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O Tempo como Comportamento Social

O presente trabalho tem como objetivo discutir sobre a concepção, e como podemos analisar
as formas de percepção da duração do tempo, em uma sociedade. Para tal, usaremos como
linha de condução as reflexões do autor Halbwachs em seu trabalho Memória Coletiva, que
levanta questões sobre as divisões do tempo, e como nestas podem se comportar as esferas
individual e coletiva. Assim, para encarar as possibilidades de acepção trazidas pelo autor,
iremos deslocar o raciocínio para refletir sobre as formas de uso dadas nas vivências das
temporalidades, e como estas seriam demarcadoras da noção de tempo. Com os autores
Palmeiras e Hubert demonstraremos a tese de que, ao se pensar o tempo, os comportamentos
sociais definidos por um grupo delimitam momentos e períodos específicos para encarar a
noção temporal coletiva.
Halbwachs dá corpo à sua discussão ao passo que define categorias para pensar e dividir o
tempo. Ele coloca o tempo matemático como aquele definido por formas uniformes de
divisão, em que possa ser compreendido para todos os grupos do homem - este seria o tempo
demarcado pelo calendário, contagem de anos, dias, meses, ou formas de se pensar uma
universalidade na concepção de tempo. Talvez este seja um modelo necessário à condição do
ser humano de agir de forma organizado para cumprir seu devir, de forma a possibilitar
conciliar os hábitos em concordância com o jogo social, por convenção, mesmo em diferentes
grupos - porém a contrapartida é um esvaziamento de características qualitativas, que aparece
quando se encara o Tempo Individual ou Coletivo. Ao pensar que a percepção do tempo se dá
com a sucessão de estados, de eventos em um grupo - e mesmo uma consciência individual se
coloca como tal sendo ponto de passagem para as consciências dos diferentes grupos em que
o tal indivíduo se relaciona. Seguindo esta linha de raciocínio, o autor encara o tempo coletivo
como um quadro de referências, dentro dos quais temos nossas percepções de duração. Por
exemplo, quando nos referimos a um tempo passado, o acessamos por uma lembrança que
precisa da memória coletiva para se localizar de forma mais definida - “isso aconteceu
quando estudava no colégio primário, antes do 11 de setembro, etc” - e é a partir da forma em
que o grupo, e seu quadro de referência, percebe a vivência desta memória, que sua
temporalidade e sensação de duração toma forma.
Estes pontos nos levam a pensar sobre a tese - se o tempo é medido pela referência de
acontecimentos, as durações, podem ser pensadas de acordo com um padrão comportamental
de um grupo definido a um período ou lugar. Cada grupo compreende as divisões do tempo de
uma forma determinada, então as mudanças nas formas de uso, vão gerar uma percepção de
tempo diferente. Palmeira em seu trabalho Política de Tempo e Nota Exploratória analisa uma
comunidade do Nordeste que existe um período determinado, o período eleitoral, como o
Tempo Político - neste tempo, o comportamento social forma uma nova dinâmica, em que se
reorganiza os jogos de poder. Segundo o autor:
A sociedade não é vista dividida em partes, ou em “esferas” ou “espaços”, como se
tornou mais adequado enxergá-la em nosso tempo acadêmico contemporâneo, mas
em tempos. Embora haja afirmações, como a de um poeta popular, de que “o tempo
é de tudo/sem tempo nada se faz”9, essa é mais uma virtualidade do que outra coisa:
em princípio tudo é “temporalizável”, mas só é “temporalizado” (isto é,
transformado em tempo, como o tempo da política, o tempo das festas etc.) o que é
considerado socialmente relevante pela coletividade em determinado momento. Por
isso mesmo, o rol de tempos não é fixo, como também não são permanentes as suas
incompatibilidades. (PALMEIRA, 2001, P.175)
E, se o tempo demarca formas de comportamentos e vice-versa, podemos demonstrar esta
forma de encarar o tema com a comparação entre momentos diferentes de um grupo, e como
as temporalidades se deram nestas mudanças. Um exemplo disto foi a condição de isolamento
social durante a pandemia - neste período definido, os comportamentos padrões de um grupo
tiveram que ser alterados, assim como suas noções de tempo, em decorrência. Quando
conversamos a respeito do período sobre pessoas que se comportaram de forma semelhante -
tendo a possibilidade de fazer o isolamento social -, é possível enxergar um padrão de como
este tempo, que parece que foi tão longo e ao mesmo tempo rápido pelas mudanças que
presenciamos, se coloca no quadro de referência do grupo, e em como ele foi percebido. Com
isso, as reflexões de Hubert tomam sentido ao passo que ele percebe que grande questão da
percepção do tempo não é a demarcá-lo e delimitá-lo, mas evidenciar seu ritmo:
As subdivisões do tempo não são grandezas definidas unicamente por sua dimensão
e por sua posição relativa. Em sua noção intervêm outros elementos que explicam
suas anomalias quantitativas, a saber, a noção de qualidades ativas, cuja presença as
torna umas em relação às outras, homogêneas ou heterogêneas. Se na representação
de cada uma das noções do tempo, intervier a de certa qualidade, esta seria
naturalmente concebida como igualmente distribuída em todas suas partes. Cada
período, ao se considerar apenas esta qualidade, será então necessariamente
homogêneo em relação a si mesmo. A homogeneidade do tempo deixará de existir
no final de cada período, pois elas terão a mesma qualidade. Enfim, o valor relativo
das durações não dependerá somente da sua grandeza absoluta, mas também da
natureza e intensidade de suas qualidades. (HUBERT, 2016, p.59)

Bibliografia

HALBWACHS, M. 2004. La mémoire collective [1950]. Édition critique établie par Gérard
Namer. Paris, Albin Michel, 1997 (trad. bras. A Memória Coletiva. São Paulo: Editora
Centauro, 2004). Cap. III “A memória e o tempo”. Pp. 90-130.

HUBERT, H. 2015. "Estudo Sumário da representação do tempo na regilião e na magia", in:


Benthien, Rafael Faraco;

Palmeira, Miguel; Turin, Rodrigo (orgs.) Edição bilíngue e crítica. Estudo sumário da
representação do tempo na religião e na magia. Coleção Durkheiniana, vol. II. São Paulo:
Edusp. Pp. 27-89.

GEERTZ, C. 1989. “Pessoa, tempo e cultura em Bali”. In. A Interpretação das Culturas. Rio
de Janeiro: Guanabara Koogan.. Pp. 225-277.

LEACH, E. 1974 [1961]. “Dois ensaios a respeito da representação simbólica do tempo”. In.
Repensando a Antropologia. São Paulo: Perspectiva. Pp. 191-210.

PALMEIRA, M. 2001. “Política e tempo: nota exploratória”. In. M. Peirano (org.). O Dito e o
Feito. Ensaios de Antropologia do Ritual. Rio de Janeiro: Relume Dumará. Pp. 171-178.

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