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CLASSICISMO FRANCÊS

Embora o Barroco tenha se espalhado por toda a Europa nos séculos XVI, XVII e início
do XVIII, ele não pode ser considerado como o estilo de uma época: ele coexiste com
estilos renascentistas e classicistas, o que faz com que alguns historiadores considerem
os três movimentos como parte do Renascimento. O que importa considerarmos é que
se o Renascimento é resultado de um pensamento contrário às ideologias da Idade
Média e o Barroco, por sua vez, reage contra a ideologia do Renascimento, o
Classicismo é contraditório apenas quanto à estética barroca: ele não nasce de um
pensamento filosófico, mas tão somente como uma reação ao “mau gosto” da arte
barroca. Na França, a vigência das ideias estéticas do Barroco foi muito menor do que
em outros países europeus. Para isso contribuiu a atitude de Classicismo Oficial
adotada pela Monarquia e, principalmente, por Luís XIV, cujo longo reinado
(1643/1715) foi assinalado pela recusa de tudo o que havia de fantasioso e irreal na
estética barroca. O racionalismo impôs-se nas altas esferas da corte. Luís XIV percebeu
o poder da arte para impressionar e dominar. Em seu programa político, a exibição e o
esplendor da realeza foram deliberadamente usados para mostrar seu poder e
aumentar a ascendência sobre a mente de seus súditos. O Classicismo se caracteriza
pelo domínio da razão sobre a emoção. Não se deve confundir, porém, no caso do
teatro, autor e personagem: no caso da Fedra, a personagem título é totalmente
dominada por sua paixão, mas o estilo de Racine permanece sóbrio e racional por toda
a peça, é o autor que não se pode deixar dominar pela emoção. Esta apaga-se em
favor da ordem e do sistema, buscando seus modelos, novamente, onde a organização
social alcançou maior efetividade: Roma e Grécia. O Classicismo se atém ferreamente
às regras Aristotélicas, às unidades de ação, tempo e espaço e a uma preciosidade
sonora, por meio de rimas riquíssimas em versos tão perfeitos metricamente que
futuramente acabarão redundando em um preciosismo, arduamente ridicularizado por
Moliére. Em 1635, o Cardeal Richelieu cria a Academia Francesa e, em 1648, Mazarin
funda a Academia de Belas Artes. No entanto, a arte submete-se com dificuldade ao
academicismo, que tende a sufocar a originalidade e a vitalidade, apesar de permitir
uma organização melhor da vida artística.
Teatro clássico francês

O desenvolvimento do teatro na França processou-se a partir do momento em que


houve a união de todas as regiões do país sob o poder régio. Com o enfraquecimento
dos senhores feudais, a sociedade agrupou-se toda em torno do rei, aprazendo-se em
enxugá-lo após o banho ou assisti-lo a fazer a sua higiene íntima. Luís XIV, de instrução
rudimentar, na necessidade de divertir esses cortesãos irrequietos, transformou a
corte num perpétuo salão de festas, acabando por se tornar um grande mecenas. A
sociedade francesa, rigidamente hierarquizada, identificou-se com a organização
estilística do Classicismo, que acima de tudo, como já dissemos, preza a ordem, as leis,
as regras estabelecidas. Os espetáculos eram apresentados nos salões das cortes. Não
havia móveis fixos para a plateia e horas antes da apresentação criados traziam
cadeiras, poltronas, sofás e até mesas para o público se sentar. Aos poucos, o salão
ficava repleto de gente que passava para um lado e outro, cumprimentando
conhecidos, comentando as novidades ou discutindo acontecimentos políticos. Em
dado instante, um toque de clarim ou três bastonadas no chão acalmavam o
burburinho reinante anunciando o início da representação. Com o tempo, esse sinal foi
substituído por uma abertura instrumental, a qual, em regra, objetivava pedir silêncio
à assistência. A novidade nesse teatro é que pela primeira vez em um recinto teatral,
os papéis femininos foram representados por mulheres. Os atores imperavam no palco
e, se agradavam, tornavam-se logo ídolos da multidão, caso contrário, passavam a ser
alvo de frutas e legumes vendidos no próprio local. Essa reação, bastante habitual
desde o Teatro Grego, não significava que o público francês fosse igual ao do resto da
Europa. Na verdade, era um público erudito, apreciador dos conceitos estéticos
classicistas. Se os atores eram agraciados ou agredidos não era – como no Teatro
Elisabetano – porque o espetáculo se tornara monótono, mas porque o ator não
estava fazendo jus à grandeza do poeta.

Os três grandes do Classicismo francês

Quando o Classicismo se estabeleceu no teatro francês, Shakespeare perdeu seu


prestígio na França. Suas peças foram rejeitadas por não respeitarem as regras
aristotélicas e sua linguagem foi considerada baixa. A princípio, o autor inglês
continuou a ser montado na França com algumas pequenas adaptações que pudessem
tornar a sua obra mais de acordo com o modelo classicista, tais como a subtração das
cenas cômicas das tragédias, que violentavam a unidade de ação, porém, com o
surgimento de Pierre Corneille, Jean Baptiste Poquelin (Moliére) e Jean Racine,
Shakespeare foi banido dos palcos franceses. Corneille possuía um espírito heroico e
independente, o que fazia com que seu teatro não se encaixasse perfeitamente nas
estruturas formais rígidas impostas pelo Classicismo. Corneille não desrespeitava as
regras, o resultado disso é que vemos em sua tragédia El Cid acontecimentos que
seriam impossíveis de se realizarem em único dia ou em um único cenário, espremidos
dentro dos conceitos aristotélicos. Nem por isso Corneille deixava de ter o aplauso
público, dada a beleza de seus versos, dispostos na estrutura lógica e coerente do
texto herdado dos gregos. Racine era de um temperamento dramático e perturbado.
Se as personagens de Corneille são vítimas do dever, as de Racine o são de seus
sentimentos. O conflito se estabelece em ambos na luta entre a razão e a emoção, os
resultados é que irão variar: Racine considera a vontade humana fraca e joguete das
paixões, a falha trágica de suas personagens está no domínio da emoção irracional
sobre a razão. Enquanto Corneille celebrava a força do homem, Racine dramatizava
sua fraqueza. Corneille não se identificava como cortesão e acima de tudo suas peças
contêm um caráter moralista. Racine, pelo contrário, embora não fizesse vistas grossas
à pobreza das classes inferiores, era um amante da corte e dos jogos de salão e suas
obras não contêm qualquer pretensão social. Outra diferença marcante entre Corneille
e Racine está no fato de que Racine se adaptou perfeitamente às restrições do
Classicismo. Ao decidir qual dos dois foi melhor tragediógrafo as opiniões se dividem,
mas uma coisa é unânime: Racine foi um homem de seu tempo, enquanto Corneille
poderia ter sido muito melhor se tivesse feito sua obra em uma época em que as
regras estéticas não lhe tolhessem a genialidade. Mas nem Racine ou Corneille será o
principal dramaturgo do Classicismo na França. Moliére é, sem dúvida, a principal
expressão do teatro francês. Sua obra criticou os abusos da época satirizando os
indivíduos. Acarretou sobre si os louvores de uns e o ódio de outros, mas
especialmente a simpatia de Luís XIV, seu eterno protetor. Moliére foi mais que um
autor de teatro: foi ator, diretor e empresário, responsável pelo lançamento de Racine
ao representar a tragédia Thebaide, só rompendo relações com o tragediógrafo
quando este cedeu uma peça à companhia concorrente. Comenta-se que o sonho de
Moliére era escrever tragédias, mas o gosto de Luís XIV pelo seu talento cômico o
impedia de realizar este projeto. De qualquer forma, a pior peça de Moliére é
justamente a sua única tragédia, Psyché. No mais, foi um comediógrafo perfeito, não
limitando-se a um único tipo de comédia: escreveu farsas, comédias de costumes,
comédias ballet, aproveitou-se da Comédia Dell’Arte, conseguiu fazer rir sem baixar o
nível de sua poesia. A obra de Moliére possui a marca das provações que o
amadureceram, tornando-o atento à simples verdade do coração humano. Assim, o
enredo mais convencional carrega-se de substância psicológica a partir da experiência
vivida. É difícil encontrar em sua obra uma piada, um jogo cênico que tenha sido
lançado ali gratuitamente. Ele aprofundou-se no estudo do meio, destacando as
reações da disciplina social sobre a natureza. Nenhum seguimento social escapou à sua
crítica: comerciantes, nobres, religiosos, falsos moralistas viam-se o tempo todo
denunciados em suas comédias. Como não podia deixar de convir a um homem de
teatro como ele, sua própria morte foi uma obra de arte: durante a representação da
comédia O Doente Imaginário de sua autoria, Moliére desfaleceu no palco, morrendo
pouco tempo depois em sua casa. Mesmo após sua morte seus inimigos não cessaram
de atacá-lo, não querendo conceder-lhe o direito de ser sepultado em solo cristão,
acusando-o de heresia e apresentando como prova a peça O Tartufo, em que Moliére
na verdade faz exatamente o contrário, ou seja, denuncia um falso devoto que tenta
seduzir a mulher do homem que lhe deu guarida. Como ator, Moliére também
alcançou sucesso: era um tipo engraçado com pernas longas, tronco curto, olhos
arregalados, gestos ligeiros e um poder de sugestão profundo. Depois de Moliére,
destacou-se na cena francesa a obra de François Marrie Arouet, cognominado Voltaire,
que criou uma forma cômica a partir das peças de Racine e consistia em fazer comédia
por meio da paródia de tragédias. Pierre Carlet de Chamblain de Marivaux foi o
principal dramaturgo francês do século XVIII, autor de numerosas comédias. O termo
marivaudage deve-se à linguagem ironicamente maliciosa, característica dos diálogos
de Marivaux. Com a Revolução Francesa, o Classicismo não respondia mais aos anseios
da nova classe dominante, a qual exigia uma espécie de arte que viesse ao encontro de
sua realidade: o Romantismo.
BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. São Paulo: Perspectiva, 2000.

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