias é tido como “antissocial”.

Um único exemplo não é suficiente. Você precisa praticar! Tente identificar e


formular adequadamente, de modo preliminar, um ou mais fatos sociais e
instituições implicadas nestas reportagens.
• Rio registrou aumento de 31% no número de turistas durante o carnaval.
• Defensoria Pública de Minas promove casamento comunitário em Ribeirão das
Neves.
• Damares Alves propõe meninos de azul e meninas de rosa para ‘nova era’ no
Brasil.
• “Na Copinha, todo jogo é uma chance de melhorar a vida dos meus pais”.
• Quem tem medo da masculinidade frágil dos homens do BBB19?
• Número de mortos por chuvas no litoral paulista sobe para 35.
• Como o ‘like’ matou o “quer sair comigo”?

42
Pela via do exemplo é possível perceber que análise dos fatos sociais proposta
por Durkheim não se esgota na definição ou identificação do próprio fato, mas avança
na direção de compreender qual a sua função em uma determinada estrutura social. E
por “estrutura” devemos entender o conjunto de hábitos, costumes, crenças e
instituições presentes de antemão no ambiente social em que vivemos.
O principal fato social que intrigava Durkheim desde o seu estudo anterior, Da
divisão do social trabalho, e o levará a estudar depois o fenômeno do título de O
Suicídio, é o que ele denominou de “solidariedade social”. Trata-se de um conceito com
um sentido específico na obra de Durkheim e que não deverá ser tomado em sentido
coloquial, como sinônimo de caridade. Solidariedade ali é sinônimo de
interdependência.
O efeito de interdependência produzido pelas relações sociais intrigava
Durkheim pelo seguinte: ao mesmo tempo em que diversas instituições assumiam um
caráter moral e impunham aos indivíduos de forma mais ou menos coercitiva certas
regras, muitas vezes a obediência ou a conformação às regras se dá de bom grado, a
tal ponto que passamos a percebê-las menos como regras e mais como hábitos.
Num primeiro momento, Durkheim não responde à questão. Limita-se a
distinguir entre duas formas de consciência: consciência individual e consciência
coletiva. A primeira é uma consciência que possuímos de nossos próprios atos, desejos
e pensamentos. A segunda é uma consciência formada pelas ideias, crenças e valores
amplamente compartilhados na sociedade. Mas como essa segunda consciência se
forma?
Como você já viu anteriormente nesta unidade, é graças ao aspecto simbólico
dos rituais em sentido amplo, práticas sociais repetidas de maneira ritualizada, que as
instituições emergem e se consolidam segundo Durkheim – ou seja, porque essas são
representações coletivas. Essa teoria da representação é o que explica como se
constituem sociologicamente os laços entre os seres humanos na sociologia
durkheimiana.
Sem ter desvendado ainda a “essência da solidariedade”, Durkheim em Da
divisão do trabalho social pode, entretanto, tipificar as formas de solidariedade conforme
a organização social. Nas sociedades primitivas predomina uma espécie de
“solidariedade mecânica”, automática. Nas sociedades complexas predomina uma
espécie de “solidariedade orgânica”, funcional. Vejamos o que isso significa.

43
Os indivíduos nas sociedades primitivas tenderiam pois a se relacionar entre si
reproduzindo o padrão das relações entre as principais instituições às quais elas estão
vinculadas: gênero, idade, família, clã, comunidade, povo, nação, religião, etc. Já nas
sociedades complexas, o como se posicionar e se relacionar com outras pessoas não
seria predefinido, pois a função dos laços tenderia a variar dentro da estrutura.
Durkheim argumenta no estudo supramencionado que é o aprofundamento da
divisão social do trabalho que leva à passagem de um tipo de solidariedade à outra, de
um tipo de sociedade ao outro. Esse processo teria produzido um aumento de liberdade
e, por outro lado, uma espécie de disfunção sistêmica. Nas sociedades complexas, os
indivíduos não têm com frequência consciência dos laços sociais que os conectam, e
em várias situações não sabem exatamente como agir.
O autor chamou esse fenômeno de anomia, neologismo formado pela junção
em grego do prefixo negativo “a” e da palavra “nomos”, que significa algo como “lei” ou
“ordem” em sentido amplo. Em que pese a etimologia sugerir ao leigo alguma
proximidade com o conceito político de anarquia, também usados frequentemente para
significar a ausência de ordem, estes não têm nada em comum.
A diferença fundamental na base desses dois conceitos é entre uma noção de
ordem baseada na autoridade política e outra que é fruto do próprio arranjo cumulativo
das relações sociais. Mais uma vez, não basta repetir a definição do conceito! Talvez o
melhor exemplo que possamos encontrar de anomia na sociedade capitalista
contemporânea é a do tratamento dispensado às pessoas em situação de rua.
O grau de solidariedade manifesto por um cidadão comum a uma pessoa nessa
situação é em geral bastante indefinido, dependente de diversos fatores: a hora do dia,
a região da cidade, as condições de higiene pessoal, a aparência física, sem falar de
fatores altamente subjetivos, como os sentimentos pessoais de afeto. Uma pessoa em
situação de rua vive confusão semelhante, mas que no caso afeta sua dignidade.
Em O Suicídio, de 1897, Durkheim utilizou sua teoria da anomia e da
solidariedade social mostrar a dimensão sociológica daquilo que na época era
entendido somente enquanto uma tragédia pessoal e familiar. Ao mostrar que as
condições de integração social das pessoas, sob certas circunstâncias, tinham um
impacto sobre determinadas formas de suicídio, demonstrou que isso era um problema
de saúde pública.

44
No livro, Durkheim tipifica diferentes formas de suicídio: o suicídio altruísta dos
mártires religiosos; o suicídio fatalista comum entre doentes terminais antes dos
avanços da medicina moderna; o suicídio egoísta no qual se enquadrariam aqueles que
em função de elevados graus de depressão decidem dar cabo da própria vida; e o
suicídio anômico daqueles que são levados a cometê-lo por uma súbita perda de
referenciais.
O autor explica as formas típicas do suicídio em função do grau de integração
social do indivíduo. O suicídio “altruísta” tende a ocorrer entre indivíduos altamente
integrados à sociedade, pois do contrário ele prescindiria dos próprios valores que o
levam a dar cabo da própria vida. O suicídio “egoísta” é o oposto: a pessoa só pode
desprezar a sua vida a ponto de dar-lhe fim se sente profundamente desajustada.
O suicídio egoísta e o suicídio anômico podem ser entendidos como tipos
autônomos. Porque há uma diferença crucial entre a série de falhas de integração social
do indivíduo que no primeiro caso são circunstanciais, e no segundo deriva da ausência
sistemática de uma ordem capaz de integrar o sujeito. Perceba, pois, que o suicídio
fatalista é menos um tipo autônomo do que uma forma do suicídio anômico.
O célebre escritor uruguaio Horácio Quiroga (1878-1937) se suicidou com uma
dose de cianureto depois que foi diagnosticado com um câncer de estômago, à época,
intratável. Não se suicidou como um poeta que enxerga beleza na própria morte, e tão
pouco tinha para com a própria vida o desprezo alimentado por um desajuste em
relação à sociedade. Era, digamos assim, um sujeito “funcional”.
O fator determinante para o seu suicídio foi se ver subitamente numa profunda
condição de incerteza: não saber se viveria muito ou pouco, se convalesceria por muito
tempo e com muita dor ou se morreria de súbito. É como se ele houvesse perdido o seu
lugar na sociedade – e essa, em síntese, é a característica fundamental desta forma de
suicídio. A mesma situação produz hoje muito menos suicídios.

45
3.4 ALGUMAS DIMENSÕES TEÓRICAS IMPORTANTES: MUDANÇA SOCIAL,
DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO, COESÃO E INTEGRAÇÃO SOCIAL,
EDUCAÇÃO COMO SOCIALIZAÇÃO

Durkheim refutará uma perspectiva teleológica da mudança social como aquela


vista em Marx, argumentando que esta se processa de forma puramente contingencial.
Mas os fatores que levam a esse tipo de mudança são conhecidos: elas dependem das
condições demográficas e materiais de vida das populações. Durkheim explica isso em
termos de volume e densidade.
O volume da sociedade é simplesmente o tamanho de a sua população. A
disposição da população num determinado território tem, contudo, dois aspectos
diferentes. Essa razão (no sentido matemático) tem o aspecto físico, que ele chama de
“densidade material” da sociedade; mas também possui um aspecto intangível, relativo
ao conjunto de relações entre os indivíduos, aspecto que denomina “densidade moral”.
Os fenômenos de urbanização, industrialização e da emergência de uma
economia de mercado correspondem são correspondem, segundo Durkheim, ao
aumento de volume e densidade material das sociedades. Todavia, o inverso ocorre em
relação à densidade moral: quanto mais populosas, concentradas e urbanizadas se
tornam as sociedades, tanto mais os laços sociais entre os indivíduos se tornam
rarefeitos.
Durkheim localiza a causa deste fenômeno num processo de divisão social do
trabalho, acrescente especialização e diferenciação das profissões. Sobre este assunto,
diversos filósofos já haviam se debruçado, mas sobretudo, da perspectiva da economia
política, incluso Adam Smith e Karl Marx. O primeiro, apontou o processo como fator
determinante do aumento da produtividade, embora criticando os males da rotina
maçante na vida do trabalhador. O outro, formula a partir daí sua teoria da alienação.
Durkheim será o primeiro a analisar o processo e as suas consequências de
um ponto de vista estritamente social, separado do seu aspecto econômico. Desde de
uma primitiva divisão sexual do trabalho nas sociedades primitivas, até o diverso
mercado de trabalho das sociedades capitalistas modernas, este processo de divisão
gera um relativo grau de interdependência entre as pessoas.
Essa interdependência é baseada fundamentalmente nas relações de troca do
trabalho e dos produtos do trabalho individual. Enquanto tais relações de troca são

46
determinadas de maneira mecânica, através de obrigações e lealdades, encontramo-
nos em meio uma sociedade moralmente “densa”, coesa ou integrada. Mas na medida
em que essas relações se tornam contingentes, o mesmo acontece com a coesão
social.
Durkheim refuta uma explicação utilitarista para a origem da divisão do trabalho:
na totalidade histórica, não são os indivíduos que racionalmente formulam a separação
das suas funções produtivas, mas a separação dessas funções que permitirá às
pessoas enxergarem-se enquanto indivíduos. E o avanço da divisão social do trabalho
leva ao predomínio da solidariedade orgânica sobre a solidariedade mecânica.

“À medida que se acentua a divisão do trabalho social, a solidariedade


mecânica se reduz e é gradualmente substituída por uma nova: a solidariedade
orgânica ou derivada da divisão do trabalho. Institui-se então um processo de
individualização dos membros dessa sociedade que passam a ser solidários
por terem uma esfera própria de ação. Com isso ocorre uma interdependência
entre todos e cada um dos demais membros que compõem tal sociedade. A
função da divisão do trabalho é, enfim, a de integrar o corpo social, assegurar-
lhe a unidade. É, portanto, uma condição de existência da sociedade
organizada, uma necessidade. Sendo esta sociedade “um sistema de funções
diferentes e especiais”, onde cada órgão tem um papel diferenciado, a função
que o indivíduo desempenha é o que marca seu lugar na sociedade, e os
grupos formados por pessoas unidas por afinidades especiais tornam-se
órgãos, e “chegará o dia em que toda organização social e política terá uma
base exclusivamente ou quase exclusivamente profissional”. Daí deriva a ideia
de que a individuação é um processo intimamente ligado ao desenvolvimento
da divisão do trabalho social e a uma classe de consciência que gradativamente
ocupa o lugar da consciência comum e que só ocorre quando os membros das
sociedades se diferenciam. E é esse mesmo processo que os torna
interdependentes. Segundo Durkheim, somente existem indivíduos no sentido
moderno da expressão quando se vive numa sociedade altamente diferenciada,
ou seja, onde a divisão do trabalho está presente, e na qual a consciência
coletiva ocupa um espaço já muito reduzido em face da consciência individual.
” (QUINTANEIRO, 1995, p. 15-57)

A missão profissional da sociologia para Durkheim é combater a perda de


densidade moral das sociedades, não pela imposição de uma moral integradora
unilateral, mas favorecendo formas de integração mais ajustas ao novo tipo de
solidariedade vigente nas sociedades complexas. Perceba que isso está intimamente
relacionado com o contexto político francês da época, e que Durkheim lecionava
sociologia em um curso universitário de pedagogia.
Talvez a sua mais importante contribuição para esse campo do conhecimento
tenha sido a demonstração do papel da educação formal como instrumento de
socialização ou de integração social, e não apenas de formação intelectual. A família

47
tende a ser o primeiro e mais imediato núcleo desse processo, mas depois as pessoas
constituem seus valores no contato com outras instituições ao longo de suas vidas.
Durkheim advoga, politicamente, a importância da escola nesse segundo
momento, como uma instituição capaz de oferecer às pessoas desde cedo uma “visão
de conjunto” sobre a vida no mundo e a sua história, rompendo com o isolamento dos
indivíduos em seus respectivos grupos sociais. Mais uma vez estamos diante de um
ideal de emancipação humana que remonta, como você já sabe, ao Iluminismo.

3.5 LEGADO E RESSONÂNCIA

Em termos políticos, o principal legado de Durkheim talvez tenha sido mesmo


essa sua concepção de educação, que influenciou e impulsionou o desenvolvimento
dos sistemas educacionais ao redor do mundo ao longo do século XX. No que tange a
teoria sociológica no ambiente acadêmico, cumpre evidenciar as principais escolas de
pensamento e campos de estudo que possuem afinidade com a sua obra.
Entre 1915 e 1935, alcançaram grande projeção internacional na área, as
pesquisas feitas pelo Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago, nos
Estados Unidos. A primeira geração da chamada “Escola de Chicago” dedicou-se ao
estudo da sociologia urbana via métodos quantitativos e demográficos, a exemplo da
obra de Robert Ezra Park (1864-1944).
Um dos principais temas de pesquisa da escola eram as relações entre
criminalidade e meio sócia, que até o momento permaneciam vinculadas ao redor do
mundo a uma criminologia fundamentada numa antropologia física de viés
marcadamente racista. As conclusões de pesquisas empíricas da primeira geração da
Escola de Chicago têm diversos pontos de contato com a teoria da integração social
durkheimiana.
Após a Segunda Guerra Mundial, a segunda geração da escola avança numa
direção mais próxima da última fase da obra de Durkheim, inaugurando aquela corrente
teórica e metodológica conhecida como “interacionismo simbólico”. Erving Goffman
(1922-1982) é o principal autor que exemplifica a corrente, que se volta para a
investigação das formas de estruturação da sociedade, mais do que o funcionamento
da estrutura social já pronta, convergindo para os conceitos de ritual e representação.

48
De uma perspectiva macrossociológica, a teoria dos sistemas sociais de Talcott
Parsons (1902-1079) e de Niklas Luhmann (1927-1998) levou a premissa do
estruturalismo/funcionalismo ao seu patamar mais sofisticado até o momento. Se os
fenômenos sociais devem ser estudados em termos do seu funcionamento no interior
de uma estrutura, é fundamental complexificar a última, de modo a não fazer monolítica.
Em linhas muito gerais, esses autores buscaram formular uma teoria
sociológica geral que pudesse dar conta da variação no interior da estrutura social,
conceituando-a como um agregado de sistemas sociais sobrepostos, relativamente
autônomos, e num constante processo de diferenciação mútua. Mas este é certamente
assunto para um curso mais avançado de sociologia.

A todo momento nesta unidade você viu a importância de não somente saber
definir adequadamente os conceitos, mas sobretudo, de saber explicá-los e aplicá-
los. É como na física e na matemática do ensino superior: não bata conhecer as
fórmulas, é necessário ser capaz de demonstrá-las. Demonstrar, nesse sentido,
significa expor as condições de validade de uma fórmula ou ideia. É, como se diz
em epistemologia, ser capaz de justificar os enunciados do conhecimento.

49
Publicista: espécie de jornalista, escritor de jornal, que debate os assuntos da vida
pública;
Avant la lettre: expressão francesa para caracterizar algo que surgiu antes do
próprio termo;
Barão de Montesquieu (1689-1755): filósofo iluminista autor de O Espírito das
Leis.
Alexis Tocqueville (1805-1859): teórico político francês autor de A democracia na
América.
Espírito (filosofia): refere-se às faculdades intelectuais de um povo, sem
conotação sobrenatural.
Laicização: processo de tornar leigo ou laico, separando as instituições dos
dogmas religiosos.
Gênero (sociologia): características sociais e culturais identificadas ao sexo
masculino e feminino.
Neologismo (linguística): palavra nova ou acepção nova dada uma palavra
existente.
Utilitarismo: filosofia moral consequencialista que valoriza a ação pela chance de
gerar bem-estar;
Escola de pensamento: tradição intelectual simbolizada por certo conjunto de
autores e obras;
Interacionismo simbólico: teoria da produção simbólica ao nível das relações
interpessoais;
Macro e microssociologia: respectivamente, a sociologia das grandes e
pequenas agregações;
Estruturalismo/funcionalismo: abordagens que focam a estrutura e a função dos
fatos sociais.

50
1. “A história de toda sociedade até nossos dias é a história das lutas de classe.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de ofício e
companheiro, em resumo, opressores e oprimidos se encontraram sempre em
constante oposição, travaram uma luta sem trégua, ora disfarçada, ora aberta, que
terminou sempre por uma transformação revolucionária de toda a sociedade, ou
então pela ruína das diversas classes em luta.”
– Karl Marx. Manifesto comunista (com adaptações).
“Uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas
sagradas, isto é, separadas, proibidas; crenças e práticas que unem, numa mesma
comunidade moral chamada Igreja, todos os que a elas aderem.”
– Émile Durkheim. As formas elementares da vida religiosa.
Com base nos trechos acima, assinale a opção correta.
a) Marx postula que é por meio da revolução pacífica que se podem superar os
conflitos entre os membros da sociedade.
b) Durkheim considera a religião como um sistema autônomo e subjetivo de práticas
sagradas formado por crenças.
c) Durkheim teoriza a religião enquanto um sistema de classificação que se baseia
na moral humana.
d) Marx formula a ideia da luta de classes a partir das questões de gênero, de etnia
e de representação das minorias.
e) As transformações revolucionárias ocorridas no Leste Europeu no século XX
foram previstas por Marx.

2. Émile Durkheim e Marcel Mauss figuram entre grandes expoentes da sociologia


francesa. Ambos contribuíram para a elaboração de noções como “representações
individuais” e “representações coletivas”. Em uma de suas formulações clássicas, a
noção de representações coletivas — em oposição à de representações individuais
– é definida como as maneiras de agir e pensar, consagradas pela tradição e
impostas pela sociedade aos indivíduos. Considerando essa definição, assinale a
opção correta.
a) A prece, na qualidade de fenômeno religioso, é um ato individual e, logo, uma
representação unicamente individual.
b) Durante a realização de ritos funerários, o choro e a lamentação são expressão de
uma representação individual.
c) Uma vez criada, a tradição se transmite de geração a geração de forma facultativa
nas representações coletivas.
d) Direito e moral, religião e magia, mitos e contos são formados por representações
coletivas.
e) O nome e os sobrenomes são escolhidos individualmente de forma livre pelos
próprios membros de uma sociedade.
51
3. “Quando desempenho meus deveres de irmão, de esposo ou de cidadão, quando
me desincumbo de encargos que contraí, pratico deveres que estão definidos fora de
mim e de meus atos, no direito e nos costumes. Mesmo estando de acordo com
sentimentos que me são próprios, sentindo-lhes interiormente a realidade, esta não
deixa de ser objetiva; pois não fui eu quem os criou, mas recebi-os por meio da
educação. Assim, também o devoto, ao nascer, encontra prontas as crenças e as
práticas da vida religiosa; o sistema de sinais de que me sirvo para exprimir
pensamentos; o sistema de moedas que emprego para pagar dívidas; os
instrumentos de crédito que utilizo nas relações comerciais; as práticas seguidas na
profissão etc., etc., funcionam independentemente do uso que delas faço. Tais
afirmações podem ser estendidas a cada um dos membros de que é composta uma
sociedade, tomados uns após outros. Estamos, pois, diante de maneiras de agir, de
pensar e de sentir que apresentam a propriedade marcante de existir fora das
consciências individuais. Esses tipos de conduta ou de pensamento não são apenas
exteriores ao indivíduo, são também dotados de um poder imperativo e coercitivo, em
virtude do qual se lhe impõem, quer queira, quer não”.
– Émile Durkheim. As regras do método sociológico. Apud. José Albertino
Rodrigues (Org.). Trad. Laura Natal Rodrigues. Rio de Janeiro: Companhia
Editora Nacional, 1984, p. 1-2 (com adaptações).
No segmento de texto acima, Durkheim trata, sobretudo,
a) do fato social.
b) da solidariedade social.
c) da anomia social.
d) da consciência coletiva.
e) das representações coletivas

4. Para Durkheim, existem correntes sociais ou tendências coletivas que levam os


indivíduos ao suicídio, denominadas por ele de “correntes suicidogêneas”. Para tal,
ele define três correntes: egoísmo, altruísmo ou anomia.

( ) É visto como um dever, se não for cumprido, é punido pela desonra, perda da
estima pública ou castigos religiosos.
( ) A depressão, a melancolia e a sensação de desamparo moral provocadas pela
desintegração social tornam-se, então, causas desse tipo de suicídio.
( ) Ocorre devido a uma situação de desregramento social em que as normas estão
ausentes ou perderam o respeito.

Desta forma, assinale a alternativa que refere, respectivamente, essas formas típicas
de suicídio.
a) anômico, altruísta e egoísta
b) egoísta, anômico, altruísta.
c) altruísta, anômico, egoísta.
d) anômico, egoísta, altruísta.
e) egoísta, altruísta, anômico.

52
5. A respeito das contribuições de Émile Durkheim para a sociologia, assinale a
alternativa correta.
a) Retomando as intenções de Augusto Comte, toda obra de Durkheim estava voltada
para dotar a sociologia do que ele julgava ser seu maior limite até aquele momento:
a falta de um método consistente e elaborado de análise sociológica.
b) A análise de produção burguesa será o objeto da maior parte das obras de
Durkheim, onde ele afirma que “as relações de produção burguesas são a última
forma antagônica do processo de produção social”.
c) Para ele, a cultura ocidental que se encarna em instituições como o mercado
capitalista, a burocracia estatal, o direito e a ciência carrega a possibilidade da
perda da liberdade e do sentido da vida
d) D) Durkheim vai orientar toda sua produção sociológica com base no primado do
sujeito. A ideia de que o indivíduo é o elemento fundante na explicação da
realidade social.
e) Durkheim elevou um objeto clássico da disciplina – os rituais das religiões
primitivas – ao status de categoria genérica fundamental de entendimento das
representações coletivas de todas as sociedades.

53
UNIDADE
A TRADIÇÃO SOCIOLÓGICA
CLÁSSICA, PARTE III – WEBER

54
4.1 UMA DISTINÇÃO CRUCIAL: COLETIVISMO E INDIVIDUALISMO
METODOLÓGICO

Ás vezes os textos de introdução à sociologia insistem em opor Weber a Marx


e Durkheim nesses termos: os dois representariam um tipo de “coletivismo”
metodológico”, pelo qual o coletivo explicaria o individual, enquanto para Weber o
individual explicaria o coletivo, donde o seu dito “individualismo metodológico”. Mal
entendida, a oposição sugeriria que Weber foi mais um cronista do que um sociólogo.
Weber foi um estudioso da obra de Marx, que aos poucos rejeitou e formulou
conceitos e teorias alternativas para lidar, por exemplo, com o problema do
surgimento do capitalismo. Afastando-se da economia política marxiana, Weber será
um crítico da tese de que a “superestrutura” é só um reflexo da “infraestrutura”. As
ideias e as condições materiais de existência se relacionam reciprocamente para
Weber.
Quanto a Durkheim, podemos dizer com segurança que Weber rejeitava a sua
concepção de que a sociedade se descolaria dos indivíduos e agiria sobre eles de
forma externa e coercitiva. Preferia falar em “formações sociais” como o produto de
complexos desenvolvimentos e concatenações de ações sociais dos indivíduos.
Enquanto Durkheim privilegia o “fato social”, Weber prefere tratar da “ação social”.
Marx e Durkheim concebem os sujeitos dos fenômenos sociais enquanto
entidades coletivas (classes, instituições, etc.) de forma monolítica, de modo que o
todo ganharia precedência sobre as partes na formulação do argumento. Weber
concebe essas entidades coletivas como conjuntos de elementos agregados, então,
o todo só pode ser explicado como produto das partes. Eis o sentido correto daquela
distinção.

A sociologia de Weber foi tão importante no desenvolvimento das correntes


sociológicas mencionadas no final da unidade anterior quanto a de Durkheim.
Mais sobre isso ao final desta unidade.

55
4.2 ALGUNS CONCEITOS IMPORTANTES: AÇÃO SOCIAL E SENTIDO DA AÇÃO
SOCIAL, AFINIDADE ELETIVA, TIPOS IDEAIS (DE DOMINAÇÃO,
RACIONALIDADE E ORGANIZAÇÃO ESTATAL)

Uma ação social no sentido weberiano é toda ação individual orientada pela
percepção e antecipação das ações sociais de outros indivíduos. Esse é apenas um
ponto de partida. O que interessa à sociologia na perspectiva de Weber é discernir e
compreender o sentido geral da ação social num determinado contexto, sentido esse
que é composto pelo sentido subjetivo e pelo sentido objetivo da ação.
O sentido subjetivo de uma ação equivale à sua intenção abstrata concebida
na mente do indivíduo, ao passo que o sentido objetivo de uma ação equivale à
direção concreta que ela toma no mundo social. Weber propõe que os fenômenos
sociais sejam analisados a partir da correlação, bem como da discrepância entre
esses dois níveis da ação social e também as suas consequências inesperadas.
As consequências inesperadas de uma ação social são importantes na medida
em que dão pistas sobre como esta é percebida pelos outros sujeitos, e sugerem a
existência do que ele chamou de “afinidades eletivas” entre diferentes conjuntos de
ações. A expressão original em alemão tem origem num conceito da alquimia
medieval usado como metáfora pelo romancista Johan von Goethe (1749-1842).
Goethe é um dos maiores escritores da literatura alemã, bastante reverenciado
na época de Weber. As afinidades eletivas é o título de um de seus romances. O
termo era utilizado na alquimia para referir-se à propriedade demonstrada por certos
corpos e elementos de se atraírem reciprocamente até se fundirem. O romance nada
tem a ver com a alquimia, e Goethe ali o utiliza como uma metáfora para o amor.
Weber, por sua vez, percebe o alcance do conceito para além do amor
romântico, e passa a utilizá-lo para referir um tipo específico de interação entre certas
formações sociais num determinado processo histórico. O autor jamais formulou uma
teoria geral das afinidades eletivas entre formações sociais, entretanto, o conceito é
o ponto-chave de A ética protestante e o espírito do capitalismo, publicado em 1905.
Mais sobre isso adiante. Uma outra categoria importante do pensamento
weberiano que cumpre destacar é a formulação de tipos de ideais. Weber busca
condensar a observação empírica em tipos abstratos, genéricos, capazes de

56
identificar assim a forma geral de um determinado fenômeno, que entretanto, jamais
se manifesta concretamente nessa forma “pura” em que foi formulado.
Um exemplo disso na obra weberiana é a sua teoria das três principais formas
de autoridade ou de dominação legítima: tradicional, legal e carismática. A dominação
tradicional é aquela que se apoia no costume compartilhado, legal é a que se legitima
a partir da lei instituída, e carismática a que se sustenta na personalidade de uma
figura poderosa. Weber intuiu antes do fascismo o vulto que esta teria na
modernidade.
Um segundo exemplo disso na obra weberiana é a sua distinção entre dois
tipos de racionalidade e de irracionalidade. A conduta afetiva e tradicional são para
Weber irracionais, mas a conduta racional não seria somente aquela onde a ação é
ajustada aos fins (racionalidade instrumental); incluiria ainda o tipo de ação racional
em relação a princípios (racionalidade ética), do contrário considerada irracional.
Um terceiro exemplo da formulação de tipos ideais por Weber é a sua
caracterização de duas formas de organização política do Estado. Nas sociedades
antigas, os Estados surgem como organização do poder político de um grupo ou
classe, que a ele pertence, e por Weber se refere a esse modelo como “Estado
patrimonial”. Nas sociedades modernas, dotadas de sistemas representativos, vige o
“Estado burocrático”.

4.3 ALGUMAS DIMENSÕES TEÓRICAS IMPORTANTES: MODERNIZAÇÃO,


CAPITALISMO, BUROCRACIA, DESENCANTAMENTO DO MUNDO

Marx, Durkheim e Weber avançaram a sua maneira explicações sobre a


passagem da sociedade tradicional para a sociedade moderna, todas completas
naquilo o que pretendem explicar, mas Weber produziu dessas três a mais
multifacetada. No plano econômico, a modernização corresponde ao advento do
capitalismo; no plano político, ao avanço da burocracia; no plano cultural, ao
desencantamento do mundo.
Todavia, uma vez que Weber não concebe uma precedência da infraestrutura
sobre a superestrutura, o tempo todo ele busca compreender a lógica das ideias e o
sentido da ação social na modernidade. Weber era dono de uma formação intelectual

57
multifacetada. Jurista e economista alinhado à escola histórica da economia alemã,
Weber era ainda um estudioso de religiões antigas.
Enquanto Durkheim apenas se voltou para o estudo da religião no fim de sua
vida, sobretudo das religiões primitivas, Weber dialoga desde o começo de sua obra
com o estudo das religiões comparadas, sobretudo das grandes religiões mundiais:
o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Além disso, mais tarde em sua carreira,
passou apoiar-se também no estudo dos monoteísmos orientais.
Weber criticava as explicações sobre o surgimento do capitalismo baseadas
no simples aumento do volume da riqueza. Outras épocas, ele argumentava,
conheceram um grau elevado de concentração de riquezas, contudo não se tornaram
capitalistas. Este é o caso da Índia na antiguidade, onde as riquezas permaneceram
sob o controle de um Estado patrimonial, sem se converter em capital.
Weber também criticava as explicações do surgimento do capitalismo
baseadas no simples aumento do volume da produção. Diversas regiões do mundo
ampliaram a escala da produção incorporando o avanço tecnológico da Revolução
Industrial europeia, e nem por isso se tornaram imediatamente capitalistas. Na China
– e é por isso que Weber estudará mais tarde as religiões chinesas – haviam valores
sociais conflitantes que frearam a generalização imediata do modo de pensar
capitalista.
Disso, Weber conclui que o advento do capitalismo, sua generalização como
modo de produção típico da sociedade moderna, dependia da generalização
correspondente de uma mentalidade capitalista específica. Em A ética protestante e
o espírito do capitalismo, Weber mostrou com sucesso como o surgimento dessa
mentalidade era o produto de um desenvolvimento particular da religiosidade
ocidental.

“Este ponto é decisivo para o argumento de Weber sobre a singularidade


do racionalismo ocidental. Sem a internalização de um ethos da
mentalidade racional, não haveria capitalismo como o conhecemos, No
argumento weberiano, essa racionalização da condução da vida é produto
da racionalização religiosa ocidental, que, muito especialmente no
protestantismo ascético, elimina os vestígios de magia de maneira
crescente e interpreta o 'caminho da salvação' religiosa como contribuição
individual para o aumento da glória divina na Terra. Como essa contribuição
individual passa a ser interpretada, cada vez mais, de modo econômico, o
‘sinal da salvação’ – como na versão calvinista do ascetismo – passa a ser
visto como produto do acúmulo de riquezas materiais. Decisivo para a
constituição do ethos capitalista econômico – o que não significa reduzir o
impacto desse ‘espírito’ apenas á atividade econômica – é o fato de a
58
acumulação de riquezas deixar de ter relação com as necessidades
naturais dos indivíduos. O vínculo da atividade econômica com as
necessidades individuais era a marca do tradicionalismo econômico, antes
dominante em todas as culturas e em todas as épocas. Apenas no
capitalismo é que esse ethos passa a ter urna orientação para a
acumulação ampliada como fim em si. Se antes um pescador, com apenas
dois dias de pescaria por semana, podia alimentar a si e á família, por que
deveria trabalhar mais? No capitalismo, as necessidades naturais deixam
de ser o critério da atividade econômica; a acumulação crescente e
ampliada, rigorosamente sem limites, passa a ser a regra. Essa atitude de
acumular riquezas sem vínculo com necessidades, uma atitude ‘irracional’
se avaliada pela ética econômica do tradicionalismo anterior, só pode ser
explicada pelo peculiar caminho da salvação protestante ascética. Trata-se
de urna ideia historicamente inédita e servirá de estímulo para o
comportamento prático na esfera econômica moderna, ao vincular o
interesse ideal na salvação com uma forma de atividade econômica que
percebe a acumulação, entendida como ‘sinal da salvação’ eterna, como
fim em si mesma” (SOUZA, 2006, p. 109-110).

Você diria que o ethos protestante se transformou no ethos capitalista moderno?


Ou seria melhor dizer que o ethos protestante apresentava uma afinidade eletiva
com o ethos capitalista moderno ainda incipiente, e ambos evoluíram numa
direção convergente?

O desenvolvimento de uma mentalidade que aceita a acumulação de riquezas


sem limitar-se pelo parâmetro da necessidade é o que explica o advento do
capitalismo, argumenta Weber. Então esse desenvolvimento depende, primeiro, da
redução da crença no sobrenatural em prol de uma concepção da realidade como
potencialmente racional. É isso o que Weber denominou de “desencantamento do
mundo”.
A redução progressiva da crença na superstição apenas aos aspectos mais
insondáveis da existência (como por exemplo a questão do pós-vida) corresponde o
que Weber chamou de processo de “racionalização” da vida social, processo que, no
limite, tenderia a enfatizar em excesso a racionalidade de tipo instrumental. A
secularização é o outro lado do processo, onde a crença religiosa vai se tornando
subjetiva.
Por fim, Weber observa no plano da política uma tendência à especialização e
diferenciação crescente no interior da classe política, que se separa da classe militar
ou guerreira, bem como da classe intelectual de perfil sacerdotal. Constitui-se assim

59
uma classe de funcionários profissionais que encarna o poder do Estado de forma
necessariamente fragmentada e interconectada.
Weber concebe a burocracia como um fenômeno positivo, expressão da
tendência mais geral de racionalização e de secularização da sociedade no âmbito
administrativo. A burocracia seria a principal responsável pela constituição de órgãos
e mecanismos impessoais de exercício do poder. O conceito no senso comum é
associado à lentidão e ao excesso de regras. Mas não é disso que se trata para
Weber.

Você já assistiu à entrevista do sociólogo Gabriel Cohn sobre Marx e Durkheim.


Agora pode assistir ao restante da conversa, sobre Max Weber, disponível no
site da TV Cultura.

4.4 LEGADO E RESSONÂNCIA

Enquanto Weber aplicava o seu método ao sabor de suas pesquisas, Talcott


Parsons foi quem buscou fundar uma teoria geral dos sistemas de ação social, mais
tarde retrabalhada por Luhmann. O interacionismo simbólico, no privilegio que atribui
ao sentido que as ações possuem para os próprios agentes, também é de uma clara
inspiração weberiana.
Adiante você poderá perceber a influência de Weber também no tocante à
sociologia brasileira. O conceito de “homem cordial” formulado por Sérgio Buarque
de Holanda, por exemplo, é um tipo ideal, um modelo hipotético que condensa o que
seria mais importante na observação do que é determinante no nosso caráter
nacional. Raymundo Faoro por sua vez caracterizou o Estado brasileiro como
patrimonial.

Na próxima unidade você poderá perceber como a sociologia de Pierre Bourdieu


também tem grande influência da obra de Max Weber, sobretudo pelo seu foco
na dimensão simbólica da estrutura de classes e dos conflitos sociais.

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1. Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim, considerados fundadores das ciências
sociais, desenvolveram interpretações e conceitos sobre o mundo social que
permanecem como referências de análise até os tempos atuais. Nesse sentido,
assinale a opção correta a respeito de interpretações e conceitos elaborados pelos
referidos autores.
A) Karl Marx, ao trabalhar a esfera dos valores, elaborou o conceito de capital
simbólico; Max Weber, na sua crítica à modernidade, referiu-se ao
“desencantamento do mundo”; Émile Durkheim, ao analisar a determinação da
sociedade sobre o indivíduo, formulou os conceitos de consciência coletiva e fato
social.
B) Karl Marx decodificou as leis do capitalismo e analisou as relações de produção
como relações de exploração; Max Weber, a partir do estudo das religiões, concluiu
que a economia é fator preponderante do desenvolvimento do capitalismo; Émile
Durkheim, ao desenvolver o conceito de fato social, afirmou que a coerção é interna
aos indivíduos.
C) Karl Marx desenvolveu os conceitos de relações de produção e alienação; Max
Weber elaborou os conceitos de ação social e poder; Émile Durkheim estabeleceu
os conceitos de fato social e anomia.
D) Karl Marx utilizou as metáforas de infra-estrutura e superestrutura, para explicar
as relações sociais; Max Weber considerou diferentes níveis de racionalidade na
sociedade capitalista ocidental; Émile Durkheim sustentou que o indivíduo determina
a sociedade.
E) Karl Marx estudou o caráter civilizador das religiões; Max Weber analisou as
relações entre as classes sociais como relações de exploração; Émile Durkheim
desenvolveu, em detalhes, a idéia de fetichismo.

2. A respeito dos estudos comparativos, a resposta de Weber foi a elaboração de


“tipos ideais”, que constituem um dispositivo generalizante, um modelo heurístico,
sobre o qual era possível aplicar a comparação. Nas suas explicações históricas
comparadas, Weber rejeita sempre a hipótese de leis ou de monocausalidade; ele
pensa, portanto, que um evento pode ter diversas causas e que conjuntos diversos

61
de causas podem ter o mesmo efeito. A validade das comparações em Weber
provém das suas construções empíricas dos processos de indução e de
introspecção mais do que de uma verificação causal de hipóteses.
– Paola Rebughini. A comparação qualitativa de objetos complexos e o efeito da
reflexividade. In: Alberto Melluci (org.) Por uma sociologia reflexiva: pesquisa
qualitativa e cultura. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 242 (com adaptações).
Tendo o fragmento de texto acima como referência inicial, assinale a opção correta
a respeito de “tipos ideais”, segundo a formulação proposta por Max Weber.
A) Os “tipos ideais” não são construções empíricas.
B) A causalidade única é a base dos “tipos ideais”.
C) A comparação não é essencial para a construção dos “tipos ideais”.
D) Os “tipos ideais” não permitem uma explicação histórica.
E) Os “tipos ideais” são construídos essencialmente a partir da verificação causal de
hipóteses.

3. As categorias de poder e dominação são centrais na sociologia de Max Weber. O


autor construiu três tipos puros de dominação explicitando os fundamentos que
tornam legítima a autoridade ou justificam a dominação de cada tipo, válidos em
diferentes contextos históricos. Segundo esse autor, com relação à dominação legal
racional, qual das afirmativas subseqüentes é correta?
A) A legitimidade da dominação legal racional encontra-se na crença de que o poder
de mando tem um caráter sagrado ou herdado do passado.
B) A legitimidade do mando se dá em razão das qualidades excepcionais de um(a)
líder.
C) Os aparatos burocráticos, na modernidade, só atrapalham a dominação legal
racional, cuja legitimidade deve ser buscada na confiança no chefe.
D) A dominação legal racional legitima-se na crença na validade do estatuto legal,
da competência funcional e em torno de autoridades baseadas em uma ordem
impessoal.
E) O ordenamento da dominação legal racional está fixado na tradição e sua
violação seria uma afronta à legitimidade do dominante.

62
4. Acerca dos tipos de dominação e sua legitimação, assinale a alternativa correta.
A) A dominação carismática baseia-se na crença do caráter sagrado das tradições,
sendo legítimo o poder e os que a ele são convocados em razão do costume.
B) A dominação tradicional baseia-se no valor pessoal do indivíduo que se distingue
por virtudes pessoais (heroísmo, santidade).
C) A dominação legal possui caráter racional e impessoal, baseando-se na validade
das normas estabelecidas racionalmente, sendo legítimo o poder e os que a eles
são convocados nos termos da lei.
D) A dominação carismática baseia-se no culto a uma personalidade famosa que
exibe padrões de beleza e consumo dominantes na sociedade e é idolatrada por
isso.
E) A dominação tradicional possui um aspecto econômico positivo ao garantir a
denominação de origem dos produtos típicos de uma determinada região.

5. “A ética protestante e o espírito do capitalismo” , obra de Max Weber é uma


importante referência do pensamento sociológico sobre todas as ciências humanas.
A respeito de tal obra assinale a alternativa incorreta:
A) A predestinação é taxada por Weber como uma ideia que impelia os protestantes
a almejarem enriquecer materialmente
B) Na análise de Weber o indivíduo tem destaque em detrimento dos fatores
materiais que o circunscreve
C) Weber relacionou a ascese protestante ao desenvolvimento do capitalismo
D) O hedonismo segundo Weber é uma das características fundantes do
protestantismo
E)Weber debruçado sobre a questão da origem do capitalismo elaborou as reflexões
reunidas em “ A assim chamada acumulação primitiva”

63
UNIDADE
TEMAS DE SOCIOLOGIA
CONTEMPORÂNEA

64
5.1 TEMAS DE SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA

Diferente das últimas três unidades, esta busca tangenciar três grandes temas
da sociologia contemporânea, a partir da última metade do século XX. Os temas são a
educação, trabalho e consumo, cada qual abordado por um viés específico, a saber: a
relações entre educação, cultura e estratificação social; entre trabalho e existência em
sentido amplo, incluindo o meio ambiente; entre consumo, identidade e subjetividade.
Portanto ficam de fora vários outros temas: a constituição social dos papéis de
gênero, os conflitos intergeracionais, a dinâmica dos movimentos sociais, os fatores da
violência e da criminalidade, etc. A escolha daqueles temas e não destes ou de outros,
é fundada na premissa de que são temas com os quais o estudante pode se relacionar
pela própria experiência universitária e vivência numa sociedade capitalista.

5.2 EDUCAÇÃO, CULTURA E ESTRATIFICAÇÃO SOCIAL


5.2.1 A instituição escolar: emancipadora ou conservadora?

Paulo Freire (1921-1977) é um dos autores mais citados em periódicos


acadêmicos no mundo inteiro, consideradas todas as áreas do conhecimento. Até o
princípio dos anos 1960, o método preferido de alfabetização para todas as idades era
a utilização de frases de estrutura fonética, sintática e semântica bastante simples. Ao
lecionar para adultos por essa época, Freire revolucionou isso.
Angico, no interior do Rio Grande do Norte, começou a abandonar a regra da
simplicidade, e substituí-la pelo uso de palavras e enunciados retirados da experiência
cotidiana de cada pessoa. O que isso tem de revolucionário? Ora, aqueles adultos
carentes de instrução não eram crianças, mas o método de alfabetização utilizado os
fazia se sentir como tal, reforçando a humilhação e o preconceito que sofriam.
Para além do método de alfabetização, Paulo Freire desenvolveu uma filosofia
da educação, expressa na sua obra-prima, A pedagogia do oprimido, de 1974. Esse
livro ajuda a fundar uma nova corrente pedagógica, que ficou conhecida como
“pedagogia crítica”. Um ponto-chave do livro é o diagnóstico da prevalência, no sistema
escolar da época, do tipo de ensino-aprendizagem que chamou de educação
“bancária”.

65
“Quanto mais analisarmos as relações educador-educandos, na escola, em
qualquer de seus níveis (ou fora dela), parece que mais nos podemos
convencer de que estas relações apresentam um caráter especial e marcante
— o de serem relações fundamentalmente narradoras, dissertadoras.
Narração de conteúdos que, por isto mesmo, tendem a petrificar-se ou a fazer-
se algo quase morto, sejam valores ou dimensões concretas da realidade. […]
Há uma quase enfermidade da narração. […]
A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à
memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os
transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador.
Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus “depósitos”, tanto melhor
educador será. Quanto mais se deixem docilmente “encher”, tanto melhores
educandos serão.
Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os
educandos são os depositários e o educador, o depositante. Em lugar de
comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos,
meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a
concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se
oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-lo se arquivá-
los. [...]
Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam
sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das
manifestações instrumentais da ideologia da opressão — a absolutização da
ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância,
segundo a qual esta se encontra sempre no outro” (FREIRE, 2013 [1974],
formato ebook).

No mesmo período em que Paulo Freire começava o seu trabalho como


educador em Angico, um sociólogo francês um pouco mais jovem que ele, Pierre
Bourdieu (1966), publicou um artigo de periódico acadêmico sustentando uma posição
bem distinta daquela de Freire, mas não necessariamente oposta. Este artigo será o
ponto de partida das mais importantes observações do sociólogo sobre a educação.
A comparação entre as perspectivas de um e de outro servirá neste momento
para aqui para esclarecer as diferenças fundamentais entre as abordagens da
pedagogia, da filosofia e da sociologia sobre a educação. Em que pese o seu arcabouço
teórico, a pedagogia tem uma dimensão metodológica mais pronunciada. A filosofia
formula formula os princípios éticos e os objetivos últimos de uma certa educação.
A filosofia e a pedagogia se ocupam (de formas distantes e complementares)
de como deve ser a educação no seu melhor sentido. A sociologia investiga a
educação como ela se dá na realidade e quais os seus efeitos concretos na sociedade.
Assim, perceba a seguir como Bourdieu é um crítico do que ele classifica como
“ideologia da educação libertadora”, sem todavia se constituir num reacionário.

66
“É provavelmente por um efeito de inércia cultural que continuamos tomando
o sistema escolar corno um fator de mobilidade social, segundo a ideologia da
“escola libertadora”, quando, ao contrário, tudo tende a mostrar que ele é um
dos fatores mais eficazes de conservação social, pois fornece a aparência de
legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom
social tratado como dom natural.
Justamente porque os mecanismos de eliminação agem durante todo o
[percurso], é legitimo apreender o efeito desses mecanismos nos graus mais
elevados da carreira escolar. Ora, vê-se nas oportunidades de acesso ao
ensino superior o resultado de uma seleção direta ou indireta que, ao longo
da escolaridade, pesa com rigor desigual sobre os sujeitos das diferentes
classes sociais. Um jovem da camada superior tem oitenta vezes mais
chances de entrar na Universidade que o filho de um assalariado agrícola e
quarenta vezes mais que um filho de operário, e suas chances são, ainda,
duas vezes superiores àquelas de um jovem de classe média. É digno de nota
o fato de que as instituições de ensino mais elevadas tenham também o
recrutamento mais aristocrático: assim, os filhos dos quadros superiores e de
profissionais liberais constituem 57% dos alunos da Escola Politécnica, 54%
dos da Escola Normal Superior (frequentemente citada por seu recrutamento
‘democrático’), 47% dos da Escola Central e 44% dos do Instituto de Estudos
Políticos.
Mas não é suficiente enunciar o fato da desigualdade diante da escola, é
necessário descrever os mecanismos objetivos que determinam a eliminação
contínua das crianças desfavorecidas. Parece, com efeito, que a explicação
sociológica pode esclarecer completamente as diferenças de êxito que se
atribuem, mais frequentemente, às diferenças de dons. A ação do privilégio
cultural só é percebida, na maior parte das vezes, sob suas formas mais
grosseiras, isto é, como recomendações ou relações, ajuda no trabalho
escolar ou ensino suplementar, informação sobre o sistema de ensino e as
perspectivas profissionais. Na realidade, cada família transmite a seus filhos,
mais por vias indiretas que diretas, um certo capital cultural e um certo ethos,
sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui
pua definir, entre coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição
escolar. A herança cultural, que difere, sob os dois aspectos, segundo as
classes sociais, é a responsável pela diferença das crianças diante da
experiência escolar e, consequentemente, pelas taxas de êxito.” (BOURDIEU,
1998 [1966], 41-42).

Não é que Pierre Bourdieu fosse contra uma educação libertadora. Aliás, ele
não era. Ele apenas está indicando neste fragmento como a instituição escolar tende
a funcionar como instância de reprodução do privilégio cultural das elites. Paulo Freire
pensa como sociólogo quando diagnostica o modelo de educação bancária, contudo
o faz como meio para outro fim: mudar os métodos e os princípios da educação.
Na sociologia da educação, rigorosamente falando, esse meio é o fim. A
finalidade da investigação sociológica sobre a educação é conceber, em profundidade
e com riqueza de detalhes extraídos da experiência, o que é responsável por este
funcionamento do processo educativo e das instituições educacionais na nossa
sociedade. Cabe às políticas públicas, orientadas científica e filosoficamente, lidar com
isso.

67
Na unidade sobre Weber, você aprendeu a distinguir entre a neutralidade como a
isenção de valores e como objetividade. É nesse segundo sentido que a sociologia
de Pierre de Bourdieu e em geral a própria sociologia da educação é “neutra” em
relação à realidade da educação. Por que pela própria tradição intelectual da
disciplina, herdeira do humanismo e do iluminismo, o ideal da emancipação humana
faz parte do seu conjunto de valores arraigados.

Assista a José Sérgio Leite Lopes, professor de antropologia do Museu Nacional


do Rio de Janeiro, apresentar quem foi Pierre Bourdieu para o Canal Curta! No
tocante ao patrono da pedagogia brasileira e um dos fundadores da pedagogia
crítica, é mais importante destacar atualmente quem não é Paulo Freire, como
nesse vídeo do canal Meteoro Brasil, no Youtube. Também disponível na
plataforma há um bom vídeo do jornal Nexo sobre quem foi Paulo Freire e seu
trabalho como professor.

5.2.2 A relação entre a escola e a cultura através da sociologia de


Pierre Bourdieu

Algumas das contribuições mais importantes da obra sociológica posterior de


Pierre Bourdieu dizem respeito aos seus conceitos de habitus, campo, poder
simbólico, além de sua redefinição conceitual do capital como “forma” e não somente
como “substância”. Você verá adiante como todas elas se aplicam ao tema da
educação. O problema central dessa sociologia é a construção social do mérito e do
talento.
Trata-se de um problema no sentido metodológico do termo: eis o que a sua
sociologia pretende explicar. Atente para o fato de que tradicionalmente a concepção
do mérito e do talento como algo “construído” é um oxímoro ou uma contradição em
termos. Tanto o mérito é a expressão de um merecimento individual, quanto o talento
a expressão de uma aptidão individual.
Como a sua constituição e não apenas o seu reconhecimento podem ter um
caráter “social”, isto é, estrutural? De forma mais geral, como algo que é em princípio

68
uma característica estritamente individual pode possuir um componente social? Para
responder a essa pergunta, Bourdieu cunhará o conceito de habitus. O autor utiliza o
termo em latim para evitar a confusão com a moderna noção de hábito.
Há centenas de livros por aí que aconselham como desenvolver e consolidar
hábitos pessoais. Os hábitos, como nós os concebemos, são produto da repetição. O
habitus de Bourdieu é produto de uma reprodução: a reprodução de um determinado
conjunto de disposições. E aí ele utiliza o termo vernáculo mesmo, para se valer
ativamente da sua polissemia. A disposição a que se refere é, simultaneamente, a
maneira como as coisas se encontram distribuídas, e uma tendência à ação.
Compreenda que, nesse sentido, não se trata de disposição como vigor físico ou força
de vontade. O habitus de um indivíduo significa um conjunto de disposições
socialmente incorporadas por ele através de processos específicos de socialização.
Assim, Bourdieu distingue entre um habitus familiar, profissional, de classe, etc.
Analisemos agora aquele diagrama do regime de distinções no campo sócio-
alimentar situado na abertura desta unidade. Este representa grosso modo um
sistema de preferências que define um padrão de gosto na sociedade. Note que esse
sistema varia em função de dois eixos: o nível de capital econômico e o nível de capital
cultural dos indivíduos.
A verdade é que essas “preferências” não são tão voluntárias quanto
possamos imaginar, nem se explicam unicamente em função da imitação ou do
“modismo”. Bourdieu vai sustentar que elas também variam em função dos habitus de
classe, só que as classes sociais na sua sociologia não são reflexo direto das
“relações sociais de produção” – como diria Marx.
“Capital” nomeia de forma coloquial um recurso ou uma vantagem monetária,
normalmente utilizada para alguma compra ou investimento. Nesse sentido, tratamos
do capital como uma substância. Bourdieu fala na sua obra de um “capital social”, de
um “capital cultural”, de um “capital político”, etc. Faz isso de modo metafórico: as
relações interpessoais como recurso, o pertencimento cultural como recurso, etc.
Para Bourdieu as diferenças entre as classes sociais, claro, refletem a
distribuição desigual do capital econômico, mas não só: elas sobretudo refletem a má
distribuição do capital cultural na sociedade. A cultura é uma dimensão hierarquizada:
o bom gosto e o mau gosto, o que é belo e o que é feio, o que é admirável e o que
não é, etc. Essa hierarquia é rígida, mas é relativa.

69
Aí vem à baila a redefinição que Bourdieu faz do conceito marxista da luta de
classes, como sendo sempre revestidas por “lutas de classificação”. Quis com isto
dizer que as classes sociais não se percebem umas às outras e ao seu conflito de um
modo transparente. Elas estão o tempo rejeitando determinadas classificações e
defendendo outras a seu respeito, das demais, e de sua relação com as demais.
Considere a seguinte situação: uma festa com uma “mesa mineira”. No quintal
de uma típica casa de família de periferia, importaria a sustância, o tempero, a fartura,
etc. Num salão de festas alugado para alguma ocasião especial, a mise em place seria
muito importante, haveria talvez “releituras” de certos pratos, e de um modo geral, os
convidados debateriam sobre o “bom gosto” das escolhas.
Percebemos imediatamente que essas preferências tem um componente
social muito forte precisamente no momento em que somos deslocados de um
ambiente com o qual estamos familiarizados para um outro. Ao contrário do capital
econômico, o capital cultural não pode ser ganho ou perdido de forma súbita. Ele
necessariamente é o produto de uma lenta acumulação.
Isso é válido tanto para práticas simples, como a forma de se portar à mesa,
como complexas, como o exercício de uma profissão. O ponto-chave é que nem todo
capital cultural tem o mesmo valor na sociedade. Existe uma hierarquia. E por isso se
coloca a questão fundamental das condições de acesso ao tipo de capital cultural mais
valorizado pela sociedade.
Bourdieu, como Paulo Freire, compreendeu o desajuste de certos estudantes
em relação à instituição escolar. No caso de Freire, era o sentimento de menoridade
ligado ao analfabetismo. No caso de Bourdieu, a indisciplina quase endêmica nas
escolas de periferia. Para o sociólogo, a educação formal para certas classes sociais é
um processo de tomada de posse dum patrimônio que lhe pertence, para outras, parece
a anulação da sua cultura, da maneira de agir, pensar e sentir na qual foram
socializados. A sociologia indica caminhos para a filosofia da educação e a pedagogia.

5.3 TRABALHO E EXISTÊNCIA

Outro tema importante na sociologia contemporânea é o estudo das


transformações recentes no mundo do trabalho. Nos últimos vinte a trinta anos
emergiu uma nova morfologia do trabalho (novo padrão de relações de trabalho); uma

70
nova semiologia do trabalho (novo conjunto dos seus significados na nossa vida
pessoal); uma nova ecologia do trabalho (nova relação do montante de trabalho
humano com a natureza). Ora vamos rapidamente pincelar algumas dessas questões.
Tem se tornado corrente no debate atual sobre a morfologia da classe
trabalhadora o conceito de “precariado”, inventado pelo sociólogo britânico Guy
Standing, no seu livro homônimo. Essa seria uma nova expressão histórica da classe
trabalhadora, depois do proletariado e do campesinato. Uma definição exata do que
constitui o precariado ainda não é consenso na literatura sociológica.
Autores brasileiros como Ruy Braga, Ricardo Antunes e Giovanni Alves, tem
em maior ou menor grau, incorporado o conceito aos seus trabalhos. O ponto-chave,
novamente, é a noção de expressão ou forma predominante da classe trabalhadora,
que um dia já foi muito caracterizada pela fixação do trabalhador à terra (campesinato),
pela extrema dificuldade em aurir os frutos do próprio trabalho para além do sustento
da própria prole (proletariado), e agora seria caracterizada pela situação precária dos
vínculos e responsabilidades patronais para com o trabalhador.

“Exemplo emblemático [dessa situação] é o do zero hour contract, modalidade


perversa de trabalho que viceja no Reino Unido e se esparrama pelo mundo,
em que os contratos não têm determinação de horas - daí sua denominação.
Nessa modalidade, trabalhadores das mais diversas atividades ficam à
disposição esperando uma chamada. Quando a recebem, ganham
estritamente pelo que fizeram, nada recebendo pelo tempo que ficaram à
disposição da nova dádiva. Essa forma de contratação engloba um leque
imenso de trabalhadores e trabalhadoras de que são exemplos médicos,
enfermeiros, trabalhadores do care (cuidadores de idosos, crianças, doentes,
portadores de necessidades especiais etc.), motoristas, eletricistas,
advogados, profissionais dos serviços de limpeza, de consertos domésticos,
dentre tantos outros. E os capitais informáticos e financeirizados, numa
engenhosa forma de escravidão digital, se utilizam cada vez mais dessa
pragmática de flexibilização total do mercado de trabalho.” (ANTUNES, 2018,
formato ebook).

Não é de hoje que essa modificação nos regimes de trabalho vem afetando o
próprio sentido subjetivo que esse adquire na vida das pessoas, e a sociologia começa
a se indagar sobre os impactos estruturais dessa transformação. O sociólogo britânico
Richard Sennett, em A corrosão do caráter, de 2008, mostra como nas últimas gerações
o trabalho veio perdendo centralidade na definição da identidade pessoal.
O seu estudo mostra como os trabalhadores norte-americanos altamente
sindicalizados dos anos 1940 e 1950 construíram uma vida familiar e pessoal no
subúrbio das grandes cidades na qual o trabalho era a principal fonte de prestígio e
71
reconhecimento social. Vivia-se “da casa para o trabalho” e do “trabalho para a casa”,
digamos assim. E isso garantia uma determinada rigidez e estabilidade emocional.
Com a precarização das condições e dos vínculos – um trabalho temporário,
intermitente, informal, à distância, etc. – as novas gerações experimentam o trabalho
como um aspecto profundamente angustiante da sua própria existência. Sennett
escreveu antes do boom das redes sociais, mas o seu trabalho antecipa de certo modo
essa deriva e gravitação das fontes da identidade pessoal para outros planos da vida
social, como o lazer e o consumo.
Já da perspectiva da totalidade do trabalho humano e do seu impacto e
relação com a natureza, uma das principais contribuições da sociologia
contemporânea diz respeito à formulação de uma teoria sociológica do risco
ambiental. A sociedade de risco, de 1986, escrito pelo sociólogo alemão Ulrich Bech,
foi publicado com uma antecedência de meses em relação ao desastre nuclear de
Chernobyl. No livro, Bech argumenta que a estrutura das desigualdades sociais sob o
capitalismo não diz respeito somente à distribuição da riqueza, mas também, à
distribuição dos riscos sociais e ambientais: o privilégio de estar longe da
criminalidade, das catástrofes, etc.

Se você puder, assista à mini-série Chernobyl d HBO, que ganhou diversos prêmios
em 2019. A série expõe bastante os meandros políticos do desastre, na demora a
reconhecer a gravidade do acidente, a oferecer uma resposta cientificamente eficaz
para o problema, até a ocultação da extensão dos seus impactos reais. Contudo,
tente observar ali essa dimensão da distribuição desigual do risco. Especialmente
nos primeiros episódios.

5.4 CONSUMO, IDENTIDADE E SUBJETIVIDADE

Para tratar aqui finalmente do tema do consumo, é importante reconhecer as


distinções entre a perspectiva do marketing, da sociologia e da psicologia sobre o
fenômeno. A perspectiva do marketing até leva em consideração fatores sociológicos
e psicológicos, mas o objetivo é claro: compreender para promover o consumo. A
psicologia, por seu turno, lida com as mazelas psíquicas ligadas ao consumo.
72
A sociologia, enquanto ciência empírica, busca dar conta da totalidade do
fenômeno, da sua origem histórica até as suas relações com a produção das
identidades pessoais. A socióloga brasileira Gisela Taschner, no seu artigo Raízes da
Cultura do Consumo, de 1996, faz um balanço das principais contribuições teóricas
para o estudo do fenômeno na área.
Marx e os economistas clássicos consideravam o consumo de mercadorias
como uma atividade exclusivamente econômica, a absorção final do produto da cadeia
produtiva. Os insights que aparecem nesses autores são esporádicos, mas não
deixam de ser iluminadores.

“O próprio Marx, no entanto, deixa uma abertura (que ele pessoalmente não
explora) para se perceber que o consumo, ainda que determinado pela
produção, é um momento que tem seus desdobramentos e condicionantes:
por exemplo, na Contribuição à Crítica da Economia Política ele afirma:
[…] A fome é a fome, mas fome que se satisfaz com carne cozinhada, comida
com faca e garfo, não é a mesma fome que come a carne crua, servindo-se
das mãos, das unhas, dos dentes.”
É nesses termos que Marx abre as possibilidades de se perceber a dimensão
simbólica que os processos de consumo envolvem e, portanto, a sua relação
com a dimensão cultural da sociedade (TASCHNER, 1996, p. 26 et. seq.)

No tocante ao estudo da gênese histórica do consumo, é importante a


caracterização que o filósofo norte-americano Thorstein Veblen faz da nossa forma de
consumir mercadorias como consumo “conspícuo”: o consumo que tem como objetivo
adicional exibir-se. Sabemos que essa não é uma característica generalizada em toda
a sociedade em todos os momentos da história. O consumo conspícuo era uma prática
dos chefes tribais, que consumiam publicamente e a vista de todos os troféus das suas
conquistas. A sociedade de corte europeia dos séculos XVI-XVIII generaliza esse tipo
de consumo entre os nobres palacianos, que vivem próximo do rei. A burguesia
industrial e comercial do século XIX vai se apropriar dessa forma de consumo,
reagindo contra os valores de ostentação da aristocracia e desenvolvendo padrões de
gosto mais sóbrios, mas com um consumo ainda muito realizado em função de um
status social de classe. É somente no século XX que o consumo conspícuo se
transforma num fator de competição por status entre os grupos no interior de uma
determinada classe social, e aí que os gostos pessoais ascendem ao primeiro plano.

“É evidente que o que compramos diz algo sobre quem somos. Não poderia
ser de outra forma. Mas o que estou sugerindo é que o verdadeiro local onde

73
reside a nossa identidade deve ser encontrado em nossas reações aos
produtos e não aos produtos em si. […]
É importante notar que a nossa maneira de conceber a própria identidade é
muito nova. Realmente, levando-se conta o tempo histórico, acabou de
acontecer. Por isso, é pouquíssimo provável que nossos avós, até mesmo
nossos pais, pensassem sobre esse assunto dessa maneira. Para eles, antes
de tudo, a identidade estava muito mais relacionada ao status e à posição que
ocupavam em várias instituições e associações, como família, trabalho,
religião, raça, etnia e nacionalidade. Tudo isso era muito mais importante do
que algo tão insignificante quanto o gosto pessoal. Consequentemente, suas
autodefinições tendiam a enfatizar seu status de fazendeiro, pescador, pai,
presbiteriano, católico, inglês ou sueco etc., e não seu gosto por vinho,
literatura, música ou atividades de lazer. (CAMPBELL, 2006, p.47 et. seq.)

Diante do caráter necessariamente limitado desse tipo de introdução à


sociologia, feita neste material didático, nunca é demais lembrar o quão preliminar são
essas notícias dos diferentes caminhos da sociologia atual. Isso porque são temas
muito globais. Na próxima unidade, embora também continuemos nesse formato de
texto mais “exploratório”, você verá que existe um certo conjunto bem delimitado de
autores, questões e debates específicos relativos aos temas que vamos abordar. Isso
porque vamos nos circunscrever na próxima unidade a um contexto nacional
específico: o da sociologia da sociedade brasileira.

Subjetividade: dimensão da consciência íntima que o indivíduo tem de seus


sentimentos e ideias;
Reacionário: pessoa radicalmente contrária à determinada mudança social;
Oxímoro: tipo de expressão linguística que consiste em relacionar termos contrários,
ex: fogo frio;
Vernáculo: nome ou adjetivo usado para indicar a língua corrente de um país;
Polissemia: pluralidade de significados;
Mise em place (culinária): gesto de organizar e montar a disposição dos pratos;
Morfologia (biologia): estudo da estrutura e da forma dos órgãos e organismos vivos;
Semiologia (linguística): idem. semiótica, teoria geral dos signos e da formação dos
símbolos.

74
1. A noção de campo desenvolvida por Pierre Bourdieu propõe-se a resolver um dilema
teórico. Até então, para explicar os produtos culturais — arte, literatura, religião,
ideologia —, escolhia-se entre duas vias exclusivas: o estruturalismo e o marxismo. Em
síntese, isso significava o confronto entre duas tradições, em que se privilegiavam os
produtos dotados de coerência interna, subtraindo-se os determinantes externos, ou
então, caracterizavam-se tais produtos pelas funções sociais que eles exerciam,
notadamente as funções ideológicas de justificação dos interesses das classes
dominantes. Segundo esse autor, a noção de campo
A) consiste na separação entre o poder e a violência.
B) sintetiza o mundo subjetivo e o mundo objetivo, articulando a ordem do simbólico em
uma realidade complexa, em que a cooperação entre ambos transforma forças
contrárias em aliados que agem graças ao seu embate e não apesar dele.
C) considera língua, mito, arte e religião como estruturas estruturantes, ou seja,
objetivas, atribuindo-lhes papel ativo.
D) pressupõe que mito, religião e arte, apesar de forte presença simbólica, não
cumprem nenhum papel político no jogo da dominação.
E) assume que as esferas da arte, da literatura, da educação, da religião são sistemas
de posições de universos sociais particulares cujas regras do jogo são compartilhadas.

2. Um objeto de pesquisa só pode ser definido e construído em função de uma


problemática teórica que permita submeter a uma interrogação sistemática os aspectos
da realidade colocados em relação entre si pela questão que lhes é formulada. O
cientista social que recusa a construção controlada e consciente de seu distanciamento
ao real e de sua ação sobre o real pode não só impor aos sujeitos determinadas
questões que não fazem parte da experiência deles e deixar de formular as questões
suscitadas por tal experiência, mas ainda formular-lhes, com toda a ingenuidade, as
questões que ele próprio se formula a respeito deles, por uma confusão positivista entre
as questões que se colocam objetivamente aos sujeitos e as questões que eles
formulam de forma consciente. Sem dúvida, pode-se e deve-se coletar os mais irreais
discursos, mas com a condição de ver neles, não a explicação do comportamento, mas
um aspecto do comportamento a
ser explicado.
– Pierre Bourdieu; Jean-Claude Chamboredon; Jean-Claude Passeron. Ofício
de sociólogo: metodologia da pesquisa na sociologia. 4.ª ed. Trad.
Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis: Vozes, 2004.

Considerando os argumentos apresentados no texto com relação à construção do


objeto de pesquisa nas ciências sociais, assinale a opção correta:
A) Os discursos e problemas sociais já se encontram previamente elaborados para
os sujeitos sociais; cabe ao cientista social, aceitá-lo.

75
B) Problemas teóricos e metodologias de investigação são partes acessórias das
ciências sociais e não substituem a identificação com a realidade investigada.
C) Todos estão sujeitos ao exercício de uma observação espontânea da realidade,
menos o cientista social, que sempre observa a realidade através da teoria.
D) Métodos e técnicas de pesquisa aplicados ao acaso e sem a orientação de uma
problemática teórica, contribuem pouco para a construção de uma perspectiva
sociológica.
E) A metodologia das ciências sociais busca uma reprodução do senso comum na
transformação dos problemas sociais como problemas de pesquisa.

3. O conceito de habitus, desenvolvido por Pierre Bourdieu, constituiu-se como a chave-


mestra de sua sociologia. De modo geral, o habitus refere-se a um sistema de
disposições duráveis adquiridos pelo indivíduo no curso de seu processo de
socialização. Apresenta-se como um produto das condições sociais passadas e como
princípio gerador das práticas e das representações, permitindo ao indivíduo construir
as estratégias antecipadoras. Segundo Bourdieu, essa noção contribui para a
superação da oposição entre os pontos de vista objetivista e subjetivista, entre as forças
exteriores da estrutura social e as forças interiores resultantes das decisões livres dos
indivíduos.
– FERREOL, G. Dictionnaire de Sociologie. Paris: Armand Colin, 1991. (com
adaptações)
Considerando o texto acima, analise as afirmações a seguir.
I. O termo habitus, adotado para marcar a diferença com conceitos correntes, tais como
hábito, costume, praxe e tradição, faz a mediação entre a função e a ordem.
II. A instituição escolar tem por função produzir indivíduos dotados de sistema de
esquemas inconscientes que constituem sua cultura, ou melhor, o seu habitus, com
potencial para transformar a sua herança coletiva em inconsciente individual e comum.
III. Nas sociedades onde inexiste a escola, a função de inculcação do habitus é
garantida pelas formas primitivas de classificação (bem/mal, bonito/feio, bom/mau),
constituídas pelos mitos e pelos ritos.
IV. O habitus, como capacidade de engendrar as novas práticas, funciona como uma
gramática geradora da conduta, ou seja, como um sistema de esquemas interiorizados
que permitem engendrar todos os pensamentos, as percepções e as ações
características de uma cultura.
V. O habitus é totalmente dependente, pois reside entre o inconsciente-condicionado e
o intencional calculado.
É correto apenas o que se afirma em
A) I, II, e V.
B) I, III e IV.
C) I, IV e V.
D) II, III e IV.
E) II, IV e V.

76
4. “A ambientalização dos conflitos sociais está relacionada à construção de uma nova
questão social, uma nova questão pública. Pode-se supor que a construção dessa
questão tenha-se iniciado, nos países desenvolvidos industriais, relacionada à produção
de acidentes industriais, ampliados de grandes riscos e de sua internacionalização.
Nesses países industriais, a aplicação da ciência numa escala industrial, entre outras,
leva autores, como Giddens, a caracterizarem tais sociedades como sendo de
modernização reflexiva e de incerteza industrial, enquanto outros, como Ulrick Beck, as
classificam como sociedades de risco.”
– J. S. Leite Lopes (Coord.). A ambientalização dos conflitos sociais. Rio:
Relume-Dumará, 2004 (com adaptações).
À luz da reflexão acima, assinale a opção correta.
A. A aplicação do progresso científico de forma não controlada pode levar à geração de
riscos ambientais.
B. As noções de sociedade de risco e de modernização reflexiva fazem avançar os
estudos sociológicos apenas no Terceiro
Mundo.
C. A condição de país desenvolvido industrial não é essencial para a discussão sobre
meio ambiente.
D. As noções de sociedade de risco e de modernização reflexiva são formuladas por
correntes do pensamento sociológico contemporâneo que não dialogam entre si.
E. A discussão sobre meio ambiente, nos países desenvolvidos, não se aplica aos
países menos desenvolvidos.

5.
GOSTOS E PRÁTICAS CULTURAIS POR CLASSE SOCIAL (%)

– CODATO, A.; LEITE, F. Classe Social. In: ALMEIDA, H.B.; SZWAKO, J.


(Orgs.). Diferenças, igualdade. São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2009. p. 50.
(Tabela Adaptada e resumida a partir da obra de Pierre Bourdieu).

Pierre Bourdieu analisou, em sua obra A Distinção, a manifestação do gosto dos


indivíduos conforme suas posições na estratificação da sociedade francesa. A tabela
acima resume uma parte dos achados da pesquisa de Bourdieu. Considerando a tabela
apresentada e as ideias de Bourdieu acerca do gosto dos indivíduos, analise as
afirmações abaixo.
77
I. As opções de gosto não variam em relação às classes, o que se explica pelo habitus,
ou seja, as preferências fazem parte das disposições incorporadas socialmente.
II. As preferências variam de acordo com a posição dos indivíduos na estratificação
social, o que reflete a ação do capital simbólico, que homogeneiza a sociedade ao
instituir padrões massificados de consumo.
III. As opções de gosto variam em relação às classes, já que o consumo dos bens
envolve mecanismos de distinção e disputas pela legitimidade intra e entre as classes.
IV. As preferências variam conforme o posicionamento de classe, pois envolvem habitus
diferenciados e lutas simbólicas que unem ou distanciam agentes conforme seus estilos
de vida.
É correto apenas o que se afirma em:
A) I e II
B) I e III
C) II e III
D) II e IV
E) III e IV

78
UNIDADE
TEMAS DE SOCIOLOGIA
BRASILEIRA

79
6.1 CUIDADO COM O MITO

Esta última unidade é toda dedicada a alguns dos principais temas da


sociologia brasileira. Aqui você conhecerá um pouco da crítica aos três grandes mitos
que informam uma determinada perspectiva tradicional da sociedade brasileira: o mito
do “encontro das três raças”, o mito da “democracia racial” e o mito da “cordialidade
brasileira”, estes que são alguns dos nossos principais mitos nacionais.
A percepção que a sociedade brasileira faz de si mesma é, em larga medida,
tributária desses mitos ou das críticas movidas contra eles no âmbito da sociologia, e
absorvidas pelas instituições públicas, dentro e fora do Estado. Este sendo o percurso
que organiza essa unidade, convém retomar e aprofundar a menção feita ao mito na
unidade 1, pois a referência ali era o mito antigo, e ora interessa o mito moderno.
É curioso refletir sobre isso hoje em dia em língua portuguesa. Uma gíria
recente deslocou a palavra “mito” no léxico popular, de substantivo em si para a forma
substantivada de um verbo inexistente: “mitou”. Mito vira quem “mitou” e “mita” quem
chama a atenção nas redes sociais, “adorado” por muitos likes. Há pouco, sobretudo
na escola, “mita” era um substantivo, e não o presente do indicativo do verbo “mitar”.
Deslizamento semântico do “mito” no léxico brasileiro atual

Mas... qual é a forma do mito


moderno?

Montagem justapondo resultados sobre a palavra “mito” numa ferramenta de busca, o cartaz
original do filme “Eu sou a Lenda”, filme de 2007 estrelando Will Smith, e a paródia do cartaz que
começou a circular em 2016 estampando Jair Bolsonaro.
80
A metáfora do mito e da lenda desliza historicamente entre a glória e a mentira
desde os primórdios da cultura ocidental. O mito antigo é uma narrativa fabulosa, cheia
de feitos e personagens extraordinários, frequentemente heroicos, que pretende – e
isso é importante – não explicar a realidade, mas sustentar uma determinada crença
sobre ela. Explicá-la significaria torná-la inteligível.
Mas o mito não torna a realidade inteligível, ele a torna aceitável ou
inaceitável. E isso o faz reafirmando o dogma, amparado na tradição. A filosofia grega
antiga rompera com o mito em vários níveis. Primeiramente, reconhecendo os seus
limites: não cabe à filosofia tratar de tudo, somente o que pode ser explicado pela
razão. Segundo, negando autoridade última à tradição moral ou à palavra de
inspiração divina.
Ao fazer isso, a filosofia rompia com os profetas e os oráculos, os “donos da
verdade”, e inaugurava uma tradição de “mestres da verdade”, uma tradição
intelectual. Esse caminho aberto pela filosofia, e reiterado pela ciência, irá restringindo
o alcance das crenças sustentadas com base no mito, culminando no processo que
Weber denominou “desencantamento do mundo”.
Ainda assim, o mito não desapareceu e provavelmente jamais desaparecerá.
As metáforas correntes do mito antigo vivem da nostalgia do seu aspecto épico e
fabuloso, de um lado, e de uma imagem simplificada da ruptura operada pela filosofia,
de outro, imagem esta que é mais o produto da ciência moderna do que da própria
filosofia. A ciência moderna, de cunho iluminista e positivista, buscou rechaçar o mito.
Na perspectiva das ciências humanas, o mito é algo para ser explicado. Sem
o alcance da fantasia, sem o suporte de uma sociedade de contadores de histórias, o
mito sobrevive na forma crua do esquema narrativo genérico. Os mitos nacionais, por
exemplo, reafirmam dogmas essenciais da nacionalidade, amparados numa versão
tradicional (e não científica) da história.

6.2 O MITO DO ENCONTRO DAS TRÊS RAÇAS

O que distinguiria essencialmente a história do Brasil – do seu passado e de


seu futuro – da história de outros países, sobretudo da história de outras ex-colônias
de Portugal? Nas primeiras décadas após a fundação do Império do Brasil, essa era

81
uma questão relevante para os intelectuais e as elites letradas radicadas na corte, no
Rio de Janeiro. Uma questão intelectual, mas também política.
Tratava-se de simultaneamente de definir o lugar do Brasil na história
universal e formular uma pedagogia da nação. Em 1840, o recém-criado Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) – dedicado a fomentar o registro, o estudo e
o ensino da história no país – promoveu um concurso de monografias para responder
a questão. Em 1847, venceu o naturalista alemão Carl Phillip Von Martius (1794-1868).
Em Como se deve escrever a história do Brasil, Von Martius traçou um
poderoso programa historiográfico. Não seria uma história política da saga da dinastia
de Bragança, desde a idade média portuguesa até a fundação do Império do Brasil.
Não seria uma história eclesiástica da expansão da fé cristã na América, desde as
primeiras missões catequistas até o estabelecimento do Padroado Civil na
constituição de 1824. Seria uma história do povo brasileiro da seguinte maneira:

“Qualquer que se encarregar de escrever a história do Brasil jamais deverá


perder de vista quais os elementos que de aí concorreram para o
desenvolvimento do homem. São, porém, estes elementos de natureza muito
diversa, tendo para a formação do homem convergido de um modo particular
três raças, a saber: a de cor de cobre ou americana, a branca ou caucasiana
e, enfim, a preta ou etiópica. Do encontro, da mescla, das relações mútuas e
mudanças dessas três raças, formou-se a atual população, cuja história por
isso mesmo tem um cunho muito particular. Pode-se dizer que a cada uma
das raças humanas compete, segundo a sua índole inata, segundo as
circunstâncias debaixo das quais ela vive e se desenvolve, um movimento
histórico característico e particular. Portanto, vendo nós um povo novo nascer
e desenvolver-se da reunião e contato de tão diferentes raças humanas,
podemos avançar que a sua história se deve desenvolver segundo uma lei
particular das forças diagonais. Cada uma das particularidades físicas e
morais, que distinguem as diversas raças, oferece a este respeito um motor
especial; e tanto maior será a sua influência para o desenvolvimento comum,
quanto maior for a energia, número e dignidade da sociedade de cada uma
dessas raças. Disso necessariamente se segue que o português que, como
descobridor, conquistador e senhor, poderosamente influiu naquele
desenvolvimento, o português, que deu as condições e garantias morais e
físicas para um reino independente; que o português se apresenta como o
mais poderoso e essencial motor. Mas também de certo seria um grande erro
para todos os princípios da historiografia pragmática, se se desprezassem as
forças dos indígenas e dos negros importados, forças estas que igualmente
concorreram para o desenvolvimento físico, moral e civil da totalidade da
população. Tanto os indígenas como os negros reagiram sobre a raça
predominante.” (VON MARTIUS apud ROMERO, 1902, p. 13-14).

Von Martius estabelece um programa para uma historiografia pragmática, o


que no jargão do século XIX significa uma história capaz de instilar pedagogicamente
valores cívicos e patrióticos na população brasileira. Note que a linguagem conceitual

82
evoca a “física social” de Comte: o “motor” da história do Brasil seria a “força diagonal”
composta (pelos vetores) do “movimento” histórico particular de cada raça.
Tal modelo “explicativo” da história nacional sofrerá uma modificação radical
nas mãos de Sílvio Romero, influente crítico literário brasileiro do final do século XIX,
e expoente da geração intelectual de 1870. No século XIX, a literatura era vista como
a síntese da cultura nacional, e a crítica literária alçava-se ao estatuto de uma crítica
da cultura com pretensões ao foro de ciência social de inspiração darwiniana.

“Pois bem, se procurarmos numa fórmula genérica e exata definir a psicologia


do povo brasileiro; se intentarmos, segundo a velha frase consagrada,
penetrar na consciência nacional, para apreender-lhe os contornos e a
moldura, muito atilados seremos, se conseguirmos o nosso anelo.
Povo que descendemos de um estragado e corrupto ramo da velha raça
latina, a que juntara-se o concurso de duas das velhas raças mais degradadas
do globo, os negros da costa e os peles-vermelhas da América, nós ainda não
nos distinguimos por uma só qualidade digna de apreço, a não ser o fraco
lastimável de mascarar-nos de grandezas que não nos assentam, imitando,
macaqueando sem alvo nem critério todos os vícios e loucuras que trazem
uma etiqueta de Paris!
O servilismo do negro, a preguiça do índio e o gênio autoritário e tacanho do
português produziram uma nação informe, sem qualidades fecundas e
originais. […] As três raças que constituíram o povo brasileiro ainda não se
embeberam de todo entre si.
Além de ser ainda tosca a formação do mestiço, os três povos distintos, como
no primeiro século da conquista, ainda acampam um ao lado do outro. […] O
povo brasileiro não é pois, um povo feito, um tipo étnico definido, determinado
original. Poderá vir a sê-lo um dia, e nós o cremos; esta é a obra dos séculos
por vir. O gênio brasileiro não achou ainda o seu caminho; é por isso que não
temos uma indústria nossa, uma literatura nossa, uma arte, uma filosofia
nossas; vivemos de contrafações do pensamento alheio […]. É por isso que
não temos, nunca tivemos, uma opinião pública esclarecida em política, nem
uma intuição literária própria. Ainda entre nós as três raças, não
desapareceram confundidas num tipo novo, e este trabalho será lentíssimo.
Por enquanto a mescla nas cores e a confusão nas ideias é o nosso
apanágio.” (ROMERO, 1902, p. 266-267).

Influenciado pelo positivismo, mas sobretudo pelo darwinismo social, Romero


formulará uma versão negativa do mito do encontro das três raças, cuja repercussão
pode ser observada ainda hoje. Entretanto, essa ainda não é a versão mais perversa
do mito. Note que Romero valoriza a miscigenação como matriz de uma autenticidade
brasileira capaz de romper a subalternidade cultural em relação à Europa.
Apesar de tudo, Romero concebe a raça como entidade histórica que encarna
o modo de ser de uma população definido por características hereditárias moldadas
pela genética e pela adaptação ambiental. Essa concepção é ligeiramente distinta

83
desta que pautou o movimento eugenista brasileiro do começo do século XX, este que
advogava políticas públicas para o “branqueamento” da população brasileira.

Para saber mais sobre isso, nada melhor do que começar ouvindo a antropóloga
e historiadora Lilia Schwarcz sobre a entrada das teorias raciais no Brasil, no seu
próprio canal no Youtube. Ela é a autora do estudo pioneiro sobre este assunto
no país – O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil
(1870-1930) –, publicado pela primeira vez em 1993. Além disso, assista a
Racismo: uma história (documentário em 3 episódios da BBC), compartilhado e
comentado pela professora Joelza Rodrigues em seu blog profissional.

Coube a Gilberto Freyre (1900-1987), em Casa Grande & Senzala, de 1933,


hoje um clássico da sociologia brasileira, como que a última pá de cal sobre o estatuto
científico dessas teorias. Freyre registrou o seu testemunho a respeito deste debate
no prefácio original do livro, fazendo dele uma espécie de grande resposta ao
movimento eugenista, e um documento importante da nossa história.

“Era como se tudo dependesse de mim e dos de minha geração; da nossa


maneira de resolver questões seculares. E dos problemas brasileiros,
nenhum que me inquietasse tanto como o da miscigenação. Vi uma vez,
depois de mais de três anos maciços de ausência do Brasil, um bando de
marinheiros nacionais – mulatos e cafuzos – descendo não me lembro se do
São Paulo ou do Minas pela neve mole de Brooklyn. Deram-me a impressão
de caricaturas de homens. [...] A miscigenação resultava naquilo. Faltou-me
quem me dissesse então, como em 1929 Roquette-Pinto aos arianistas do
Congresso Brasileiro de Eugenia, que não eram simplesmente mulatos ou
cafuzos os indivíduos que eu julgava representarem o Brasil, mas cafuzos e
mulatos doentes.
Foi o estudo de antropologia sob a orientação do professor Boas que primeiro
me revelou o negro e o mulato no seu justo valor – separados dos traços de
raça os efeitos do ambiente ou da experiência cultural. Aprendi a considerar
fundamental a diferença entre raça e cultura; a discriminar entre os efeitos de
relações puramente genéticas e os de influências sociais, de herança cultural
e de meio. Neste critério de diferenciação fundamental entre raça e cultura
assenta todo o plano deste ensaio. Também no da diferenciação entre
hereditariedade de raça e hereditariedade de família.
Por menos inclinados que sejamos ao materialismo histórico, tantas vezes
exagerado nas suas generalizações – principalmente em trabalhos de
sectários e fanáticos – temos que admitir influência considerável, embora
nem sempre preponderante, da técnica da produção econômica sobre a
estrutura das sociedades; na caracterização da sua fisionomia moral. É uma
influência sujeita a reação de outras; porém poderosa como nenhuma na
capacidade de aristocratizar ou de democratizar as sociedades; de
desenvolver tendências para a poligamia ou a monogamia; para a
estratificação ou a mobilidade. Muito do que se supõe, nos estudos ainda tão
flutuantes de eugenia e de cacogenia, resultado de traços ou taras

84
hereditárias preponderando sobre outras influências, deve-se antes associar
à persistência, através de gerações, de condições econômicas e sociais,
favoráveis ou desfavoráveis ao desenvolvimento humano” (FREYRE, 2003,
p. 31).

Casa Grande & Senzala não é um texto de sociologia acadêmico-universitária,


mas um ensaio sociológico-literário sobre a origem da família patriarcal no Brasil.
Freyre preferia se dizer um escritor com formação sociológica, formação esta que faz
questão de destacar neste prefácio. Note como ele habilmente incorpora a teoria
antropológica e sociológica da época – de Boas e Marx.
Ao distinguir raça e cultura, herança genética e herança material, Freyre ainda
utiliza uma linguagem próxima da dos darwinistas sociais, ainda utiliza um esquema
narrativo que privilegia o “encontro das três raças”, entretanto, – e isso é importante –
apenas como ponto de partida e moldura para um trabalho investigativo e especulativo
de grande profundidade histórica e sociológica.

É importante que no tocante à sociologia brasileira você se familiarize com a obra


de Gilberto Freyre. Pode lhe ajudar nesse sentido assistir aos dois blocos do
programa Imagem da Palavra sobre Casa Grande & Senzala produzidos pela
Rede Minas.em 2013, e ainda ao episódio completo do programa Globo Ciência
sobre Gilberto Freyre, de 2009.

Entretanto – e isso pode ser difícil de perceber a princípio –, nenhum desses


autores postula a matriz do povo brasileiro no “encontro das três raças” enquanto um
mito. Todos eles o fazem como um modelo explicativo ancorado por uma teoria
centrada no conceito de raça. Paralelamente, esse modelo é vulgarizado na vida
social, escapando ao debate intelectual, e sobrevivendo a despeito das correções na
teoria.
Os eugenistas falharam, mas souberam capitalizar sobre o darwinismo social
para pressionar politicamente a adoção de políticas de segregação racial no país. Na
contramão desse movimento, os governos de Getúlio Vargas depois da revolução de
1930 transformarão parte dos argumentos de Freyre propaganda política. Diga-se de
passagem, uma propaganda responsável pela difusão do mito da democracia racial.

85
Nenhum desses autores criou o mito do “encontro das três raças”, nem os governos
de Getúlio Vargas criaram o mito da democracia racial. Porque um mito não se cria,
não nasce, apenas toma forma. Diferentes instituições adotam o mito, sustentam
interesses e crenças ligadas à sua manutenção. Porém, a rigor, não o controlam.
Porque o mito é um produto da vida social, ainda que não tenha sido completamente
inventado por ela.

6.3 O MITO DA DEMOCRACIA RACIAL

Em Casa Grande & Senzala, Gilberto Freyre descreve com riqueza de


detalhes nunca antes alcançada os horrores da escravidão no Brasil e aqueles
aspectos da cultura brasileira de matriz africana e portuguesa. A tese principal do livro
é que a escravidão no Brasil aproximou as diferentes raças de um modo mais íntimo
e intenso, embora não menos violento, que nos Estados Unidos e outras partes do
mundo.
A escravidão, mais do que o encontro das raças, é o eixo da explicação
freyriana. Nisso ele é tributário de um outro importante precursor da sociologia
brasileira, quem primeiro formulou a ideia da escravidão como uma estrutura social
duradoura, transcendendo a sua existência como forma de trabalho e sistema de
produção: Joaquim Nabuco (1849-1910).

“A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional


do Brasil. Ela espalhou por nossas vastas solidões uma grande suavidade;
seu contato foi a primeira forma que recebeu a natureza virgem do país, e foi
a que ele guardou; ela povoou-o. como se fosse uma religião natural e viva,
com os seus mitos, suas legendas, seus encantamentos; insuflou-lhe sua
alma infantil, suas tristezas sem pesar, suas lágrimas sem amargor, seu
silêncio sem concentração, suas alegrias sem causa, sua felicidade sem dia
seguinte… É ela o suspiro indefinível que exalam ao luar as nossas noites do
Norte. Quanto a mim, absorvi-a no leite preto que me amamentou; ela
envolveu-me como uma carícia muda toda a minha infância; aspirei-a da
dedicação de velhos servidores que me reputavam o herdeiro presuntivo do
pequeno domínio de que faziam parte. Entre mim e eles deve ter-se dado uma
troca contínua de simpatia, de que resultou a terna e reconhecida admiração
que vim mais tarde a sentir pelo seu papel. Este pareceu-me, por contraste
com o instinto mercenário da nossa época, sobrenatural à força de
naturalidade humana, e no dia em que a escravidão foi abolida, senti
distintamente que um dos mais absolutos desinteresses de que o coração
humano se tenha mostrado capaz não encontraria mais as condições que o
tornaram possível” (NABUCO, 1949 [1900], p.182).

86
Findo o período da escravidão, o padrão de relações sociais urdido em seus
meandros caracterizaria de forma singular a sociedade, atenuando as distâncias
sociais e culturais. Essa seria, por assim dizer, a vantagem da cultura brasileira sobre
a cultura de outros países que no passado implantaram o regime escravista. E embora
essa não seja uma ideia defendida no livro, Freyre a corroborou em sua vida pública.
Novamente, um modelo teórico explicativo transcende o debate intelectual e
adquire uma vida própria no mundo social sob a forma do mito. Se o mito das três
raças se difundiu sobretudo como uma espécie de “pecado original” da sociedade
brasileira, o mito da democracia racial representou por um tempo a sua expiação. Logo
após a Segunda Guerra Mundial, o Brasil era tido como um exemplo nesse sentido.
Apesar das sucessivas gerações de sociólogos e antropólogos desmentirem
a ideia, evidenciando, descrevendo e analisando conflitos de caráter racial no Brasil;
apesar do teatro, da literatura, e dos movimentos sociais o denunciarem e criticarem
duramente, o mito democracia racial permaneceu como um importante pilar ideológico
dos governos brasileiros no século XX, e um ativo da diplomacia brasileira.
Depois da Conferência de Durban em 2001, no final de seu segundo mandato,
Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro Presidente da República a reconhecer
oficialmente a existência de preconceito racial no Brasil, dando início a um programa
de ações afirmativas que seria encampado e desenvolvido em seguida pelo próximo
presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva.

6.4 O MITO DA CORDIALIDADE BRASILEIRA

Os mitos anteriores dizem respeito à formação da matriz étnica do povo


brasileiro e à estrutura das relações entre os principais grupos que a compõe,
enquanto este diz respeito ao modo de ser dos brasileiros. Qual seria a principal
característica da sociabilidade brasileira? Qual seria a forma típica das relações
interpessoais na nossa sociedade? E o que isso significa?
O mito da cordialidade brasileira consiste naquela prefiguração de narrativas
que sustentam que o brasileiro é em essência mais passional e menos racional dodo
que os representantes de outros povos. Pode ser que, ao contrário dos mitos
mencionados antes, este tenha um fundamento empírico mais próximo da nossa

87
experiência cotidiana. Mas também foi impulsionado por leituras equivocas da
sociologia.
A explicação do caráter nacional é possível dentro de uma teoria sociológica,
dentro da qual aliás é debatido é um fator mais ou menos determinante do
funcionamento das instituições. Testemunho da predominância do mito da
cordialidade como explicação do caráter nacional brasileiro é o fracasso de
caracterizações alternativas como a do modernista Paulo Prado (1869-1943) em
Retrato do Brasil, de 1928.
Talvez nada seja mais estranho para nós do que a afirmação de que o
brasileiro é essencialmente um povo triste. O livro de Paulo Prado tem o subtítulo de
“ensaio sobre a tristeza brasileira”, e misturando prosa literária, pesquisa histórica e
vagas ideias sociológicas, busca sustentar precisamente essa caracterização. Chega
a comparar o povo brasileiro ao jaburu: ave avantajada, mas estagnada e cabisbaixa.
O diagnóstico de Paulo Prado na verdade simboliza a angústia das elites
intelectuais e políticas brasileiras diante de uma sociedade que ainda era
predominantemente rural e arcaica. Gilberto Freyre assume uma visão muito distinta,
partindo da cultura popular, caracterizando nossa sociabilidade pela presença de
“antagonismos em equilibro”, na feliz expressão do antropólogo Ricardo Benzaquen
de Araújo.
Em meados da década de 1930, um livro moveu essa reflexão do âmbito da
cultura em geral para o da cultura política em específico: Raízes do Brasil, de Sérgio
Buarque de Holanda, publicado pela primeira vez em 1936. O seu ponto de partida é
a análise da relação entre sociabilidade e instituições políticas no Brasil e na Europa.

“A tentativa de implantação da cultura europeia em extenso território,


dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à
sua tradição milenar, é, nas origens da sociedade brasileira, o fato
dominante e mais rico em consequências. Trazendo de países distantes
nossas formas de convívio, nossas instituições, nossas ideias, e timbrando
em manter tudo isso em ambiente muitas vezes desfavorável e hostil,
somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra. […] Precisamente a
comparação entre elas e as da Europa de além-Pirineus faz ressaltar uma
característica bem peculiar à gente da península Ibérica, uma característica
que ela está longe de partilhar, pelo menos na mesma intensidade, com
qualquer de seus vizinhos do continente. É que nenhum desses vizinhos
soube desenvolver a tal extremo essa cultura da personalidade que parece
constituir o traço mais decisivo na evolução da gente hispânica, a desde
tempos imemoriais. […] É dela que resulta largamente a singular tibieza das
formas de organização, de todas as associações que impliquem
solidariedade e ordenação entre esses povos. Em terra onde todos são

88
barões não é possível acordo coletivo durável, a não ser por uma força
exterior respeitável e temida” (HOLANDA, 1995, p. 31).

A matriz da cultura brasileira não seria centro-europeia, mas ibérica. A


principal característica dessa matriz transposta para o ambiente brasileiro através da
colonização seria a cultura da personalidade ou personalismo: maneira de agir, pensar
e sentir que valoriza sobremaneira a dimensão da pessoa, a tudo concebendo e
interpretando de forma pessoal.
Disso deriva uma tendência específica ao autoritarismo, na medida em que a
autoridade fundada em princípios abstratos e impessoais se veria prejudicada. Até aí
essa seria uma herança cultural da matriz ibérica, ligada a diversos fenômenos como
o clientelismo, o favoritismo, o coronelismo, etc. A cultura brasileira todavia era distinta
da cultura ibérica num aspecto específico que lhe seria singular: a cordialidade.

“Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a


civilização será de cordialidade – daremos ao mundo o ‘homem cordial’. A
lhaneza no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por
estrangeiros que nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do
caráter brasileiro, na medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda
a influência ancestral dos padrões de convívio humano, informados no meio
rural e patriarcal. Seria engano supor que essas virtudes possam significar
‘boas maneiras’, civilidade. São antes de tudo expressões legítimas de um
fundo emotivo extremamente rico e transbordante. Na civilidade há qualquer
coisa de coercitivo – ela pode exprimir-se em mandamentos e em
sentenças. Entre os japoneses, onde, como se sabe, a polidez envolve os
aspectos mais ordinários do convívio social, chega a ponto de confundir-se,
por vezes, com a reverência religiosa. Já houve quem notasse esse fato
significativo, de que as formas exteriores de veneração à divindade, no
cerimonial xintoísta, não diferem essencialmente das maneiras sociais de
demonstrar respeito.
Nenhum povo está mais distante dessa noção ritualista da vida do que o
brasileiro. Nossa forma ordinária de convívio social é, no fundo, justamente
o contrário da polidez. […] Nada mais significativo dessa aversão ao
ritualismo social, que exige, por vezes, uma personalidade fortemente
homogênea e equilibrada em todas as suas partes, do que a dificuldade em
que se sentem, geralmente, os brasileiros, de uma reverência prolongada
ante um superior. Nosso temperamento admite fórmulas de reverência, e
até de bom grado, mas quase somente enquanto não suprimam de todo a
possibilidade de convívio mais familiar. A manifestação normal do respeito
em outros povos tem aqui sua réplica, em regra geral, no desejo de
estabelecer intimidade. E isso é tanto mais específico, quanto se sabe do
apego frequente dos portugueses, tão próximos de nós em tantos aspectos,
aos títulos e sinais de reverência” (HOLANDA, 1995, p. 146-147).

A noção de cordialidade formulada por Sérgio Buarque de Holanda foi muito


mal interpretada à época, confundida como sinônima de bondade ou de pura
passionalidade. O mito da cordialidade brasileira ou do brasileiro como “homem
89
cordial” por excelência se identificou de forma mais explicita àquele primeiro sentido,
pela própria conotação da palavra no nosso português.
A raiz da palavra em todo caso é o termo cór, que significa coração em latim.
Nesse sentido, cordial não designa aquele que age com bondade, e sim com o
coração. Coração que, segundo uma antiga teoria dos sentimentos morais, é a sede
das emoções e dos sentimentos, tanto bons, quanto ruins. Sérgio Buarque utiliza o
termo certamente nesse sentido, mas como conceito, o usa para designar algo
específico.
A cordialidade buarqueana se refere precisamente à demanda por intimidade
pessoal que caracterizaria as nossas relações sociais. A cordialidade brasileira seria,
por sua vez, o desenvolvimento autônomo e singular da cultura da personalidade de
matriz ibérica em nosso ambiente social. Perceba como as ideias de Sérgio Buarque
e Gilberto Freyre se complementam nesse sentido.

É importante que no tocante à sociologia brasileira você se familiarize com a obra


de Sérgio Buarque de Holanda. Raízes do Brasil fez 80 anos de sua publicação
original em 2016, e então vários especialistas na obra do autor apareceram na
mídia a fim de apresentar e comentar a obra para um público leigo. Aproveite e
assista à fala do sociólogo Pedro Meira Monteiro sobre Raízes do Brasil para o
jornal Nexo. Depois você pode assistir a Lilia Schwarcz sobre Raízes do Brasil
em 2018, num episódio do programa do Clube do Livro, da revista Veja. Os dois
são os organizadores da reedição comemorativa do livro, que documenta as
reedições e interpretações do livro ao longo do século XX.

O mito da cordialidade brasileira esteve associado ao longo de todo o século


XX à ideia de bondade e gentileza mais explicitamente. Em parte isso continua. Mais
recente, porém, é uma outra forma que o mito assumiu em nossa sociedade: a
prefiguração de narrativas que atribuem a totalidade dos problemas políticos e sociais
do país a essa característica típica da nossa sociabilidade.
A sociabilidade brasileira é por essa via entendida como essencialmente
desonesta, interesseira e corrupta no sentido que este termo possui no mundo político.
O mito despreza e obscurece as dinâmicas estruturais do capitalismo, de um lado, e

90
da desigualdade social brasileira, de outro. O capitalismo é um fenômeno global, de
modo que a sociologia brasileira se volta mais para esse segundo aspecto da teoria.

6.5 O PROBLEMA DA DESIGUALDADE SOCIAL BRASILEIRA

O conceito de desigualdade social tem origem no socialismo do século XIX.


Ele parte do princípio de que a propriedade privada não é natural, que o seu
estabelecimento e acumulação se dá de forma desigual em função da manutenção do
privilégio de grupos específicos. Todas as teorias da desigualdade social, seja na
economia, seja na sociologia, vão buscar então explicar, criticar e mitigar essa
situação.
Autores mais recentes, como Jessé de Souza, sociólogo e ex-diretor do
Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), órgão do governo federal
dedicado a dar suporte estatístico e científico às ações do Ministério do Planejamento,
tem rebatido algumas das premissas dos clássicos da sociologia brasileira, em
especial, Sérgio Buarque de Holanda.
A tese de que o personalismo e a cultura da cordialidade teriam deformado a
constituição de um Estado burocrático moderno no Brasil foi sugerida por Sérgio
Buarque, embora tenha sido articulada por Raymundo Faoro (1925-2003) em Os
Donos do Poder, livro de 1958. A crítica de Jessé de Souza se dirige sobretudo a
Faoro, por interpretar o Estado brasileiro como desviante tendo como caso normal os
EUA.

“Foi a partir da leitura da obra de Gilberto Freyre, especialmente de seu


melhor livro, Sobrados e mutambos, que me veio a ideia de que a
interpretação dominante do Brasil moderno poderia e deveria ser refeita. A
descrição freyriana do processo de modernização brasileiro mostrava a
importação não só de roupas e salamaleques europeus, mas de instituições
fundamentais do mundo moderno como um incipiente mercado competitivo
e Estado centralizado. A tese do personalismo e da ‘teoria emocional da
ação’ interpretava e interpreta a dinâmica dessas instituições como se elas
não desempenhassem qualquer papel importante na redefinição da
estrutura social e no desempenho dos papéis sociais concretos” (SOUZA,
2006, p. 55 et. seq.).

Essa nova teoria da desigualdade social brasileira redefine os termos do


problema. As condições sociais que respondem pela nossa desigualdade não tem a
ver com a formação do Estado, não tem a ver com as características da nossa
91
singularidade cultural, mas como o modo como as classes sociais no país foram se
integrando à economia capitalista moderna.

“Gostaria de tentar demonstrar como a naturalização da desigualdade social


e a consequente produção de ‘subcidadãos’ como um fenômeno de massa,
em países periféricos de modernização recente como o Brasil, pode ser mais
adequadamente percebida como consequência, não de uma suposta
herança pré-moderna e personalista, mas precisamente do fato contrário,
ou seja, como resultante de um efetivo processo de modernização de
grandes proporções que se implanta paulatinamente no país a partir de
inícios do século XIX.” (SOUZA, 2006, p.23-24)

Por essa via, Jessé de Souza recupera e aprofunda as análises do Florestan


Fernandes (1920-1995) de A integração do negro na sociedade de classes, um estudo
pioneiro sobre estratificação e integração social no país, publicado em 1964. O livro
apresenta o resultado das pesquisas de Florestan em São Paulo, capital industrial do
país, e mostra as contradições do início do mercado de trabalho pós-abolição.
Com base em estatísticas e depoimentos dos setores negros e mestiços da
classe trabalhadora em São Paulo, Florestan argumenta como os descendentes dos
ex-escravos libertos ingressaram na nova ordem capitalista com uma brutal
desvantagem cognitiva. Enquanto a elite culta e a classe média absorviam os valores
do capitalismo, parte da classe trabalhadora sentia isso como continuação do
escravismo.

“O dado essencial de todo o processo de desagregação da ordem servil e


senhorial foi, como nota corretamente Florestan, o abandono do liberto à
própria sorte (ou azar). Os antigos senhores, na sua imensa maioria, o
Estado, a Igreja, ou qualquer outra instituição jamais se interessaram pelo
destino do liberto. Este, imediatamente depois da abolição, se viu, agora,
responsável por si e por seus familiares, sem que dispusesse dos meios
materiais ou morais para sobreviver numa nascente economia competitiva
de tipo capitalista e burguês. Ao negro, fora do contexto tradicional, restava
o deslocamento social na nova ordem. Ele não apresentava os pressupostos
sociais e psicossociais que são os motivos últimos do sucesso no meio
ambiente concorrencial. Fatava-lhe vontade de se ocupar com as funções
consideradas degradantes (que lhe lembravam o passado) – pejo que os
imigrantes italianos, por exemplo, não tinham –, não eram suficientemente
industriosos nem poupadores, e, acima de tudo, faltava-lhes o aguilhão da
ânsia pela riqueza. Nesse contexto, acrescentando-se a isso o abandono
pelos antigos donos e pela sociedade como um todo, estava de certo modo,
prefigurado o destino da marginalidade social e da pobreza econômica”
(SOUZA, 2006, 55 et. seq.).

92
É aí que a teoria sociológica se distingue e complementa a luta política,
evitando reduzir a desigualdade social ao preconceito racial, e enfatizando a sua
dimensão estrutural e de classe. Como você pode ver pelo infográfico que abre a
unidade, os dados estatísticos mostram que a desigualdade é real e possui um
aspecto racial. Mas este não é a causa do problema, senão o efeito de uma fraca
integração social.

O modo como o tema da desigualdade social se encaminha nesta unidade leva


novamente ao tema da educação. Você consegue perceber agora como a
proposta de uma educação libertadora atualmente não se limita a uma dimensão
intelectual e cognitiva? Qual o papel da educação hoje como instrumento de
integração social? Quais os obstáculos a isso hoje na sociedade contemporânea?

93
1. Gilberto Freire, no livro Casa Grande e Senzala, analisa aspectos das relações inter-
raciais no Brasil. Considerando a
maneira como esse autor desenvolve, em sua análise, o mito da harmonia entre as
três raças que constituíram a nação brasileira, assinale a opção correta.
A) Segundo esse autor, a miscigenação produz uma sociedade singular nos trópicos,
caracterizada principalmente pela
convivência pacífica entre as raças.
B) A análise de Gilberto Freire está focada na idéia de dissidência entre as três raças,
o que constitui o principal ponto de conflito da nação brasileira.
C) No mito da harmonia racial, Gilberto Freire sugere a preponderância absoluta do
elemento branco sobre os negros e os índios.
D) O preconceito racial é, segundo esse autor, um elemento fundador do mito da
nação brasileira.
E) Para o autor, o fenômeno da miscigenização indica um desequilíbrio entre as três
raças constitutivas da nação brasileira.

2. Em Casa-Grande & Senzala, Gilberto Freyre oferece uma interpretação da


formação da sociedade brasileira, destacando as características do patriarcado
brasileiro e o processo de interpenetração de etnias e culturas. Nesse processo de
formação, o português, o índio e o escravo de origem africana exerceram influências
específicas. Considerando esse assunto e as idéias do autor citado, qual das opções
abaixo apresenta duas características que não podem ser atribuídas ao colonizador
português nesse processo de formação?
A) mobilidade e miscigenação
B) vulnerabilidade e preconceito étnico ou racial
C) adaptabilidade e aclimatabilidade
D) hibridização e preconceito religioso
E) flexibilidade e plasticidade

94
3. “O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração
de certos agrupamentos, decertas vontades particularistas, de que a família é o melhor
exemplo. Não existe, entre o círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes
uma descontinuidade e até uma oposição. A indistinção fundamental entre as duas
formas é prejuízo romântico que teve os seus adeptos mais entusiastas durante o
século XIX. De acordo com esses doutrinadores, o Estado e as suas instituições
descenderiam em linha reta, e por evolução simples, da família. A verdade, bem outra,
é que pertencem a ordens diferentes em essência. Só pela transgressão da ordem
doméstica e familiar é que nasce o Estado e que o simples indivíduo se faz cidadão,
contribuinte, eleitor, elegível, recrutável e responsável, ante as leis da cidade. Há
nesse fato um triunfo do geral sobre o particular, do intelectual sobre o material, do
abstrato sobre o corpóreo e não uma depuração sucessiva, uma espiritualização de
formas mais naturais e rudimentares, uma procissão das hipóstases, para falar como
na filosofia alexandrina. A ordem familiar, em sua forma pura, é abolida por uma
transcendência”.
– Sérgio Buarque de Holanda. Raízes do Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 141.
Com base no texto acima, assinale a opção correta.
A) A formação do Estado representa o surgimento de uma nova ordem independente
do círculo familiar.
B) O Estado é uma evolução natural da ordem doméstica e familiar.
C) A ordem familiar só pode existir em sua forma pura.
D) Indivíduo e cidadão são sinônimos.
E) As diferenças entre ordem familiar e ordem estatal são superficiais.

4. “Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização
será de cordialidade - dare-mos ao mundo o ‘homem cordial’. A lhaneza [afabilidade]
no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que
nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na
medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos
padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal. Seria engano
supor que essas virtudes possam significar ‘boas manei-ras’, civilidade. São antes
expressões de um fundo emo-tivo extremamente rico e transbordante. Nossa forma
ordinária de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da polidez”.

95
– HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995,
pp. 146-147.
Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda utiliza o conceito de “homem cordial”
A) para definir o caráter nacional brasileiro, cuja origem
encontra-se em nossos ancestrais ibéricos.
B) como fruto da análise da psicologia do brasileiro, por meio da qual busca
estabelecer os traços genéricos da cultura nacional.
C) para descrever o modo de ser de todo brasileiro, isto é, um indivíduo afetuoso e
acolhedor, características elogiadas pelos estrangeiros que visitam o país.
D) como um tipo ideal, sem existência efetiva; com esse conceito, busca compreender
a conduta dos agentes sociais sem pretender fixar um caráter nacional.
E) para indicar como a cordialidade foi imprescindível para a consolidação da
democracia no Brasil, criando instituições marcadas pelas relações familiares e pesso-
ais.

5. A obra de Jessé Souza tem inspirado as pesquisas recentes sobre a nova estrutura
de classes da sociedade brasileira. Dada a perspectiva adotada pelo autor, essas
pesquisas têm criticado:
A) o atraso histórico do Brasil em relação a países ple-namente modernos.
B) o caráter ideológico da interpretação patrimonialista sobre a formação social
brasileira.
C) a natureza populista dos programas estatais de redis-tribuição de renda.
D) a política clientelista que impossibilita o desenvolvi-mento de uma cidadania plena.
E) a exploração midiática da tese que caracteriza o es-paço público como ineficiente.

96
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103
GABARITO – FIXANDO O CONTEÚDO
UNIDADE 1 UNIDADE 2 UNIDADE 3
Questão 1 B Questão 1 D Questão 1 C
Questão 2 A Questão 2 A Questão 2 D
Questão 3 C Questão 3 C Questão 3 A
Questão 4 A Questão 4 A Questão 4 C
Questão 5 A Questão 5 B Questão 5 A

UNIDADE 4 UNIDADE 5 UNIDADE 6


Questão 1 C Questão 1 B Questão 1 A
Questão 2 A Questão 2 D Questão 2 B
Questão 3 D Questão 3 D Questão 3 A
Questão 4 C Questão 4 A Questão 4 D
Questão 5 C Questão 5 E Questão 5 E

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