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MACROECONOMIA

Contornando as
ineficiências do sistema
financeiro nacional
No terceiro trimestre do ano passado, a sem a reestatização do sistema financeiro, é
taxa de investimento voltou a atingir a média encontrar uma forma de contornar o siste-
no período de 1991 a 2004, que foi de apenas ma financeiro nacional. Em outras palavras,
19,2% do PIB.Neste mesmo período, a taxa de é preciso montar uma estratégia clara e um
crescimento da economia girou em torno de sistema eficiente de suprimento de crédito
2,5% ao ano. Para crescer mais rapidamente e de financiamento dos investimentos. Ve-
precisamos aumentar significativamente a jamos algumas formas e estratégias para
taxa de investimento. Para isso, é fundamen- contornar as ineficiências do nosso sistema
tal ter um mecanismo de intermediação financeiro.
eficiente dos recursos dos poupadores para A primeira forma óbvia trata de aumen-
os investidores. Historicamente, a formação tar a lucratividade das empresas, criando
de tal sistema de intermediação financeira é um ambiente estimulante e amigável
resultado do próprio processo de desenvolvi- para a atividade produtiva. Nos países em
mento econômico e não a sua causa. Por isso, desenvolvimento, as empresas já retêm a
nos países em desenvolvimento o Estado tem maior parte de seus lucros, ao contrário dos
tido papel importante no financiamento dos Yoshiaki Nakano países desenvolvidos que os distribuem co-
investimentos. No Brasil, no período de alto Diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV mo dividendos e financia a maior parte de
crescimento do pós-guerra, o financiamento seus investimentos. Enquanto nos países
público dos investimentos privados exerceu 10,4% das operações de crédito em relação desenvolvidos cerca de metade do inves-
um forte e crescente papel. No início da ao PIB, no mesmo período. timento é financiada por lucros retidos, na
década de 80 este sistema de financiamen- Além do tamanho anão do nosso sis- América Latina este percentual alcança, em
to público entrou em colapso e com ele o tema financeiro, ele opera com prazos e média, mais de 80%. O crédito internacional
crescimento. Na década de 90, promovemos impõe custos insuportáveis num contexto representa, em média, 3,3% e o restante é
a privatização de muitas instituições financei- de economia aberta e globalizada. Em 2004, financiado por emissão de ações, títulos
ras públicas, mas as instituições financeiras a taxa real média de juros nas operações de e créditos bancários domésticos. Este úl-
privadas não têm suprido eficientemente as crédito, com recursos livres para pessoas ju- timo é representativo nos países onde as
empresas com crédito para suas operações rídicas, girou em torno de 22% ao ano, com instituições financeiras oficiais são ativas
correntes,nem financiamento de longo prazo prazo médio de apenas seis meses. Para se e no Brasil representa cerca de 10% dos
para investimentos produtivos. Se não que- ter uma referência das taxas vigentes no investimentos.
remos a reestatização do sistema financeiro, exterior basta verificar que, neste mesmo Desta forma, as políticas econômicas
como resolver a questão do financiamento período, a taxa Libor de seis meses foi em devem se voltar para aumentar a lucrativi-
de investimentos? dólar norte-americano de 1,8% ao ano, em dade e o fluxo de caixa das empresas para
Indicadores da ineficiência do sistema fi- iene de 0,06% e em euro de 2,16% ao ano. gerar fundos internos. Dois exemplos de
nanceiro nacional são bastante conhecidos. Como a inflação em dólar e em euro foi de instrumentos de política muito utilizados
Mas vale lembrar que o total de operações mais de 2%, e em iene tivemos deflação, a são a tributação e a política cambial.
de crédito do nosso financeiro representou rigor as taxas reais de juros para os mesmos Através da desoneração tributária dos
apenas 15,8% do PIB, em dezembro de prazos são negativas. Como podem as em- lucros reinvestidos e com regras mais gene-
2004. Nos países emergentes, que crescem presas brasileiras competir neste contexto rosas de depreciação é possível aumentar a
rapidamente, e nos países desenvolvidos, com tamanha restrição e custo? geração de poupança bruta pelas próprias
esse indicador é, no mínimo, cinco a dez Portanto, uma das questões fundamen- empresas, o que permitiria o financiamento
vezes maior. Neste quadro, as instituições tais para que o país possa realmente entrar interno dos seus investimentos contornando
financeiras públicas respondem, ainda, com numa trajetória de crescimento sustentado, a intermediação financeira.

M a rço de 20 05 CONJU NTUR A ECONÔMICA 10


MACROECONOMIA
Além do tamanho
anão do nosso sistema
Taxa de câmbio desvalorizada é outro 2% do PIB, o que mudou a imagem do país
financeiro, ele opera
instrumento que permite aumentar os lucros no exterior. Devemos ampliar este superávit
das empresas. Ao reduzir a taxa de salário, com prazos e impõe que, combinado a uma taxa real de câmbio
em moeda estrangeira, abaixo daquela que custos insuportáveis competitiva, nos tornariam investment grade
as empresas localizadas no exterior pagam, e eliminaria o risco Brasil.
num contexto de
podemos gerar um lucro extraordinário pa- Uma terceira forma de contornar as
ra as empresas exportadoras, que poderão economia aberta e ineficiências da intermediação financeira
constituir fundos internos para financiar os globalizada doméstica se dá ao nível microeconômico.
seus investimentos. São empresas nacionais exportadoras que
A segunda forma de contornar as inefi- com endividamento muito limitado. Neste se internacionalizam adquirindo ou consti-
ciências do sistema financeiro nacional é caso, o país adota uma política ativa de gerar tuindo empresas no exterior, isto é, passam
utilizar-se diretamente do sistema financeiro superávits nas transações correntes, isto é, a ter empresas coligadas com domicílio no
dos países desenvolvidos. Mas aqui é impor- canaliza parte da poupança doméstica para exterior. Neste caso, conseguem captar
tante lembrar que não se trata simplesmente o mercado financeiro internacional e tira pro- recursos quatro a cinco pontos percentuais
de obter financiamento externo com endi- veito da sua eficiência para complementar o abaixo do que captariam sendo nacionais.
vidamento, como vem fazendo a América financiamento de seus investimentos produ- Assim, a política governamental deveria dar
Latina e o Brasil de forma sistemática com tivos. Esses países, em regra, para poderem apoio a este processo de internacionalização
resultados desastrosos. Neste caso, o au- tirar proveito da eficiência da intermediação das empresas brasileiras.
mento do endividamento eleva as taxas de financeira de países desenvolvidos, praticam Para concluir, é importante salientar que
juros e, dado o fenômeno da “intolerância à taxas reais de juros iguais ou menores do que nas duas últimas formas apresentadas de
dívida”, temos assistido a sucessivas crises de as dos países desenvolvidos e com isso con- contornar as ineficiências da intermediação
dívida com conseqüências desastrosas para trolam o fluxo de capital de curto prazo do doméstica, a exportação é o pressuposto
o desenvolvimento econômico. Qualquer exterior para o mercado financeiro domés- fundamental. Num caso, é essencial o país
crise ou evento que eleve a aversão ao risco tico ineficiente. Mas atraem investimentos ter superávit em transações correntes, isto
no mercado financeiro internacional acaba diretos em capitais produtivos e financia- é, ser poupador líquido internacionalmente,
refletindo em súbitas reversões do fluxo de dos diretamente pelo sistema financeiro constituindo garantias para reduzir o risco
financiamento que, em função dos serviços americano ou europeu. Assim, a orientação país. Não se trata de criar dependência do
da dívida e necessidades de amortização da política econômica deve procurar elevar mercado financeiro internacional e pagar
do endividamento acumulado ao longo a remuneração do investimento produtivo alto “risco país”. Ao contrário: trata-se de in-
de anos, acaba levando a crises cambiais e e não dos ativos financeiros, como ocorre tegrar comercialmente a economia global
financeiras ou tornando o default inevitá- no Brasil. A política monetária deve ser de para tirar proveito de mercados financeiros
vel se não houver socorro de organismos taxa de juros baixa, ou seja, suficientemente eficientes. E noutro caso, as empresas preci-
multilaterais. baixa para não atrair capital especulativo e sam ter receitas em dólar exportando para
A forma eficiente de contornar as inefici- de arbitragem, que provocam fortes oscila- adquirir ativos no exterior e terem acesso,
ências da intermediação financeira domés- ções na taxa de câmbio. O Brasil obteve em sob novas condições, a mercados financeiros
tica se dá sem endividamento externo ou 2004 um superávit de transações de quase mais eficientes.

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11 M a rço de 20 05 CONJ U N T U R A ECONÔM ICA

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