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DE IPATINGA
SOCIOLOGIA
GOSHAI DAIAN LOUREIRO
1
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Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo aplicado
ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao lado dos textos. Eles são para
chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada uma com uma função
específica, mostradas a seguir:
2
Sumário
UNIDADE UMA INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA SOCIOLOGIA
1.1 As Ciências Humanas e a Sociologia 06
01
1.2. Fatos, Contextos e Níveis de Interpretação 08
1.3. Mito, Filosofia e Ciência 10
1.4. Matrizes Intelectuais, Origens Históricas e o Futuro da Sociologia 12
Fixando o Conteúdo 17
02
2.2. Alguns Conceitos Importantes: Lutas de Classes, Modo de Produção, Mais-Valia,
Fetichismo da Mercadoria, Reificação e Alienação 22
2.3. Algumas Dimensões Teóricas Importantes: O Materialismo Histórico e Dialético,
Conhecimento Contra Ideologia, Mudança Social e Revolução 26
2.4. Legado e Ressonância 29
Fixando o Conteúdo 32
03
3.1. De Marx a Durkheim: Uma Pré-História da Institucionalização da Sociologia 37
3.2. Uma Distinção Crucial: A Leitura de Durkheim na Sociologia e na Antropologia 38
3.3. Alguns Conceitos Importantes: Fato Social e Função do Fato Social,
Consciência e Representação Coletiva, Solidariedade Mecânica e Orgânica, Anomia 41
3.4. Algumas Dimensões Teóricas Importantes: Mudança Social,
Divisão Social do Trabalho, Coesão e Integração Social, Educação como Socialização 46
3.5. Legado e Ressonância 48
Fixando o Conteúdo 51
04
4.2. Alguns Conceitos Importantes: Ação Social e Sentido da Ação Social Afinidade
Eletiva, Tipos Ideais (De Dominação, Racionalidade e Organização Estatal) 56
4.3. Algumas Dimensões Teóricas Importantes: Modernização,
Capitalismo, Burocracia, Desencantamento do Mundo 57
4.4. Legado e Ressonância 60
Fixando o Conteúdo 61
05
5.1. Temas de Sociologia Contemporânea 65
5.2. Educação, Cultura e Estratificação social 65
5.2.1 A Instituição Escolar: Emancipadora ou Conservadora? 65
5.2.2 A Relação Entre a Escola e a Cultura Através da Sociologia de Pierre Bourdieu 68
5.3. Trabalho e Existência 70
5.4. Consumo, Identidade e Subjetividade 72
Fixando o Conteúdo 75
06
6.2. O Mito do Encontro das Três Raças 81
6.3. O Mito da Democracia Racial 86
6.4. O Mito da Cordialidade Brasileira 87
6.5. O Problema da Desigualdade Social Brasileira 91
Fixando o Conteúdo 94
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 97
3
CONFIRA NO LIVRO DIDÁTICO
5
1.1 AS CIÊNCIAS HUMANAS E A SOCIOLOGIA
O anti-intelectualismo e o negacionismo
são atitudes de desprezo pelo conhecimento,
fundadas no mau ceticismo e na ignorância.
6
Saiba “Por que a ativista Greta Thunberg é alvo de tanto ataque” nesta reportagem
de Camilo Rocha para o jornal Nexo; entenda “O mal-estar nas ciências humanas”
segundo Vladimir Safatle no seu artigo para a revista Cult; ouça essa análise do
negacionismo científico por Alberto Saa no canal Casa do Saber, do Youtube, em
“Terra Plana e Outras Teorias: Podemos Questionar a Ciência?”, e ainda sua breve
introdução a “O que é fato?” (com o historiador Saulo Goulart).
Neste último vídeo, perceba que o historiador Saulo Goulart toma “fato social”
como sinônimo de “fato histórico”. Cuidado: como você verá adiante nas próximas
unidades, em Sociologia este é um conceito específico, legado pela obra de um
sociólogo francês do final do século XIX, chamado Émile Durkheim. Essa variação
conceitual é normal. Toda área do conhecimento tem o seu jargão específico que
é partilhado pelos seus especialistas e representa o modo de pensar de uma
disciplina.
7
A sociologia é uma ciência em sentido amplo e as ciências humanas
constituíram sua variante do método científico tradicional que não é menos científica
por causa disso. Nesta unidade você aprenderá a concebê-las assim; entenderá a
correlação entre fatos, crenças e conhecimentos que caracteriza o conhecimento
científico; e por fim, será apresentado às principais matrizes históricas e filosóficas da
sociologia.
Assista a Kherian Gracher do canal SciFilo discutindo esta questão nos vídeos
“Definição Tradicional do Conhecimento” e “O que é Epistemologia (Teoria do
Conhecimento)?” Outro vídeo, “Metafísica na Filosofia”, de Cristiano Barroso do
canal Saber em Foco, pode ser lhe ser útil mais adiante.
9
1.3 MITO, FILOSOFIA E CIÊNCIA
10
alguma coisa no mundo. 3) […] Encontrando as recompensas ou castigos
que os deuses dão a quem os desobedece ou a quem os obedece. […]
Quais são as diferenças entre Filosofia e mito? […] O mito narrava a origem
através de genealogias e rivalidades ou alianças entre forças divinas
sobrenaturais e personalizadas, enquanto a Filosofia, ao contrário, explica a
produção natural das coisas por elementos e causas naturais e impessoais.
O mito não se importava com contradições, com o fabuloso e o
incompreensível, (…) A Filosofia, ao contrário, não admite contradições,
fabulação e coisas incompreensíveis, mas exige que a explicação seja
coerente, lógica e racional; além disso, a autoridade da explicação não vem
da pessoa do filósofo, mas da razão, que é a mesma em todos os seres
humanos. ” (CHAUÍ, 2000, p.32-33).
A distinção entre fatos humanos e naturais só pode nos parecer óbvio por que
vivemos numa sociedade na qual a ciência tem lugar central. Mas isso aconteceu aos
poucos, num processo longo processo que começa na filosofia grega da época antiga,
passa pela Revolução Científica (séculos XVI-XVIII), pelo Iluminismo (XVIII) e o
Positivismo (XIX) na época moderna, até fixar o atual binômio “ciência e tecnologia”
(C&T).
Embora possamos traçar a origem das ideias características da sociologia até
vários períodos da História desde a época antiga, sua identidade como disciplina
acadêmica e universitária data do século XIX. Esta identidade foi profundamente
influenciada por dois grandes movimentos intelectuais do início da época moderna e um
terceiro, seu contemporâneo: o Humanismo, o Iluminismo e o Positivismo.
No século XVI, o Humanismo – o equivalente filosófico do Renascimento (que
de fato foi um movimento artístico e estético) – impulsionou a libertação da filosofia do
domínio da teologia, com o seu antropocentrismo. Neste primeiro momento, os fatos
humanos serão objeto principal da filosofia moral e da história, enquanto os fatos
naturais permanecerão ainda em parte sob a alçada da teologia.
A Astronomia começará a se constituir numa disciplina autônoma ainda no
século XVI. Nos próximos três séculos, respectivamente, o mesmo ocorrerá com a
Física, a Química e a Biologia. Mais ou menos completo no fim do século XVIII, esse
processo é conhecido como Revolução Científica. Os outros dois grandes movimentos
intelectuais importantes para o surgimento da sociologia serão influenciados por ela.
Em que sentido? O Iluminismo, de um lado, radicalizou a crítica do Humanismo
à autoridade da religião, de outro, questionou a metafísica, louvando a Ciência, mais do
que somente o intelecto, como principal fonte de conhecimento sobre o mundo. O nome
12
do movimento, sinônimo de “esclarecimento”, diz bem qual era o seu propósito: difundir
o conhecimento científico para afastar as “trevas” da estupidez e da ignorância.
13
Que experimento científico está sendo representado nessa imagem? Por que ele
está sendo realizado na sala de jantar de uma casa e não em um laboratório? Há
alguma diferença entre a reação das crianças e dos adultos, dos homens/meninos
e das mulheres/meninas, diante do experimento? Este que parece o pai das
meninas (adulto n.2), o que ele está fazendo ali? Há algo verdadeiramente
sobrenatural nesta cena ou essa seria uma observação supersticiosa? Qual a
intenção do pintor ao representar um experimento científico numa atmosfera
gótica?
15
Anti-intelectualismo: suspeição ou hostilidade contra os intelectuais ou
profissionais do intelecto.
Cientificismo: crença exagerada na superioridade do método científico.
Negacionismo: distorção de fatos verídicos para negar determinado aspecto da
realidade.
Ceticismo: desconfiança ou recusa de verdades estabelecidas.
Indução (método): que formula princípios e leis gerais ou universais desde casos
particulares.
Hipotético-dedutivo (método): que prevê resultados particulares a partir de
modelos teóricos.
Experimental (método): que analisa um fato ou fenômeno em condições
estritamente controladas.
Positivismo: corrente filosófica do final do século XIX disseminada pela obra de
Comte;
Alegoria (figura de linguagem): tomar uma coisa, imagem ou ideia como o
símbolo de outra.
Metafísica: estudo ou teoria das categorias universais e imutáveis que
estruturam a realidade.
Ontologia: teoria ou estudo calcado na abstração da essência transcendental
dos fenômenos.
Teleologia: teoria ou estudo do propósito ou finalidade última e transcendental
dos fenômenos.
Imanente: que existe inseparável de uma realidade concreta passível de
experiência.
Transcendente: que existe para além de toda realidade concreta passível de
experiência.
Iluminismo: corrente filosófica do séc. XVIII manifesta nas ideias de Hume,
Montesquieu, Kant, etc.
Humanismo: corrente filosófica do século XVI manifesta nas ideias de Erasmo,
Montaigne, etc.
Antropocentrismo: concepção de mundo que valoriza o que é humano e
histórico;
Revolução Científica: separação do estudo do mundo natural da teologia no
início da época.
Dialético (método): que apreende a realidade humana a partir da síntese de
suas contradições.
Filosófico-hermenêutico (método): que sempre discute e reinterpreta seus
próprios conceitos.
Compreensivo (método): que apreende o sentido objetivo e subjetivo das ações
dos sujeitos.
16
1. O período entre os séculos XVI e XIX foi crucial na história do pensamento ocidental
e o surgimento das Ciências Sociais. Com referência aos marcos filosóficos
fundadores do pensamento social no Ocidente, assinale a opção correta.
a) O Iluminismo se opôs à crítica do Humanismo à autoridade da religião para explicar
o comportamento humano.
b) O Positivismo reforçou a postura civilizatória do Iluminismo ingênuo ao valorizar
somente o método científico tradicional.
c) O Humanismo renascentista postulou a suprema autoridade da Natureza divina que
se tornaria a base do Positivismo.
d) A tradição sociológica contemporânea é a soma dos movimentos filosóficos que a
precederam.
e) A sociologia se constitui como ciência através da negação dos movimentos
filosóficos que a precederam.
3. “As ciências sociais não são uma atividade puramente especulativa nem o simples
reflexo da vida social e política de uma dada época ou coletividade. As disciplinas
surgidas no século XIX, a partir de uma revolução multifacetada e de projetos de
colonização, devem seu desenvolvimento a um conjunto de condições intelectuais,
sociais e institucionais que ainda devem ser elucidadas. ”
Henry-C. Cuin e François Gresle. História da sociologia. São Paulo: Ensaio, 1994, p. 11
(Adaptado).
A partir do fragmento acima, analise os itens que se seguem, relacionados a aspectos
históricos das ciências sociais.
I) O advento das modernas tecnologias de informação coincidiu com o surgimento das
ciências sociais.
II) A colonização dos países de além-mar foi inspiradora para o surgimento da
antropologia.
III) Para os clássicos das ciências sociais era preciso explicar a passagem do mundo
tradicional para o mundo moderno.
IV) Os revolucionários da Revolução Francesa, como Danton e Robespierre, são os
grandes fundadores da sociologia.
17
V) Processos de insurgência na América Latina incentivaram o surgimento das
ciências sociais.
Estão certos apenas os itens
a) I e III.
b) I e IV.
c) II e III.
d) II e V.
e) IV e V.
18
UNIDADE
A TRADIÇÃO SOCIOLÓGICA
CLÁSSICA, PARTE I – MARX
19
2.1. UMA DISTINÇÃO CRUCIAL:
O MARXISMO COMO CULTURA POLÍTICA E TRADIÇÃO SOCIOLÓGICA
Que imagem você faz de Marx? O quadro acima se esforça por contextualizar
minimamente o pensamento de um autor que se encontra tão evidente em canecas,
camisetas e outras mídias, quanto nos currículos, nas bibliotecas e em famosos
logradouros públicos ao redor do mundo. Como uma disciplina de introdução à
sociologia para estudantes relativamente leigos, cumpre esclarecer certas confusões.
As menções a Marx em nossa vida social são muitas vezes apenas símbolos
de outras coisas que não necessariamente nos conduzem de volta aos seus textos e
ideias. A sociologia por seu turno é uma das disciplinas acadêmicas que há muito se
especializaram em refazer esse percurso, junto da história e da economia. Vejamos
algumas dessas aparições vulgares, o que elas sugerem sobre o autor e suas ideias.
20
sentido, ao menos em parte.
Marx não foi o líder de um Estado comunista, mas em seus escritos políticos,
postulou a estatização dos meios de produção mais tarde encampada por aqueles
líderes em seus países. Além disso foi como os demais uma figura de culto do
comunismo internacional do século XX. Apenas seria absurdo tomar a cena como
alegoria de uma total congruência das ideias dos personagens, extrapolando o
trocadilho.
Saibamos separar o que é de Marx do que não é de Marx: as ideias
“marxianas” (sim, esse é um termo utilizado na literatura acadêmica) dos diferentes
“marxismos”, políticos e sociológicos, que as sucederam. E a propósito, apontam para
algumas dessas ideias as camisetas acima que lhe atribuem certas frases. São suas
palavras mesmo? De que parte de sua obra? Onde as encontramos e o que dizem
ali?
“A luta de classes é o motor da história” pode ser entendida como uma
paráfrase da sentença de abertura da primeira seção do Manifesto Comunista: “Até
hoje, a história de toda sociedade é a história das lutas de classes”. A crítica aos
filósofos e os juízos sobre a dinâmica histórica reproduzem de forma quase literal
passagens-chave de A ideologia alemã e O 18 Brumário de Luís Bonaparte,
respectivamente.
Quem não reconhecer essas referências e não for capaz de acompanhá-las,
tenderá a confundir a luta de classes com a luta política; a conceber uma apologia da
ação em detrimento da contemplação; a crer que Marx afirme que a história é cíclica,
ou que uma força exterior dirija as ações humanas. Essas ideias possuem um sentido
mais sofisticado e preciso dentro da teoria marxiana.
E existem as camisetas que marcam uma posição contrária com palavras de
ordem. Você pode discordar da interpretação que Marx fez do capitalismo, mas dizer
que este o “deturpou” é encará-lo como um credo, não como um sistema econômico
e social. “Menos Marx, mais Mises”, onde? Em um curso de economia? Nas
universidades? Na agenda político-econômica do Estado brasileiro? Na vida social?
Um contraste entre as ideias de Karl Marx e Ludwig Von Mises (1881-1973),
exponente da escola austríaca de economia, não é um “jogo de soma zero”. Para os
que verdadeiramente buscam pensar uma teoria do valor, dos ciclos econômicos de
crescimento e crise, da organização da produção, e da distribuição de renda, Marx é
21
incontornável, como o restante dos economistas clássicos.
“A defesa da sentença ‘Menos Marx, Mais Mises’ não deve ser interpretada,
de modo algum, como um clamor por ‘Nenhum Marx, Apenas Mises’, nem
servir como justificativa para que o pensamento marxista não seja estudado
ou sofra algum tipo de censura que o proíba. […] Adotar uma postura
antimarxista radical, negligenciando as importantes contribuições filosóficas,
políticas e econômicas de Karl Marx para o pensamento ocidental, seria um
erro completamente inapropriado e injustificável. ” (CATHARINO, 2016, p.
10)
As classes sociais na sociologia marxista são definidas pela sua relação com os
meios de produção. A classificação corriqueira nos noticiários de economia – entre
as classes A, B, C, D e E – é um modelo relativo à renda e ao consumo. Os dois
modelos de classificação são congruentes, mas tem conotações políticas distintas.
O modelo economicista enfatiza a mobilidade social, enquanto o modelo marxista
enfatiza a dependência do, e as condições de trabalho. Do ponto de vista da luta
política, o primeiro é dispersivo, e o segundo, polarizador.
24
Esse fetichismo da(s) mercadoria(s) instalado no cerne da sociedade
capitalista é o resultado de uma condição de alienação inerente ao trabalho que é
essencial ao funcionamento do capitalismo moderno. Esta etapa do capitalismo se
caracterizou pela generalização do aspecto mercantil a todas as relações de produção
e pela transformação do próprio trabalho em mercadoria.
Quando a única forma que o trabalho assume para o trabalhador é a da
mercadoria, este se encontra, por assim dizer, alienado do seu próprio trabalho. A
condição essencial para a troca de mercadorias no capitalismo moderno é a
descaracterização de todo trabalho concreto, a sua transformação em trabalho
abstrato, abstraído do conjunto das experiências reais que ele um dia encarnou.
O trabalho que produziu a mercadoria e foi responsável por gerar o seu valor
existe no produto agora apenas como resíduo genérico, despojado das suas
particularidades afetivas, reconhecível apenas, nas palavras de Marx, como uma
“geleia de trabalho humano”. Talvez o exemplo mais dramático desse fenômeno tenha
sido registrado pela literatura, em As Vinhas da Ira, de John Steinbeck (1902-1968).
25
2.3 ALGUMAS DIMENSÕES TEÓRICAS IMPORTANTES: O MATERIALISMO
HISTÓRICO E DIALÉTICO, CONHECIMENTO CONTRA IDEOLOGIA,
MUDANÇA SOCIAL E REVOLUÇÃO
Marx foi um herdeiro dos ideais iluministas que criticou as próprias bases do
conhecimento filosófico de sua época. O principal alvo de suas críticas nesse sentido
foi a dialética filosófica de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). Na mocidade,
Marx foi um “jovem hegeliano” na Alemanha. Quando se muda para a França e trava
contato com Friedrich Engels, aprofundando o seu envolvimento com o movimento
operário, Marx terminará por formular, alternativamente, uma filosofia da práxis.
Em 1846 os dois concluíram um manuscrito alinhavando as suas críticas à
filosofia alemã que, entretanto, não encontrou editor à época, somente sendo
publicado postumamente em 1932, sob o título A ideologia alemã. A sua crítica
consistia em denunciar o aspecto abstrato do hegelianismo, postulando uma inversão
da sua lógica dialética, sem, todavia, descartá-la.
A dialética era o método filosófico praticado por Platão e inspirado por
Sócrates. Trata-se de apresentar uma ideia e desenvolvê-la em diálogo com ideias
contrárias que aos poucos se complementam até alcançar o que é essencial, que não
varia conforme as circunstâncias. Hegel interpretou a dialética não apenas como um
método argumentativo, mas como uma forma de compreender o movimento da
história.
O principal exemplo da dialética histórica de Hegel é a sua teoria do Estado.
Para Hegel, a família corresponde à ordem moral primeira, original e natural, da qual
decorre, por agregação, a sociedade civil, enquanto a associação dos indivíduos que
se regem por regras impessoais e universais, independente de seus pertencimentos
familiares. O conflito dialético entre família e sociedade civil culminaria no Estado.
Marx reconhece o curto circuito nessa explicação. Hegel pressupõe o Estado
como o gestor do direito público e privado, e isso faz com que ele busque,
retroativamente, na família e na sociedade civil, em abstrato, a sua gênese.
“Falta a Hegel, em verdade, não uma boa lógica, mas um modo de determinar
‘a maneira racional, adequada, de subsunção’, quer dizer, um critério que dê a
cada categoria lógica uma necessidade ontológica. Para Marx, um tal critério,
se desenvolvido no interior do próprio pensamento, produz apenas
tautologias, razão pela qual ele deve ser buscado na realidade empírica.
26
Assim, libertado de sua redução especulativa a simples ‘manifestação’ a Ideia
lógica, e reconduzido à sua posição originária como verdadeiro sujeito, caberá
ao próprio real a tarefa de guiar com segurança o pensamento rumo a sua
realização” (ENDERLE, 2010, formato ebook).
27
“[…] na produção social da própria existência, os homens entram em relações
determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações
de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de
suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção
constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se
eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas
sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material
condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser
social que determina sua consciência. Em uma certa etapa de seu
desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em
contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais
que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais
elas se haviam desenvolvido até então. De formas evolutivas das forças
produtivas que eram, essas relações convertem-se em entraves. Abre-se,
então, uma época de revolução social. A transformação que se produziu na
base econômica transforma mais ou menos lenta ou rapidamente toda a
colossal superestrutura. […] Do mesmo modo que não se julga o indivíduo
pela ideia que de si mesmo faz, tampouco se pode julgar uma tal época de
transformações pela consciência que ela tem de si mesma. É preciso, ao
contrário, explicar essa consciência pelas contradições da vida material, pelo
conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de
produção. Uma sociedade jamais desaparece antes que estejam
desenvolvidas todas as forças produtivas que possa conter, e as relações de
produção novas e superiores não tomam jamais seu lugar antes que as
condições materiais de existência dessas relações tenham sido incubadas no
próprio seio da velha sociedade. Em grandes traços, podem ser os modos de
produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno designados como outras
tantas épocas progressivas da formação da sociedade econômica” (MARX,
2008 [1859], p. 47-48).
28
dominante.
Ao analisar a história econômica e social desde a antiguidade até a sua época,
Marx acreditava não só ser possível de descrever o processo que levou ao surgimento
do capitalismo, como aquele que levaria à sua necessária superação.
30
Marxiano vs. marxismo e marxista: termos que distinguem entre as ideias de
Marx e a partir dele.
Jogo de soma 0: operação em que o sucesso de um lado equivale ao fracasso
do outro.
Meios de produção: conceito que abarca força de trabalho e forças produtivas
na teoria marxista.
História universal: perspectiva teórica da totalidade dos fatos humanos em
todas as épocas.
Economia política: estudo da produção e comércio ligado ao governo e a
distribuição da riqueza.
Reificação: visão das ideias e das relações sociais como coisas fechadas e
autodeterminadas.
Grande Depressão: grave período de crise econômica nos EUA que sucedeu à
crise de 1929.
Práxis: a atividade humana percebida do ponto de vista da relação dialética entre
teoria e prática.
Dialética: observação da dimensão essencialmente conflituosa e contraditória
dos fatos humanos.
Tautologia: erro de lógica que enuncia resposta ou prova apenas repetindo as
premissas.
Bolchevismo: doutrina política associada aos bolcheviques da Revolução Russa
de 1917.
Ideologia de gênero: falácia de atribuir a identidade sexual desviante a
influências ideológicas.
31
1. Karl Marx foi profundamente influenciado pela tendência historicista do pensamento
social alemão. De acordo com essa tendência, a existência social é um processo, cada
período histórico e cada estrutura social são únicos e devem ser entendidos por meio
de leis que valem somente para eles. Marx, em seus estudos sobre a dinâmica
capitalista, rompe a seu modo com esse postulado. Considerando as reflexões de
Marx acerca desse tema, julgue os itens a seguir.
I. Marx rejeitou a interpretação predominantemente idealista do historicismo no que
tange ao conteúdo do processo social, afirmando que os acontecimentos decisivos se
dão no âmbito das relações sociais, e não na esfera da evolução das ideias.
II. Marx considerava o capitalismo apenas como um sistema econômico, sem
considerar seus efeitos sobre fenômenos tais como a ciência e a tecnologia.
III. Marx se preocupou em explicar o desenvolvimento de um sistema econômico que
combina os seguintes atributos: concentração dos meios de produção nas mãos de
um pequeno segmento da população; realização do trabalho por uma massa de
trabalhadores livres; incessante inovação técnica do sistema de produção; ganho
ilimitado como objetivo da ação econômica.
IV. A ação social, segundo Marx, guia-se exclusivamente pelo interesse de classe,
não havendo possibilidade de que esta seja influenciada por crenças e visões de
mundo, isto é, por ideologias.
Estão certos apenas os itens
A) II e III.
B) I e IV.
C) II, e IV.
D) I e III.
E) I e II.
2. Onde quer que tenha conquistado o poder, a burguesia calcou aos pés as relações
feudais, patriarcais e idílicas. Todos os complexos e variados laços que prendiam o
homem feudal a seus “superiores naturais” ela os despedaçou sem piedade, para só
deixar subsistir, de homem para homem, o laço do frio interesse, as duras exigências
do “pagamento à vista”. A burguesia só pode existir com a condição de revolucionar
32
incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de
produção e, com isso, todas as relações sociais. […] Essa revolução contínua da
produção, esse abalo constante de todo o sistema social, essa agitação permanente
e essa falta de segurança distinguem a época burguesa de todas as precedentes.
Dissolvem-se todas as relações sociais antigas e cristalizadas, com seu cortejo de
concepções e de ideias secularmente veneradas, as relações que as substituem
tornam-se antiquadas antes de se ossificar. Tudo que era sólido e estável se esfuma,
tudo o que era sagrado é profanado e os homens são obrigados finalmente a encarar
com serenidade suas condições de existência e suas relações recíprocas. […] As
relações burguesas de produção e de troca, o regime burguês de propriedade, a
sociedade burguesa moderna, que conjurou gigantescos meios de produção e de
troca, assemelham-se ao feiticeiro que já não pode controlar as potências infernais
que pôs em movimento com suas palavras mágicas.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto do partido comunista. (com adaptações).
A partir do texto acima e considerando as ideias de Marx e Engels, baseadas numa
perspectiva dialética, avalie as afirmações que se seguem.
I. A burguesia não desempenhou um papel revolucionário na história.
II. A classe social burguesa e a classe proletária surgiram a partir da sociedade
capitalista.
III. Nas sociedades capitalistas as relações sociais estão em constante transformação.
IV. O proletariado possui a missão histórica de negar e superar a sociedade capitalista.
É correto apenas o que se afirma em
A) II, III e IV.
B) I e III.
C) II e IV.
D) I, III e IV.
E) I e IV.
3. Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem
sob circunstâncias de sua escolha, e sim sob aquelas com que se defrontam
diretamente, ligadas e transmitidas pelo passado.
– MARX, K. O Dezoito Brumário de Louis Bonaparte. São Paulo: Centauro, 2006.)
O trecho de autoria de Karl Marx expressa as características principais do método de
33
análise da sociedade intitulado por ele de materialismo histórico dialético. Sobre esse
método, analise as afirmativas a seguir.
I. Busca compreender a sociedade a partir da relação pela qual os bens de produção
são distribuídos entre seus integrantes.
II. As condições socioeconômicas (infraestrutura) acabavam determinando como a
cultura, o regime político, a moral e os costumes (superestrutura) se configurariam.
III. Seria uma das molas propulsoras fundamentais que alimentariam as
transformações históricas.
IV. A análise materialista histórica parte da questão de que a produção e dominação
são os pilares de toda a ordem social.
Estão corretas as afirmativas
A) I, II, III e IV.
B) II e III, apenas.
C) II e IV, apenas.
D) I, II e III, apenas.
E) I e III, apenas.
34
5. As formulações teóricas de Karl Marx acerca da vida social, especialmente a análise
que faz da sociedade capitalista e sua superação, provocaram desde o princípio
tamanho impacto nos meios intelectuais que, para alguns, grande parte da sociologia
ocidental tem sido uma tentativa incessante de corroborar ou de negar as questões
por ele levantadas. (OLIVEIRA e QUINTANEIRO, 2002, p. 27.)
Recentemente, na conjuntura política nacional, o pensamento marxista tem sido
colocado por setores partidários e políticos como doutrinação, sendo chamado
“marxismo ideológico”. Entretanto, o próprio Karl Marx tinha uma visão crítica sobre a
concepção de ideologia. Para Karl Marx, a ideologia pode ser definida como:
A) essência da vida.
B) falsa consciência.
C) produto alienado.
D) conjunto de ideias.
E) posicionamento político.
35
UNIDADE
A TRADIÇÃO SOCIOLÓGICA
CLÁSSICA, PARTE II –
DURKHEIM
36
3.1 DE MARX A DURKHEIM: UMA PRÉ-HISTÓRIA DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA
SOCIOLOGIA
Marx estudou direito e filosofia, viveu como publicista e ativista político, tendo
escrito em vários momentos como um sociólogo avant la lettre. De fato, pertence à
geração de precursores da sociologia acadêmica e universitária que surgiria na
Europa mais tarde. O primeiro departamento de Ciências Sociais surgiu na França em
1887 na Universidade de Bourdeaux. Durkheim era o seu professor de sociologia.
Um pensamento sociológico em sentido amplo vinha ganhando corpo desde o
início do século XIX, ligado ao socialismo político. Na França, as ideias de Jean Jacques
Rousseau (1712-1778) sobre a origem das desigualdades, a Revolução Francesa de
1789 e o advento do capitalismo industrial no país, levaram pensadores como o Conde
Henri de Saint-Simon (1760-1825) ver a estrutura social a partir da produção.
Marx criticou Saint-Simon e outros industrialistas como Robert Owen na
Inglaterra por sustentarem que os principais problemas sociais de seu tempo eram o
produto de um mal funcionamento do capitalismo, argumentando com sucesso que isso
fazia parte do funcionamento normal do sistema. Marx e Engels opunham a esse
“socialismo utópico” um “socialismo científico” de base empírica e filosófica.
Todas essas ideias expressam um viés sociológico sobre a economia política,
mas ainda não configuram de forma precisa um objeto exclusivo para a sociologia. Um
primeiro passo nessa direção foi dado por Auguste Comte (1798-1857), que havia sido
secretário pessoal de Saint-Simon. Com o seu Curso de Filosofia Positiva de 1842, ele
popularizou o termo “sociologia” e ampliou o seu objeto para além da economia.
Leia o artigo da professora Lelita Benoit na Revista Cult para uma radiografia das
ideias de Comte.
37
Comte escrevera de um modo bastante doutrinário. O seu objetivo era
conclamar os intelectuais franceses de sua época numa determinada direção de
reforma social. As ideias de Comte se tornaram muito populares a partir de 1870, com
o início da Terceira República Francesa, e mais tarde influenciariam o ambiente
intelectual da Primeira República no Brasil. É esse o cenário em que Durkheim se tornou
professor.
O curso de Ciências Sociais e Pedagogia da Universidade de Bourdeaux tinha
o objetivo de formar professores e profissionais para atuar na reforma do sistema
educacional francês em curso no momento. A disputa política pela expansão e
laicização do sistema educacional francês durou até o começo do século XX, quando
Durkheim, já professor na Sorbonne, em Paris, foi conselheiro do Ministério da
Educação.
Entre 1895 e 1912, entre a publicação original de As regras do método
sociológico e de As formas elementares da vida religiosa, Durkheim tornou-se a grande
autoridade francesa no estudo da sociologia. Os seus livros definiram um conjunto de
fenômenos e um método de investigação próprio da sociologia, distinguindo os “fatos
sociais” entre os diversos tipos de fatos humanos.
Durkheim inaugura por sua vez uma linhagem acadêmica, uma forma de pensar
e de escrever sociologia autônoma, completamente distinta da filosofia, da economia
política, da história e da psicologia. Ao mesmo tempo, a fase seguinte de sua obra
seguirá um caminho diferente, que fará com que esta seja incorporada, menos à
sociologia moldada pela fase anterior, do que à nova ciência da antropologia.
38
Sumariamente, os sociólogos estão mais familiarizados com a obra anterior de
Durkheim. Da divisão do trabalho social e As regras do método sociológico colocaram
no centro do debate sociológico a questão da ordem e da solidariedade social, ou seja,
da relação entre a sociedade enquanto coletividade moral e os indivíduos em seus
sistemas de relações recíprocas.
Já para os antropólogos, As formas elementares da vida religiosa é o principal
livro de Durkheim. Mas para compreender a razão disso, é preciso antes entender
melhor o contexto de formação da própria antropologia. Se o campo teórico da
sociologia foi se constituindo como uma forma de explicar os fenômenos da sociedade
capitalista moderna, o da antropologia o fez tentando explicar a razão da diversidade
humana.
A curiosidade e a vontade de explicar as diferenças entre os diferentes povos
humanos é de todas as culturas, de todas as épocas, e para tanto há sempre um enorme
repertório de mitos mais ou menos fantásticos. Mas com as grandes navegações e o
avanço da cartografia, o mundo conhecido foi ficando geograficamente bem delimitado,
de modo que a totalidade das diferenças pode ser vista sistematicamente.
A medida que o moderno colonialismo europeu legitimado pelo imperativo
religioso de difusão do cristianismo foi perdendo força, um novo colonialismo baseado
na difusão dos padrões culturais da Civilização o sucedeu. É nesse momento que o
campo teórico, acadêmico e científico da antropologia se constituiu, profundamente
marcado pelo evolucionismo da biologia, e animado pelo estudo comparativo das
religiões.
39
educação gradual e melhoria das condições, muitas das quais realmente
foram impostas por seus conquistadores ocidentais em primeiro lugar”
(GOUGH, 1968, p. 12-13, tradução minha).
Pela própria época em que viveu e os interesses intelectuais que nutriu durante
toda vida, Durkheim era um herdeiro intelectual de Comte, que aos poucos foi
construindo a fundamentação teórica para descrever e compreender a sociedade como
determinada por padrões de crença, depurando parte dos preconceitos evolucionistas
de seu antecessor. Em Durkheim a distinção entre primitivo e civilizado deixa de ser
40
uma distinção entre inferior e superior e se torna uma distinção de níveis de
complexidade.
Com isso, fica delineada em linhas gerais o duplo legado da obra de Durkheim
para a constituição acadêmica da sociologia e da antropologia. Cumpre apenas
antecipar que o seu legado tem ademais uma dimensão teórica e metodológica mais
ampla, que atravessa ambas as disciplinas, antecipando duas importantes correntes
das ciências sociais no século XX: o estruturalismo/funcionalismo e o interacionismo
simbólico. Você compreenderá exatamente do que se trata ao final desta unidade, que
agora irá avançar no sentido de explicar conceitualmente alguns dos principais
fundamentos da sociologia de Durkheim.
41
ser formulado de forma geral, ou melhor dizendo, genérica. O que a segunda
formulação exprime na verdade é uma instituição em sentido amplo: um conjunto
integrado de valores, regras e práticas instituídas pela coletividade.
O fato social correspondente a este caso seria o consumo recreativo de álcool.
Perceba que definido corretamente, de forma genérica, podemos observar as
manifestações do fato social variando em relação a diversas instituições: isto é o que é
fundamental na sociologia durkheimiana. Como dogmas religiosos, a jornada de
trabalho, os valores sociais e os padrões de utilização do espaço público influenciam
este fato?
Em suma, a externalidade, a generalidade e a coercitividade são os três critérios
principais para classificação de um fato social. Se independe da vontade ou ação de um
sujeito determinado, existe fora dele, autonomamente; se não se esgota em uma única
ocorrência do fato, nem a uma única instituição que estabelece um padrão de
ocorrências particulares, então é algo geral/genérico; e a coercitividade?
Durkheim pondera de forma magistral que a coercitividade nem sempre é
visível, mas que tende a ser mais evidente na medida que os sujeitos impõem alguma
resistência à manifestação do fato social. A coerção nesse sentido não é o sinônimo de
intimidação, força ou violência, mas de variados graus de constrangimento. O sujeito
que recusa o consumo de álcool em certas circunstâncias é tido como “antissocial”.
42
Pela via do exemplo é possível perceber que análise dos fatos sociais proposta
por Durkheim não se esgota na definição ou identificação do próprio fato, mas avança
na direção de compreender qual a sua função em uma determinada estrutura social. E
por “estrutura” devemos entender o conjunto de hábitos, costumes, crenças e
instituições presentes de antemão no ambiente social em que vivemos.
O principal fato social que intrigava Durkheim desde o seu estudo anterior, Da
divisão do social trabalho, e o levará a estudar depois o fenômeno do título de O
Suicídio, é o que ele denominou de “solidariedade social”. Trata-se de um conceito com
um sentido específico na obra de Durkheim e que não deverá ser tomado em sentido
coloquial, como sinônimo de caridade. Solidariedade ali é sinônimo de
interdependência.
O efeito de interdependência produzido pelas relações sociais intrigava
Durkheim pelo seguinte: ao mesmo tempo em que diversas instituições assumiam um
caráter moral e impunham aos indivíduos de forma mais ou menos coercitiva certas
regras, muitas vezes a obediência ou a conformação às regras se dá de bom grado, a
tal ponto que passamos a percebê-las menos como regras e mais como hábitos.
Num primeiro momento, Durkheim não responde à questão. Limita-se a
distinguir entre duas formas de consciência: consciência individual e consciência
coletiva. A primeira é uma consciência que possuímos de nossos próprios atos, desejos
e pensamentos. A segunda é uma consciência formada pelas ideias, crenças e valores
amplamente compartilhados na sociedade. Mas como essa segunda consciência se
forma?
Como você já viu anteriormente nesta unidade, é graças ao aspecto simbólico
dos rituais em sentido amplo, práticas sociais repetidas de maneira ritualizada, que as
instituições emergem e se consolidam segundo Durkheim – ou seja, porque essas são
representações coletivas. Essa teoria da representação é o que explica como se
constituem sociologicamente os laços entre os seres humanos na sociologia
durkheimiana.
Sem ter desvendado ainda a “essência da solidariedade”, Durkheim em Da
divisão do trabalho social pode, entretanto, tipificar as formas de solidariedade conforme
a organização social. Nas sociedades primitivas predomina uma espécie de
“solidariedade mecânica”, automática. Nas sociedades complexas predomina uma
espécie de “solidariedade orgânica”, funcional. Vejamos o que isso significa.
43
Os indivíduos nas sociedades primitivas tenderiam pois a se relacionar entre si
reproduzindo o padrão das relações entre as principais instituições às quais elas estão
vinculadas: gênero, idade, família, clã, comunidade, povo, nação, religião, etc. Já nas
sociedades complexas, o como se posicionar e se relacionar com outras pessoas não
seria predefinido, pois a função dos laços tenderia a variar dentro da estrutura.
Durkheim argumenta no estudo supramencionado que é o aprofundamento da
divisão social do trabalho que leva à passagem de um tipo de solidariedade à outra, de
um tipo de sociedade ao outro. Esse processo teria produzido um aumento de liberdade
e, por outro lado, uma espécie de disfunção sistêmica. Nas sociedades complexas, os
indivíduos não têm com frequência consciência dos laços sociais que os conectam, e
em várias situações não sabem exatamente como agir.
O autor chamou esse fenômeno de anomia, neologismo formado pela junção
em grego do prefixo negativo “a” e da palavra “nomos”, que significa algo como “lei” ou
“ordem” em sentido amplo. Em que pese a etimologia sugerir ao leigo alguma
proximidade com o conceito político de anarquia, também usados frequentemente para
significar a ausência de ordem, estes não têm nada em comum.
A diferença fundamental na base desses dois conceitos é entre uma noção de
ordem baseada na autoridade política e outra que é fruto do próprio arranjo cumulativo
das relações sociais. Mais uma vez, não basta repetir a definição do conceito! Talvez o
melhor exemplo que possamos encontrar de anomia na sociedade capitalista
contemporânea é a do tratamento dispensado às pessoas em situação de rua.
O grau de solidariedade manifesto por um cidadão comum a uma pessoa nessa
situação é em geral bastante indefinido, dependente de diversos fatores: a hora do dia,
a região da cidade, as condições de higiene pessoal, a aparência física, sem falar de
fatores altamente subjetivos, como os sentimentos pessoais de afeto. Uma pessoa em
situação de rua vive confusão semelhante, mas que no caso afeta sua dignidade.
Em O Suicídio, de 1897, Durkheim utilizou sua teoria da anomia e da
solidariedade social mostrar a dimensão sociológica daquilo que na época era
entendido somente enquanto uma tragédia pessoal e familiar. Ao mostrar que as
condições de integração social das pessoas, sob certas circunstâncias, tinham um
impacto sobre determinadas formas de suicídio, demonstrou que isso era um problema
de saúde pública.
44
No livro, Durkheim tipifica diferentes formas de suicídio: o suicídio altruísta dos
mártires religiosos; o suicídio fatalista comum entre doentes terminais antes dos
avanços da medicina moderna; o suicídio egoísta no qual se enquadrariam aqueles que
em função de elevados graus de depressão decidem dar cabo da própria vida; e o
suicídio anômico daqueles que são levados a cometê-lo por uma súbita perda de
referenciais.
O autor explica as formas típicas do suicídio em função do grau de integração
social do indivíduo. O suicídio “altruísta” tende a ocorrer entre indivíduos altamente
integrados à sociedade, pois do contrário ele prescindiria dos próprios valores que o
levam a dar cabo da própria vida. O suicídio “egoísta” é o oposto: a pessoa só pode
desprezar a sua vida a ponto de dar-lhe fim se sente profundamente desajustada.
O suicídio egoísta e o suicídio anômico podem ser entendidos como tipos
autônomos. Porque há uma diferença crucial entre a série de falhas de integração social
do indivíduo que no primeiro caso são circunstanciais, e no segundo deriva da ausência
sistemática de uma ordem capaz de integrar o sujeito. Perceba, pois, que o suicídio
fatalista é menos um tipo autônomo do que uma forma do suicídio anômico.
O célebre escritor uruguaio Horácio Quiroga (1878-1937) se suicidou com uma
dose de cianureto depois que foi diagnosticado com um câncer de estômago, à época,
intratável. Não se suicidou como um poeta que enxerga beleza na própria morte, e tão
pouco tinha para com a própria vida o desprezo alimentado por um desajuste em
relação à sociedade. Era, digamos assim, um sujeito “funcional”.
O fator determinante para o seu suicídio foi se ver subitamente numa profunda
condição de incerteza: não saber se viveria muito ou pouco, se convalesceria por muito
tempo e com muita dor ou se morreria de súbito. É como se ele houvesse perdido o seu
lugar na sociedade – e essa, em síntese, é a característica fundamental desta forma de
suicídio. A mesma situação produz hoje muito menos suicídios.
45
3.4 ALGUMAS DIMENSÕES TEÓRICAS IMPORTANTES: MUDANÇA SOCIAL,
DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO, COESÃO E INTEGRAÇÃO SOCIAL,
EDUCAÇÃO COMO SOCIALIZAÇÃO
46
determinadas de maneira mecânica, através de obrigações e lealdades, encontramo-
nos em meio uma sociedade moralmente “densa”, coesa ou integrada. Mas na medida
em que essas relações se tornam contingentes, o mesmo acontece com a coesão
social.
Durkheim refuta uma explicação utilitarista para a origem da divisão do trabalho:
na totalidade histórica, não são os indivíduos que racionalmente formulam a separação
das suas funções produtivas, mas a separação dessas funções que permitirá às
pessoas enxergarem-se enquanto indivíduos. E o avanço da divisão social do trabalho
leva ao predomínio da solidariedade orgânica sobre a solidariedade mecânica.
47
tende a ser o primeiro e mais imediato núcleo desse processo, mas depois as pessoas
constituem seus valores no contato com outras instituições ao longo de suas vidas.
Durkheim advoga, politicamente, a importância da escola nesse segundo
momento, como uma instituição capaz de oferecer às pessoas desde cedo uma “visão
de conjunto” sobre a vida no mundo e a sua história, rompendo com o isolamento dos
indivíduos em seus respectivos grupos sociais. Mais uma vez estamos diante de um
ideal de emancipação humana que remonta, como você já sabe, ao Iluminismo.
48
De uma perspectiva macrossociológica, a teoria dos sistemas sociais de Talcott
Parsons (1902-1079) e de Niklas Luhmann (1927-1998) levou a premissa do
estruturalismo/funcionalismo ao seu patamar mais sofisticado até o momento. Se os
fenômenos sociais devem ser estudados em termos do seu funcionamento no interior
de uma estrutura, é fundamental complexificar a última, de modo a não fazer monolítica.
Em linhas muito gerais, esses autores buscaram formular uma teoria
sociológica geral que pudesse dar conta da variação no interior da estrutura social,
conceituando-a como um agregado de sistemas sociais sobrepostos, relativamente
autônomos, e num constante processo de diferenciação mútua. Mas este é certamente
assunto para um curso mais avançado de sociologia.
A todo momento nesta unidade você viu a importância de não somente saber
definir adequadamente os conceitos, mas sobretudo, de saber explicá-los e aplicá-
los. É como na física e na matemática do ensino superior: não bata conhecer as
fórmulas, é necessário ser capaz de demonstrá-las. Demonstrar, nesse sentido,
significa expor as condições de validade de uma fórmula ou ideia. É, como se diz
em epistemologia, ser capaz de justificar os enunciados do conhecimento.
49
Publicista: espécie de jornalista, escritor de jornal, que debate os assuntos da vida
pública;
Avant la lettre: expressão francesa para caracterizar algo que surgiu antes do
próprio termo;
Barão de Montesquieu (1689-1755): filósofo iluminista autor de O Espírito das
Leis.
Alexis Tocqueville (1805-1859): teórico político francês autor de A democracia na
América.
Espírito (filosofia): refere-se às faculdades intelectuais de um povo, sem
conotação sobrenatural.
Laicização: processo de tornar leigo ou laico, separando as instituições dos
dogmas religiosos.
Gênero (sociologia): características sociais e culturais identificadas ao sexo
masculino e feminino.
Neologismo (linguística): palavra nova ou acepção nova dada uma palavra
existente.
Utilitarismo: filosofia moral consequencialista que valoriza a ação pela chance de
gerar bem-estar;
Escola de pensamento: tradição intelectual simbolizada por certo conjunto de
autores e obras;
Interacionismo simbólico: teoria da produção simbólica ao nível das relações
interpessoais;
Macro e microssociologia: respectivamente, a sociologia das grandes e
pequenas agregações;
Estruturalismo/funcionalismo: abordagens que focam a estrutura e a função dos
fatos sociais.
50
1. “A história de toda sociedade até nossos dias é a história das lutas de classe.
Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de ofício e
companheiro, em resumo, opressores e oprimidos se encontraram sempre em
constante oposição, travaram uma luta sem trégua, ora disfarçada, ora aberta, que
terminou sempre por uma transformação revolucionária de toda a sociedade, ou
então pela ruína das diversas classes em luta.”
– Karl Marx. Manifesto comunista (com adaptações).
“Uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas a coisas
sagradas, isto é, separadas, proibidas; crenças e práticas que unem, numa mesma
comunidade moral chamada Igreja, todos os que a elas aderem.”
– Émile Durkheim. As formas elementares da vida religiosa.
Com base nos trechos acima, assinale a opção correta.
a) Marx postula que é por meio da revolução pacífica que se podem superar os
conflitos entre os membros da sociedade.
b) Durkheim considera a religião como um sistema autônomo e subjetivo de práticas
sagradas formado por crenças.
c) Durkheim teoriza a religião enquanto um sistema de classificação que se baseia
na moral humana.
d) Marx formula a ideia da luta de classes a partir das questões de gênero, de etnia
e de representação das minorias.
e) As transformações revolucionárias ocorridas no Leste Europeu no século XX
foram previstas por Marx.
( ) É visto como um dever, se não for cumprido, é punido pela desonra, perda da
estima pública ou castigos religiosos.
( ) A depressão, a melancolia e a sensação de desamparo moral provocadas pela
desintegração social tornam-se, então, causas desse tipo de suicídio.
( ) Ocorre devido a uma situação de desregramento social em que as normas estão
ausentes ou perderam o respeito.
Desta forma, assinale a alternativa que refere, respectivamente, essas formas típicas
de suicídio.
a) anômico, altruísta e egoísta
b) egoísta, anômico, altruísta.
c) altruísta, anômico, egoísta.
d) anômico, egoísta, altruísta.
e) egoísta, altruísta, anômico.
52
5. A respeito das contribuições de Émile Durkheim para a sociologia, assinale a
alternativa correta.
a) Retomando as intenções de Augusto Comte, toda obra de Durkheim estava voltada
para dotar a sociologia do que ele julgava ser seu maior limite até aquele momento:
a falta de um método consistente e elaborado de análise sociológica.
b) A análise de produção burguesa será o objeto da maior parte das obras de
Durkheim, onde ele afirma que “as relações de produção burguesas são a última
forma antagônica do processo de produção social”.
c) Para ele, a cultura ocidental que se encarna em instituições como o mercado
capitalista, a burocracia estatal, o direito e a ciência carrega a possibilidade da
perda da liberdade e do sentido da vida
d) D) Durkheim vai orientar toda sua produção sociológica com base no primado do
sujeito. A ideia de que o indivíduo é o elemento fundante na explicação da
realidade social.
e) Durkheim elevou um objeto clássico da disciplina – os rituais das religiões
primitivas – ao status de categoria genérica fundamental de entendimento das
representações coletivas de todas as sociedades.
53
UNIDADE
A TRADIÇÃO SOCIOLÓGICA
CLÁSSICA, PARTE III – WEBER
54
4.1 UMA DISTINÇÃO CRUCIAL: COLETIVISMO E INDIVIDUALISMO
METODOLÓGICO
55
4.2 ALGUNS CONCEITOS IMPORTANTES: AÇÃO SOCIAL E SENTIDO DA AÇÃO
SOCIAL, AFINIDADE ELETIVA, TIPOS IDEAIS (DE DOMINAÇÃO,
RACIONALIDADE E ORGANIZAÇÃO ESTATAL)
Uma ação social no sentido weberiano é toda ação individual orientada pela
percepção e antecipação das ações sociais de outros indivíduos. Esse é apenas um
ponto de partida. O que interessa à sociologia na perspectiva de Weber é discernir e
compreender o sentido geral da ação social num determinado contexto, sentido esse
que é composto pelo sentido subjetivo e pelo sentido objetivo da ação.
O sentido subjetivo de uma ação equivale à sua intenção abstrata concebida
na mente do indivíduo, ao passo que o sentido objetivo de uma ação equivale à
direção concreta que ela toma no mundo social. Weber propõe que os fenômenos
sociais sejam analisados a partir da correlação, bem como da discrepância entre
esses dois níveis da ação social e também as suas consequências inesperadas.
As consequências inesperadas de uma ação social são importantes na medida
em que dão pistas sobre como esta é percebida pelos outros sujeitos, e sugerem a
existência do que ele chamou de “afinidades eletivas” entre diferentes conjuntos de
ações. A expressão original em alemão tem origem num conceito da alquimia
medieval usado como metáfora pelo romancista Johan von Goethe (1749-1842).
Goethe é um dos maiores escritores da literatura alemã, bastante reverenciado
na época de Weber. As afinidades eletivas é o título de um de seus romances. O
termo era utilizado na alquimia para referir-se à propriedade demonstrada por certos
corpos e elementos de se atraírem reciprocamente até se fundirem. O romance nada
tem a ver com a alquimia, e Goethe ali o utiliza como uma metáfora para o amor.
Weber, por sua vez, percebe o alcance do conceito para além do amor
romântico, e passa a utilizá-lo para referir um tipo específico de interação entre certas
formações sociais num determinado processo histórico. O autor jamais formulou uma
teoria geral das afinidades eletivas entre formações sociais, entretanto, o conceito é
o ponto-chave de A ética protestante e o espírito do capitalismo, publicado em 1905.
Mais sobre isso adiante. Uma outra categoria importante do pensamento
weberiano que cumpre destacar é a formulação de tipos de ideais. Weber busca
condensar a observação empírica em tipos abstratos, genéricos, capazes de
56
identificar assim a forma geral de um determinado fenômeno, que entretanto, jamais
se manifesta concretamente nessa forma “pura” em que foi formulado.
Um exemplo disso na obra weberiana é a sua teoria das três principais formas
de autoridade ou de dominação legítima: tradicional, legal e carismática. A dominação
tradicional é aquela que se apoia no costume compartilhado, legal é a que se legitima
a partir da lei instituída, e carismática a que se sustenta na personalidade de uma
figura poderosa. Weber intuiu antes do fascismo o vulto que esta teria na
modernidade.
Um segundo exemplo disso na obra weberiana é a sua distinção entre dois
tipos de racionalidade e de irracionalidade. A conduta afetiva e tradicional são para
Weber irracionais, mas a conduta racional não seria somente aquela onde a ação é
ajustada aos fins (racionalidade instrumental); incluiria ainda o tipo de ação racional
em relação a princípios (racionalidade ética), do contrário considerada irracional.
Um terceiro exemplo da formulação de tipos ideais por Weber é a sua
caracterização de duas formas de organização política do Estado. Nas sociedades
antigas, os Estados surgem como organização do poder político de um grupo ou
classe, que a ele pertence, e por Weber se refere a esse modelo como “Estado
patrimonial”. Nas sociedades modernas, dotadas de sistemas representativos, vige o
“Estado burocrático”.
57
multifacetada. Jurista e economista alinhado à escola histórica da economia alemã,
Weber era ainda um estudioso de religiões antigas.
Enquanto Durkheim apenas se voltou para o estudo da religião no fim de sua
vida, sobretudo das religiões primitivas, Weber dialoga desde o começo de sua obra
com o estudo das religiões comparadas, sobretudo das grandes religiões mundiais:
o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Além disso, mais tarde em sua carreira,
passou apoiar-se também no estudo dos monoteísmos orientais.
Weber criticava as explicações sobre o surgimento do capitalismo baseadas
no simples aumento do volume da riqueza. Outras épocas, ele argumentava,
conheceram um grau elevado de concentração de riquezas, contudo não se tornaram
capitalistas. Este é o caso da Índia na antiguidade, onde as riquezas permaneceram
sob o controle de um Estado patrimonial, sem se converter em capital.
Weber também criticava as explicações do surgimento do capitalismo
baseadas no simples aumento do volume da produção. Diversas regiões do mundo
ampliaram a escala da produção incorporando o avanço tecnológico da Revolução
Industrial europeia, e nem por isso se tornaram imediatamente capitalistas. Na China
– e é por isso que Weber estudará mais tarde as religiões chinesas – haviam valores
sociais conflitantes que frearam a generalização imediata do modo de pensar
capitalista.
Disso, Weber conclui que o advento do capitalismo, sua generalização como
modo de produção típico da sociedade moderna, dependia da generalização
correspondente de uma mentalidade capitalista específica. Em A ética protestante e
o espírito do capitalismo, Weber mostrou com sucesso como o surgimento dessa
mentalidade era o produto de um desenvolvimento particular da religiosidade
ocidental.
59
uma classe de funcionários profissionais que encarna o poder do Estado de forma
necessariamente fragmentada e interconectada.
Weber concebe a burocracia como um fenômeno positivo, expressão da
tendência mais geral de racionalização e de secularização da sociedade no âmbito
administrativo. A burocracia seria a principal responsável pela constituição de órgãos
e mecanismos impessoais de exercício do poder. O conceito no senso comum é
associado à lentidão e ao excesso de regras. Mas não é disso que se trata para
Weber.
60
1. Karl Marx, Max Weber e Émile Durkheim, considerados fundadores das ciências
sociais, desenvolveram interpretações e conceitos sobre o mundo social que
permanecem como referências de análise até os tempos atuais. Nesse sentido,
assinale a opção correta a respeito de interpretações e conceitos elaborados pelos
referidos autores.
A) Karl Marx, ao trabalhar a esfera dos valores, elaborou o conceito de capital
simbólico; Max Weber, na sua crítica à modernidade, referiu-se ao
“desencantamento do mundo”; Émile Durkheim, ao analisar a determinação da
sociedade sobre o indivíduo, formulou os conceitos de consciência coletiva e fato
social.
B) Karl Marx decodificou as leis do capitalismo e analisou as relações de produção
como relações de exploração; Max Weber, a partir do estudo das religiões, concluiu
que a economia é fator preponderante do desenvolvimento do capitalismo; Émile
Durkheim, ao desenvolver o conceito de fato social, afirmou que a coerção é interna
aos indivíduos.
C) Karl Marx desenvolveu os conceitos de relações de produção e alienação; Max
Weber elaborou os conceitos de ação social e poder; Émile Durkheim estabeleceu
os conceitos de fato social e anomia.
D) Karl Marx utilizou as metáforas de infra-estrutura e superestrutura, para explicar
as relações sociais; Max Weber considerou diferentes níveis de racionalidade na
sociedade capitalista ocidental; Émile Durkheim sustentou que o indivíduo determina
a sociedade.
E) Karl Marx estudou o caráter civilizador das religiões; Max Weber analisou as
relações entre as classes sociais como relações de exploração; Émile Durkheim
desenvolveu, em detalhes, a idéia de fetichismo.
61
de causas podem ter o mesmo efeito. A validade das comparações em Weber
provém das suas construções empíricas dos processos de indução e de
introspecção mais do que de uma verificação causal de hipóteses.
– Paola Rebughini. A comparação qualitativa de objetos complexos e o efeito da
reflexividade. In: Alberto Melluci (org.) Por uma sociologia reflexiva: pesquisa
qualitativa e cultura. Petrópolis: Vozes, 2005, p. 242 (com adaptações).
Tendo o fragmento de texto acima como referência inicial, assinale a opção correta
a respeito de “tipos ideais”, segundo a formulação proposta por Max Weber.
A) Os “tipos ideais” não são construções empíricas.
B) A causalidade única é a base dos “tipos ideais”.
C) A comparação não é essencial para a construção dos “tipos ideais”.
D) Os “tipos ideais” não permitem uma explicação histórica.
E) Os “tipos ideais” são construídos essencialmente a partir da verificação causal de
hipóteses.
62
4. Acerca dos tipos de dominação e sua legitimação, assinale a alternativa correta.
A) A dominação carismática baseia-se na crença do caráter sagrado das tradições,
sendo legítimo o poder e os que a ele são convocados em razão do costume.
B) A dominação tradicional baseia-se no valor pessoal do indivíduo que se distingue
por virtudes pessoais (heroísmo, santidade).
C) A dominação legal possui caráter racional e impessoal, baseando-se na validade
das normas estabelecidas racionalmente, sendo legítimo o poder e os que a eles
são convocados nos termos da lei.
D) A dominação carismática baseia-se no culto a uma personalidade famosa que
exibe padrões de beleza e consumo dominantes na sociedade e é idolatrada por
isso.
E) A dominação tradicional possui um aspecto econômico positivo ao garantir a
denominação de origem dos produtos típicos de uma determinada região.
63
UNIDADE
TEMAS DE SOCIOLOGIA
CONTEMPORÂNEA
64
5.1 TEMAS DE SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA
Diferente das últimas três unidades, esta busca tangenciar três grandes temas
da sociologia contemporânea, a partir da última metade do século XX. Os temas são a
educação, trabalho e consumo, cada qual abordado por um viés específico, a saber: a
relações entre educação, cultura e estratificação social; entre trabalho e existência em
sentido amplo, incluindo o meio ambiente; entre consumo, identidade e subjetividade.
Portanto ficam de fora vários outros temas: a constituição social dos papéis de
gênero, os conflitos intergeracionais, a dinâmica dos movimentos sociais, os fatores da
violência e da criminalidade, etc. A escolha daqueles temas e não destes ou de outros,
é fundada na premissa de que são temas com os quais o estudante pode se relacionar
pela própria experiência universitária e vivência numa sociedade capitalista.
65
“Quanto mais analisarmos as relações educador-educandos, na escola, em
qualquer de seus níveis (ou fora dela), parece que mais nos podemos
convencer de que estas relações apresentam um caráter especial e marcante
— o de serem relações fundamentalmente narradoras, dissertadoras.
Narração de conteúdos que, por isto mesmo, tendem a petrificar-se ou a fazer-
se algo quase morto, sejam valores ou dimensões concretas da realidade. […]
Há uma quase enfermidade da narração. […]
A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à
memorização mecânica do conteúdo narrado. Mais ainda, a narração os
transforma em “vasilhas”, em recipientes a serem “enchidos” pelo educador.
Quanto mais vá “enchendo” os recipientes com seus “depósitos”, tanto melhor
educador será. Quanto mais se deixem docilmente “encher”, tanto melhores
educandos serão.
Desta maneira, a educação se torna um ato de depositar, em que os
educandos são os depositários e o educador, o depositante. Em lugar de
comunicar-se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos,
meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis aí a
concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se
oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-lo se arquivá-
los. [...]
Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam
sábios aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das
manifestações instrumentais da ideologia da opressão — a absolutização da
ignorância, que constitui o que chamamos de alienação da ignorância,
segundo a qual esta se encontra sempre no outro” (FREIRE, 2013 [1974],
formato ebook).
66
“É provavelmente por um efeito de inércia cultural que continuamos tomando
o sistema escolar corno um fator de mobilidade social, segundo a ideologia da
“escola libertadora”, quando, ao contrário, tudo tende a mostrar que ele é um
dos fatores mais eficazes de conservação social, pois fornece a aparência de
legitimidade às desigualdades sociais, e sanciona a herança cultural e o dom
social tratado como dom natural.
Justamente porque os mecanismos de eliminação agem durante todo o
[percurso], é legitimo apreender o efeito desses mecanismos nos graus mais
elevados da carreira escolar. Ora, vê-se nas oportunidades de acesso ao
ensino superior o resultado de uma seleção direta ou indireta que, ao longo
da escolaridade, pesa com rigor desigual sobre os sujeitos das diferentes
classes sociais. Um jovem da camada superior tem oitenta vezes mais
chances de entrar na Universidade que o filho de um assalariado agrícola e
quarenta vezes mais que um filho de operário, e suas chances são, ainda,
duas vezes superiores àquelas de um jovem de classe média. É digno de nota
o fato de que as instituições de ensino mais elevadas tenham também o
recrutamento mais aristocrático: assim, os filhos dos quadros superiores e de
profissionais liberais constituem 57% dos alunos da Escola Politécnica, 54%
dos da Escola Normal Superior (frequentemente citada por seu recrutamento
‘democrático’), 47% dos da Escola Central e 44% dos do Instituto de Estudos
Políticos.
Mas não é suficiente enunciar o fato da desigualdade diante da escola, é
necessário descrever os mecanismos objetivos que determinam a eliminação
contínua das crianças desfavorecidas. Parece, com efeito, que a explicação
sociológica pode esclarecer completamente as diferenças de êxito que se
atribuem, mais frequentemente, às diferenças de dons. A ação do privilégio
cultural só é percebida, na maior parte das vezes, sob suas formas mais
grosseiras, isto é, como recomendações ou relações, ajuda no trabalho
escolar ou ensino suplementar, informação sobre o sistema de ensino e as
perspectivas profissionais. Na realidade, cada família transmite a seus filhos,
mais por vias indiretas que diretas, um certo capital cultural e um certo ethos,
sistema de valores implícitos e profundamente interiorizados, que contribui
pua definir, entre coisas, as atitudes face ao capital cultural e à instituição
escolar. A herança cultural, que difere, sob os dois aspectos, segundo as
classes sociais, é a responsável pela diferença das crianças diante da
experiência escolar e, consequentemente, pelas taxas de êxito.” (BOURDIEU,
1998 [1966], 41-42).
Não é que Pierre Bourdieu fosse contra uma educação libertadora. Aliás, ele
não era. Ele apenas está indicando neste fragmento como a instituição escolar tende
a funcionar como instância de reprodução do privilégio cultural das elites. Paulo Freire
pensa como sociólogo quando diagnostica o modelo de educação bancária, contudo
o faz como meio para outro fim: mudar os métodos e os princípios da educação.
Na sociologia da educação, rigorosamente falando, esse meio é o fim. A
finalidade da investigação sociológica sobre a educação é conceber, em profundidade
e com riqueza de detalhes extraídos da experiência, o que é responsável por este
funcionamento do processo educativo e das instituições educacionais na nossa
sociedade. Cabe às políticas públicas, orientadas científica e filosoficamente, lidar com
isso.
67
Na unidade sobre Weber, você aprendeu a distinguir entre a neutralidade como a
isenção de valores e como objetividade. É nesse segundo sentido que a sociologia
de Pierre de Bourdieu e em geral a própria sociologia da educação é “neutra” em
relação à realidade da educação. Por que pela própria tradição intelectual da
disciplina, herdeira do humanismo e do iluminismo, o ideal da emancipação humana
faz parte do seu conjunto de valores arraigados.
68
uma característica estritamente individual pode possuir um componente social? Para
responder a essa pergunta, Bourdieu cunhará o conceito de habitus. O autor utiliza o
termo em latim para evitar a confusão com a moderna noção de hábito.
Há centenas de livros por aí que aconselham como desenvolver e consolidar
hábitos pessoais. Os hábitos, como nós os concebemos, são produto da repetição. O
habitus de Bourdieu é produto de uma reprodução: a reprodução de um determinado
conjunto de disposições. E aí ele utiliza o termo vernáculo mesmo, para se valer
ativamente da sua polissemia. A disposição a que se refere é, simultaneamente, a
maneira como as coisas se encontram distribuídas, e uma tendência à ação.
Compreenda que, nesse sentido, não se trata de disposição como vigor físico ou força
de vontade. O habitus de um indivíduo significa um conjunto de disposições
socialmente incorporadas por ele através de processos específicos de socialização.
Assim, Bourdieu distingue entre um habitus familiar, profissional, de classe, etc.
Analisemos agora aquele diagrama do regime de distinções no campo sócio-
alimentar situado na abertura desta unidade. Este representa grosso modo um
sistema de preferências que define um padrão de gosto na sociedade. Note que esse
sistema varia em função de dois eixos: o nível de capital econômico e o nível de capital
cultural dos indivíduos.
A verdade é que essas “preferências” não são tão voluntárias quanto
possamos imaginar, nem se explicam unicamente em função da imitação ou do
“modismo”. Bourdieu vai sustentar que elas também variam em função dos habitus de
classe, só que as classes sociais na sua sociologia não são reflexo direto das
“relações sociais de produção” – como diria Marx.
“Capital” nomeia de forma coloquial um recurso ou uma vantagem monetária,
normalmente utilizada para alguma compra ou investimento. Nesse sentido, tratamos
do capital como uma substância. Bourdieu fala na sua obra de um “capital social”, de
um “capital cultural”, de um “capital político”, etc. Faz isso de modo metafórico: as
relações interpessoais como recurso, o pertencimento cultural como recurso, etc.
Para Bourdieu as diferenças entre as classes sociais, claro, refletem a
distribuição desigual do capital econômico, mas não só: elas sobretudo refletem a má
distribuição do capital cultural na sociedade. A cultura é uma dimensão hierarquizada:
o bom gosto e o mau gosto, o que é belo e o que é feio, o que é admirável e o que
não é, etc. Essa hierarquia é rígida, mas é relativa.
69
Aí vem à baila a redefinição que Bourdieu faz do conceito marxista da luta de
classes, como sendo sempre revestidas por “lutas de classificação”. Quis com isto
dizer que as classes sociais não se percebem umas às outras e ao seu conflito de um
modo transparente. Elas estão o tempo rejeitando determinadas classificações e
defendendo outras a seu respeito, das demais, e de sua relação com as demais.
Considere a seguinte situação: uma festa com uma “mesa mineira”. No quintal
de uma típica casa de família de periferia, importaria a sustância, o tempero, a fartura,
etc. Num salão de festas alugado para alguma ocasião especial, a mise em place seria
muito importante, haveria talvez “releituras” de certos pratos, e de um modo geral, os
convidados debateriam sobre o “bom gosto” das escolhas.
Percebemos imediatamente que essas preferências tem um componente
social muito forte precisamente no momento em que somos deslocados de um
ambiente com o qual estamos familiarizados para um outro. Ao contrário do capital
econômico, o capital cultural não pode ser ganho ou perdido de forma súbita. Ele
necessariamente é o produto de uma lenta acumulação.
Isso é válido tanto para práticas simples, como a forma de se portar à mesa,
como complexas, como o exercício de uma profissão. O ponto-chave é que nem todo
capital cultural tem o mesmo valor na sociedade. Existe uma hierarquia. E por isso se
coloca a questão fundamental das condições de acesso ao tipo de capital cultural mais
valorizado pela sociedade.
Bourdieu, como Paulo Freire, compreendeu o desajuste de certos estudantes
em relação à instituição escolar. No caso de Freire, era o sentimento de menoridade
ligado ao analfabetismo. No caso de Bourdieu, a indisciplina quase endêmica nas
escolas de periferia. Para o sociólogo, a educação formal para certas classes sociais é
um processo de tomada de posse dum patrimônio que lhe pertence, para outras, parece
a anulação da sua cultura, da maneira de agir, pensar e sentir na qual foram
socializados. A sociologia indica caminhos para a filosofia da educação e a pedagogia.
70
nova semiologia do trabalho (novo conjunto dos seus significados na nossa vida
pessoal); uma nova ecologia do trabalho (nova relação do montante de trabalho
humano com a natureza). Ora vamos rapidamente pincelar algumas dessas questões.
Tem se tornado corrente no debate atual sobre a morfologia da classe
trabalhadora o conceito de “precariado”, inventado pelo sociólogo britânico Guy
Standing, no seu livro homônimo. Essa seria uma nova expressão histórica da classe
trabalhadora, depois do proletariado e do campesinato. Uma definição exata do que
constitui o precariado ainda não é consenso na literatura sociológica.
Autores brasileiros como Ruy Braga, Ricardo Antunes e Giovanni Alves, tem
em maior ou menor grau, incorporado o conceito aos seus trabalhos. O ponto-chave,
novamente, é a noção de expressão ou forma predominante da classe trabalhadora,
que um dia já foi muito caracterizada pela fixação do trabalhador à terra (campesinato),
pela extrema dificuldade em aurir os frutos do próprio trabalho para além do sustento
da própria prole (proletariado), e agora seria caracterizada pela situação precária dos
vínculos e responsabilidades patronais para com o trabalhador.
Não é de hoje que essa modificação nos regimes de trabalho vem afetando o
próprio sentido subjetivo que esse adquire na vida das pessoas, e a sociologia começa
a se indagar sobre os impactos estruturais dessa transformação. O sociólogo britânico
Richard Sennett, em A corrosão do caráter, de 2008, mostra como nas últimas gerações
o trabalho veio perdendo centralidade na definição da identidade pessoal.
O seu estudo mostra como os trabalhadores norte-americanos altamente
sindicalizados dos anos 1940 e 1950 construíram uma vida familiar e pessoal no
subúrbio das grandes cidades na qual o trabalho era a principal fonte de prestígio e
71
reconhecimento social. Vivia-se “da casa para o trabalho” e do “trabalho para a casa”,
digamos assim. E isso garantia uma determinada rigidez e estabilidade emocional.
Com a precarização das condições e dos vínculos – um trabalho temporário,
intermitente, informal, à distância, etc. – as novas gerações experimentam o trabalho
como um aspecto profundamente angustiante da sua própria existência. Sennett
escreveu antes do boom das redes sociais, mas o seu trabalho antecipa de certo modo
essa deriva e gravitação das fontes da identidade pessoal para outros planos da vida
social, como o lazer e o consumo.
Já da perspectiva da totalidade do trabalho humano e do seu impacto e
relação com a natureza, uma das principais contribuições da sociologia
contemporânea diz respeito à formulação de uma teoria sociológica do risco
ambiental. A sociedade de risco, de 1986, escrito pelo sociólogo alemão Ulrich Bech,
foi publicado com uma antecedência de meses em relação ao desastre nuclear de
Chernobyl. No livro, Bech argumenta que a estrutura das desigualdades sociais sob o
capitalismo não diz respeito somente à distribuição da riqueza, mas também, à
distribuição dos riscos sociais e ambientais: o privilégio de estar longe da
criminalidade, das catástrofes, etc.
Se você puder, assista à mini-série Chernobyl d HBO, que ganhou diversos prêmios
em 2019. A série expõe bastante os meandros políticos do desastre, na demora a
reconhecer a gravidade do acidente, a oferecer uma resposta cientificamente eficaz
para o problema, até a ocultação da extensão dos seus impactos reais. Contudo,
tente observar ali essa dimensão da distribuição desigual do risco. Especialmente
nos primeiros episódios.
“O próprio Marx, no entanto, deixa uma abertura (que ele pessoalmente não
explora) para se perceber que o consumo, ainda que determinado pela
produção, é um momento que tem seus desdobramentos e condicionantes:
por exemplo, na Contribuição à Crítica da Economia Política ele afirma:
[…] A fome é a fome, mas fome que se satisfaz com carne cozinhada, comida
com faca e garfo, não é a mesma fome que come a carne crua, servindo-se
das mãos, das unhas, dos dentes.”
É nesses termos que Marx abre as possibilidades de se perceber a dimensão
simbólica que os processos de consumo envolvem e, portanto, a sua relação
com a dimensão cultural da sociedade (TASCHNER, 1996, p. 26 et. seq.)
“É evidente que o que compramos diz algo sobre quem somos. Não poderia
ser de outra forma. Mas o que estou sugerindo é que o verdadeiro local onde
73
reside a nossa identidade deve ser encontrado em nossas reações aos
produtos e não aos produtos em si. […]
É importante notar que a nossa maneira de conceber a própria identidade é
muito nova. Realmente, levando-se conta o tempo histórico, acabou de
acontecer. Por isso, é pouquíssimo provável que nossos avós, até mesmo
nossos pais, pensassem sobre esse assunto dessa maneira. Para eles, antes
de tudo, a identidade estava muito mais relacionada ao status e à posição que
ocupavam em várias instituições e associações, como família, trabalho,
religião, raça, etnia e nacionalidade. Tudo isso era muito mais importante do
que algo tão insignificante quanto o gosto pessoal. Consequentemente, suas
autodefinições tendiam a enfatizar seu status de fazendeiro, pescador, pai,
presbiteriano, católico, inglês ou sueco etc., e não seu gosto por vinho,
literatura, música ou atividades de lazer. (CAMPBELL, 2006, p.47 et. seq.)
74
1. A noção de campo desenvolvida por Pierre Bourdieu propõe-se a resolver um dilema
teórico. Até então, para explicar os produtos culturais — arte, literatura, religião,
ideologia —, escolhia-se entre duas vias exclusivas: o estruturalismo e o marxismo. Em
síntese, isso significava o confronto entre duas tradições, em que se privilegiavam os
produtos dotados de coerência interna, subtraindo-se os determinantes externos, ou
então, caracterizavam-se tais produtos pelas funções sociais que eles exerciam,
notadamente as funções ideológicas de justificação dos interesses das classes
dominantes. Segundo esse autor, a noção de campo
A) consiste na separação entre o poder e a violência.
B) sintetiza o mundo subjetivo e o mundo objetivo, articulando a ordem do simbólico em
uma realidade complexa, em que a cooperação entre ambos transforma forças
contrárias em aliados que agem graças ao seu embate e não apesar dele.
C) considera língua, mito, arte e religião como estruturas estruturantes, ou seja,
objetivas, atribuindo-lhes papel ativo.
D) pressupõe que mito, religião e arte, apesar de forte presença simbólica, não
cumprem nenhum papel político no jogo da dominação.
E) assume que as esferas da arte, da literatura, da educação, da religião são sistemas
de posições de universos sociais particulares cujas regras do jogo são compartilhadas.
75
B) Problemas teóricos e metodologias de investigação são partes acessórias das
ciências sociais e não substituem a identificação com a realidade investigada.
C) Todos estão sujeitos ao exercício de uma observação espontânea da realidade,
menos o cientista social, que sempre observa a realidade através da teoria.
D) Métodos e técnicas de pesquisa aplicados ao acaso e sem a orientação de uma
problemática teórica, contribuem pouco para a construção de uma perspectiva
sociológica.
E) A metodologia das ciências sociais busca uma reprodução do senso comum na
transformação dos problemas sociais como problemas de pesquisa.
76
4. “A ambientalização dos conflitos sociais está relacionada à construção de uma nova
questão social, uma nova questão pública. Pode-se supor que a construção dessa
questão tenha-se iniciado, nos países desenvolvidos industriais, relacionada à produção
de acidentes industriais, ampliados de grandes riscos e de sua internacionalização.
Nesses países industriais, a aplicação da ciência numa escala industrial, entre outras,
leva autores, como Giddens, a caracterizarem tais sociedades como sendo de
modernização reflexiva e de incerteza industrial, enquanto outros, como Ulrick Beck, as
classificam como sociedades de risco.”
– J. S. Leite Lopes (Coord.). A ambientalização dos conflitos sociais. Rio:
Relume-Dumará, 2004 (com adaptações).
À luz da reflexão acima, assinale a opção correta.
A. A aplicação do progresso científico de forma não controlada pode levar à geração de
riscos ambientais.
B. As noções de sociedade de risco e de modernização reflexiva fazem avançar os
estudos sociológicos apenas no Terceiro
Mundo.
C. A condição de país desenvolvido industrial não é essencial para a discussão sobre
meio ambiente.
D. As noções de sociedade de risco e de modernização reflexiva são formuladas por
correntes do pensamento sociológico contemporâneo que não dialogam entre si.
E. A discussão sobre meio ambiente, nos países desenvolvidos, não se aplica aos
países menos desenvolvidos.
5.
GOSTOS E PRÁTICAS CULTURAIS POR CLASSE SOCIAL (%)
78
UNIDADE
TEMAS DE SOCIOLOGIA
BRASILEIRA
79
6.1 CUIDADO COM O MITO
Montagem justapondo resultados sobre a palavra “mito” numa ferramenta de busca, o cartaz
original do filme “Eu sou a Lenda”, filme de 2007 estrelando Will Smith, e a paródia do cartaz que
começou a circular em 2016 estampando Jair Bolsonaro.
80
A metáfora do mito e da lenda desliza historicamente entre a glória e a mentira
desde os primórdios da cultura ocidental. O mito antigo é uma narrativa fabulosa, cheia
de feitos e personagens extraordinários, frequentemente heroicos, que pretende – e
isso é importante – não explicar a realidade, mas sustentar uma determinada crença
sobre ela. Explicá-la significaria torná-la inteligível.
Mas o mito não torna a realidade inteligível, ele a torna aceitável ou
inaceitável. E isso o faz reafirmando o dogma, amparado na tradição. A filosofia grega
antiga rompera com o mito em vários níveis. Primeiramente, reconhecendo os seus
limites: não cabe à filosofia tratar de tudo, somente o que pode ser explicado pela
razão. Segundo, negando autoridade última à tradição moral ou à palavra de
inspiração divina.
Ao fazer isso, a filosofia rompia com os profetas e os oráculos, os “donos da
verdade”, e inaugurava uma tradição de “mestres da verdade”, uma tradição
intelectual. Esse caminho aberto pela filosofia, e reiterado pela ciência, irá restringindo
o alcance das crenças sustentadas com base no mito, culminando no processo que
Weber denominou “desencantamento do mundo”.
Ainda assim, o mito não desapareceu e provavelmente jamais desaparecerá.
As metáforas correntes do mito antigo vivem da nostalgia do seu aspecto épico e
fabuloso, de um lado, e de uma imagem simplificada da ruptura operada pela filosofia,
de outro, imagem esta que é mais o produto da ciência moderna do que da própria
filosofia. A ciência moderna, de cunho iluminista e positivista, buscou rechaçar o mito.
Na perspectiva das ciências humanas, o mito é algo para ser explicado. Sem
o alcance da fantasia, sem o suporte de uma sociedade de contadores de histórias, o
mito sobrevive na forma crua do esquema narrativo genérico. Os mitos nacionais, por
exemplo, reafirmam dogmas essenciais da nacionalidade, amparados numa versão
tradicional (e não científica) da história.
81
uma questão relevante para os intelectuais e as elites letradas radicadas na corte, no
Rio de Janeiro. Uma questão intelectual, mas também política.
Tratava-se de simultaneamente de definir o lugar do Brasil na história
universal e formular uma pedagogia da nação. Em 1840, o recém-criado Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) – dedicado a fomentar o registro, o estudo e
o ensino da história no país – promoveu um concurso de monografias para responder
a questão. Em 1847, venceu o naturalista alemão Carl Phillip Von Martius (1794-1868).
Em Como se deve escrever a história do Brasil, Von Martius traçou um
poderoso programa historiográfico. Não seria uma história política da saga da dinastia
de Bragança, desde a idade média portuguesa até a fundação do Império do Brasil.
Não seria uma história eclesiástica da expansão da fé cristã na América, desde as
primeiras missões catequistas até o estabelecimento do Padroado Civil na
constituição de 1824. Seria uma história do povo brasileiro da seguinte maneira:
82
evoca a “física social” de Comte: o “motor” da história do Brasil seria a “força diagonal”
composta (pelos vetores) do “movimento” histórico particular de cada raça.
Tal modelo “explicativo” da história nacional sofrerá uma modificação radical
nas mãos de Sílvio Romero, influente crítico literário brasileiro do final do século XIX,
e expoente da geração intelectual de 1870. No século XIX, a literatura era vista como
a síntese da cultura nacional, e a crítica literária alçava-se ao estatuto de uma crítica
da cultura com pretensões ao foro de ciência social de inspiração darwiniana.
83
desta que pautou o movimento eugenista brasileiro do começo do século XX, este que
advogava políticas públicas para o “branqueamento” da população brasileira.
Para saber mais sobre isso, nada melhor do que começar ouvindo a antropóloga
e historiadora Lilia Schwarcz sobre a entrada das teorias raciais no Brasil, no seu
próprio canal no Youtube. Ela é a autora do estudo pioneiro sobre este assunto
no país – O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil
(1870-1930) –, publicado pela primeira vez em 1993. Além disso, assista a
Racismo: uma história (documentário em 3 episódios da BBC), compartilhado e
comentado pela professora Joelza Rodrigues em seu blog profissional.
84
hereditárias preponderando sobre outras influências, deve-se antes associar
à persistência, através de gerações, de condições econômicas e sociais,
favoráveis ou desfavoráveis ao desenvolvimento humano” (FREYRE, 2003,
p. 31).
85
Nenhum desses autores criou o mito do “encontro das três raças”, nem os governos
de Getúlio Vargas criaram o mito da democracia racial. Porque um mito não se cria,
não nasce, apenas toma forma. Diferentes instituições adotam o mito, sustentam
interesses e crenças ligadas à sua manutenção. Porém, a rigor, não o controlam.
Porque o mito é um produto da vida social, ainda que não tenha sido completamente
inventado por ela.
86
Findo o período da escravidão, o padrão de relações sociais urdido em seus
meandros caracterizaria de forma singular a sociedade, atenuando as distâncias
sociais e culturais. Essa seria, por assim dizer, a vantagem da cultura brasileira sobre
a cultura de outros países que no passado implantaram o regime escravista. E embora
essa não seja uma ideia defendida no livro, Freyre a corroborou em sua vida pública.
Novamente, um modelo teórico explicativo transcende o debate intelectual e
adquire uma vida própria no mundo social sob a forma do mito. Se o mito das três
raças se difundiu sobretudo como uma espécie de “pecado original” da sociedade
brasileira, o mito da democracia racial representou por um tempo a sua expiação. Logo
após a Segunda Guerra Mundial, o Brasil era tido como um exemplo nesse sentido.
Apesar das sucessivas gerações de sociólogos e antropólogos desmentirem
a ideia, evidenciando, descrevendo e analisando conflitos de caráter racial no Brasil;
apesar do teatro, da literatura, e dos movimentos sociais o denunciarem e criticarem
duramente, o mito democracia racial permaneceu como um importante pilar ideológico
dos governos brasileiros no século XX, e um ativo da diplomacia brasileira.
Depois da Conferência de Durban em 2001, no final de seu segundo mandato,
Fernando Henrique Cardoso foi o primeiro Presidente da República a reconhecer
oficialmente a existência de preconceito racial no Brasil, dando início a um programa
de ações afirmativas que seria encampado e desenvolvido em seguida pelo próximo
presidente eleito, Luís Inácio Lula da Silva.
87
experiência cotidiana. Mas também foi impulsionado por leituras equivocas da
sociologia.
A explicação do caráter nacional é possível dentro de uma teoria sociológica,
dentro da qual aliás é debatido é um fator mais ou menos determinante do
funcionamento das instituições. Testemunho da predominância do mito da
cordialidade como explicação do caráter nacional brasileiro é o fracasso de
caracterizações alternativas como a do modernista Paulo Prado (1869-1943) em
Retrato do Brasil, de 1928.
Talvez nada seja mais estranho para nós do que a afirmação de que o
brasileiro é essencialmente um povo triste. O livro de Paulo Prado tem o subtítulo de
“ensaio sobre a tristeza brasileira”, e misturando prosa literária, pesquisa histórica e
vagas ideias sociológicas, busca sustentar precisamente essa caracterização. Chega
a comparar o povo brasileiro ao jaburu: ave avantajada, mas estagnada e cabisbaixa.
O diagnóstico de Paulo Prado na verdade simboliza a angústia das elites
intelectuais e políticas brasileiras diante de uma sociedade que ainda era
predominantemente rural e arcaica. Gilberto Freyre assume uma visão muito distinta,
partindo da cultura popular, caracterizando nossa sociabilidade pela presença de
“antagonismos em equilibro”, na feliz expressão do antropólogo Ricardo Benzaquen
de Araújo.
Em meados da década de 1930, um livro moveu essa reflexão do âmbito da
cultura em geral para o da cultura política em específico: Raízes do Brasil, de Sérgio
Buarque de Holanda, publicado pela primeira vez em 1936. O seu ponto de partida é
a análise da relação entre sociabilidade e instituições políticas no Brasil e na Europa.
88
barões não é possível acordo coletivo durável, a não ser por uma força
exterior respeitável e temida” (HOLANDA, 1995, p. 31).
90
da desigualdade social brasileira, de outro. O capitalismo é um fenômeno global, de
modo que a sociologia brasileira se volta mais para esse segundo aspecto da teoria.
92
É aí que a teoria sociológica se distingue e complementa a luta política,
evitando reduzir a desigualdade social ao preconceito racial, e enfatizando a sua
dimensão estrutural e de classe. Como você pode ver pelo infográfico que abre a
unidade, os dados estatísticos mostram que a desigualdade é real e possui um
aspecto racial. Mas este não é a causa do problema, senão o efeito de uma fraca
integração social.
93
1. Gilberto Freire, no livro Casa Grande e Senzala, analisa aspectos das relações inter-
raciais no Brasil. Considerando a
maneira como esse autor desenvolve, em sua análise, o mito da harmonia entre as
três raças que constituíram a nação brasileira, assinale a opção correta.
A) Segundo esse autor, a miscigenação produz uma sociedade singular nos trópicos,
caracterizada principalmente pela
convivência pacífica entre as raças.
B) A análise de Gilberto Freire está focada na idéia de dissidência entre as três raças,
o que constitui o principal ponto de conflito da nação brasileira.
C) No mito da harmonia racial, Gilberto Freire sugere a preponderância absoluta do
elemento branco sobre os negros e os índios.
D) O preconceito racial é, segundo esse autor, um elemento fundador do mito da
nação brasileira.
E) Para o autor, o fenômeno da miscigenização indica um desequilíbrio entre as três
raças constitutivas da nação brasileira.
94
3. “O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração
de certos agrupamentos, decertas vontades particularistas, de que a família é o melhor
exemplo. Não existe, entre o círculo familiar e o Estado, uma gradação, mas antes
uma descontinuidade e até uma oposição. A indistinção fundamental entre as duas
formas é prejuízo romântico que teve os seus adeptos mais entusiastas durante o
século XIX. De acordo com esses doutrinadores, o Estado e as suas instituições
descenderiam em linha reta, e por evolução simples, da família. A verdade, bem outra,
é que pertencem a ordens diferentes em essência. Só pela transgressão da ordem
doméstica e familiar é que nasce o Estado e que o simples indivíduo se faz cidadão,
contribuinte, eleitor, elegível, recrutável e responsável, ante as leis da cidade. Há
nesse fato um triunfo do geral sobre o particular, do intelectual sobre o material, do
abstrato sobre o corpóreo e não uma depuração sucessiva, uma espiritualização de
formas mais naturais e rudimentares, uma procissão das hipóstases, para falar como
na filosofia alexandrina. A ordem familiar, em sua forma pura, é abolida por uma
transcendência”.
– Sérgio Buarque de Holanda. Raízes do Brasil.
São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 141.
Com base no texto acima, assinale a opção correta.
A) A formação do Estado representa o surgimento de uma nova ordem independente
do círculo familiar.
B) O Estado é uma evolução natural da ordem doméstica e familiar.
C) A ordem familiar só pode existir em sua forma pura.
D) Indivíduo e cidadão são sinônimos.
E) As diferenças entre ordem familiar e ordem estatal são superficiais.
4. “Já se disse, numa expressão feliz, que a contribuição brasileira para a civilização
será de cordialidade - dare-mos ao mundo o ‘homem cordial’. A lhaneza [afabilidade]
no trato, a hospitalidade, a generosidade, virtudes tão gabadas por estrangeiros que
nos visitam, representam, com efeito, um traço definido do caráter brasileiro, na
medida, ao menos, em que permanece ativa e fecunda a influência ancestral dos
padrões de convívio humano, informados no meio rural e patriarcal. Seria engano
supor que essas virtudes possam significar ‘boas manei-ras’, civilidade. São antes
expressões de um fundo emo-tivo extremamente rico e transbordante. Nossa forma
ordinária de convívio social é, no fundo, justamente o contrário da polidez”.
95
– HOLANDA, S. B. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995,
pp. 146-147.
Em Raízes do Brasil, Sérgio Buarque de Holanda utiliza o conceito de “homem cordial”
A) para definir o caráter nacional brasileiro, cuja origem
encontra-se em nossos ancestrais ibéricos.
B) como fruto da análise da psicologia do brasileiro, por meio da qual busca
estabelecer os traços genéricos da cultura nacional.
C) para descrever o modo de ser de todo brasileiro, isto é, um indivíduo afetuoso e
acolhedor, características elogiadas pelos estrangeiros que visitam o país.
D) como um tipo ideal, sem existência efetiva; com esse conceito, busca compreender
a conduta dos agentes sociais sem pretender fixar um caráter nacional.
E) para indicar como a cordialidade foi imprescindível para a consolidação da
democracia no Brasil, criando instituições marcadas pelas relações familiares e pesso-
ais.
5. A obra de Jessé Souza tem inspirado as pesquisas recentes sobre a nova estrutura
de classes da sociedade brasileira. Dada a perspectiva adotada pelo autor, essas
pesquisas têm criticado:
A) o atraso histórico do Brasil em relação a países ple-namente modernos.
B) o caráter ideológico da interpretação patrimonialista sobre a formação social
brasileira.
C) a natureza populista dos programas estatais de redis-tribuição de renda.
D) a política clientelista que impossibilita o desenvolvi-mento de uma cidadania plena.
E) a exploração midiática da tese que caracteriza o es-paço público como ineficiente.
96
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103
GABARITO – FIXANDO O CONTEÚDO
UNIDADE 1 UNIDADE 2 UNIDADE 3
Questão 1 B Questão 1 D Questão 1 C
Questão 2 A Questão 2 A Questão 2 D
Questão 3 C Questão 3 C Questão 3 A
Questão 4 A Questão 4 A Questão 4 C
Questão 5 A Questão 5 B Questão 5 A
104