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Palato: o que saber previamente à

instalação de mini-implantes?
Escrito por Redação
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Autores
|Matheus Alves JR|Carolina Baratieri|Mariana Marquezan|Lincoln Issamu Nojima|
Maria Christina Thomé Pacheco|Mônica Tirre de Souza|

Resumo
A região do palato é um dos locais mais favoráveis para a instalação de mini-
implantes. Fatores como fácil acessibilidade, cobertura total de gengiva
queratinizada e boa qualidade óssea em sítios específicos contribuem para a
redução do risco de inflamação e aumento da estabilidade primária. No entanto, a
presença de vasos, nervos e forames demanda grande atenção no momento da
instalação desses dispositivos. Lesões nestas estruturas podem levar ao
comprometimento da técnica e do tratamento. Descrições pormenorizadas da
região palatina são escassas na literatura, até mesmo em livros de anatomia.
Buscando preencher essa lacuna, o presente trabalho descreve detalhadamente a
região palatina, destacando áreas de maior ou menor espessura óssea, espessura
de mucosa, posição e trajeto de nervos, vasos e forames, destacando os locais
mais indicados para a instalação desses dispositivos.

 Palavras-chave: Palato. Procedimentos de ancoragem ortodôntica. Anatomia.


Introdução
O aumento de pacientes adultos que procuram por tratamento ortodôntico, aliado à
falta de colaboração em relação ao uso de dispositivos extrabucais e à
necessidade de controle da ancoragem pelo ortodontista, fizeram com que os mini-
implantes e demais dispositivos temporários de ancoragem (DTA) ganhassem
destaque em meados da década de 90.

Existem no mercado diferentes desenhos e tamanhos de mini-implantes, sendo


que a escolha do dispositivo mais adequado é dependente do conhecimento que o
ortodontista tem da anatomia da região. Fatores como a espessura óssea,
espessura gengival e localização de estruturas nobres, tais como vasos e nervos,
devem ser considerados durante a escolha do mini-implante e planejamento de
sua inserção.

A área do palato é, provavelmente, a mais favorável para instalação desses


dispositivos, devido à fácil acessibilidade e presença de tecido queratinizado em
toda sua extensão1. O risco de lesão de estruturas anatômicas importantes é
pequeno, desde que se conheça a localização dos forames da região (incisivo e
palatinos), assim como a trajetória de seus vasos e nervos. As regiões mediana e
paramedianas do palato são constituídas por osso cortical em espessura e
densidade adequadas para a instalação de mini-implantes e aplicação de forças
ortopédicas2. Ainda, a instalação de mini-implantes nessas regiões tem a
vantagem de não interferir na movimentação dentária 3.
HISTÓRICO
A introdução dos implantes dentários como recursos de ancoragem esquelética na
Ortodontia ocorreu em meados da década de 80 4. Mais tarde, na década de 90,
dispositivos específicos de ancoragem foram criados. Entretanto, foi em 1995 que
a ancoragem no palato ganhou ênfase, com a introdução dos onplants, por Block e
Hoffman5. O onplant consistia de um disco de liga de titânio com 2mm de altura e
10mm de diâmetro, tratado e revestido por hidroxiapatita. Sua instalação requeria
abertura de retalho e período de cicatrização de 3 meses, para osseointegração,
previamente à aplicação da força ortodôntica. A impossibilidade de aplicação
imediata da força, devido à ausência de estabilidade primária, foi apontada como
uma desvantagem6. Ainda, em função da osseointegração, sua remoção
provocava um defeito ósseo. Em 1997, Kanomi 7 introduziu os mini-implantes, uma
variação dos parafusos de fixação cirúrgica, porém, esses ainda não eram
utilizados na região palatina. Em 1999, Wehrbein et al. 8 lançaram o Orthosystem,
um sistema de implante que viria a substituir os onplants. Esse era fixado no
centro do palato, posteriormente à papila incisiva, e possuía diâmetro de 3,3mm,
comprimento de 4 a 6mm e uma canaleta na cabeça do implante pela qual
passava o fio de uma barra transpalatina própria para reforçar a ancoragem dos
dentes posteriores. Entretanto, esse sistema possuía a desvantagem de
osseointegrar-se, o que requeria 3 meses previamente à aplicação da força para
sua cicatrização, além de sua difícil remoção 8.
O constante aperfeiçoamento do desenho e a redução no tamanho dos mini-
implantes permitiram sua instalação também no palato a partir do ano 2000. Suas
principais vantagens em relação aos outros sistemas descritos anteriormente são o
tamanho reduzido, baixo custo, técnica cirúrgica simples para inserção e remoção,
além da ausência de incisão da mucosa 5. A maior vantagem, no entanto, é a
aplicação de força imediata, conferida por meio da estabilidade primária 9. O palato
é a região de escolha para a instalação de mini-implantes quando se deseja
realizar movimentos anteroposteriores de pré-molares e molares 10, intrusão de
dentes maxilares11 ou tracionamento de dentes impactados 12. Além da ancoragem
para o movimento dentário, mais recentemente os mini-implantes têm sido
utilizados como ancoragem para a movimentação esquelética e abertura de
sutura13,14,15.
OBJETIVO
O objetivo do presente trabalho é descrever a região palatina como área de
inserção de mini-implantes para ancoragem ortodôntica, evidenciando a
localização de estruturas importantes como forames, vasos e nervos, assim como
as espessuras dos tecidos ósseo e mucoso, destacando os locais mais indicados
para a instalação desses dispositivos.

ASPECTOS ANATÔMICOS E OS MINI-IMPLANTES


O tecido ósseo do palato
A região palatina da maxila é formada pelo palato duro e pelo palato mole. O
palato duro é formado pelos processos palatinos direito e esquerdo da maxila,
unidos por meio da sutura palatina mediana, e pela lâmina horizontal do osso
palatino de cada lado, unido pela sutura palatina transversa 16. Na região anterior
da sutura palatina mediana, encontra-se o forame incisivo, pelo qual emergem o
nervo nasopalatino e a artéria palatina maior. Entre os segundos e terceiros
molares, encontra-se o forame palatino maior (Fig. 1), por onde emergem vasos e
nervos palatinos maiores16 (Fig. 2). Posteriormente aos forames palatinos maiores,
encontram-se os forames palatinos menores, por onde emergem os vasos e
nervos palatinos menores. A localização, tamanho e forma desses forames podem
variar de acordo com a etnia17.
A espessura óssea da maxila varia de acordo com cada indivíduo e com a região
dos dentes avaliados. Esse conhecimento é importante para que haja espessura
óssea suficiente para alojar a porção ativa do mini-implante, que possui de 6 a
10mm de comprimento e de 1,4 a 2,0mm de diâmetro.

A preocupação com a escolha do correto tamanho do mini-implante, juntamente


com a avaliação do local escolhido, se justifica caso o mini-implante seja curto,
pois poderá não conferir a estabilidade desejada para aquela determinada
quantidade de força. Na situação inversa, a escolha de um mini-implante com
tamanho maior do que a altura óssea disponível poderá ocasionar perfuração do
assoalho nasal e, consequentemente, comunicação entre as cavidades bucal e
nasal1,18. Ambas as situações podem provocar complicações, incômodo ao
paciente e atraso do tratamento.
Visando evitar o contato com o canal incisivo, nervo nasopalatino e artéria palatina
maior, é recomendável evitar a instalação de mini-implantes na área do forame
incisivo e até 3mm posterior a esse.

No sentido vertical, de 2 a 8mm acima das cristas marginais, a maior quantidade


de tecido ósseo se encontra entre o segundo pré-molar e o primeiro molar 19. Não
se recomenda a instalação de mini-implantes a partir de 8mm distante da crista
marginal, devido à presença dos seios maxilares 19 (Fig. 3).
Na área da crista marginal, outra preocupação se refere à qualidade do tecido
ósseo disponível. As regiões mais posteriores apresentam osso trabeculado mais
poroso e cortical óssea fina (Fig. 4), acarretando a perda de estabilidade dos mini-
implantes11.
Na sutura palatina mediana e áreas paramedianas, à cerca de 6 mm posterior ao
forame incisivo, a altura óssea média é superior a 6mm, tanto para homens quanto
para mulheres, sendo uma área favorável para a colocação de mini-implantes 1.
Porém, à medida que se caminha para distal, existe a tendência de diminuição
dessa altura óssea1. De pré-molares para posterior (cerca de 12mm distante do
forame incisivo) não é indicada a inserção de mini-implantes, devido à diminuição
da altura óssea total nas áreas centrais do palato de anterior para
posterior1,2,3,20,21,22 (Fig. 5).
No sentido laterolateral do palato, visto em corte coronal, o local seguro para a
inserção de mini-implantes é a sutura palatina mediana, devido ao aumento
adicional de espessura óssea vertical conferido pelo septo nasal ósseo 10,23,24.
Contudo, em crianças e adolescentes, a instalação de mini-implantes na sutura
deve ser evitada, em razão dessa não estar completamente ossificada 10,20,25. Em
tais casos, deve-se dar preferência pela instalação do mini-implante nas áreas
paramedianas20, atentando para a diminuição da espessura óssea total nessa
região à medida que se caminha lateralmente2 (Fig. 6).
Ainda com relação ao tecido ósseo, é recomendável que a espessura de osso
cortical seja superior a 1mm, para garantir maior estabilidade 26. Nas regiões da
sutura palatina mediana e paramediana, estudos de mapeamento do palato não
encontraram áreas com cortical de espessura inferior a 1mm 21,27. Na região
palatina entre segundos pré-molares e primeiros molares, a cortical óssea será
mais espessa quanto mais próxima da crista marginal, sendo a espessura da
cortical superior a 1mm na região compreendida entre a crista marginal e um ponto
a 10mm dela no sentido vertical23.
O tecido de recobrimento
A mucosa que reveste o palato duro é uma lâmina de mucoperiósteo, que é uma
mucosa firmemente aderida ao periósteo. O mucoperiósteo do palato apresenta
uma rafe mediana, que termina na sua porção anterior em uma saliência lisa e oval
denominada papila incisiva. A papila incisiva recobre o forame incisivo e, junto com
ele, o nervo nasopalatino e a artéria palatina maior 16.
No terço anterior do palato, a mucosa apresenta-se corrugada por um verdadeiro
sistema de pregas, ou rugas, fortemente aderidas ao plano ósseo subjacente.
Essas pregas são originárias do tecido conjuntivo denso da submucosa, altamente
fibroso, que reveste o osso, confundindo-se com o periósteo; porém, são
recobertas apenas pelo epitélio estratificado. Os relevos que o palato apresenta,
as rugosidades palatinas, constituem um conjunto de cristas lineares dispostas de
forma semelhante às nervuras de uma folha vegetal, em número variável. Elas se
irradiam da papila incisiva e da parte anterior da rafe palatina em direção lateral 16.
Nessa região a mucosa é espessa, decrescendo a partir da papila incisiva para
posterior (Fig. 7).

Sempre que possível, o mini-implante deve ser inserido na gengiva inserida,


devido ao maior risco de insucesso da inserção em mucosa não queratinizada,
quando comparada à mucosa queratinizada 28. Felizmente, toda a área do palato é
recoberta por tecido queratinizado, o que favorece a instalação de mini-implantes,
reduzindo as chances de inflamação peri-implantar 1.
O comprimento do mini-implante deve levar em conta também a espessura da
mucosa. Quanto mais espessa for a mucosa, maior deve ser o perfil transmucoso
do mini-implante selecionado29.
Partindo-se da sutura palatina mediana para lateral (até 6mm, lateralmente), a
espessura de tecido mole aumenta 27. Partindo-se da crista marginal, observa-se,
também, um aumento na espessura de mucoperiósteo.
Quanto mais distante do tecido ósseo for o ponto de aplicação da força, maior será
a chance de produzir momentos de força e consequentes falhas do mini-
implante29. Assim, para evitar grandes momentos de força, as regiões de mucosa
espessa, como as localizadas a 6mm lateralmente à sutura, devem ser evitadas.
Regiões de espessura de gengiva inserida adequada estão localizadas na
sutura23,27, até 3mm lateralmente a essa27 e próximas à crista marginal23 (Fig. 8).

Na região do terço posterior do palato duro, entre a mucosa e o osso tem início
uma camada de glândulas salivares menores (glândulas palatinas), que se
estende ao palato mole. O palato mole diferencia-se do palato duro através da
coloração, que passa de rosa para vermelho translúcido, e também por meio de
sua mobilidade. O palato mole é composto de tecido fibroso e formado pelos
músculos tensor do véu palatino, levantador do véu palatino, palatoglosso,
palatofaríngeo e músculo da úvula16. Nessa região não se recomenda a instalação
de mini-implantes, devido à indisponibilidade óssea.
Vascularização e inervação
Dentro da fossa pterigopalatina, a artéria maxilar dá origem à artéria palatina
descendente, que desce pelo canal pterigopalatino e emerge no palato pelo
forame palatino maior (Fig. 2) com o nome de artéria palatina maior. A artéria
dirige-se para anterior, num sulco palatino entre as espinhas palatinas, liberando
ramos pelo palato e suprindo mucosa, glândulas e gengiva palatina, dos dentes
até chegar ao canal incisivo. Ainda dentro do canal pterigopalatino, pequenas
artérias palatinas menores emergem posteriormente pelos forames palatinos
menores para irrigar o palato mole16.
Oriundo da porção maxilar do gânglio trigeminal, o nervo palatino desce pelo canal
pterigopalatino juntamente com a artéria palatina maior, emitindo ramos que irão
atravessar o forame palatino maior e dar origem ao nervo palatino maior; e ramos
que vão atravessar os forames palatinos menores e dar origem aos nervos
palatinos menores. O nervo palatino maior emerge do forame e caminha
anteriormente em direção ao forame incisivo, cerca de 5 a 15mm da margem
gengival, sendo responsável pela sensibilidade da mucosa palatina da região de
canino até o limite anterior do palato mole (Fig. 2), que terá sua sensibilidade
recolhida pelos nervos palatinos menores16,18.
A sensibilidade da região anterior ao canino é recolhida por meio do nervo
nasopalatino, que também se origina do nervo maxilar, percorre o septo nasal em
direção inferior e anterior para atravessar o forame incisivo e caminhar
posteriormente até a região de canino, quando irá se anastomosar com o nervo
palatino maior16.
O planejamento prévio à colocação dos mini-implantes nessas regiões se faz
necessário para evitar injúria ao feixe vásculonervoso. A lesão do feixe nervoso
pode provocar parestesia transitória, necessitando em torno de seis meses para
completa cicatrização. O contato com o nervo por longo período pode levar à
necessidade de farmacoterapia (corticoides), laserterapia ou até mesmo
microcirurgias30. Devido à importância dessas estruturas na região palatina, a
inserção segura de mini-implantes deve ser feita lateralmente ao feixe
vásculonervoso (Fig. 9).
As raízes dentárias
Devido às suas características e tamanhos diminutos, os mini-implantes são,
frequentemente, instalados entre as raízes dos dentes, por palatino ou vestibular, o
que aumenta a probabilidade do contato desses com o ligamento periodontal ou
com uma raiz durante a instalação. Contatos com as raízes podem levar à
sensibilidade dentária, perda do mini-implante 31 ou, em alguns casos, a perfuração
e a perda do elemento dentário 9. Por esse motivo, o procedimento de instalação do
mini-implante deve ser realizado apenas sob anestesia mucoperióstea, sendo que,
em caso de contato com o periodonto, a sensibilidade será relatada pelo paciente
e, dessa forma, evitará que perfurações severas ocorram.
Levando-se em conta que a espessura aproximada do ligamento periodontal é de
0,25mm, considera-se que um espaço mínimo de 1mm ao redor do mini-implante
deva ser suficiente para manutenção da saúde periodontal e, assim, combinando
esse valor com o diâmetro do mini-implante, as zonas seguras para inserção
interradicular podem ser identificadas19.
Por palatino, a região próxima às raízes dos dentes com maior disponibilidade
óssea é entre o segundo pré-molar e o primeiro molar 19, entre 2 e 8mm acima da
crista marginal (Fig. 3).
CONCLUSÃO
A região palatina é de extrema importância para a ancoragem ortodôntica e sua
utilização para colocação de mini-implantes tem sido cada vez maior; no entanto
falhas na instalação desses dispositivos vêm ocorrendo com frequência. Para
assegurar que o sucesso do tratamento seja alcançado, atenção especial deveria
ser dada ao estudo detalhado da área anatômica escolhida e às peculiaridades
dessa região. Sabendo que a variação dessa anatomia entre os pacientes é
grande, a necessidade de exames radiográficos e tomográficos complementares
deve ser considerada.

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